6 - Floresta
O plano já estava traçado.
Não era bem um plano até porque eu não fazia ideia do que eu podia encontrar naquela floresta, mas era só dar uma volta e retornar para casa. Era o que eu ficava dizendo para mim mesma. Afinal, o que podia ter lá de tão interessante? E precisava ser à noite, senão não haveria motivo para a minha rebeldia.
Marie estava pronta há alguns minutos e foi mais cedo para o Festival de Aniversário da Cidade, alguma coisa a ver com a Associação de Moradores. Eu aleguei que ainda precisava de mais tempo para me arrumar, por isso fiquei sozinha. Maria deu um meio sorriso quando me maquiando no banheiro, ela deve ter pensando que eu estava me arrumando para algum garoto, Brayan talvez...
Eu precisava ser rápida antes que sentissem a minha falta e Maria mandasse alguém atrás de mim. Eu cogitei ir até ao Festival primeiro, mas seria quase impossível escapar quando todos os olhares da cidade estivessem cravados em mim. Peguei a mochila e coloquei uma lanterna velha que encontrei perdida nas coisas de Marie, alguns sanduíches e uma câmera digital antiga, até porque eu precisava de provas. Peguei o casaco e comecei a descer as escadas, quando notei uma presença na minha sala.
Brayan.
— Brayan, o que você está fazendo aqui? — Eu perguntei tentando esconder a mochila atrás de mim.
— Sua vó achou que você estava demorando demais. — Ele explicou.
Previsível.
— Você não vai fugir vai? — Ele reparou na mochila atrás de mim. — Roslyn...
— Eu sinto muito, Brayan.
Ante que ele pudesse reagir, eu dei um soco encheu no seu rosto. Brayan cambaleou para trás e caiu por cima da mesa de centro, parando no chão, desacordado. Não parei para ver se eles estava bem, afinal o meu soco era forte, mas não o bastante para ferir alguém do tamanho dele. Acho que tive sorte. Não olhei para trás, enquanto eu caminhava para o quintal dos fundos da casa.
Prendi a respiração e o vento bagunçou os meus cabelos na direção da floresta. Era quase como se estivesse me chamando. Dei um passo, depois outro e mais outro. Quando eu percebi estava correndo pela floresta. As árvores eram um borrão verde na minha visão, salpicado de dourado. O resto de claridade ainda iluminava aqui e ali, mas eu sabia que logo estaria escuro. Precisava ser rápida ser quisesse fazer valer a pena.
Era libertador quebrar as regras e pela primeira vez em muito tempo eu gargalhei de verdade, enquanto eu corria. A minha excitação era tanta que eu não vi a raiz sobressalente de uma das árvores e não tive tempo de desacelerar a corrida. Aterrissei no chão molhado e chequei meu joelho, sangrava um pouco, mas não era na sério. Deitei de costas sobre as árvores e admirei o céu, já estava quase escuro.
Levantei de um jeito preguiçoso e peguei a câmera. Tirei algumas fotos para comprovar a minha excursão, mas se não acreditassem em mim, Brayan poderia servir de testemunha da minha pequena aventura. Foi quando eu o vi. O corvo que me visitava de vez em quando parado em cima de uma árvore, como se estivesse me vigiando, não, era loucura.
— Oi, amiguinho. — Eu disse quando a minha voz quebrava o silêncio.
O silêncio. Foi quando eu me dei conta. Não vi nenhum outro animal na floresta, nenhum pássaro ou esquilo, nada, a não ser... o corvo.
— Você não tem medo como eles, não é? — Eu disse. — Então, você é como eu.
O corvo levantou bateu as asas e voou elegantemente ao meu redor. Eu girei para encará-lo e ele voou mais à frente. Um convite para segui-lo. Eu já tinha as minhas fotos, não precisava de mais nada para comprovar que toda essa cidade era uma grande farsa, mas a curiosidade falou mais alto e, duvidando da minha insanidade, me embrenhei mais para dentro do coração da floresta.
Então, ele se ergueu diante de mim. Alto e imponente. O corvo era uma pequena sombra em seu topo. O muro era de pedra branca, tão alto, que eu precisava inclinar a cabeça para enxergar até lá em cima.
— O que é isso? — Eu sussurrei.
A minha mão se levantou como se eu estivesse em transe, ansiando para tocá-lo, para entender do que ele era feito e quando havia sido construído. Então, era isso o que a Associação queria esconder de todos nós, mas... porque?
— Roslyn.... afaste-se! — A voz me assustou e eu dei um pulo para trás.
— Brayan! Você me assustou, o que está fazendo aqui?
— Impedindo você de fazer uma loucura. — Ele permaneceu aonde estava, à margem da floresta, não queria se aproximar do muro.
— Eu já fiz uma loucura. — Eu disse. — E você também, ou por acaso não entrou na floresta depois do toque de recolher?
— Vamos embora, vamos esquecer isso tudo, eu não conto se você não contar também. — Ele estendeu a mão, me chamando.
— Eu estou farta desses segredos sem sentido e farta dessa cidade de caipiras medrosos. Não vivemos na Idade Média, estamos no Século XXI! — Eu esbravejei.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa para me impedir, eu toquei no muro. Escureceu por completo e...
— Viu... Nada aconteceu. Não abriu nenhuma terceira dimensão secreta para o inferno. — Eu ri e continue rindo mesmo quando a pedra esquentou sobre os meus dedos, como se estivesse bem reconhecendo. — Brayan...
Eu não terminei a frase. Antes que eu pudesse me virar por completo e retirar a minha mão do muro. Um vulto surgiu, tão rápido quanto o vento, eu não o teria notado se não fosse o olhar perdido de Brayan e a sua garganta cortada, enquanto sangue jorrava, manchando o chão. Era o único sinal de que algo ou alguém estivera ali.
— BRAYAN. — Gritei.
Os meus joelhos cederam e atingiram em cheio o chão. A poça de sangue estava a centímetros de mim. O cheiro de ferrugem e sal empesteou as minhas narinas e me forçou a agir. Levantei num salto e olhei ao redor. Nenhum sinal da criatura. Aproximei-me do corpo de Brayan. Uma parte irracional de mim ainda acreditava que ele pudesse estar vivo, que eu poderia ao menos ouvir as suas últimas palavras, como nos filmes, mas... Não havia nada ali. O único movimento era o seu sangue pingando no chão.
Eu quis gritar, mas me esforcei a correr.
Corri o mais que pude, porque a minha vida dependia daquilo. O sangue de Brayan nas minhas mãos eram um lembrete de que havia sido real. A floresta havia sido beijada pela escuridão e não havia nenhuma luz a me guiar, mas mesmo sem ter certeza do caminho, eu continuei correndo. Torcendo para sair daquele lugar. Ansiando voltar para casa, aonde quer que isso fosse.
Avistei o quintal de Marie. Os meus pulmões queimaram e os meus joelhos começaram a fraquejar. Mas me esforcei para correr, ignorando as lágrimas, o sangue e o que quer que havia acontecido na floresta.
Maria estava lá. Ela estava bem na minha frente. Vestindo... Não tivesse tempo de assimilar as suas roupas. Ela me viu também. O seu olhar era determinado e, ao mesmo tempo, preocupado.
— MARIE... — Eu gritei.
— Roslyn. —Ela gritou de volta.
Pisei na margem do quintal, mas não consegui mais me mover. O meu corpo não me obedecia mais. Só então eu entendi o porquê. O meu corpo sentiu a criatura atrás de mim, não havia calor emanando do seu corpo ou uma respiração forte anunciando a sua presença, mas estava lá, eu sabia porque a senti. Fria e dura, enquanto encostava a mão nos meus ombros, impedindo o meu retorno para casa.
— Solte-a. — Maria disse de um jeito feroz. Só então reparei com mais afinco no que ela estava vestindo. Era como se fosse uma antigo uniforme de couro marrom.
— Marie. — A criatura sibilou. — Você envelheceu. Quando tempo faz?
— Muito tempo. — Marie falou. — Solte a menina. — Ela ordenou.
— Qual o seu interesse na Escolhida?
Escolhida.
— Ela não...
— A garoto tocou no muro. Ela se voluntariou e o muro a acolheu. — Marie escondeu o a surpresa e a decepção. — Ela pertence a nós agora.
— Vó... — Eu sussurrei. — Brayan está morto. Você não pode deixar...
Marie recuou um passo e balançou a cabeça uma única vez em sinal de concordância. Eu quis gritar, mas não tinha forças. Não acredita que ela estava permitindo que eu fosse levada pelas coisas que mataram Brayan. Olhei dentro dos seus olhos, mas não havia nada lá, nada além de derrota.
Encarei o sangue em minhas mãos, um lembrete que poderia acontecer comigo. Não sei se foi por conta do meu desespero ou pelo o que havia acontecido comigo, mas a minha visão ficou turva e eu cambaleei para trás, caindo em cima de algo duro e frio. Já não enxergava mais nada, mas pude ouvir.
— Queremos o corpo do garoto. — Marie disse. — Para um funeral adequado.
— Posso ver o que sobrou dele.
— Não estou brincando, Ezra.
A criatura deu um riso fraco e desapareceu para dentro da floresta, levando meu corpo desfalecido junto a ele. Olhei para trás, esforçando-me para me lembrar, vi a silhueta da casa de Marie e da vida que eu deixei para trás
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