4 - A Sala
Brayan não largou do meu pé nos dias seguintes. O rapaz era da mesma sala que Isabela, portanto sou praticamente escoltada para cima e para baixo no fim de cada aula. Brayan era sincero quando dizia que queria que sentisse a experiência de ser uma adolescente em Wells e recitava inúmeras atividades que podíamos fazer durante o dia.
Isabela não estava muito atrás e me acompanhava fascinada comigo. Não tinha escolha se não sorrir e responder às suas perguntas. Até que eu era uma boa atriz.
A notícia da minha rapida estadia na enfermaria se espalhou pela classe e eu precisava responder que estava bem mais vezes que o normal. Por sorte, algumas pessoas até se afastaram quando viam espirrando pelos corredores. Resfriado deveria se pegar feito praga ali.
Naquela sexta, eu vi o braço erguido de Brayan me chamando no refeitório. A mesa estava cheia de desconhecidos. Reconheci uma das garotas que eu havia machucado na aula de Educação Física e fiquei vermelha. A garota me ignorou.
A aula de educação física era a única em que eu podia extravasar. Talvez o meu subconsciente imaginava que a bola era o lixo que a minha vida tinha se transformado. Algumas meninas reagiam quando jogavam a bola de vôlei vinha em minha direção.
― Vai na fogueira no sábado? ― Brayan perguntou.
― Fogueira? ― Eu indaguei
―Sabe, se reunir perto da lago, comer marshmelow e contar histórias de terror. ― Disse Tyler Macdonald, o namorado da menina que eu machuquei. Ela lhe deu um olhar duro.
― Não faz sentido contar histórias de terror se não for pra fazer isso a noite. ― Eu disse.
Todos se entreolharam e eu me perguntei se as histórias de Marie eram verdadeiras. Qual é? Não poder sair a noite, alguém cai nessa?
― Não podemos. ― Isabela falou em voz baixa.
― Isso não pode ser sério. ― Eu respondi. ― Como vocês deixaram isso acontecer?
―Você ainda não contou a ela? ― Tyler perguntou para Brayan.
― Contar o que? ― Eu perguntei.
― Vamos deixar para contar na Fogueira... Isso se ela for. ― Brayan respondeu.
Não pude deixar de notar certa malícia em seu olhar. Afinal, o que eles queriam tanto me contar?
Fiquei aérea no restante da aula. Quando o sinal tocou, acompanhei o restante dos alunos pelos corredores. Todos estavam envolvidos numa animação atípica. Alcancei Isabela ainda em tempo de perguntar o que tinha acontecido.
― Francamente, você não presta a atenção em nada? ― Mia se intrometeu. Ela ainda estava chateada pela Educação Física, mas eu não podia fazer nada.
― O aniversário da cidade, Roslyn! ― Isabela respondeu. ― É uma grande festa para cidade e a escola organiza um baile aberto.
Eu respondi com um aceno. Não era o tipo de coisa que me deixaria animada, mas receio que no meu momento atual, nada é capaz de me deixar animada de verdade. Mia revirou os lindos olhos claros e saiu balançando a cabeleira escura em direção à Tyler que vinha no corredor. Os dois formavam um belo casal.
― Ela não gosta muito de mim. ― Comento
― Não liga para ela. Mia costumava ser o assunto na cidade, a família dela é dona de quase tudo aqui. Mas aí você chegou e bom... é quase uma celebridade por aqui.
― Eu acho que nunca vou entender isso. ― Digo.
― Não é como se Wells tivesse novos moradores o tempo todo. Eu conheço todo mundo da escola desde o primário. Os pais de todos se conhecem, mas você, minha cara, é um espécime raro aqui.
A pequena parte de mim que ainda estava viva e ciente dos dramas adolescentes, se deliciou com as suas palavras. Mas eu mesma não tinha gostado muito daquilo, afinal não era por vontade própria que estava aqui.
Brayan nos alcançou já na rua e Isabela se despediu, pegando o sentido oposto.
― E então, você vai, não vai? ― Ele perguntou.
― Eu não sei. Tenho que falar com Marie ainda.
A minha mente nutria a esperança de que ela dissesse não. Mas eu podia sumir por semanas que ela não seria capaz de notar a minha ausência. A não ser é claro se eu resolvesse me embrenhar na floresta. Brayan percebeu o meu olhar pensativo e acrescentou:
― O meu pai gosta muito dela, sabe! De pensar que quase foram da mesma família.
― Como assim? ― Pergunto.
― Ih, já deu a minha hora, tenho que ajudar o meu pai na loja. Amanhã na escola às 2 horas ― Ele gritou ao longe ― E não se atrase!
Eu entrei em casa com as palavras de Brayan na cabeça. Mas antes que chegasse no quarto a curiosidade já tinha desaparecido. Troquei de roupa e desci com passos preguiçosos.
Marie não estava a vista, para variar. Olhei para o prato coberto com alumínio e o ignorei. Andei pela casa observando a tudo e reparei que a porta da sala de Marie estava entreaberta. A salinha que ficava no corredor perto da casa nunca ficava aberta. Marie se trancava lá dentro depois do jantar, para me evitar, presumo.
Eu tentava ser compreensiva com ela, algo que meu pai me censurava as vezes. Ele vivia dizendo que eu sou muito oito ou oitenta. Olhar para mim, mesmo tendo poucas semelhanças com o meu pai, deveria ser doloroso para Marie. Era a única justificativa que eu em encontrava para o seu desprezo.
Ou isso, ou ela me odiava. O que também não era uma possibilidade muito distante. O meu braço ainda estava marcado com as suas unhas depois do escândalo de ontem.
Eu engoli em seco e olhei para a janela da sala. Era agora ou nunca. Marie deveria estar no centro e era uns bons quarenta minutos de caminhada até a nossa casa. Ignorando os protestos da parte sã da minha cabeça, abri a porta da sala. Encontrei uma pequena biblioteca com livros antigos, uma mesa de mogno cheia de tralhas em cima e uma poltrona vermelha e puída.
Fui atraída, como uma mariposa para luz, para o porta-retratos antigo em cima da mesa. Reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar. Meu pai estava com dois dentes a menos e sorria, ostentando o seu uniforme escolar. Ele dava a mão para uma coleguinha de classe, que sorriu tão abertamente que até fechou os olhos. Coloquei o porta-retratos na mesma posição que encontrei. Ao lado dele, uma arca de madeira com símbolos talhados chamou a minha atenção. Era pesada e para a minha decepção estava trancada.
O som do trinco do portão sendo aberto interrompeu a minha espionagem. Larguei a caixa em cima da mesa de qualquer jeito e sai da sala num átimo. Subi a escada de dois em dois degraus e me joguei na cama. Respirei profundamente e ordenei para que o meu coração se acalmasse.
Marie me chamou e eu levantei desesperada. Era isso. Fui descoberta. Não tive tempo para pensar em desculpas. Descia as escadas e abri a boca, pronta para me entregar.
― Vai me ajudar? ― Ela perguntou ao me ver. ― Ou vai ficar me encarando com essa cara?
Eu peguei o embrulho pesado e largo dos seus braços magros. Marie estudou a minha expressão e eu me virei para a cozinha, evitando o seu olhar.
― O que faço com isso?
― Leva para o seu quarto, ora. ― Ela falou, desinteressada. ― É um notebook. Os Jackson estavam se desfazendo de algumas coisas. ― Eu reconheci vagamente o nome de um dos garotos da minha sala.
― Obrigada, eu acho. Não precisava ter gasto o seu dinheiro comigo. ― Os meus pais não eram ricos e nem nada, mas eu recebi um bom dinheiro com a venda da casa.
― É de aniversário. ― Ela deu de ombros.
― O meu aniversário é só daqui a dois meses. ― Eu falei.
― De qualquer forma, estava em promoção. Não tem muita coisa que uma velha aposentada como eu pode gastar. E, além do mais, você vai precisar para a escola.
Eu concordei e subi as escadas, com mais cuidado dessa vez, e coloquei a caixa em cima da mesa.
O aparelho funcionava a manivela e demorou uma eternidade para ligar e configurar, mas, pelo menos, serviu para me distrair. Marie avisou que na segunda viriam instalar a internet. Eu quase gritei de felicidade, era como sair do regime fechado para o semiaberto.
― O filho dos River's parece que gostar de você. ― Marie comentou no jantar.
Eu engasguei com o suco. Pelo fato de Brayan gostar de mim e pelo fato de Marie se interessar por mim.
― Como...?
― Eu estava resolvendo algumas coisas na Associação de Moradores, quando ele me viu e conversamos. ― Ela continuou.
― Ele é legal. ― Eu disse, torcendo para esse assunto estar acabado. A minha mãe era aberta a falar sobre garotos, as vezes até demais, mas com Marie faltava intimidade.
― Porque não vai com eles na fogueira? ― Ela perguntou de imediato.
Porque? Porque meus pais morreram e cada falso riso que eu dou é como levar um tiro no meu peito. Isso é motivo suficiente? Respiro fundo e apenas respondo:
― Não estou muito no clima. ― Eu digo, enquanto recolho os pratos e vou em direção à pia.
― Deveria estar. ― Marie falou. ― Uma menina da sua idade não pode ficar sempre em casa com a sua avó velha.
― Contanto que esteja em casa às 6, não é mesmo? ― Falo em tom sarcástico.
Marie ignorou o meu tom e assentiu. Tudo isso era muito patético. Por sorte ela não insistiu mais no assunto e escorregou sorrateiramente para a sua salinha privada. Eu lavei a louça num borrão e fui correndo para o quarto, não queria que ela desconfiasse que eu estive lá durante a tarde.
A noite passou como um borrão e antes de dormir eu abrir a janela e deixei algumas migalhas de chocolate no parapeito. Torcendo para ver o meu amigo corvo de novo, parecia loucura esperar. Quando ele não veio, eu fechei a janela me sentindo uma tola. O tédio em Wells deveria estar mesmo mexendo com os meus miolos.
***
Dois capítulos para compensar essa falta! Prometo que semana que vem posto o capítulo 5. Mais uma vez me perdoem pela demora. <3
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