♤ VINTE E CINCO ♤
Revele-se, deixe aparente tudo aquilo que habita sua alma.
Com o avançar da noite passei a não me sentir bem, o decorrer da escuridão e a chegada dos ventos gélidos, me fizeram perceber o quanto estou sozinha. Observo através do vão de meu aposento e constato o quão estou absorta nessa construção de pedras, isolada de tudo aquilo que acreditava pertencer. Sinto de forma profunda a dor, mental e física, inundar o meu corpo, como se todo o peso do mundo caísse finalmente sobre meus frágeis ombros. Recordo que em outrora sentia bem em me alto machucar, em me fazer sentir uma dor que imaginava precisar e, agora, entre todos esses conflitos, constato que não fui capaz de me preparar o suficiente, de formar uma muralha indestrutível, pois, ninguém será capaz de curar a angústia que experimento ao cair do sol, da perda que imaginei superar, mesmo sendo recorrente a sua lembrança. A perdi como um sopro jogado ao vento, como pisotear as folhas secas que caem ao chão no outono e saber que jamais voltarão para o topo de suas árvores, não verão os frutos que ajudou crescer. Não fui capaz de prever, de mudar as circunstâncias ou fazer meus caminhos voltarem ao passado e impedir, de alguma forma, toda aquela fatalidade.
Adentro o quarto de banho e, ao tirar o vestido, vejo através do vidro, que separa o cômodo em dois, o meu reflexo abatido, os ombros caídos e ossudos, as lágrimas que insistem em cair apesar dos protestos de minha mente. Retiro o curativo, puxando devagar o adesivo que o prende, e encaro o vestígio que deixa visível para todos a minha fraqueza, não passo de pele e ossos, que sou apenas uma simples mortal, alguém como qualquer outro, sem poder nenhum. Faço uma retrospectiva mental, para ver onde errei, e retorno para o dia em que estava com uma ansiosa Cefeida ao meu lado, aguardando a visita da majestade real. Penso que minha única preocupação, naquele exato dia, era o de retornar o mais breve possível para casa e ficar ao lado de meu pai e nem passou por minha mente a hipótese de que em um tempo não tão distante, estaria a sepultar o corpo de minha mãe e carregaria o peso de sua morte para todo o sempre. Aquele era o tempo no qual o único problema de maior urgência que eu tinha era a incerteza se casaria por obrigação e não por amor, se seria empurrada para seguir os deveres de uma promessa ou simplesmente lutaria para conseguir mudar o meu destino. Agora, busco imaginar como estão aqueles que amo. Vejo, em meus pensamentos, papai e Derek em uma conversa sobre como combater o Lucas, imaginando o que devo estar fazendo agora e lá está Cefeida, em Eiwink, sofrendo por ter sido traída pela própria irmã, enxugando às lágrimas nos braços de nossa tia. Percebo, com tudo isso, a inconstância de meu trajeto, como meu destino tem um péssimo humor e enredo, pois, jamais imaginei que no final de tudo eles me fariam parar aqui, em terras desconhecidas. Saio do banho e observo meu cabelo derramar gotas de água sobre o piso esbranquiçado, tudo não passa de um borrão cinza, uma nuvem negra sobre a minha cabeça, e o ponho de lado, noto que esmeralda está deitada sobre a cama e vou acaricia-la.
— Então, esmeralda, parece que estamos sozinhas.— sussurro, sento-me na cama e toco nos seus finos pelos.
— Parece que se esqueceu de mim.— diz Zedara, eufórica, ao adentrar abruptamente no meu aposento.
— Dara!— me surpreendo e corro para abracá-la, molhando toda as suas vestes.
— Menina, mas em que confusão se metera!— ouço sua voz divertida e fecho os olhos, pois, sua presença me leva a Prylea e a tudo que aconteceu antes de sua vinda.
— Não sou eu quem me meto nas confusões, elas que vem até mim.— afirmo.— Senti sua falta. Por sinal, fez um ótimo trabalho com Lívia, precisava ver o empoderamento com que ela adentrou o palácio.— exponho e sinto toda a angústia desaparecer.
— Queria ter visto, mas assim que recebi a carta que deixou com Mila parti para cá.— informa e assinto.
— Fez certo. Depois disso foi uma confusão que não haveria como enviá-la para cá a tempo. Falando nisso, preciso de sua ajuda com um ferimento, necessito de uma bagagem.— digo, recordando que não posso deixar a cicatriz exposta, e sentindo o efeito dos remédios passarem.
— Mostra!— pede Dara e abaixo um pouco do lado esquerdo do roupão, deixando aparente a cicatriz ainda recente.
— Jade, isso é uma marca de projétil!— esbraveja, constando o perigo da viagem que fiz, e faço apenas que sim com a cabeça.
— Sim, tive alguns contra tempos, passei alguns dias desacordada e, por isso, demorei para vim.— explico e ergo o roupão de volta para meu corpo.
— Não poderia ter vindo dessa maneira, isso pode inflamar e será um risco ficar tão exposta.— ralha e respiro fundo.
— Estou aqui para convencer o conselho a nos ajudar, quero adiar algo que possa tornar-se pior. Precisa me deixar semelhante a Cefeida.— esclareço e a vejo balançar a cabeça em negativa.
— Será difícil pôr na sua mente a síndrome de Cefeida, a senhorita tem uma leve tendência a não levar desaforos para casa e possui uma língua tão afiada como a lâmina de uma katana.— argumenta e sorrio com seus elogios.
— Por isso que a mandei para cá antes de mim, minha espiã.
— Bom, tenho algumas informações que podem ajudá-la a convencer alguns conselheiros.
Passamos a noite fofocando sobre detalhes do reino e dos últimos dias. Zedara preparou meus cabelos para o dia seguinte, fez um curativo com ervas e contou-me sobre o relacionamento de Lívia com todos daqui. Fomos dormir tão tarde que ao acordar senti como se não houvesse dormido nenhum segundo sequer.
Não exato instante, Zedara termina de soltar os cachos que fizera na noite anterior e me ajuda a pôr o vestido perolado, emprestado por Lívia
Em seguida, passa uma camada generosa de maquiagem por minha face, com direito a sombra esverdeada e lábios tingidos de rosa. Ela busca brincos de gemas verdes para pôr em minhas orelhas e um colar com mesma conta para pôr sobre meu colo.
— Pode iniciar os agradecimentos, ficou incrível.— pronuncia Zedara, me fazendo olhar para o espelho. Admiro meu reflexo, constato que não sou eu quem está aqui e sim uma versão de Cefeida um pouco mais velha.
— Obrigada, está perfeito!— agradeço e sorrio para ela.
— Está pronta?— questiona Lívia adentrando o espaço com toda sua altivez. A rainha em questão veste um belo vestido azul com bordados, em formato de flores, e pedras de safira. Sobre seus cabelos, vejo uma coroa inusitada, dourada com pérolas e em formato de sol, repleto de ornamentos e enfeites.
— Estou.— respondo e a vejo se encaminhar para fora do aposento.
— Vamos, o concelho está reunido apenas nos aguardando.— ao ouvir suas palavras, sinto meu peito ganhar uma nova batida e respiro fundo, buscando calma de alguma parte esquecida. Andamos por corredores que cintilam ao menor contato do sol e meus olhos buscam acostumar-se com toda a claridade. Sinto pares de olhos me inspecionando e, ao olhar sobre o ombro, avisto duas cópias de Derek, contendo as mesmas íris douradas, o que me faz sentir segura, que estou mais próxima do meu amor.
Tento não me apegar aos detalhes, de como preciso da aprovação de desconhecidos. Avisto uma porta amadeirada, a única em todo castelo e seguirmos até ela, noto quando Lívia para ao segurar a maçaneta e volta sua atenção para mim. Então, ela entrelaça sua mão na minha e adentramos assim, demostrando para todos que a nossa decisão é uma só e tenho seu apoio.
— Senhores e senhoras, com a chegada de Vossa Majestade Lívia Maris e a senhorita Jade Haas, podemos iniciar os debates para analisar sua solicitação.— comunica, o rei Graco, para os conselheiros e o vejo me dar o aval para iniciar. Observo suas faces de tédio e reprovação, suspiro, pedindo forças ao universo e início meu discurso.
— Apresento-me a todos, sou Jade Haas, plebeia real do reino de Ulyere e futura rainha de Limbell. Venho por meio deste, apenas solicitar ajuda das tropas civis de vosso reino para encaminhar fugitivos do nosso reino que se instalaram aqui. Trata-se de Vossa Alteza Príncipe Lucas Maris e Vossa Majestade Rei Dallas.— informo e aguardo algum deles tomar a iniciativa de me confrontar. Sinto o típico suar de mãos e as limpo no vestido.
— Senhorita Jade, creio que seja de certa importância para vocês, porém, não podemos arriscar um acordo comercial com o reino de Abeiron, que nos enviam suas tecnologias.— argumenta um senhor, por volta dos seus sessenta anos e não me admira, pois, para ele, é mais fácil julgar aquilo que é imutável. A resistência a mudança é típica para quem já tem certa idade.
— Senhor, creio que não entende a gravidade da situação. Eles querem destruir Sandelle, nosso mundo, não acredito que irá abandonar quatro reinos apenas por um, no qual o rei se encontra falido!— replico e percebo a paciência se esvair de minhas veias. Recordo-me que não posso perder a graça e sorrio no final da frase. Bodega de marionete!
— Ela está certa Eron. Não podemos arriscar, quatro reinos contra um é significativo. Precisamos reconsiderar, ver os pós e os contras.— argumenta a senhora, pouco mais jovem que o outro conselheiro. Fico desviando a atenção entre eles e os demais que continuam quietos, aguardando as ordens dos mais velhos. Volto a olhar para Lívia e observo seu acenar positivo.
— Ina, nosso povo não tem experiência com batalhas, mal sabem usar armas. Eles estão dentro de nosso reino, usurpando nossas terras e só a vinda dessa jovem já pode iniciar uma guerra.— justifica o senhor, buscando convencê-la de que o certo é nos deixar padecer.
— Entendo que não estão se importando conosco, que sou apenas uma jovem plebeia, sem nenhum vínculo potencial para os senhores. Porém, posso garantir que meu povo já possui em suas veias uma dose exacerbada de medo e horror, e um pouco a mais não fará tanta diferença. Estamos cansados, quero poupá-los de mais dor, sinto que a qualquer instante meu corpo irá se partir ao meio, somente pelo tanto de situações conflituosas que tenho vivido nos últimos meses. Então, caso queiram nos ajudar, ficaremos aliviados e agradecidos, caso não, não serei eu a impedir que destruam tudo que virem pela frente e podem ter certeza que eles virão atrás de quem os virou as costas.— intervenho, de maneira que fique claro meu protesto com o que fora dito pelo senhor Eron. Analiso a face de todos os presentes e percebo que os deixei na defensiva.
— Isso foi uma ameaça, senhorita Jade?— questiona Eron e apenas ergo uma de minhas sobrancelhas. — De qualquer modo, não podemos decidir de cabeças quentes, precisamos nos reunir e decidir em conjunto. Bom, dou por encerrado a reunião e retornaremos com o resultado em três dias. — finaliza e semicerro os olhos para que ele entenda o grau de urgência do meu pedido.
— Dois dias.— afirmo e fecho minha mão em punho.
— Ok, retornaremos em dois dias. Até lá, não nos meta em conflitos.— o vejo sorrir de canto e balanço a cabeça em positiva. Os vejo se retirar da câmara e respiro aliviada. Lívia e Graco vão com eles, porém, em poucos instantes, Lívia retorna e observa a minha face. Creio que passei muito tempo inativa e que passar por essas situações sugam mais da minha energia do que em tempos remotos.
— Bom, amanhã iremos nos reunir novamente, meu voto junto ao de Graco tem valor com peso considerável e seus argumentos foram bons.— informa Lívia, exibindo um largo sorriso na face.
— Decerto, agora preciso apenas dos dois dias que me deram, é tempo suficiente para o que tenho programado.— confesso e ponho uma de minhas mãos sobre o queixo para refletir melhor.
— Programado para o quê?— questiona, noto em seu semblante a dúvida e preciso que se mantenha assim.
— Saberá em breve.— digo e sinto seu braço segurando o meu ombro.
— O que pretende fazer, Jade?— exponho e me ponho a sair do lugar. A lembrança de outrora revira meus pensamentos, quando estava em uma câmara similar rogando para que terminassem com as avaliações e com toda história de “promessas”.
— Salvar nosso reino.— confesso. Sinto uma tontura repentina e me apoio em Lívia que percebe a falha em meu sistema.
— Não comeu nada desde ontem. Vamos, não quero que morra em meu reino ou meu irmão vira até aqui matar todos nós.— brinca e meneio a cabeça negativamente, mesmo sabendo que ele seria capaz disso. Vamos caminhando, me deixo ser guiada por ela e adentro uma bela sala de refeições. Sento-me em um dos assentos de madeira dourada e revestimento de seda branca, os entalhes são como tudo no reino, sol, sol e mais sol. Sirvo-me de frutas e observo dois jovensinhos sentarem-se conosco.
— São tão parecidos. — reconheço, ao fitar por muito tempo a face dos jovens.
— Sim, e é o que me conforta durante todo o tempo, ter duas versões de Derek junto a mim.— declara Lívia. Percebo que nesse tempo ela viaja para outra dimensão e, por algum motivo, sei em quem ela está pensando.
— Será que não podemos estar erradas? Temos uma mente tão fértil. — admito, desejando que minhas palavras tivessem força para se transformar realidade.
— Apesar de tudo, creio que não. Hoje trarei alguém para falar com você, talvez a convença a falar mais sobre.— confidencia e volto a olhar para os garotos.
Em meados da tarde, Lívia apresentou-me Olívia, tia de Derek, e ela se mostrou disposta a ter uma boa conversa. Solicitei que Lívia nos deixasse a sós, pois, de certa forma, a senhora me dava alguns olhares furtivos e sugestivos. Quando saímos para dar um paceio no jardim, pude perceber o seu respirar mais leve e o vinco em sua tez desfeita. Nunca fui boa com joguinhos e voltas, para chegar em determinado assunto, então, para facilitar, iniciei o diálogo no ponto mais específico, na questão que dominava meus pensamentos.
— Então Olívia, a mãe de Derek está viva?— indago, enquanto andamos despreocupadas por entre as violentas e jasmins. Por um instante, sinto suas ressalvas em me contar, porém, também percebo que ela está cansada para fingir não saber de nada.
— Lívia lhe contou suas desconfianças?— replica e faço que sim meneando a cabeça. Olívia veste um conjunto claro nos tons branco e creme, sua face é pálida e com poucas rugas aparentes, no entanto, seus lábios, possuem vários pontos franzidos, deixando aparente sua idade. A senhora em questão, me convida para sentar em um dos assentos de concreto e aceito, sabendo que a verdade está mais próxima.
— Elena era nossa irmã mais jovem, mais bela e com uma doçura invejável. Temos todas, a diferença de poucos anos uma das outras e sempre soubemos que, por sermos de uma classe mais elevada, precisávamos parir feito coelho. Hoje em dia, ser uma promessa ou destinada é fácil, o príncipe escolhe e vocês podem entrar em concessão, na nossa época as rainhas mães escolhiam, eram momentos de tortura, e todas amavam a Elena. Heitor era o príncipe mais cobiçado pelas destinadas, próximo na linha de sucessão, amável como minha irmã, formavam o par perfeito e seriam até hoje, se de uma hora para outra minha irmã não houvesse desaparecido. Stella foi escolhida pela rainha, mãe de Heitor, e vi minha mãe definhar ao poucos com o desaparecimento de sua amada filha. A questão é que ouvi Elena dizer que estava esperando um filho de Heitor antes de sumir do mapa, por algum motivo Stella foi a única que também ouvira e confessara também esperar um bebê do futuro esposo. Não me questione sobre as empreitadas, foi um golpe que todos nós sofremos, só me recordo de poucos meses, após ouvir o primeiro choro da Livia, ouvi boatos de que no mesmo dia outro bebê nascera morto no castelo. Pensamos que fora uma gravidez de gêmeos, mas tudo estava muito confuso e foi quando descobrimos a farsa. Stella era a rainha e minha irmã, Elena, amante do futuro rei, ambas foram postas em uma jogada real, onde uma (por ter mais força) serviria para comandar o trono e a outra, a mais amável (para satisfazer o amor do futuro rei) serviria como amante. Lívia pertencia a Stella e o bebê que morreu era de minha mais jovem irmã. A segunda gravidez fora complicada para quem realmente engravidou e faleceu no parto, deixando um bebê nas mãos de quem não o amava. Stella fingiu a gravidez, lembro que foi um furdunço porque ela garantira que descobriu tarde demais e por pouco o bebê não nasceu antes dela conseguir concretizar sua farsa.— faz uma pausa. Busco equilíbrio para manter-me sã e continuar a ouvir o que ela tem para terminar, mas a quantidade de informações me deixa confusa, com os neurônios fervilhando e o peito em milhares de fragmentos.— Então, Derek não é filho dela, nunca foi e nunca será, pois, eu lia suas cartas e nelas, ela descrevia como a presença dele a fazia lembrar do que fizera com a irmã e com Heitor. Esses são os detalhes que sei, e agora lhe passo o peso de saber toda a verdade.
— Isso é muito contraditório! Derek não merece saber disso, uma história com fios soltos, isso deve ficar só entre nós.— digo e sinto uma dor profunda em meu cerne.
— O menino merece saber que não é filho de alguém como ela, vai aliviar um pouco a alma, mas não serei eu a dizer. — argumenta e miro um pássaro a planar no céu. Sinto os lábios secos, a ventania sussurrando em meu ouvido um futuro que não quero ver, caso Derek saiba de tudo isso.
— A senhora vai trazer a mãe dele de volta?— indago com ironia, para que ela entenda a gravidade do assunto, para que saiba que não serei a portadora da notícia. Ele não merece sofrer e pensar que perdera as duas mães que tivera, remexer essa ferida o matará aos poucos, o fará imaginar milhares de destinos que poderia ter e que nunca passarão de pensamentos. Então, com a mente transbordando milhares de hipóteses e observando a face da desesperada à minha frente, dou apenas a minha última sentença. — Trocar uma mãe morta por outra, não resolve o problema. — digo e a deixo sozinha entre as rosas.
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