Capítulo III
Peço permissão para, pelo menos, despedir-me do meu noivo e, de canto de olho, posso ver minha mãe quase explodindo de felicidade.
— Eu arrumo as suas coisas para adiantar as coisas — diz, com um sorriso de orelha a orelha.
Concordo e caminho apressada até a mercearia, porque sei que ele deve estar lá a esta hora da manhã. De longe, posso vê-lo apoiado sobre o balcão, conversando com o Paulinho, um dos "bons partidos" daqui.
— Jonas, a gente pode conversar em particular? — pergunto, lançando um olhar bem significativo em direção ao intruso.
— Já entendi — resmunga, erguendo as mãos. — Os pombinhos querem conversar.
Faço uma careta desdenhosa, enquanto ele deixa o mercadinho.
— Eu estou indo para a capital — explico, apressada, assim que noto que estamos sozinhos. — O conselheiro real em pessoa está lá em casa.
— Eu soube... As fofocas correm. Mudou de ideia sobre ficar aqui com suas plantinhas? — indaga, fazendo uma imitação tosca da minha voz.
Seguro o ímpeto de xingá-lo e inspiro fundo.
— Como se eu pudesse dizer não para o conselheiro real... — Suspiro. — Mas não é para falar sobre ele que eu vim. Você está certo. Essa é a nossa chance de acabar com essa ideia ridícula de casamento e é o que eu vou fazer quando chegar lá, mas eu preciso da sua ajuda. — Apoio os cotovelos sobre o balcão e continuo em voz baixa, com medo que alguém me ouça: — Eu nunca saí daqui, Jonas. Eu não faço a menor ideia do que vou encontrar lá, nem de como vai ser... Você é inteligente, sabe das coisas e vai saber me dizer o que fazer quando eu estiver perdida. Você me ajuda?
Abrindo um sorriso do tamanho do mundo ele concorda. Acho que nunca lhe disse isso, mas ele tem o sorriso mais lindo que eu já vi.
— É claro que eu te ajudo, Lena. — Ele sai de trás do balcão e me dá um abraço. — O telefone lá de casa estará disponível para você vinte e quatro horas por dia. Qualquer dúvida, qualquer problema, qualquer desabafo... Eu vou estar aqui, tá bom?
— Tá bom.
Aproveito para me despedir dele e volto para casa o mais rápido possível. Minha bolsa já está pronta na sala.
— Vai ficar tudo bem. — Tento soar animada, já que minha família está com cara de enterro. — Cinco dias vão passar bem depressa. Antes que vocês sintam saudade, eu já estarei aqui.
— E quem disse que eu vou sentir saudade? — desafia-me o Aristides.
— Eu digo. Você não vive sem mim, pirralho. — Sorrio, dando-lhe um abraço apertado.
Despeço-me dos meus pais e sigo para a rua, onde o senhor Aldo e os dois guardas já me aguardam ao lado do carro.
Antes de entrar no veículo, minha mãe me abraça mais uma vez.
— Toma cuidado — ela sussurra. — Essa gente da realeza é perigosa.
Assinto e entro no carro. Aceno uma última vez para a minha família, que me olha da porta da nossa casa, enquanto o carro deixa o meu vilarejo.
— A capital fica muito longe? — pergunto, a certa altura da viagem.
Já estamos viajando há mais de uma hora e a paisagem monótona está me deixando entediada. Não tenho assunto em comum com o Aldo e os dois guardas são menos do que monossilábicos.
— Se tudo correr bem, chegaremos lá ao entardecer.
Suspiro só de imaginar o quanto essas horas vão demorar para passar.
Distraio-me por algum tempo, pensando no que me aguarda na capital e acabo pegando no sono.
Desperto dentro de algum tempo, quando o carro para em frente a um estabelecimento. Almoçamos em silêncio e, sem demora, voltamos para o carro, para mais duas horas de viagem. Para minha infelicidade, não sinto sono algum e passo esse tempo todo tentando organizar meus pensamentos.
São só cinco dias. Cinco dias que vão passar voando. Tudo o que eu tenho que fazer é concordar com os nobres de verdade e votar na pessoa que todos combinarem. Enquanto isso, provar para quem quer que mande nesta porcaria, que os casamentos forçados não fazem bem para ninguém. E então voltarei para a minha vida pacata e, se tudo der certo, sem nenhum noivo.
Tudo se resolverá da maneira mais simples.
Um barulho muito alto me acorda dos meus devaneios e, ao olhar pela janela, vejo um avião. Um de verdade! Eu só os conhecia pela televisão. Colo meu rosto no vidro, enquanto o encaro, completamente estarrecida. É a coisa mais surpreendente que eu já vi!
— Como uma coisa desse tamanho pode voar? — questiono, em voz alta, o que desperta risadas.
— A diferença na velocidade na passagem de ar faz com que a pressão na parte de cima da asa seja menor que embaixo. Com isso, a força do peso fica menor que a força de empuxo. — explica um dos guardas.
Balanço a cabeça, fingindo ter entendido o que ele acabou de falar e começo a me entreter com as construções extravagantes e os carros chiques que transitam ao nosso lado. Tudo aqui é mais colorido, mais vivo e muito mais bonito. Mas de tudo, o que mais chama a minha atenção, são as roupas que as mulheres usam. É completamente diferente de tudo o que eu já vi e costurei na minha vida toda.
Vejo ao longe uma edificação que se destaca das outras e, pelo pouco que já vi na TV do Jonas, identifico-a como sendo o palácio. Ele é grande e imponente, com suas grandes fachadas em vidro, e, quanto mais perto chegamos, maior ele vai ficando. Meu vilarejo inteiro poderia morar aí dentro e isso não é um exagero.
O carro cruza um portão enorme, cheio de arabescos e detalhes dourados, após o guarda se identificar na guarita, e percorremos um pátio enorme, envolto pelo jardim mais lindo que eu já vi na vida. Ilhas com flores das cores mais variadas e vibrantes, rodeadas pela grama muito verde, arbustos podados milimetricamente e estátuas de anjos. Mal posso esperar até o dia amanhecer para eu poder explorar cada plantinha dali.
Finalmente paramos em uma garagem ampla e o senhor Aldo me acompanha até o interior do palácio, que é ainda mais imponente que seu exterior. Os corredores intermináveis são repletos de janelas grandes, cobertas por cortinas de um tecido leve de cor clara. Há várias pinturas estranhas penduradas na parede, intercaladas por esculturas bizarras sobre aparadores. E há portas, é claro. Tantas portas, que eu levaria um dia inteiro para contá-las.
Por fim, paramos em frente a uma delas.
— Este é seu quarto, Helena. Amanhã cedo você conhecerá todos os membros da corte e lhe darei maiores explicações — explica. — Por hora, peço que descanse, pois nossa viagem foi bastante cansativa.
— Muito obrigada, senhor Aldo.
Ele sorri e dá de ombros.
— Me chame apenas de Aldo. — Sai caminhando, mas depois de dois ou três passos, parece lembrar de algo e se vira para mim. — Ah! E seja muito bem-vinda à capital.
Acordo em plena madrugada, assustada e completamente suada, graças a um pesadelo.
Nele, eu me casava com o Jonas, lá no nosso vilarejo e ele ele ficava muito zangado por eu ter permitido que isso acontecesse.
Droga!
E aquele crápula tem coragem de dizer que eu sou egoísta... Se eu fosse tão individualista quando ele pensa, não estaria aqui, sentindo-me culpada.
Minha garganta está mais seca do que as terras do meu vilarejo em época de seca, então levanto da cama, em busca de água. Ao contrário das novelas que eu já assisti na casa da Julieta, não tem nenhuma jarra de cristal para que eu mate minha sede na madrugada, o que me obrigada a deixar o quarto.
Não sei se meu short surrado, minha regata larga e os pés descalços estão adequados para perambular pelos corredores do palácio, mas, no momento, só quero satisfazer a minha necessidade.
No fim do corredor, avisto uma porta entreaberta, um feixe de luz escapando da sua fresta. Aproximo-me com cautela e constato que, para a minha sorte, esse local é a cozinha. Demoro muito tempo procurando em qual dos infinitos armários são guardados os copos. Depois de me servir de água na torneira e beber tudo em longos goles, ouço vozes se aproximando e, temendo que alguém importante me pegue vestindo estes trajes, escondo-me atrás do balcão.
— Anda, a gente não tem muito tempo — diz uma voz feminina e bem melosa.
— Já estou indo — responde uma voz masculina.
Um silêncio sepulcral toma conta do ambiente logo em seguida, atrapalhado por estalos esquisitos. Daqui onde estou não consigo ver se eles ainda estão na cozinha, apesar de que não ouvi passos indo embora. Ainda abaixada, arrasto-me um pouco para o lado e levo um susto ao ver o casal em um beijo totalmente indecente, como se estivessem tentando engolir um ao outro. Isso, para não mencionar as mãos do rapaz que exploram o corpo da moça sem qualquer pudor.
— Eu estava com saudade — ela murmura, ofegante, entre um beijo e outro.
De onde eu venho, esse tipo de demonstração de "afeto" é totalmente proibido. É a primeira vez que vejo duas pessoas fazendo algo parecido, com exceção dos atores da TV. Meu coração está batendo tão rápido e com tanta força, que acho que vou passar mal.
Eu preciso ir embora daqui sem ser notada pelo casal faminto.
O balcão onde estou fica relativamente próximo a saída. Eles estão bem entretidos tentando sugar a alma um do outro para me notar indo embora. Em um momento de coragem, conto mentalmente até três e saio correndo, abaixada até a porta.
— Ei! Quem é você? — indaga a moça, mas finjo que não ouço.
Continuo pelo corredor e aproveito a escuridão para me esconder ao lado um aparador com uma escultura ridícula. O rapaz chega a caminhar alguns passos na minha direção, mas antes de me alcançar, ele desiste e volta para a cozinha.
Fico parada ali por mais algum tempo e, quando acho que a barra está limpa, volto para o meu quarto. Agora, além do coração batendo em disparada, meu rosto está tão quente que tenho certeza que ele está mais vermelho que um pimentão.
Ainda bem que não consegui ver o rosto daquelas pessoas. Não sei com que cara olharia para elas depois do que acabei de presenciar.
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Bela maneira de iniciar a vida na corte, não acham?
Beijinhos e até semana que vem.
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