CAPÍTULO III
Abrir os meus olhos, eu estava deitado no chão. Deveria ser quase 06h00min, as faxineiras logo chegariam. Eu me levantei, sentindo o corpo pesado e dolorido como se estivesse exagerado em alguma atividade física. Aladim estava deitado perto de mim, me olhava com aquela cara triste de cachorro sem dono. Passei a mão em sua cabeça e cariciava as suas orelhas deixando-o mais preguiçoso.
Eu fiquei pensativo. Eu deveria ter adormecido e sonhado com aquilo — Aquele episódio estranho na noite anterior —, porém, foi tão real... Eu deveria estar ficando maluco.
Avistei o meu desenho próximo à porta do colégio, preso a um arbusto florido. Fui até ele e o peguei. O fitei em minhas mãos. Apesar daquele sonho horrível, eu havia me superado aquela noite. Sentia até certo orgulho em ter feito aquela maravilhosa obra de arte.
O ergui contra o sol nascente e percebi manchas vermelhas no verso. Franzi o cenho, não me lembrava de ter pintado nada e nem sequer usei tinta vermelha. Virei a folha e ao ver, me deparei com algo tenebroso. Senti um choque estremecendo o meu corpo que deixou meus membros trêmulos.
E não era tinta... Era sangue. Estava escrito: A VERDADE
Eu paralisei. Agi sem pensar, só peguei um isqueiro em meu bolso, o acendi e queimei as bordas do papel. Joguei no chão e assistir as labaredas tomarem conta de meu trabalho, invadindo o céu negro, a gigante lua azulada, as corujas deitadas no parapeito do casarão e em seguida todo o resto. Em instantes, a melhor pintura que havia feito se resultara em apenas cinzas.
Voltei para casa atordoado. Não havia explicação alguma para o que aconteceu. Será que as lendas são reais? Aquele casarão realmente é mal-assombrado? A dama de branco existe? Não! Eu só poderia estar paranoico.
Abri a porta de casa e fui recebido pelo abraço apertado de minha mãe. A dona Marla era tão jovem, que as pessoas costumavam dizer que parecíamos irmãos. Ela tinha cabelos negros e lisos, medindo a metade das costas. Era mais baixa que eu e magra, gostava muito de usar vestidos e saias compridas. E naquele momento ela estava arrumada para o trabalho de vendedora em uma loja de roupas e acessórios femininos que tinha o meu tio Evandro como proprietário.
A minha mãe olhou para mim e notei o seu rosto entristecer.
— Por que essa cara? — Eu perguntei, acomodando a minha mochila no sofá.
Ela balançou o rosto negativamente, eu percebi os seus olhos se encherem de lágrimas.
— Isso não estar certo.
— Ah... — Suspirei e revirei os olhos. Eu já sabia o que vinha por aí. A minha mãe era muito dramática e exageradamente preocupada, de uma forma que chegava a sufocar. — Não comece mãe.
— Como você quer que eu reaja? Você passou a noite em claro, perdendo sono, sozinho naquele ambiente perigoso, ao ponto de ficar resfriado, ser assaltado, ser refém de bandidos. Esse trabalho não é para você meu filho.
Ela pegou em meus ombros, porém, eu segurei em suas mãos e as abaixei.
— Mãe, por favor... Não me trate como criança. Bem que já está na hora da senhora acostumar com isso e aceitar que seu filho já é um homem.
Ela continuava a fingir uma cara de choro. Está bem que eu era uma pouco sensível, mas eu já a conhecia bem e aquela chantagem emocional não me faria mudar de ideia, afinal, certos limites deveriam ser postos, mesmo se referindo a minha mãe a que devo respeito. Se tudo fosse da forma dela eu acabaria me tornando um marmanjo desempregado vivendo as suas custas. Não é isso o que eu quero.
—Tudo bem. — Ela assentiu e deu um passo à frente em direção à porta e olhou para mim. — Mas, não pense que irei deixá-lo se matar dessa forma.
Ela saiu fechando a porta. Peguei a minha mochila no sofá e caminhei para o interior da casa. Eu certamente estava cansado e nem tinha tanta fome. Eu fui em direção ao me quarto. Lá eu o encontrei bem arrumado, com minha cama de solteiro ao lado da janela de vidro, que o iluminava. As paredes tinham cor verde água, uma pintura já velha e desgastada e do lado direito havia desenhos em molduras — Os melhores que fiz — O meu guarda-roupa era bem pequeno e tinha a cor de madeira clara, com antigos adesivos de cadernos colados quando eu era criança. Era um espaço pequeno, mas bem arejado. Pelo chão eu deixava espalhados meus tênis e sapatos e junto à porta tinha uma mesa pequena, que servia para por alguns livros e meu material de pintura.
Eu só entrei e joguei minha mochila no chão. Tirei apenas meus sapatos e me joguei na cama, onde a mesma fez o meu corpo pular com o impacto. Deitado de barriga para cima, olhava para o teto e me lembrava daquele sonho estranho e do meu desenho pichado....Pensei bastante nisso, então conclui que foi tudo obra de minha imaginação. Uma alucinação provocada pelo cansaço ou pelo pesadelo. Bocejei alto, pensar naquelas coisas estava me dando sono, quando me dei conta, já havia dormido.
Uma brisa suave acariciava a minha pele. Não fazia calor e nem frio, apenas um clima agradável. Uma trilha de pedras seguia em frente, talvez levando a lugar nenhum. Ao redor, tudo era verde, a grama bem aparada se estendia até onde a visão alcançava, arbustos floridos encantavam e inúmeras árvores ensombravam aquele jardim. Haviam bancos de praça pintados de branco, era um lugar fascinante, porém, deserto.
Logo ali, não muito longe, em destaque. Era um fabuloso Ipê amarelo, eu nunca vi tão florido! — Era uma imensa árvore de tronco grosso, com densos galhos que formavam uma "cabana" amarela e suas flores se estendiam em volumosos e pesados cachos indo a encontro ao chão, que por sinal, estava forrado pelas pétalas. Era Outono, época comum para os Ipês florescerem e caírem às folhas. — Era a vista mais linda que eu já havia visto, principalmente por aquela figura que descansava embaixo da árvore.
Uma moça, de longos cabelos louros, vestida de branco. Parecia distraída, olhando para uma prancheta, apoiada em suas pernas. Ela... Pintava! Ao lado havia um lago, onde refletia a sua imagem, porém, o seu rosto estava embaçado, eu não conseguia reconhecê-la, porém, me parecia alguém familiar. Aquele lugar eu não fazia ideia de onde fosse, mas eu sentia que já estivera ali antes.
Logo eu percebi que estava consciente, eu estava no meio de um sonho, mas não conseguia acordar. Aquilo era assustador e ao mesmo tempo deslumbrante. E aquela moça... Eu precisava chegar mais perto dela.
Eu não sei, mas eu corria, corria como se tivesse muita pressa, porém, o lugar que não parecia ser tão longe eu não conseguia alcançar. Distanciava-se cada vez mais e o cansaço me condenava. Aquela moça continuava imóvel, como uma estátua de cera. As horas pareciam parado, tudo ao redor da mulher de branco parecia estar congelado no tempo. As folhas não balançavam mais, mesmo com o vento, até as pequenas ondas projetadas no lago estavam paralisadas, entretanto, eu sabia que não poderia temer aquilo, afinal, era um sonho.
Veio um branco em minha mente, senti um desconforto em minha cabeça e quando me dei conta, eu estava embaixo do Ipê amarelo. Não estava cansado e nem um pouco ofegante, parece que eu havia sido teleportado como em mágica, porém, a moça não estava mais ali. Olhei para o chão e vi a sua pintura esquecida. Paralisei...
O meu coração parecia querer explodir e meus braços tremiam, ainda não sei como devido a tamanho espanto eu ainda não haveria despertado. Sonhos lúcidos tendem a ser bastante leves em mim.
Aquela pintura era na verdade o desenho que eu havia feito ontem e havia queimado mais cedo no colégio. Ele estava ali intacto sem as manchas de sangue. Consegui pegá-lo do chão sem receio, o fitei detalhadamente. Eu não conseguia esconder minha emoção. Se não era para ter medo, naquele momento eu estava tendo.
Aquilo era surreal demais para ser apenas um sonho. Senti a brisa balançar meu cabelo e na face senti um perfume. Era uma fragrância doce, mas não enjoativo, cheirava a frutas vermelhas. Senti a forte presença, que arrepiou os pelos de meu corpo. Eu sabia que estava em minha frente, mas eu não queria olhar, até eu escutar: "Rodrigo..." — Aquela voz rouca e baixa me parecia familiar, mas eu não conseguia me lembrar. — Olhei para frente e vi a figura. Era bem jovem, magra e pele bem branca. Seus longos cabelos de ouro deslizavam em suas costas, sendo açoitados pelo vento fraco. Eu sentia certa ternura em sua presença, algo angelical, cheio de amor. Apesar de tão perto dela o seu rosto ainda era indistinguível, embaçado como um vidro em tempos frios.
— A verdade... — Ela disse, no mesmo tom baixo e rouco, ao mesmo tempo estirando suas mãos a mim.
Eu obedeci ao seu gesto. Soltei o desenho que segurava e peguei em suas finas e delicadas mãos. A sua pele era quente e graciosa, me fazia sentir leve e em paz. Fechei os meus olhos e deixava aquela sensação me dominar. Talvez eu estivesse no paraíso dos céus e aquela moça, fosse algum anjo. Nunca me senti tão bem em minha vida.
A sensação adorável logo mudou, quando sentir certa umidade em minhas mãos. Abri os olhos e me deparei com uma face horrenda, enrugada, deformada, com as órbitas oculares vazias e ensanguentadas. Era como se fosse um defunto em estado de decomposição.
Acordei. Foi um susto silencioso, mas despertei ofegante sentado na cama, meu coração nunca ficara tão disparado. A minha visão estava embaçada e ainda sentia umidade em minhas mãos. As estendi e baixei os olhos.
Eu via sangue.
...
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