Capítulo 30
- Ah... M-me desculpe. Foi s-sem querer - fico vermelha de vergonha - Mas quem mandou chegar de mansinho!? - mudo de tom e ponho as mãos na cintura, na tentativa de mostrar que fiquei irritada.
- Agora a culpa é minha? - ele diz já pegando a bandeja novamente.
- Totalmente - a essa altura, todos pararam para ver e rir da cena - deixe-me te ajudar - agacho e o ajudo a limpar.
Começo a rir da cara de surpresa que ele fez e da minha de constrangimento. E acabo o contagiando, pois ele também começa a rir. Esqueço que tem mais gente vendo a cena. Apenas foco no cara à minha frente. Nesse momento, só existe ele, eu e nós.
- Você não existe - ele se levanta.
- Nem você - faço o mesmo.
- Vou pegar outro - ele levanta a bandeja que contém o pão que antes estava no chão e agora todo despedaçado, o copo com o resto do suco e a laranja que está partida ao meio, mas com cabelo do chão agora.
- O lugar não está ocupado - Nós sorrimos um pro outro.
- Já volto então - ele se vai.
- O que acabou de acontecer aqui? - Marlene pergunta.
- Não sou fã desse cara - Guilherme fecha a cara.
- Não sei - aponto com a cabeça para Marlene - E vamos dar uma chance pra ele - olho para Guilherme.
- Que sorrisinho é esse na sua cara? - Marlene diz desconfiada.
- O que? - percebo que estou com um olhar bobo, tento me recompor.
- Você sente algo por ele?
- Você está gostando dele!? - Guilherme diz assustado.
- Quê!? Não!
- Pode confiar na gente.
- Marlene, somos só amigos - pego em suas mãos.
- E tudo o que você nos contou sobre ele? - Guilherme se indigna.
- Bem...
- Vamos descobrir logo, logo - Marlene dá uma mordida em sua pera para disfarçar.
- Não vai derrubar essa também - Fábio se senta e sorri.
- Foi mal - volto a ficar constrangida - trocou de calça? - reparo em sua roupa.
- Sempre tenho uma de reserva.
- É sempre bom - não consigo dirigir meu olhar pra ele.
- Quais são as suas intenções? - Guilherme pergunta de repente, com um tom de voz mais autoritário.
- Quê? - Fábio fica perdido, como eu.
- É. Como você chega aqui e age como nosso amigo?
- Isso é ciúmes...? - implico.
- Não. Só quero entender as coisas.
- Meninos! - Marlene se pronuncia - Nada de brigas. O tempo é curto. Vamos aproveitar.
- É! E respondendo a sua pergunta – mesmo a pergunta não sendo pra mim, eu acabo respondendo - ele é meu amigo - bom, não tenho certeza, mas o Guilherme não pode ter um ataque de ciúmes e esperar que eu não faça nada. Embora eu não ache que seja um ataque de ciúmes, somos só bons amigos. Ele deve estar só preocupado comigo, contei tudo o que aconteceu entre mim e Fábio desde sua chegada para Guilherme e Marlene.
- Não acha estranha a atitude dele? - Guilherme insiste.
- Não tem problema. Eu vou para outro lugar - Fábio ameaça a se levantar.
- Não - seguro seu pulso - O que deu em você? - encaro Guilherme.
- Já disse que não confio nele.
- Não precisa ser um idiota - droga! Escapou. Não queria o chatear - não foi o que eu quis dizer - me arrependo profundamente do que eu acabara de dizer. Guilherme sai da mesa e some em meio à multidão - Espera!
- Eu não queria isso - Fábio quebra o silêncio que se instalou. Mas eu o ignoro.
- Não foi culpa sua - Marlene diz. E eu agradeço mentalmente por isso.
Sem dizer nada, saio da mesa a procura de Guilherme. Sei exatamente onde ele estará. Preciso consertar as coisas. Me encaminho para a biblioteca e, como o previsto, eu encontro-o.
- Eu não queria dizer aquilo - me sento no Puff ao seu lado.
- Tá tudo bem.
- Não. Não está.
- Vi?
- Diga - sorrio, encorajando-o.
- Eu gosto de você.
- Eu também gosto de você.
- Não. Você não está entendendo.
- Olha. Porque não voltamos? Fábio ficou mal, ele deve ter saído já.
- Você não enxerga? Ele te trata mal e você ainda fica do lado dele.
- N-não é isso.
- É sim.
- Não vim aqui para falarmos sobre ele - o corto. E o que eu não esperava aconteceu.
Guilherme me deu um beijo de surpresa. Fiquei sem reação, não sabia o que fazer. Ele era meu melhor amigo. Isso não poderia acontecer.
O sinal toca.
- Tenho que ir - ele se afasta e eu logo digo e saio. Como vou olhar pra ele depois disso?
- Olha por onde anda! - na pressa, acabo esbarrando em alguém.
- Desculpa - vejo que é Safira. Trato logo de me desculpar para poder sumir.
- Você está bem? - por um momento, não vi aquela garota da aula de educação física, metida, mas sim uma colega querendo fazer amizade.
- Tô. Tchau - volto a fazer o que estava fazendo antes de trombar com ela.
Chego na sala e me sento do lado da janela no fundão. Baixo a cabeça e as cenas de minutos antes voltam à minha mente. Isso não pode ter acontecido. Pode estragar nossa amizade e isso eu não quero jamais.
Guilherme é um doce, gentil e carinhoso. Uma pessoa diferente do comum. Não é todo dia que se encontra um garoto nerd e skatista ao mesmo tempo.
Sorrio ao me lembrar da primeira vez que nos encontramos, digo, quando realmente reparei nele.
Ele é único.
Mas somos e seremos apenas amigos. Nada mais que isso. Ele vai ter que entender. O enxergo como um irmão que nunca tive.
Eu acho...
No segundo intervalo
- Por que estava correndo hoje mais cedo? - Safira chega perto.
Assim que bateu o sinal, fui para debaixo das arquibancadas. Não estava pronta para encarar o Guilherme.
- O que te importa? - digo irritada.
- Come torta - ela faz careta e eu rio.
- Isso não é muito infantil pra você? - arqueio uma sobrancelha.
- Tirei um sorriso seu - Safira diz e eu abro mais o sorriso.
- Por que está aqui? - volto com a minha cara séria.
- O que adianta implicar com você se tu não está bem para rebater? Fica chato - ela finge se chatear. Reviro os olhos.
- Valeu. Já me sinto melhor - me levanto.
- Tenho 5 irmãos mais novos. Sei como alegrar alguém. Muita prática... - ela segura meu pulso, me fazendo sentar novamente.
- Vai ficar se achando agora é? - ponho a mão na cintura. Nós gargalhamos juntas - onde você fica nos intervalos?
- No ginásio, vendo os jogos quando tem. Na biblioteca ou no banheiro. Tanto faz - faz pouco caso.
- Sozinha? - me sento novamente.
- Fazer o que.
- Você é tão... intimidante – digo meio receosa.
- Me acha intimidante? - ela abafa o riso.
- Tenho que admitir.
- Protejo o que é meu - fala firme - sei que quer ser capitã do time. Então, lhe mostro que não conseguirá tão fácil - essa é a Safira que conheci na aula de educação física.
- Ok - finjo me render - me lembre de não implicar com você - ela ri - por isso que, quando Guilherme e Marlene falaram sobre você, nem acreditei que era você - ela ri.
- Já sou conhecida? - empina o nariz, me fazendo rir.
- Um pouquinho - um silêncio reina entre nós.
- Eu te admiro. Sabia? - Safira quebra-o.
- Oi? Eu? Quê? Por quê? - o que tem para admirar em mim?
- Mal te conheço. Mas... Me disseram que você era a patricinha, a popular. E, de uma hora pra outra, virou a rockeira do pedaço.
- O que tem para admirar nisso?
- Sua coragem. Acho que não é fácil mudar assim, drasticamente. E você mudou.
- Err... - fico sem palavras.
- Devia se orgulhar - Safira deita em meu ombro.
- Por que tá dizendo isso? Assim?
- Samuel é meu primo. Por isso meus pais me transferiram pra cá. Pra ele "ficar de olho" em mim - faz aspas com os dedos - de acordo com minha família, estou indo pro lado errado. Só porque gosto de esportes.
- Só por isso!? - busco seu olhar.
- Digamos que sou meio obcecada - ela ri sem emoção - Além d'eu ser melhor do que muitos garotos. Eu que ensinei Samuel. Mas ele não admite. Não gosta.
- Machista - escapa e ela ri.
- Mas não é só isso... - ela suspira – na verdade, isso apenas contribuiu. Mais as roupas que gosto de usar. Disseram que já fui confundida com um menino. Eles surtaram! O verdadeiro problema é...
- Com esse cabelo?
- Ele era curto na época... Sabe, eu sempre fui rebelde, eu não os obedecia.
- Mas..., então, por que você resolveu obedecer? - Não achei as palavras certas.
- Porque eles me pegaram beijando uma garota. Não quero receber aquele olhar de novo - quero ajudar. Quero dizer algo para animá-la. Mas não acho as palavras.
- Não é fácil. Sei bem disso. E, mesmo parecendo impossível, não podemos nos rebaixar a seguir o padrão. Não podemos ficar infelizes, só porque o povo quer - ela sorri e levanta o olhar para o meu.
- Posso te perguntar uma coisa? Não precisa responder se não quiser – ela respira fundo antes de continuar - Você já pensou alguma vez... em...
- Pensei em...? - a encorajo.
- Ficar com alguma garota?
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