Capítulo 04
No dia seguinte, desejei encontrar um buraco na parede para me esconder. A pior parte de morar num palácio é que a ideia de ficar isolada parece impossível. Onde quer que você vá, lá terá gente, da mais alta à mais baixa classe, observando cada movimento seu.
Nem mesmo ilhada no meu quarto eu conseguia um momento pleno de solidão. Hora ou outra Marie entrava para limpar, espanar, colocar água e borrifar aroma de baunilha.
Sentada na escrivaninha do quarto, eu corria os dedos pelo meu caderno de capa lilás. Dentro dele estava a maioria dos meus poemas, todos aqueles que eu tinha escrito pensando em Andrew durante os anos que mais de mil quilômetros nos separaram.
Eu havia esperado por ele fielmente. Pensava em ter dois filhos, morar numa casa com uma cerca branca, e decorar pinheiros juntos no natal. Pensava em uma vida longe do palácio, das câmeras e dos jornais de fofoca.
Uma vida onde eu pudesse ser a protagonista das minhas próprias escolhas.
Não soava tão absurdo.
Comecei a rabiscar a última página, lembrando da cara de Andrew ao saber que eu estava — supostamente — prometida ao príncipe James. Não sabia ao certo se aquilo seria capaz de estremecer a nossa relação, mas com a sua reação, tinha certeza de que ele ainda se importava comigo tanto quanto eu com ele.
Uma parte de mim doía só com o pensamento de ele estar tão perto e ainda assim, mal pudéssemos nos tocar. E, embora as nossas histórias tomassem rumos diferentes naquele momento, houve um tempo em que elas eram uma só, e eu estava presa nele.
O nosso primeiro beijo, na Royal Ponte, no coração da França, tinha uma presença viva, quase física na minha memória. Eu acariciava seus cabelos e Andrew entrelaçava os braços em minha cintura. Se dependesse de mim, teríamos para sempre quinze anos.
Num mundo onde tudo dependia da quantidade de títulos e da fortuna que uma pessoa acumulava, eu o encontrei, sujando meu nariz de sorvete no verão e arremessando bolinhas de neve no inverno. Juntos em todas as estações. E era isso que fazia a nossa história ser especial.
Meus rabiscos foram interrompidos por alguém que batia suavemente na porta do meu quarto.
— Entre— respondi, fechando o caderno.
Um mordomo abriu cuidadosamente e fez uma reverência. Havia uma caixa dourada com flores de jasmim em sua mão, e ao entrar, ele a estendeu para mim.
Peguei, inspirando o aroma adocicado das flores, e agradeci. Tirando a outra mão de trás das costas, ele me entregou um envelope branco que carregava o brasão da Casa Williams; um leão dourado.
Esperei até que o mordomo se retirasse, e então abri o envelope, de maneira apressada, puxando o papel de dentro o mais rápido que pude.
Querida Lady Claire,
Acredito que não começamos com o pé direito, mas quero que saiba que estou disposto a tentar quantas vezes forem necessárias. A delicadeza dessas flores me lembra você. Por isso, as envio como uma oferta de paz.
Atenciosamente, príncipe James Williams.
Depois de ler, guardei novamente o bilhete dentro do envelope e coloquei a caixa em cima do aparador.
Eu adorava jasmins, porque me lembravam a primavera em Avence. No entanto, a ideia não parecia muito original, sendo, inclusive, completamente previsível que um diplomata enviasse flores para acompanhar um pedido de desculpas.
Até ali, o príncipe tinha se limitado ao óbvio, e as obviedades nunca me atraíram.
— Aqui estão os jornais do dia, chéri. — disse Marie ao entrar, galopando por entre a anágua do vestido.
— Hmm... Algo de interessante aí?
— As pessoas adoram você. Há manchetes com seu nome por toda a Coroa.
Ela sorria de um jeito terno, verdadeiramente feliz pela aprovação popular. Marie pôs um jornal à minha frente, e eu pude ler rapidamente o texto principal.
"O herdeiro do trono, príncipe James, encontrou-se oficialmente com a querida Lady de Chevalier, permitindo à Inglaterra apreciar a doçura e beleza da futura princesa e revelando a todos a química surpreendente entre o casal."
— "Química." — debochei, quase rindo. — Quem escreve a redação desses jornais? Por Deus!
— Você não pode culpar o mundo por achar que vocês combinam, Claire.
— Essa foi a primeira vez que aparecemos juntos em público. Surpreendentemente, também foi a primeira vez que conversamos por mais de dez minutos. Acha que temos alguma condição de ter química?
Marie se absteve. Ela recolheu as mãos atrás do tronco e ficou em silêncio enquanto eu analisava as fotos que estampavam metade da página.
Os cliques dos fotógrafos haviam saído melhor do que eu tinha imaginado. Sob aquele ângulo, até pareciamos um bom casal. Isso porque as coisas dependem exclusivamente do prisma sob o qual você as enxerga. Os meus sorrisos não pareciam tão forçados quanto realmente eram, e os braços do príncipe sob mim lembravam romantismo e proteção.
— A rainha Leah, em sua época, não tinha metade de sua simpatia— observou Marie. — Arrisco dizer que até hoje não tem.
— As pessoas não conhecem a rainha Leah. E também não me conhecem. Apenas escolhem acreditar no que é conveniente.
— Não seja tão dura, criança— ela disse, tomando uma mecha do meu cabelo entre os dedos e o esfregando suavemente com o polegar— Tem algo aí dentro que faz de você especial.
Dei de ombros, e então Marie tocou meu queixo, acariciando-o.
— Um novo amor é um presente. Se diz que as pessoas não podem adorar alguém que não conhecem, como você poderia rejeitar alguém nas mesmas condições?
— Acha mesmo que isso se parece com amor? — rebati.
— Nunca se parecerá se você não permitir.
Levantei, passando as mãos sob o vestido para ajustá-lo, e abandonei os jornais na escrivaninha. Marie era boa e ingênua demais para entender o jogo de xadrez que rodeava a nobreza, eu, entretanto, me recusava a ser mais uma peça naquele tabuleiro.
Sabendo que não adiantaria debater a diferença entre amor e poder com a minha criada, segui para o banho, na tentativa de esquecer os jornais, o príncipe e suas flores.
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