Capítulo 02
Dois anos antes.
Felipe deu um passo atrás, acreditando haver escutado mal.
— Perdão? O que disse?
— Filho. Você é o meu filho! — Chorou.
Ele negou com a cabeça, descrente.
— Impossível, senhora. Minha mãe está morta! — falou, antes de afastar-se.
— Não, não está! Você sabe que não está, Felipe. Sou sua mãe! — falou Catalina.
Felipe virou-se e encarou-a com lágrimas nos olhos. Nunca se interessou por saber quem era sua mãe, não quis saber o seu nome, endereço e nem se estava viva ou morta. Ela não merecia nenhuma atenção sua. Havia o deixado como quem se desfaz de um lixo e, por culpa dela, por muitos anos se sentira um lixo.
Adela saiu do veículo, apreensiva pelo marido, pois apesar de ele fazer-se de titânio, sabia o quanto era frágil em relação à genitora.
— Amor, está tudo bem? — Acercou-se ao amado vagarosamente.
Sem quitar os olhos da mãe, ele contestou:
—Sim, está tudo bem, Ade. Vamos! — Puxou a esposa pelo braço e afastou-se.
— Filho, por favor, espere!
Felipe voltou-se para a mãe, furioso.
— Eu não sou o seu filho! Não volte a me chamar dessa maneira, desgraçada!
— Felipe, por favor, me ouça! Venho te explicar tudo, venho dizer porque te abandonei! — respondeu, em prantos.
— Não me importa suas explicações, não me importa os seus motivos. Volte para o quinto dos infernos donde saiu e me deixe em paz! — disparou, furioso.
Felipe foi embora, deixando a mãe mergulhada em lágrimas.
Os olhos dele estavam embaçados pelas lágrimas. Manejar estava ficando a cada segundo mais difícil, desejava encostar a cabeça no volante e romper em lágrimas, mas não ia dar o gosto aquela mulher. Não iria sofrer mais uma vez por uma pessoa que não merecia nenhuma migalha do seu sentimento.
Adela, que observava o marido por um par de segundos, o afagou o ombro e disse:
— Detenha o carro, meu amor!
— Para quê? — questionou sem mirá-la.
— Sei que não está bem. O melhor é que regressemos a casa e...
— Não vamos regressar a casa, estou ótimo!
— Sei que não está bem, Felipe! Ninguém estaria bem depois de uma situação como essa!
— Mas estou bem! — gritou, depois de frear o carro bruscamente.
Adela arregalou os olhos, assustada. Ele jamais havia falado alto com ela.
— Estou ótimo, Adela! Não tenho porque estar mal por essa senhora! — concluiu aos gritos.
— Por favor, Felipe, veja como está! Obviamente essa senhora te deixou mal, não queira negar o que sente, caramba! — gritou.
Ele bufava de raiva. Golpeou o volante uma sequência de vezes e respirou fundo. A esposa estava certa. Estava mal. Estava muito mal. Estava pior que um dia pensou que ficaria. Sempre esteve equivocado. Acreditou que a genitora não conseguia revirar suas emoções, mas ela tinha, por isso, agora possuía o coração inundado de melancolia e ira.
Adela respirou fundo.
— Anda, me deixa dirigir. Vamos para a casa!
— Não, Ade. Temos uma noite especial e não vamos estragá-la.
— Nossa noite já foi estragada! — replicou.
Ele a mirou em lágrimas.
— Perdão!
A esposa o afagou o rosto e disse:
— Não tem porque me pedir perdão. Vou te cuidar. Tudo vai ficar bem, minha vida!
Ele assentiu com a cabeça e a amada o abraçou forte.
Felipe teve que ser retirado a forças de perto do corpo morto da esposa. Ele chorava, gritava, e berrava o nome dela. Os presentes comentavam entre si, uns estavam compadecidos do pobre viúvo, outros acreditavam que todo aquele exagero não era nada mais que uma encenação.
— Filho, por favor! — Catalina acercou-se tentando o controlar. Ele lutava com os guardas que o segurava.
— Quero ver a minha esposa! Quero estar com ela, será que não entendem, caralho! — Empurrou a um dos policiais e intentou correr ao encontro do automóvel do instituto médico-legal.
— O senhor se controle ou teremos que detê-lo! — esbravejou um guarda.
— Por favor, filho, se tranquilize! Você tem que se acalmar! — O segurou nos ombros e o mirou nos olhos. O filho estava desfeito.
Os policiais se deram conta que Felipe estava um pouco tranquilo e o soltaram. Catalina guiou o filho até um canto vazio e tentou aconselhá-lo.
— Por favor, Felipe. Sei que está mal, mas não pode agir assim. Quer terminar na cadeia ou o quê?
— Já não tenho a pessoa que mais amo neste mundo, mãe. Não importa o que suceda comigo!
A Sra. San Román suspirou pesadamente.
— Adela está morta, já não irá regressar, sim? Mas você está vivo, filho, e tem que se preocupar por si, tem que ficar bem, é assim que essa muchacha gostaria de te ver. Ademais, Deus sabe o que faz. O matrimônio de vocês já não era o mesmo, creio que a morte dela foi o melhor que pôde nos suceder!
Felipe voltou-se para a genitora, furioso.
— Como se atreve a falar algo como isso?
— Perdão, filho, mas creio que...
— Está equivocada! A morte de Adela foi o pior que pôde me suceder! Ela era tudo para mim, me amava mais que ninguém neste mundo, esteve comigo nas boas e nas más, muito diferente de você, mamãe!
Felipe afastou-se e deu de frente com um homem alto de cabelos negros. Ele era Eleazar Galván, o agente que investigaria o assassinato de Adela Mendez
— Sr. Benítez.
— Sim? — Passou as mãos no rosto e respirou fundo. — O que quer de mim?
— É o esposo da senhora Mendez, não?
— Sim, sou.
— Sou o agente Eleazar Galván! — apresentou-se.
— Já sabe quem foi o desgraçado que fez isso com a minha esposa? — Alterou-se.
O policial respirou fundo.
— Não!
Felipe revirou os olhos e pôs as mãos na cintura, indignado.
— Por isso necessito que o senhor me conteste algumas perguntas, pode ser?
— Não! — Catalina acercou-se prontamente, elevando as suspeitas do agente. — O meu filho não está bem, senhor policial. Acaba de receber a trágica notícia do assassinato da sua esposa. Não pode o dar um tempo? Por Deus!
— Exatamente isso, senhora. Foi um assassinato. Quanto mais cedo iniciarmos as investigações, mais chances há do assassino ser capturado!
— Mas o meu filho...
— Por favor, agente, faça as perguntas que tem que fazer! — interveio Felipe.
— Mas, filho...
— Por favor, mãe, não se meta! — pediu, árido!
Catalina ergueu as mãos.
— Tudo bem, filho. Você que sabe. Só quero ajudar!
Ela foi para longe dali, e Felipe suspirou farto. Eleazar observou os dois e considerou que aquela relação era algo a investigar.
Matias passou meio aos curiosos e foi ao encontro de Catalina.
— Como está o Felipe? Fiquei sabendo que já levaram o corpo de Adela ao instituto médico-legal e ele terá que reconhecê-la.
A senhora negou com a cabeça e observou o filho.
— Ele não vai suportar!
— Provavelmente! — lamentou. — Ele amava a Adela. Desde que ela chegou em sua vida, eu vi como Felipe mudou para bem, sabe? Ele era um sujeito muito triste antes de conhecê-la, Adela o trouxe muita luz.
Catalina o mirou cordial, mas em seu interior reinava a sanha.
— Somente queria que essa gente se desse conta que Felipe acaba de receber uma terrível notícia, ele precisa de um tempo para digerir tudo isso, mas ninguém parece se importar. Agora aquele policial está o fazendo perguntas que não irão contribuir em nada.
— Bom, por mais que pareça uma ironia quando vivemos neste país, mas digo que temos que ter fé na justiça.
A senhora riu.
— A justiça não existe, filho!
**
— Minha esposa não tinha inimigos, agente. Adela não era uma pessoa de confusão, a não ser quando alguém a induzia a isso, aí sim ela reagia.
— Por casualidade ele protagonizou alguma briga nas últimas semanas? Alguma rivalidade no seu âmbito laboral ou social?
— Não, já disse que ela era uma pessoa tranquila. A única pessoa que ela sempre teve problemas no trabalho era com Karla, mas o tema nunca passou do laboral.
— Quem é Karla? Onde posso encontrá-la?
— Karla é a gerente da boate onde Adela trabalhava, mas como disse, a desavença delas era sempre no trabalho. Karla é muito exigente e Adela não sabia lidar com suas constantes ordens. Nada mais que isso.
O policial anotou algumas informações no bloco e voltou-se para o interrogado.
— Me diga onde posso encontrar essa senhorita, necessito fazê-la algumas perguntas.
Dois anos antes.
Quando amanheceu, Felipe foi acordado pelas lambidas de Larry, um cão da raça boxer. O xodó do casal.
— Larry, por favor, não! — rogou, intentando quitar o cão de cima de si.
Adela deu uma risada.
— Que bom que Larry logrou a te fazer rir, meu amor.
Felipe viu a esposa parada ao pé da cama. Ela segurava uma bandeja com o desjejum.
— O que é isso? — Ergueu-se sobre o colchão quando Larry acalmou-se.
— Preparei o seu desjejum, meu amor. Sei que foi dormir nada bem, então quis te fazer algo que te fizesse sorrir. — Deu a volta na cama e pôs a bandeja sobre o colo do esposo. — Espero que goste!
Ele sorriu.
— Obrigado, meu amor.
— Não necessita agradecer. — Sentou-se na beirada da cama e mirou-o nos olhos. — Sabe que quero te ver bem, que me encanta quando está bem, porque quando está mal, sinto que morro por dentro!
Felipe apreciou as palavras da amada. Sabia que não era afabilidade e nem uma maneira para vê-lo melhor. Quando a conheceu, se encontrava na pior fase de sua vida: sua carreira havia chegado definitivamente ao fim, estava enfrentando uma profunda tristeza e quase beirando o alcoolismo.
O bar onde Adela trabalhava transformou-se em sua casa, ele sempre estava lá, esvaziando mais de dez botelhas por dia. Vivia num estado de despojo humano, mas numa ocasião, ela cansou de estar alimentando o vício daquele homem, massacrou as ordens do chefe, que dizia que deveria incentivar os clientes a tomarem, e disse: se beber não é o problema, beber não será a solução. Erga a cabeça e mostre o quão valente é. A batalha pode ser árdua, mas a vida é linda! Ele nunca olvidou aquelas palavras, e todas às vezes que estava prestes a cair, recordava-se delas e as reproduzia em sua mente como sua canção favorita. Adela foi sua força e seguia sendo.
— Obrigado por tudo, meu amor. Te amo!
Ela deu um sorriso.
— Eu te amo mais!
Eles deram um beijo e sorriram.
— Quer falar sobre ontem?
Felipe suspirou pesadamente.
— Não, não me importa esse tema! Vamos olvidá-lo, sim?
— Como quiser!
A noite caiu. A boate Rivera abriria as portas em trinta minutos. Adela, como algumas companheiras, ordenava a área de trabalho antes do início do horário laboral.
— Espera, deixa eu ver se escutei direito... Então agora você tem uma sogra, é isso? — Vênus ainda estava pasma com o relato da amiga.
— Não, quer dizer, não a considero minha sogra, pois Felipe não quer saber nada dela! — contestou, organizando as botelhas de bebidas na prateleira.
— Bom, e não é para menos, ela a abandonou! — Deu a volta no balcão e limpou a bancada.
— Sim. — Suspirou pesadamente. — Mas posso ser sincera, Vênus? Me encantaria saber o que levou a essa senhora a abandonar o filho como um lixo, sabe? Porque, apesar de acreditar na crueldade humana, às vezes penso que ela possa ter tido uma razão para fazer.
— Pode ser, mas agora é muito tarde para lamentos, não? Felipe já é um homem de quarenta anos, tem uma vida, uma imagem dela totalmente controversa e o pior de tudo é que ele a odeia.
— Sim, é certo. E não quito a razão dele, de verdade!
— Já! Já! Iremos abrir em meia hora e necessito de tudo organizado! — anunciou Karla, caminhando no meio do saguão.
Adela e Vênus reviraram os olhos. A chegada da chefe cambiava totalmente o clima laboral.
— E vocês duas — Acercou-se a elas. —, por que estão paradas, hein? Não as pago para conversarem, e sim para trabalharem!
As funcionárias ficaram em silêncio, mas por dentro a xingava dos piores nomes.
— Vênus, limpe o banheiro que está um nojo! — ordenou.
— Sim, senhora!
Vênus saiu para cumprir a ordem da chefe, e Adela deu as costas, volvendo a organizar as garrafas.
— Adela, necessito que você vá à farmácia e compre uns medicamentos.
— Perdão? — Virou-se indignada.
— Necessito que você vá à farmácia...
— Eu já entendi, mas não vou fazer o que me pede!
— O quê? Como se atreve? — Alterou-se.
— Eu não estou aqui para ser sua criada, estou aqui para servir os clientes. Foi para isso que o seu tio me contratou.
— Sim, mas sou sua chefe e você tem que cumprir tudo o que te ordeno.
Adela riu.
— Não, está equivocada! Eu somente tenho que cumprir o que foi coincidido no momento da minha contratação, coisa que foi tratado com o seu tio. Espero que não tenha se olvidado! — Indignou-se. Ela detestava as injustiças, e há muito Karla vinha se aproveitando do seu cargo para utilizar as demais a seu antojo.
— Não, eu não olvidei, mas necessito que alguém vá à farmácia e compre uns remédios para o meu filho. Eu não posso sair daqui, não há mais ninguém em casa além do meu esposo que está com a perna quebrada e não pode se locomover. Por favor, Adela. O meu filho está enfermo!
Ade sentiu sinceridade nas palavras dela. Pela primeira vez Karla deixou a tirania e soube fazer um pedido, não disparar ordens.
— Ok. Se é para uma criança, eu não posso negar ajuda. — Acercou-se. — Me dê o dinheiro e diga o que tenho que comprar.
Karla sorriu agradecida.
Adela deixou a boate e subiu na sua moto esportiva preta. Antes de colocar o capacete, verificou o relógio e contou os minutos na cabeça. A farmácia não era tão longe, mas a casa de Karla ficava no outro lado da cidade. Se fosse tão ágil como de costume, volveria para o trabalho antes das portas abrirem. Acionou a embreagem e apertou o botão da ignição, ouvindo o prazeroso som de partida.
Depois de entregar os medicamentos na residência da chefe, ela volveu a subir na motocicleta. Verificou a hora e riu de quão fácil foi aquela missão. Em menos de quinze minutos estaria atendendo os seus clientes, mas antes mesmo de dar partida, algo a paralisou: viu a Catalina cruzar a rua bem a sua frente. Ela catava lixo.
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