3 - Toque de Recolher
Quando entrei em casa naquele primeiro dia, encontrei um prato de comida coberto com papel laminado em cima da mesa. Marie não estava em nenhum lugar à vista, então deduzi que ela deveria ter saído.
Forcei a comida para dentro e lavei os pratos assim que terminei. Não quis estudar no quarto, então fiquei encarando um livro de história por boa parte da tarde, tentando me familiarizar com tudo.
Pelo canto do olho, notei uma luz se apagar no corredor e por instinto me levantei. Ouvi um par de passos e peguei a primeira coisa que vi para usar como arma: um abajur. No corredor ao lado da escada, havia uma porta de madeira gasta. Eu ainda não tinha explorado muito bem a casa, então não fazia ideia do que havia lá dentro. Assim, que eu me aproximei, a porta se abriu e Marie saiu de lá de dentro com cara de poucos amigos.
― Eu sinto muito. ― Disse, colocando o abajur no lugar. ― Pensei que fosse um ladrão.
― Você não vive mais em cidade grande, Roslyn. ― Foi o que ela disse.
― O que tem aí? ― Perguntei.
Marie tornou a me olhar, como se calculasse as suas palavras. Ela girou a chave dourada na maçaneta e tornou a colocá-la no bolso, quando disse:
― Nada, apenas velharia.
Não parecia nada para mim, mas eu não quis comentar nada.
Levei o restante do meu material para o quarto, enquanto Marie preparava o jantar. A comida dela não era tão boa quando a da minha mãe e eu sentia saudades de comer uma boa comida brasileira.
― Posso cozinhar alguma coisa amanhã? ― Arrisquei enquanto jantávamos.
Marie deu de ombros.
― Não vai encontrar os ingredientes aqui. ― Ela falou depois de um tempo. ― Mas se quiser tentar, pode pegar o dinheiro no pote. O Mclarens não fica muito longe do colégio.
Eu assenti, animada. Talvez a minha falta de apetite fosse saudade de um bom arroz e feijão bastante temperado. A ideia me animou o resto da noite, mas não o bastante para não me fazer ter pesadelos ou chorar antes de dormir.
O meu acervo de roupas invernais era escasso. Anotei mentalmente que deveria arrumar roupas novas logo. Era uma coisa nova que eu estava experimentando. Fazer planos. Viver um dia depois do outro e toda essa baboseira pós-luto. Fazer as compras e cozinhar o jantar era uma dessas coisas, compras algumas meias e casacos também. Talvez fosse tornar tudo mais fácil. É o que dizem.
― Ei, garota brasileira! ― Ouvi o grito no corredor.
Eu olhei. Afinal, quantas brasileiras estudavam no colégio? O menino que corria na minha direção era alto e forte. A sua pele era escura e os cabelos cacheados. Era parecido com um personagem da Disney de um dos meus filmes preferidos: a princesa e o sapo.
― Oi, meu nome é Brayan. ― Ele deu um sorriso largo. ― Não nos conhecemos antes.
― Roslyn Satie. ― Eu disse, envergonhada.
― Eu sei disso. ― Ele tornou a sorrir. ― Como vai a obra na sua casa? ― Ele puxou assunto. Eu reparei que algumas pessoas no corredor nos encaravam.
― Obra? ― Eu perguntei, desviando a atenção dos olhares.
― O meu pai é dono da loja de ferragens. A sua vó compra algumas coisas lá. ― Ele explicou.
― Talvez ela já terminado. ― Eu disse. ― Deve ter feito uma coisa ou outra antes de me receber.
Brayan assentiu e abriu a boca, então tornou a fechá-la. Eu reparei casualmente na sua indecisão. Ele queria me dizer alguma coisa. A Roslyn de antes teria adorado toda aquela atenção que recebia. Mas agora tudo aquilo se tornou tão trivial. Numa explosão de coragem, ele falou:
― Mais tarde vai ter um treino de rugby... eu faço parte do time... se você quiser assistir...? ― Ele falou.
― Obrigada, mas eu preciso fazer o jantar. ― Falei. ― Mas, obrigada...
Brayan assentiu algumas vezes e depois disse que tinha que ir para aula. Ele caminhou na direção oposta e topou com o Magricela-do-Clube-de-Xadrez. Os dois se encararam com mutuo desprezo. Interessante.
Eu fugi dos meus colegas no restante das aulas e caminhei sozinha até o mercado assim que o sinal tocou. Marie estava certa. Não haviam muitos ingredientes disponíveis. Comprei o básico para fazer um macarrão e um punhado de chocolates para comer depois do jantar.
― Você é a neta de Marie Satie, não é? ― Perguntou a funcionária do Mclarens. ― Você é a cara dela. ― Ela disse.
Eu não sabia se concordava ou não, então me limitei a sorrir. Carreguei as compras até em casa e me encontrei sozinha novamente. Dei uma olhadela no corredor e a luz daquela sala estava ligada. Mare estava enfiada lá dentro de novo.
Almocei em paz e me ocupei com o dever de casa. Faltando pouco para as seis horas, eu comecei com os preparativos para o jantar. Cortei os tomates milimetricamente iguais e as cebolas numa perfeição doentia. Eu deveria estar enlouquecendo. Mas qualquer tarefa era importante se fosse capaz de manter os meus pensamentos longe dos meus pais.
Quando eu terminei era quase sete e meia e fiquei indecisa se deveria bater à porta de Marie ou não. Eu servi a mesa e limpei o restante da louça, quando me virei ela já estava lá.
― Está muito bom. ― Ela elogiou.
O que era aquilo no rosto dela? Um sorriso?
― Obrigada, Marie. ― Eu falei. ― Hoje eu fiz um amigo novo. O nome dele é Brayan. ― Contei, omitindo algumas partes inconvenientes. ― Ele disse que o pai dele costuma vê-la muito.
― O menino que trabalha na loja de ferragens. ― Ela se lembrou. ― É um bom garoto. Brayan River. Mas eu não costumo ir lá tanto assim.
Marie se fechou novamente e eu comi em silêncio pelo resto da noite. Tomei um banho antes de ir para o quarto e sentei no banquinho perto da janela para terminar a lição de casa com um saquinho de chocolate no colo. A hora passava rápido em Wells. O que era bom.
Ouviu o barulho dos galhos roçarem na minha janela, tal como faziam a noite. Eu deveria dar logo um jeito nisso. Quando levantei os olhos, não era um galho, mas um pássaro escuro, que batia na janela, como se fizesse um convite.
― Você quer? ― Eu ofereci.
O corvo parou e virou a cabeça. É isso. Eu estou enlouquecendo. Abri a janela e coloquei umas migalhas de chocolate no beiral. O pássaro se aproximou desconfiado e bicou algumas vezes.
― É gostoso. ― Eu disse. ― Se chama chocolate.
Chovia no dia seguinte e eu precisei ir correndo boa parte do caminho para a escola. Já estava acostumada com o tempo instável no Rio de Janeiro, mas nada se comparava com aquilo. O frio penetrava as minhas entranhas e a água da chuva acumulava nas minhas botas.
O meu corpo inteiro tremia de frio e quando o professor pôs os olhos em mim me mandou ir direto para a enfermaria. A enfermeira era uma senhora bondosa, de cabelos escuros e pele muito branca, deixou de lado a sua revista matinal e me socorreu assim que eu entrei cambaleando na sala retangular e bastante clara.
Não precisa ser feito muito, apenas aumentar o aquecedor e me livrar das roupas molhadas. Ela me envolveu com um cobertor elétrico, o que era bom. Não consegui dizer quanto tempo tinha passado até que ela me liberou. A minha cara deveria estar horrível, porque ela me dispensou das aulas seguintes.
Eu andava com os braços envolvendo o corpo de volta para a casa. Ainda no centro da cidade uma lojinha pequena chamou a minha atença. O antiquário tinha a fachada velha e com a placa descascando, não era muito convidativo, mas os casacos arrumados na vitrine me fizeram ignora isso.
Assim que eu entrei na loja, um sininho ressoo. A mulher no balcão se sobressaltou e lançou um olhar assustado para mim.
― Olá. ― Eu disse, sem graça.
― Oi, garota nova. ― Ela, sorriu. ― Meu nome é Jane.
Jane parecia ter um vinte e pouco anos. Tinha cabelos loiros e um piercing no nariz, o que para a comunidade mais antiga de Wells era um ato digno de rebeldia. Eu gostei dela.
― Vim pelos casacos. ― Eu apontei.
― Ah, essas velharias. Deixa disso, tenho coisa muito melhor aqui atrás. ― Ela falou.
Eu a segui para o fundo da loja. Passamos por prateleiras de livros antigos e objetos dignos de um museu, até estacas de madeiras e armas mais velhas que a minha avó. No fim da loja, alguns casacos estavam arrumados em cabides, eram realmente mais bonitos do que os da vitrine. Não fazia sentido.
― Era meus. ―Ela respondeu, como se tivesse adivinhando a minha pergunta silenciosa. ― Saudades da minha temporada em Londres. Mas para quê guardar essas coisas velhas, não é como se tivéssemos lugar para usar por aqui.
Eu sorri. Compartilhávamos uma coisa em comum, ambas eram de cidades grande e estavam entediadas. Acabei levando dois casacos pretos, um suéter e uns pares de meia, enquanto isso Jane me contava como havia assumido o negócio da família depois de ter perdido a bolsa em Artes na Universidade de Londres.
No balcão, eu me distraí com uma pulseira fina com pedrinhas coloridas, enquanto ela preenchia a notinha. Por fim, ela pegou a pulseira e colocou junto aos casacos.
― Eu não posso aceitar. ― Eu protestei.
― Imagina, é um presente de boas-vindas.
Não chovia quando eu cheguei em casa e um sol tímido começava a despontar sob as nuvens. Marie não estava à vista, como sempre. Não me arrisquei em perguntar por era na sua salinha privada. Deixei as roupas no quarto e desci com os meus livros para fazer o dever de casa.
Ouvi uma batida na janela da cozinha e ergui os olhos. O corvo estava lá novamente, abri a porta dos fundos, que dava para a parte de trás do quintal e deu tempo de ver o animal voar para uma das árvores do quintal de Marie. A casa fazia divisa com uma pequena floresta. Já estava anoitecendo, mas eu não me importava, dei um passo para fora da varanda, quando um par de unha me agarram.
― Ai! ― Eu grito.
― O que pensa que está fazendo? ― Marie gritou.
― Não sei, indo no quintal? ― Eu respondo ao me desvencilhar.
― Você não pode, entra. ― Ela diz. ― Anda, rápido. ― Os seus olhos são estão em mim, mas na floresta.
― Qual o problema? ― Eu grito, chamando a sua atenção.
― É proibido ir para a floresta à noite e você está 5 minutos fora do toque de recolher.
Eu queria gritar e rir. Isso não podia ser possível. Eu não queria acreditar, mas o olhar de desespero de Marie ao me ver no quintal depois das 6 da tarde me dizia que aquilo era verdade. Eu a segui para dentro, pisando duro, antes de bater a porta propositadamente, dou uma olhada na floresta já tomada pelo crepúsculo e posso jurar que o corvo na árvore olhava para mim.
***
Gente, mil desculpas por ficar anos-luz sem atualizar o livro. Eu entrei em semana de prova e ficou completamente impossível escrever, além disso como eu não tinha nada escrito da história eu deveria escrever com o dobro de cuidado para evitar alguns errinhos.
Espero que gostem e não desistam de mim!
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