CAPÍTULO XXVIII
A mulher era, de longe, a criatura mais fascinante que Melina já havia visto.
A pele negra, escura como um céu sem estrelas ou um abismo perdido em algum lugar da galáxia, possuía um brilho sutil conforme ela se movia em direção aos intrusos. Seus olhos intimidadores possuíam o mais puro brilho marfim e, mesmo a onze mil metros abaixo da superfície, seriam o suficiente para cegar qualquer mortal. Seus cabelos eram violetas e cintilantes, assim como sua calda. Quando ela se aproximou, por baixo, até que seus rostos estivessem na mesma altura, seus cachos ocuparam todo o campo de visão, volumosos e imponentes, assim como o rosto da desconhecida.
O homem que a acompanhava parou em frente à Dante, tão sério quanto. Melina olhou de soslaio para sua cauda laranja e preta, que em muito lembrava a de seu pai. Seu coração doeu.
Mal conseguia encará-los. Engoliu em seco.
De algum modo, nutria mais respeito e temor por eles do que por Poseidon.
Sabia bem que aqueles dois estavam prontos a eliminá-los em questão de segundos, contudo, diferentemente de quando estava diante do deus, não sentia perversidade misturada à poder. Apenas a aura etérea, antiga e magnífica.
Antes que pudesse pensar em qualquer outra coisa, algo ecoou em sua mente. Como se estivesse deitada na queda de uma cachoeira, foi inundada. Nenhuma palavra foi formulada, propriamente, mas, como um grito, recebeu em sua mente a enxurrada que intrigava "o que quer?". Não saberia explicar melhor. Sabia que era a mulher quem falava. Era a energia dela.
Contraiu os ombros, absorvendo as ondas que corriam dentro dela. A mulher em sua mente fazia seu corpo tremer numa tentativa de conter tamanho poder.
Sabia que não poderia usar sua telepatia. Estava fraca em nome de continuar escondida. Porém, também sabia que aqueles dois poderiam lê-la.
Percebeu que não perguntaram quem ela era. Deveriam saber que de outro lugar do mundo poderia vir uma sereia. Imaginou, pela expressão deles, que sentissem desprezo profundo por ela e Dante. Todavia, não tinha tempo para isso. Correu em sua mente tudo o que havia acontecido, sem ordem cronológica e sem tentar formular uma frase coerente. Aprendeu, naqueles poucos segundos, que não eram assim que eles se comunicavam. Era algo muito mais profundo e pessoal. Deixou que seus sentimentos jorrassem de volta, contra a torrente que a sereia despejava nela.
Sentiu seu corpo leve, outra vez, quando a mulher olhou para seu parceiro.
Aproveitou a oportunidade para olhar para Dante, que obviamente não estava participando daquilo. Ele a encarou com confusão. Não sabia como faria para explicar qualquer coisa. Talvez fosse melhor que ele estivesse sendo ignorado pela dupla. Queria-o em segurança.
A atenção da desconhecida volta para ela. "Apenas você". Foi o que entendeu. Desta vez, Dante também pareceu ouvir, pois virou-se para ela com uma expressão obstinada que dizia "nem pensar!".
Melina franziu o cenho, compassiva com o protesto do rapaz, ainda assim, já decidida a ir.
Reuniu coragem para se mover. Aproximou-se dele, segurou-o pelas duas mãos e sorriu, como se dissesse "eu vou ficar bem." Jogou a cabeça para cima, apontando com o queixo para a superfície. Esperava que ele subisse e contasse aos outros o que tinha acontecido.
Quando ele sacudiu a cabeça, em negativa. Apontou para baixo. Teriam de ir muito mais fundo. Ele não suportaria.
Dante olhou para baixo também, com uma mistura de pesar e culpa. Sabia que não conseguiria acompanhá-la.
Então, surpreendendo a Melina, ele soltou suas mãos e a envolveu em um abraço, pela primeira vez. Apertou-a com vontade e dor, enlaçando de leve suas caudas e afundando a cabeça em seu ombro, como velhos amigos.
Ela retribuiu, sorrindo e esquecendo-se por um momento que tinham companhia. Queria que aquele menino soubesse o quanto importava para ela e que hierarquia e bons modos pouco importavam ali.
Quando se desvencilharam, era hora de partir.
Dante permaneceu ali, observando em silêncio, sem a paz que lhe era típica, enquanto Melina descia, escoltada.
•
A pressão em seus pulmões começava a incomodar; não importava.
Ademais, podia viver com aquilo, se chegasse viva até o fim.
Se antes fora escoltada como realeza, agora, sentia-se uma criminosa.
As lanças intimidadoras permaneciam em riste, prontas para perfurar qualquer coisa em seu caminho. Não tinha muita ideia do que estavam pensando. Olhavam-na de vez em quando, com uma mistura de curiosidade e nojo que irritava. Julgou que eles haviam entendido que ela estava em paz, em busca de ajuda. Afinal, tinham deixado que Dante partisse. Mesmo assim, não confiavam nela. E nem teriam porquê.
Tinha a atenção focada no caminho, para o caso de ter que refazê-lo de volta, sozinha, quando sombras começaram a ganhar a forma de rostos, na escuridão. Contou seis pessoas à espreita, nas esquinas de rochas, escondidos, mesmo ali. Se não focasse o suficiente, não conseguiria vê-los ali; imóveis.
Um tritão tomou a dianteira e se separou de seu grupo, nadando até eles. O homem que a escoltava foi ao seu encontro.
Sentiu a mão da mulher tocar seu ombro, com firmeza, puxando-a para trás de si. Como se a proibisse de sequer tentar avançar.
Voltou a olhar para os rostos camuflados e, então, para trás deles. Nada via além de uma parede de pedras. Algo havia atrás dali. Algo que protegeriam com sua vida.
Quando os dois homens terminaram qualquer que fosse a espécie de comunicação, a sereia tocou novamente seu ombro, com mais gentileza dessa vez, convidando-a a avançar.
Os dois tritões passaram a frente dela, a mulher a escoltava por trás. Talvez imaginasse que ela poderia fugir. Melina não iria a canto nenhum.
Observou o primeiro tritão, que guardava a entrada, passar pelo meio de uma fenda, quase invisível a olho nu, e desaparecer. Era como se estivesse atravessando um portal e se questionou se não era exatamente isso que estava acontecendo. O segundo passou do mesmo modo. Deslizando suave e horrendamente. Como se estivesse sendo sugado por um buraco negro.
Estagnou quando chegou a sua vez. A sereia que a seguia deu-lhe um empurrão, de leve, mas impaciente. Olhou para trás para ter certeza de que era realmente aquilo que deveria fazer. Quando a mulher não esboçou nenhum tipo de reação, não viu escolha a não ser arriscar.
Moveu seu corpo para a fenda, tocando-a primeiro, certificando-se de que ela, de fato, existia e de que os outros dois não haviam atravessa a rocha pura e dura.
Esticou os braços e encolheu os ombros. Passou-os sem muita dificuldade. Quando sua cabeça passou, empurrou o resto de seu corpo com a ajuda das mãos. A pedra gelada contra sua calda não foi nada comparada à visão que tinha do outro lado.
Luz.
Vinha dos olhos. Vinha das caudas e dos cabelos.
Vinha, principalmente, dos olhos.
Luz fria, mágica, serena e perene.
Soube imediatamente que se lembraria daquela visão pelo resto de seus dias.
Uma quantidade expressiva de pessoas começou a aparecer; curiosas. Talvez as dezenas já chegassem à uma centena. Não iria contá-los.
O homem que os recebeu havia desaparecido no meio da multidão. Olhava atordoada, recebendo todos os olhares de uma única vez, como uma tonelada de pedregulhos atirados contra ela.
Sentia-se indefesa; pequena; ingênua.
Fraca!
O porteiro do mar ressurgiu em seu campo de visão, trazendo consigo dois desconhecidos. Uma mulher de rosto sem idade, cabelos azuis, claros como algas marinhas e cauda perolada. Ao lado dela, vinha um homem que deduziu ser seu companheiro. Vinham de mãos dadas. Ele, com seus cabelos brancos, foi quem tomou a frente e aproximou-se de Melina.
Circundou-a, analisando cada célula de seu corpo.
Reparou em seus olhos enquanto ele alisava seus cabelos; olhos muito mais humanos do que o restante. Azuis como os dela. Exato mesmo tom.
Foi quando soube. Quando o sentimento a invadiu e em sua mente e espírito teve certeza.
Família.
.......................…................................
@ludibulhoes, o presente chegou atrasado alguns minutos, mas o que importa é a intenção.
Feliz aniversário para a melhor escritora e amiga do mundo!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro