Prólogo - Parte 1: A Queda Estelar
Belron estava deitado em seu grande trono dourado, flutuando no espaço, enquanto os planetas giravam, distantes, em torno dele.
- Sorya podia chegar logo - disse, resmungando enquanto deslizava um dedo pelo braço do trono.
Seus cabelos longos e alaranjados flutuavam. Ele usava um tapa-olho vermelho com um círculo de chamas amarelas desenhado no centro. O olho que sobrou era laranja, sem íris, sem pupila. Laranja, com uma pequena faísca dourada no centro.
Vestia uma cota de malha com elos de poeira estelar, dando uma cor vermelha à toda sua vestimenta, que, junto com seu cabelo, fazia parecer que ele estava sempre em chamas.
Não é que ele gostasse de se vestir assim, veja bem, mas um rei tem que manter as aparências.
Um sorriso surgiu em seu rosto quando ouviu o súbito eco de aproximação da general.
- Majestade. - A estelar se ajoelhou em uma perna e abaixou a cabeça.
Ela era alta, seus longos cabelos eram brancos, e os olhos pareciam gotas de prata incandescente. Seu corpo mostrava eras de treinamento árduo, com pernas grossas e seios que a cota de malha branca não conseguia esconder.
- Olá, Sorya! Já faz um bom tempo que não te vejo tão de perto. - Com o rosto apoiado na mão, o rei sorria displicentemente.
- Majestade, como a mensagem que lhe enviei diz... - Ela começou firme, mas foi interrompida.
- Sim, sim. Sempre objetiva demais. - Ele abanou a mão para ela. - O que é bom, de certa forma..., mas relaxe um pouco.
Ele se espreguiçou ao se levantar do trono e perguntou:
- Quer dançar?
Ele deu um sorriso curto, e ela sorriu também.
- Tudo bem então, Majestade. Espero que consiga me acompanhar.
- Rá! Garota, eu fazia isso antes de você saber que teria seios. Esqueceu?
Ele viu sua parceira de dança ruborizar com o comentário insolente.
Vendo que ela tinha se distraído, flutuou para frente e seguiu em um deslocamento sutil, ziguezagueando a movimentos curtos e ritmados enquanto começava a brilhar mais intensamente. Sua energia pulsava, e um som começou a ser emitido de seu corpo, criando uma melodia calma e grave, sincronizando com a luz do seu corpo.
A general viu que estava sendo passada para trás e se esforçou para acompanhar os passos do Rei Solar, enquanto regulava o ritmo da própria energia, que era liberada e contida de forma a participar da melodia que saía dele, criando um contraponto para ela.
- Muito bem. - O sol começou, tocando de leve a palma da mão da lua. - O que dizia a mensagem mesmo? Que esses humanos estavam descontrolados, não é? Mas já passamos por isso antes com seu planeta. Aqueles dinossauros não eram fáceis. - Ele dizia calmamente. - Precisei dar um jeito neles.
- É diferente, Majestade.
- Dá pra parar? - Com um rápido tapa na cabeça da general, Belron bufou e continuou: - Se não me chamar pelo meu nome, não te chamarei pelo seu!
Ele ficou feliz ao ver a careta da parceira. Ela gostava de ser conhecida pelo seu nome, pois pensava que assim seria mais relacionada aos seus próprios feitos. E claro, ela sempre odiou tomar aquele tapa na cabeça.
- Tudo bem, a questão é que eles são perigosos Majes... Belron - Revirou os olhos e continuou:
- Eles podem destruir o planeta em questão de, caramba, minutos? Segundos? E correm risco de fazer isso, já que não conseguem se entender.
Ela foi um metro a mais para frente do que o rei esperava, e para não perder, ele segurou seu braço e a fez girar uma vez antes de trazê-la para perto.
Sorya sorriu, seu adversário era muito bom.
- Meus soldados dizem que os humanos são cheios de teorias sobre o nosso universo e que essas teorias estão sempre em conflitos.
Ela tentava manter o tom sério, mas pequenos sorrisos surgiam em seu rosto a cada disputa de movimento que faziam. Escondendo um deles, ela continuou:
- Alguns deles pensam que suas vidas são comandadas por um ser superior, e que só pode existir um, que, por algum acaso, teria feito deles sua melhor criação.
O rei fez uma finta e foi se postar atrás dela, um movimento rápido, mas que ela conseguiu acompanhar com certo esforço, deslocando-se para a direita um passo depois dele. A música dos dois ficou mais acelerada, com pulsações mais alegres e agudas.
- Um tanto egocêntricos eles, não? - Ele não conseguia assimilar direito essa ideia, parecia muito ingênua.
- Não só isso, eles têm uma mania de passar por cima dos outros sem se importar com quem prejudicam. Se matam por motivos supérfluos como... como por pedaços de papel que valem muito. - Ela franziu o cenho, confusa. - O que não faz sentido, levando em conta a quantidade em que é produzido.
A estelar se deixou descer e começou a girar, seus cabelos esvoaçavam, criando uma espécie de circunferência branca e brilhante, reluzindo com as luzes branca e laranja que os dançarinos emanavam.
O rei sorriu e se deixou cair para trás, à medida que ela foi diminuindo a velocidade, ele foi virando até se ver de cabeça para baixo, com o rosto na altura do dela, para então dizer com compaixão:
- Sorya, sei como você ama esse planeta, mas não podemos simplesmente interferir em qualquer coisa que quisermos. É um poder que não deve ser utilizado.
Seus narizes se tocavam ligeiramente.
- Eu sei, mas esse caso é extremo. - Ela desceu um pouco mais e mirou nos olhos dele como se implorasse. - Confie em mim, Belron, por favor. Só quero que me ajude a pensar em algo, pois eu te dou essa certeza: se não interferirmos, esse planeta não durará mais que alguns anos ou séculos terráqueos.
Ele fitou os olhos dela e viu a certeza neles. Suspirou e parou com a música. Ela também finalizou suas pulsações de energia, e ele girou para que ficasse de frente e no mesmo nível que ela. Após um segundo de silêncio, o rei cedeu.
- Tudo bem, tudo bem. Se você pensa assim.
Ele ficou pensativo por um momento e se pôs em posição de governante, ereto e com uma expressão séria, fazendo sua voz soar alta e clara.
- Declaro que, a partir desse momento, qualquer soldado da Legião Térrea terá a permissão de descer à Terra e servir de exemplo a ser seguido pelos humanos. - Ele voltou a relaxar os ombros e disse com um sorriso carinhoso: - e etecetera, etecetera. Creio que isso é o melhor que posso fazer.
Ele olhou por sobre o ombro em direção a Terra, sua visão lhe permitia enxergar grande parte do sistema que controlava, sacrificar um dos olhos trouxe resultados inusitados.
- Mas lhe aviso, Sorya, por toda admiração que tenho por você. - Olhou novamente para ela - Cuidado. Sei o quanto nós, estelares, nos vemos como uma enorme família, mas qualquer um pode ser corrompido. Já vi isso antes, há muito, muito tempo.
- Farei o possível para que não haja danos. - Ela escondeu a excitação com um mero aceno de cabeça. - Mas confio em meus soldados, assim como você confia em mim, senhor. Eu... eu não lhe desapontarei.
Belron sorriu, triste. Ele via a inocência nos olhos dela, toda a sagacidade envolvida e comandada pela juventude.
- Então tudo bem, vá. - Ela se virou para partir, mas ele chamou de novo. - E, Sorya. Me faça ter orgulho, como sempre tive.
- Obrigada, Belron. Até mais.
- Até, garota. E, por favor, volte para dançarmos mais vezes. Você quase conseguiu me acompanhar dessa vez.
- Quase? - Ela deu um risinho irônico e, de repente, se foi.
Belron observou enquanto ela se deslocava a uma velocidade incrível por milhas estelares em segundos.
O Rei Solar não queria admitir, mas sentia falta dos tempos em que não havia sistemas, do tempo em que treinava com amigos e apanhava do seu mestre. Esse último pensamento lhe arrancou um sorriso.
Ele não tinha planejado ser o rei daquele sistema, ser o que os terráqueos chamavam de sol, mas seu antigo mestre havia jogado a responsabilidade em cima dos seus ombros, e ele por muito tempo tentara fazer o melhor que podia.
Continuou olhando por um bom tempo, sabia que a inércia daquela era estava chegando ao fim, mas acima de tudo, ele estava curioso sobre o futuro.
Olhou para o seu trono com nostalgia, relembrando tempos passados, tempos em que lutou bravamente ao lado de guerreiros que se foram. Imagens de chamas e explosões passaram diante dos seus olhos, e ele se assustou por um segundo, suspirou e balançou a cabeça, depois se espreguiçou e foi sentar, desleixadamente como sempre.
***
Chegando a seu posto, a General da Legião Térrea, Sorya, deu o anúncio.
Muitas estrelas resolveram descer e passar o resto do seu tempo juntos daqueles humanos que tanto os fascinavam, outros, seguindo seu senso de dever, decidiram que também desceriam e ajudariam, mas que voltariam em pouco tempo, pois não achavam que deveriam desperdiçar seu tempo de vida com seres tão instáveis.
Houve ainda aqueles que tinham medo do que poderia acontecer, e aqueles que não queriam se envolver no assunto.
A Queda Estelar começara.
Pela primeira vez, os humanos teriam contato com os estelares, guerras e mal entendimento seriam inevitáveis, crenças seriam abaladas.
O mundo mudaria.
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