Capítulo 03
O resto do dia se arrastou tedioso. Ao passo que todos queriam comentar sobre o encontro, eu desejava esquecê-lo.
Marie, por si só, foi capaz de me fazer mais de dez perguntas de uma única vez. Depois de uma sequência monossilábica de "sim" e "não", pedi que me deixasse sozinha, sob o pretexto de que precisava de um cochilo.
Mas o plano foi por água abaixo quando uma criada avisou que o Duque de Chevalier solicitava minha presença no Salão Principal. Sem tempo para resmungar, coloquei os saltos e desci pela escadaria central, rezando para que os motivos de papai não tivessem ligados ao príncipe.
Palácios costumam ser grandes, mas o palácio britânico, em particular, era tão grande que mesmo após três anos morando nele, eu ainda tinha grandes chances de me perder.
As paredes eram altas e suntuosas, e as decorações sempre seguiam a paleta de cores entre o dourado e o marrom. Havia espelhos, flores e lustres de cristal por toda parte, e embora estivesse sempre cheio de gente, eu tinha a impressão que ele era vazio na maior parte do tempo.
O Palácio de Kingstrom, na Terra do Rei, levou cerca de 20 anos para ser construído, isso porque o terreno era o mais alto de todo o território, ocupado majoritariamente por bosques e montanhas. Era a maior obra da monarquia britânica.
No sentido oeste, o Salão Principal é o primeiro local que você encontra vindo da escadaria. É lá que acontecem a maioria dos eventos reais, e também onde se recebe os nobres de outras partes do mundo. Lindas janelas de cima a baixo completavam a sua beleza, permitindo que o lado de fora fosse observado da parte de dentro e virse versa.
Naquele dia, havia ali uma movimentação diferente da que costumava ter em dias normais. Teria comentado isso com Marie se não a tivesse dispensado horas antes.
Papai caminhou em minha direção logo que seus olhos me encontraram nos átrios do salão. Seu rosto exibia o mesmo sorriso brando e vibrante de todas as vezes que me via; o meu preferido em todo universo observável.
Ele era o embaixador da França na Inglaterra. Um cargo que agora lhe conferia cabelos grisalhos e um semblante parcialmente cansado. Passava a maior parte do tempo enfurnado nas centenas de reuniões, tratados e contratos que estavam sob sua responsabilidade.
Seu trabalho ele sempre fez com maestria, e a única coisa em que conseguia ser ainda melhor era em ser meu pai. A paixão pelas línguas, cultura, ciência e todas as outras coisas às quais dediquei parte da minha vida havia herdado dele. Devo confessar que sua graça e serenidade ficaram esquecidas pelo meio do caminho genético, mas isso era apenas um detalhe.
— Minha querida— disse, beijando minha bochecha— Como você está linda hoje.
Era o que ele sempre falava.
— Oi, pai— falei, devolvendo-lhe um beijinho— Aqui está tão cheio. O que há de especial?
— Temos visitas, querida. Que tal me acompanhar pelo salão?
Ele pegou em meu braço e me conduziu para dentro. Sabia que não era um acontecimento da realeza, porque não fui capaz de reconhecer ninguém de sobrenome nobre no meio daquela gente. De certa forma me senti aliviada por isso.
Era possível perceber o brasão Francês nas casacas pretas do que me pareciam ser convidados. Dando-se conta de que eu não estava captando a mensagem, papai virou-se para mim, explicando:
— É a Cavalaria Francesa, Claire. Vieram auxiliar no processo de avanço das tropas na faixa Norte.
— Ah, claro— respondi, processando lentamente.
Inspecionei imediatamente o salão, numa caçada a um rosto em específico. Nada. Senti meu corpo ficando gelado, e as mãos suando. Olhei de novo, e de novo, enquanto papai me arrastava para algum canto.
Procurar um semblante do meu passado pelo salão britânico parecia uma ideia patética. Por desgraça, uma minúscula parte dentro de mim mantinha vivas as esperanças.
— Veja Claire. É o senhor Leroy — sua voz reverberou pelos meus ouvidos.
De costas, conversando com um oficial, um homem de cabelo preto e grosso, recém aparado, e costas largas, se erguia à minha frente. Eu o reconheceria mesmo a cem metros de distância, ainda que dez anos se passassem.
— Senhor Leroy. — repeti, baixinho.
Quando finalmente se virou, parecia que suas articulações haviam congelado subitamente. Nos entreolhamos sem dizer uma frase sequer. Em geral, eu era o tipo de pessoa que matraqueava sem pausa, como se sempre tivesse muito a dizer. Naquele momento, entretanto, era como se as palavras tivessem sido sequestradas da minha boca.
Vários segundos depois, Andrew Leroy inclinou a cabeça numa reverência.
— Lady Claire de Chevalier!
Devolvi o cumprimento.
— Oh! Faz tanto... tempo— balbuciei.
— Você não mudou nada.
Sorri, num misto de pânico e felicidade.
— Quem os vê assim não imagina que comiam terra quando pequenos— papai disse, nos fazendo rir— Uma vez comeram até formiga. É sério.
— Pai, por favor! — intervi, ainda rindo— O senhor vai acabar com a nossa reputação.
Os olhos de Andrew pareciam perdidos em mim, e eu podia sentir minhas bochechas corando.
— É muito bom revê-la. Eu... senti muito a sua falta.
— Eu também. Tanto que lhe escrevi muitas vezes. É uma pena que não tenha feito o mesmo, senhor Leroy.
Fiquei surpresa ao ver que, mesmo depois de tanto tempo, meu coração continuava batendo descompassado ao estar com Andrew e minha pele ainda ansiava por seu toque.
— Fui recrutado pela Cavalaria dias após a sua partida— disse ele— Me perdoe. Foram anos duros, sequer cheguei a receber suas cartas.
— E hoje é um dos melhores que temos— Papai aclamou.
Sorri, dando-me conta que Andrew, a quem reservei meu amor por todos aqueles anos, estava ali bem na minha frente. Meu secreto e alucinante amor de infância materializado na Inglaterra, quando eu jamais pensei que fosse possível.
— Não poderia estar mais contente ao vê-lo— falei, tocando seu ombro. — E quanto tempo ficará por aqui?
— Espero que o suficiente para relembrarmos os velhos tempos.
Não pude deixar de reparar que seu rosto parecia ter envelhecido cinco anos ao invés de três. Haviam algumas cicatrizes novas que marcavam o tempo de guerra e pequenas manchas do sol na lateral da testa. Os olhos, entretanto, eram os mesmos, com uma tremenda fascinação escondida atrás de sua tranquilidade aparente.
— Conheceu muitos lugares durante esses anos, senhor Leroy? — questionei.
— Muitos. A Cavalaria sempre está de um lado para o outro.
— E mulheres? Conheceu alguma em especial?
— Não há mulheres na Cavalaria, filha— papai zombou, sendo jovial.
— O senhor entendeu— rebati com uma risadinha.
— Nenhuma tão especial quanto a senhorita.
Então ele havia me esperado. Era tudo que eu precisava — e gostaria— de saber.
— Não será difícil arrumar uma dama para si— papai comentou, batendo no ombro dele. — Difícil mesmo será conseguir a aprovação da sua meia-irmã.
Não poderia culpar papai por nos ver daquela forma; como irmãos. Ele nos assistiu crescer fazendo bagunça pelo palácio francês, nos levava para piqueniques ao ar livre e nos forçava a abraçar e pedir desculpas quando brigávamos. Não teria como nos ver de outra forma, na verdade.
— Estou certo que esse assunto não a importunará tão cedo. O casamento não é uma prioridade para os juramentados.
— E para você? Não é uma prioridade? — repliquei.
—A minha prioridade é que seja com a mulher a qual meu coração escolher.— apressou-se em responder, fitando meus olhos.
— É um bom homem, Leroy. A moça que se pôr ao seu lado será afortunada. — papai ladeava, sendo incapaz de perceber através das superficialidades.
Andrew levou a taça de ponche em sua mão à boca e deu uma golada.
— A senhorita Chevalier também é uma mulher admirável. Aposto que há filas de pretendentes para ela, não?
— Ah, sim, houveram muitos— papai respondeu, com um "quê" de orgulho— Mas agora está prometida ao príncipe James.
O rosto de Andrew empalideceu-se e ele quase se engasgou com a própria saliva. Seus olhos me lançaram interrogações, e ele levou novamente a taça de ponche à boca, bebendo mais da metade do líquido de uma só vez.
— Não oficialmente. — tentei amenizar.
Estava claro que ele não sabia o que falar. Forçou um sorriso e ocupou-se em esvaziar a taça de ponche. Ainda que tentasse esconder, o choque em seus olhos e o desapontamento em seu rosto ficaram nítidos até mesmo para papai.
— Parabéns.— foi tudo o que disse, num tom seco e frustrado.
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