Após oito semanas da morte de meu pai, tudo vinha ficando um pouco diferente. Não conseguia ver minha mãe e Claris com frequência, Heitor estava sempre fazendo algo para nos evitar, eu sabia que a perda para ele fora maior do que ele gostaria de admitir, mas não queria que ele se escondesse atrás de caças e jogos. Não havia ninguém ao meu lado quando entrei na sala do trono buscando por alguém, Clarissa estava ao canto direito do trono onde minha mãe se sentava e Gideão, o conselheiro de meu falecido pai, dizia algo para ela. Heitor não estava no salão e olhei envolta para procurá-lo e acabei desistindo algum tempo depois de descobrir que ele nem mesmo estava no reino.

Me aproximei de minha irmã que estava prestes a discursar e sorri para Gideão enquanto ele se afastava, e ele sorriu de volta. Talvez ele tenha sido mais pai para Clarissa do que Arnold foi, nosso pai nos amava, eu tinha certeza. Mas Gideão cuidou de nós na maior parte do tempo, quando meu pai saía para lutar ou quando seus surtos começaram a piorar ou até mesmo quando tínhamos que aprender a soletrar e ele estava ocupado com estratégias de guerra.

Nunca entendi muito bem como nos tornamos estranhas para nosso pai, sua doença — que Claris ainda afirmava ser um envenamento — o fazia desconhecer todos que foram próximos. Me lembro de suas últimas palavras para mim serem " Quem é esta menina de cabelos como a chama?" E eu entendi, aquele ali deitado com uma estranha aparência não era o mesmo homem que um dia me disse que eu poderia ser quem quisesse. Aquele era apenas meu pai em sua fraqueza, e depois, apenas algumas horas depois ele morreu.

Saí de meu devaneio e voltei a olhar Claris, seus cabelos estavam presos para trás e seu vestido era vermelho forte, uma cor que combinava com ela, mas não comigo.

— Não fique preocupada... — tentei em vão tranquiliza-la.

— Não estou. Preocupada não, sinto-me nervosa.

— Papai diria que você se sairá ótima, e eu concordaria.

— Ele nunca diria isso. — ela deu um sorriso zombeteiro. — ele diria:
" Clarissa, você não pode fazer isto. Mas irá, pois eu mandei. Oh céus, jamais poderei sossegar em meu próprio reino."

Eu riria, mas sabia que ela não estava brincando. Apenas suspirei pesadamente e deixei que ela fizesse seu discurso. O conselho estava a sua espera quando me posicionei ao lado esquerdo do trono da rainha-mãe, quando ela me olhou, coloquei disfarçadamente a mão na dela para deixá-la sossegada.

Clarissa ficou de pé na frente do trono onde nosso pai se sentava e olhou para frente com uma postura que eu me perguntava se ela conseguia respirar, estava sobrecarregada e era compressível. Contudo, se tinha alguém que com certeza podia fazer um discurso era Claris, ela nasceu com aquele senso de liderança e acredito que fora por isso que ela nasceu dois anos antes e eu não fui abençoada para ser a herdeira. Eu não poderia fazer nem metade do que Clarissa fez nesses dois meses e em toda a sua vida, nunca fui preparada para ser uma rainha, apenas para ser a irmã da rainha ou rei. Heitor seria um bom rei se fosse legítimo, mas mesmo assim eu ainda seria só a irmã dele. Isso nunca me incomodou, eu fui neta de um rei e uma rainha, filha de um rei e uma rainha e depois de qualquer forma seria irmã de um rei ou uma rainha.

Gideão olhou para os lados e depois se aproximou de Claris para dizer que todos estavam presentes, o salão estava cheio de homens importantes, e senti como se estivesse em uma das reuniões de meu pai.

— Bom dia... E-u — Clarissa suspirou, mas não olhou para trás para buscar apoio. E nem pensei que ela faria isto, porque se eu estivesse ali ficaria olhando para trás, portanto sabia que ela não faria aquilo. — Eu assumirei o trono de meu pai e espero honrar a memória dele, mas não vou agir como ele agiu. Quero a fé católica e aqueles que a questionarem, morrerão. Meu pai cometeu muitos erros, e por eles nunca é lembrado. Quem era Arnold Morey para os senhores? Para mim, ele era pai e rei. E para minha mãe era marido e rei, para Gideão era amigo e rei, mas em todas as situações era rei antes de qualquer coisa e eu serei rainha antes de irmã, rainha antes de filha e rainha antes de amiga. Colocarei a saúde deste reino em primeiro lugar e não proibirei visitantes como meu pai fizera. Espero que todos estejam de acordo antes que eu me torne a rainha.

Um homem se levantou e conheci quem era, pois meu pai vivia reclamando. Jonas Lenox, Clarissa ficou alarmada e finalmente a vi fazer algo que não imaginei que faria, ela olhou para Gideão para buscar apoio e ele acenou positivamente.

— Diz que será igual seu pai e irá honrá-lo, porém pretende contestar as leis dele? — ele a desafiava e ela percebeu.

— Sim. Posso ser filha de Arnold Morey, ter o sangue Morey e carregar este nome. Mas tenha ciência, Lenox, que eu não sou o meu pai e minhas leis serão diferentes das dele.

Ele não pareceu satisfeito, porém fora o único. Heitor entrou no salão e encarou Claris e depois minha mãe, até finalmente me olhar.

— E seu irmão bastardo e sua irmã? O que fará com eles? — indagou novamente provocante.

— O senhor esperava que eu fizesse algo? — indagou de volta. — Amélia continuará aqui no castelo, mesmo se casar e Heitor... Heitor também ficará aqui ainda com seu título de representante de waterfall, vou manter isto como meu pai bem queria...

— Então, o reconhece como irmão legítimo?

— O senhor desafia minha palavra, lorde Lenox, digo que manterei a propriedade de Heitor e seu título por vontade de meu pai, mas nunca disse nada sobre ele deixar de ser um bastardo. — Claris se irritou e Gideão tomou a frente e disse que o discurso havia acabado.

Me surpreendi com as palavras de Claris e provavelmente até Heitor sentiu o mesmo. Clarissa se retirou ainda dizendo que estava com dor de cabeça e dispensou todas as criadas que deviam acompanhá-la. Não estranhei ela querer ficar sozinha e acho que ninguém estranhou também.

Mas devíamos, se tivéssemos ido atrás dela, teríamos evitado muitos problemas daquele dia em diante.