02 - O Príncipe Herdeiro
Yuki ficou em silêncio com medo. O homem diante dela era ninguém menos que o príncipe herdeiro Itachi Uchiha. Seu olhar era mais frio do que lhe disseram. Ele vestia um quimono escuro com os ombros cobertos por um maori vermelho com desenhos de corvos em alto relevo. O quimono era aberto na parte de cima até metade de seu torso, deixando seu peitoral parcialmente à mostra. O príncipe escorava o braço por dentro do quimono de forma despretensiosa.
— E então? As servas não lhe ajudaram a se vestir de forma adequada para me receber? Ou é apenas o seu descaso para com o seu senhor? — Yuki se levantou rapidamente e se ajoelhou no chão diante do príncipe completamente curvada.
— Meu senhor me perdoe tamanha insolência. E-eu não sabia que o senhor viria hoje.
— Pare de choramingar. É irritante. Eu já não queria vir até aqui, agora meu interesse tornou-se menor do que antes.
Yuki mantinha-se de cabeça baixa vendo as lágrimas caírem no carpete. Ela pensou em sua família. A única coisa que a mantinha viva. Que a fazia suportar tudo que ela estava passando. Ela ergueu o olhar receosa, temendo a fúria de seu senhor começou a dizer:
— Meu senhor... há alguma coisa que eu possa fazer... para lhe agradar? Me diga do que o senhor gosta e eu farei.
Itachi olhou para Yuki com desdém e a analisou friamente, seus olhos pretos pareciam ler a sua alma. Ela ainda tremia, o rosto molhado de lágrimas, tinha as bochechas vermelhas.
— Levante-se. — A voz do príncipe era séria e firme. Yuki obedeceu o seu senhor e levantou-se devagar sentindo as pernas tão fracas que mal conseguia ficar de pé. O príncipe a rodeou como um lobo feroz prestes a devorar a presa, os longos cabelos cacheados pareciam esconder parte do rosto dela. Quando completou a volta ele olhou para ela friamente. — Não há nada em você que me interesse.
A cada palavra de desprezo de seu amo ela sentia no ponto mais profundo de seu âmago o vazio do desespero. Ela tinha que ter algo que o interessasse. O príncipe virou as costas e caminhava em direção à saída.
— Meu príncipe, não há nada em meu corpo que te interesse?
— Não...
Yuki sentiu que estava perdendo a batalha. Certamente no dia seguinte ela e a família seriam mortos. Pensa Yuki, Pensa. O que seu pai te ensinou? Ela olhou para o Maori do príncipe. Corvos.
— Ahhh... Corvos! — Yuki disse no impulso. O príncipe virou para encará-la ainda frio e sério. Quando Yuki viu seu silêncio, ela continuou. — Amaterasu, a deusa Shintō do sol, tinha um corvo de três pernas chamado Yatagarasu.
— ...
— Conhecida como aquela "que brilha no céu", seu nome completo é Amaterasu-ōmikami e significa "a Grande Deusa Augusta que ilumina o céu". Não é por menos que ela é considerada também a deusa do Universo.
O príncipe parou e girou sobre os calcanhares e voltou até onde havia uma cadeira acolchoada de cor verde e sentou-se diante de Yuki encostou um dos braços na poltrona, apoiou o rosto devagar nas costas das mãos e cruzou uma das pernas. Depois de um silêncio agonizante ele disse olhando fixamente para Yuki.
— Qual o seu nome?
— Y-Yuki Hitsugaya, meu senhor.
— Seu sobrenome de nada vale aqui. Você sabe o que é uma concubina, Yuki?
— Sim... meu senhor.
— Você servirá a mim por toda a sua vida, independente de sua vontade. Acha isso justo, Yuki?
— Eu não sou ninguém para questionar tal coisa, meu príncipe.
— Sabe, Yuki, eu poderia muito bem vir até e tirar de você a única fagulha do que restou da sua dignidade, sem me importar se se sentirá dor ou não. Muitas mulheres passaram dentro desse Palácio. Para os outros o que importa é tratar vocês como objeto e pronto. Mas, para mim isso é apenas uma banalidade. Deitar-me com você ou não, não faria diferença nenhuma para mim, mas faria para você. O que quero dizer, Yuki é o que você tem de especial?
— Meu príncipe, eu não tenho nada de especial. — Yuki disse tentando entender aonde aquela conversa iria parar.
— A Konan é excelente em origamis, Kurenai cultiva lindíssimos bonsais, Yugao gosta de lâminas e as afia majestosamente, Mei tem uma linda caligrafia e quanto a você, Yuki, qual o seu talento?
Yuki ficou em dúvida. Esses talentos tinham algo subentendido que ela não havia notado? Ela engoliu seco pensando na melhor solução para aquele problema. O que poderia chamar tanto a atenção de um príncipe. Seu pai havia lhe ensinado muitas coisas, artes, literatura, história e até mesmo artes marciais. Mas, tudo poderia ser banal para ele. Então, ela lembrou-se de algo que ela e seu pai sempre faziam.
— Meu príncipe, eu sou uma contadora de histórias.
Itachi manteve a mesma postura. Yuki segurava as mãos uma na outra com força desviando o olhar a todo tempo. O príncipe poderia rir da cara dela e mandá-la para a execução. Depois de um longo silêncio, Itachi se inclinou para frente.
— Uma contadora de histórias? Hum. Isso vai ser interessante. Yuki, eu voltarei mais vezes. Sem aviso. É bom que seja mesmo uma contadora de histórias. A história de Amaterasu é bem conhecida, mas você a conhece com uma riqueza de detalhes e gostei da forma que conta. Espero que tenha outra. Se for interessante o suficiente, seus dias aqui poderão ser prolongados. Caso contrário, não vou querer mais nada de você.
O príncipe saiu sem olhar para trás, deixando Yuki ainda paralisada no meio do quarto. Quando o homem saiu ela sentiu as pernas fracas e caiu no chão sentada respirando com dificuldade. Naquela noite, ela custou a dormir.
(...)
No dia seguinte, ela foi acordada cedo por Anko. A serva estava empolgada e eufórica. Yuki se levantou devagar esfregando os olhos, ainda sonolenta.
— Bom dia minha senhora, fiquei sabendo que o príncipe veio aqui ontem a noite? A senhora não estava pronta!
— Veio sim... — Yuki disse meio sem graça tentando não contar da noite desastrosa.
— E como foi?
— Normal... — Yuki disse, desviando o olhar. A serva olhou os lençóis branquinhos e entendeu que nada havia acontecido, porém preferiu fingir que não viu nada. — Será que ele gostou?
— Bom... eu não sei. A senhora vai ser levada para um Pavilhão usado para as que ele ainda não tem um destino certo. A maioria é descartada na primeira noite. A minha senhora vai para o Pavilhão Margarida. É bem menor que os demais e bem mais singelo, mas o fato da senhora ir para lá significa que ainda há esperanças.
— Eu não sei não... Mas, por hora devo me contentar com isso.
(...)
O Pavilhão Margarida ficava na área mais isolada da área do Príncipe Itachi. Pelo caminho elas passaram nos demais Pavilhões. Cada Pavilhão tinha um jardim referente a flor que dava seu nome. Das quatro concubinas do Príncipe Itachi, a mais problemática era Lady Mei. A mulher de cabelos ruivos um pouco mais velha que as demais era conhecida por sua beleza estonteante e também por seu ciúme. Vivia disputando a rara atenção com Konan, a que mais se aproximava de ser a favorita do príncipe.
Lady Mei observava a nova concubina passar através de uma greta janela acompanhada de suas muitas servas tamborilando os dedos sobre a mesa.
— O que meu príncipe viu naquela moça. É pequena e sem graça. O quimono que ela está usando é ultrapassado.
— Ouvi as outras servas dizerem que é pagamento de uma dívida e que sua família está em ruína. — uma de suas servas disse desdenhosa.
— Não entendo porquê meu príncipe precisa manter essa mulher aqui. Mas, logo ele vai se enjoar dela. — Mei deu uma risada alta e maliciosa e continuou observando a concubina nova passar. — Pavilhão Margarida... que piada.
Um pouco mais a frente estava o Pavilhão de Lady Yugao, conhecida por sua perseverança. Seu pai era um grande General que foi desonrado. Ela aprendeu a lutar com ele. Tinha cabelos roxos e longos. Ela era uma das menos visitadas pelo príncipe. As servas diziam entre si que o príncipe a mantinha ali pelo respeito ao pai dela.
Lady Kurenai tinha olhos avermelhados e cabelos negros como a noite. A sua gentileza era o que mais se destacava além da beleza. E havia a Lady Konan, olhos dourados, cabelos curtos e roxos, era alta e elegante. Uma mulher silenciosa e discreta. Não por acaso era a candidata à favorita do príncipe.
Yuki chegou ao seu Pavilhão que por tempo indeterminado seria seu lar. Bem menor do que os demais, tinha roupas de cama singelas e móveis simples. O jardim que representa aquela parte estava mal cuidado e cheio de ervas daninhas. As paredes tinham um leve bolor, a cama tinha um colchão fino e cobertores surrados. Um reflexo do desdém que o príncipe tinha por ela.
— Bem... bem vinda ao lar Anko. Você ainda ficará comigo? — Yuki perguntou sorridente.
— Claro minha senhora, se assim desejar.
— Enquanto eu não sirvo o príncipe, o que posso fazer?
— Bem, a senhora ainda não tem permissão para andar por aí como as demais. Então... pode ficar aqui tranquila.
— Eu não estou muito acostumada a ficar à toa. Deve ter algo que eu possa fazer.
Yuki andou ao redor do Pavilhão analisando tudo que podia. Verificou os móveis, mexeu no jardim, organizou as suas poucas coisas. O príncipe ficou muitos dias sem aparecer, o que não foi de todo ruim. Ela teve tempo para pensar em que história iria contar. Com o aprendizado da primeira noite com o príncipe, Yuki passou a ficar sempre pronta. Com o único quimono bom que tinha.
Quando o príncipe resolveu aparecer, pelo menos ela estava bem vestida. O rosto sempre sem expressão e a mesma postura imponente de sempre. Ele entrou no quarto e olhou tudo ao redor ainda em silêncio. Yuki mantinha-se parada no meio do quarto com os ombros encolhidos. O príncipe olhou para a garota dos pés a cabeça que a fez sentir um arrepio correr por seu corpo. Em seguida, ele se sentou em uma das cadeiras e a encarou fixamente.
— E então que história tem para mim, contadora de histórias?
Yuki se ajoelhou diante de seu senhor e começou a contar a história pausadamente gesticulando com as mãos de forma sutil.
— Era uma vez, uma mulher idosa que avistou um pêssego enorme flutuando no rio enquanto lavava suas roupas. Ela levou a fruta para o marido e, quando a abriram, descobriram um menino lá dentro. O casal o chamou de Momotarō (Menino-Pêssego).
"Quando cresceu, ele decidiu lutar contra os demônios de Onigashima (Ilha dos Demônios) que atormentavam o povo de seu vilarejo. Na partida, Momotarō recebeu kibidango (bolinho japonês) de seus pais como presente de despedida.
Durante sua jornada, ele encontrou um cachorro, um macaco e um faisão. Repartiu o kibidango com eles, e estes se tornaram seus aliados. Ele venceu a batalha contra os demônios de Onigashima e, por fim, retornou à casa de seus pais levando consigo os tesouros roubados pelos demônios."
Itachi ficou mais um tempo em silêncio e em seguida deu um suspiro profundo. Yuki engoliu seco temendo a reação do príncipe. O homem entretanto levou a mão ao queixo e ficou analisando a jovem por alguns minutos.
— É uma boa história. Mas, ainda temos muito tempo. O que você tem mais para me entreter essa noite?
Ela abaixou a cabeça envergonhada pensando no que poderia estar passando na mente do príncipe. Ele ainda era o seu senhor e teria direito de pedir o que quisesse.
— Eu vou repetir Yuki, não quero seu corpo.
— Meu senhor, não há nada aqui. Eu não trouxe muitas coisas e... eu fico o dia todo sem fazer nada. — Yuki disse com cuidado cada palavra. Qualquer coisa mal interpretada poderia causar a sua morte.
— E o que você deseja, Yuki? Do que você gosta?
— Seria muita ousadia...
— Peça o que quiser. Lhe darei esse direito depois de ouvir uma história tão agradável.
— Livros.
— Livros?
— Sim, meu senhor. Eu gosto de ler e... também de escrever. É só o que te peço.
— Hum. Pensarei a respeito. E por hoje, é só o que tem para mim?
— Infelizmente sim, meu senhor.
O soberano se levantou rapidamente e caminhou devagar até a porta. Yuki sentia que nada do que fizesse iria agradá-lo. Então ela deveria se esforçar mais.
— Voltarei amanhã Yuki e se eu não ficar mais do que vinte minutos ficarei chateado.
Amanhã?
Yuki viu o príncipe sair do Pavilhão e se jogou na cama em seguida. Sentindo o peso recair sobre os ombros. Em menos de 24 horas ela teria que arrumar mais alguma coisa para entreter o príncipe, ou uma história mais longa. Sua vida dependia disso.
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