Capítulo 1
"Elle? Está me ouvindo Elle? "
Me forço a abrir meus olhos, mesmo que minhas pálpebras pareçam pesar uma tonelada; mas a princípio sou impedida por uma luz ofuscante.
"Elle minha pequena, abra os olhos..."
Sinto uma mão alisar suavemente meus longos fios castanhos e instantaneamente sinto lágrimas escorrendo por minhas bochechas. O toque, a voz, o cheiro, tudo era tão familiar, porém tão distante. Ansiosa, tento mais uma vez abrir meus olhos para finalmente desvendar quem era aquela pessoa e, aos poucos, vou me acostumando com a claridade podendo finalmente vislumbrar o rosto da pessoa que mais amo.
Porém, antes que pudesse dizer algo, um barulho repetitivo e irritante ressoa por todos os cantos, me trazendo de volta para a realidade, e nesse momento lembrei onde me encontrava. Naquele instante, toda a dor e saudade me bateram novamente, assim como em todas as manhãs; e a única coisa que era real eram as lágrimas, que agora faziam questão de molhar, ou melhor, encharcar meu travesseiro.
Após alguns minutos, pude normalizar minha respiração e levantar da cama. Os sonhos estão ficando mais frequentes, talvez esteja relacionado ao fato de estar chegando o aniversário dele.
Assim que termino de por meu uniforme, escovo meus dentes e lavo meu rosto, logo pondo os óculos sob o nariz. Observo meu reflexo no espelho: uma jovem de tamanho mediano (que parecia ainda mais baixa com o uniforme gigantesco), com longas madeixas castanhas (que se encontravam bagunçadas) e com óculos incrivelmente grandes cobrindo seus olhos verdes (óculos que nem ao menos de grau eram, mas era obrigada a usar todos os dias).
Eu costumava odiar o fato de não poder ser como as outras meninas, não poder sair com os amigos, não poder vestir o que quiser, não poder usar maquiagem, a não poder amar alguém. Me pergunto em que momento eu parei de me importar...
Depois de alguns segundos de devaneio, me forço a voltar para a realidade e descer para fazer o café da manhã, afinal, em breve Rachel e a Sra.Hilary acordariam e eu já não estava com paciência para aturar seus ataques matinais.
Assim que termino tudo, e limpo o prato em que comi, juntamente com os utensílios que utilizei, posso ouvir movimentação no andar de cima, então deduzo que ambas já acordaram. Rapidamente, pego minha bolsa e saio pela porta dos fundos, já pondo meus fones de ouvido. Não quero vê-las tão cedo, pelo menos não hoje.
~*~*~*~*~
De certa forma, eu amava a escola. Pode parecer uma afirmação meio louca, mas eu realmente amo poder ir para lá. Sabe, é um dos poucos luxos que elas ainda me permitem ter. Não é como se o ambiente escolar fosse o melhor possível, na "hierarquia" eu não seria nem mesmo parte do último grupo social. Tenho boas notas, sou quieta e não tenho basicamente nenhum amigo, então sou um alvo fácil para os bullyers, mas não é como se eu realmente me importasse; até porque passo 80% do meu tempo livre na biblioteca e esses cabeças de vento nem ao menos deve saber que nossa escola possui uma.
Mas o que eu mais amo na escola, sem dúvidas é o fato de que, quando estou sozinha lá, sinto como se o mundo parasse e existisse apenas eu. E quase como um momento terapêutico.
Assim que piso no mármore branco do hall de entrega, já posso visualizar alguns poucos alunos circulando pelos corredores. Sem me dar o trabalho de ao menos verificar os horários das aulas, sigo em direção ao meu cantinho secreto.
Porém, antes que eu pudesse dobrar o corredor que me levava em direção a biblioteca, sinto um par de mãos envolver meus olhos e imediatamente paro de andar. Ao tirar um lado do fone, escuto uma voz forçadamente grave.
- Porque a senhorita não falou comigo em?
- Melanie, para de graça. - Digo retirando suas mãos de meu rosto enquanto sorria.
Bom, eu havia dito que não tinha amigos, e é verdade, pois Melanie é quase uma irmã para mim. Nos conhecemos desde pequenas pois nossos pais sempre foram amigos. Ou ao menos costumavam ser...
- A desculpa aí mocinha, só estava tentando tirar esse olhar mortal da sua cara. - Melanie conseguia ser realmente infantil quando queria, esse era um desses momentos: ela cruzou os braços, revirou os olhos e fez um beiço de insatisfação. Como eu disse, uma verdadeira criança.
- Ok, ok sua dramática! Estou bem viu!
- Não está nada! Eu te conheço Elleanor Hayes. - Dou a ela o meu melhor olhar assassino. Melanie sabe que odeio que me chamem pelo meu nome todo. - Quer dizer, Elle Hayes. - Diz revirando os olhos.
- É só que.... Eu tive um sonho com ele de novo Mel... - sinto novamente meus olhos se encherem de lágrimas, que por pouco não transbordam.
- Ah Elle.... É porque está chegando o aniversário dele, não é? - Assinto com a cabeça, me esforçando pra não deixar nenhuma gota escapar. - Fique calma, minha mãe e eu já compramos as flores que seu pai mais amava e vamos até lá com você.
Era por isso que eu amava Melanie.... Assim como a Tia Grace, ela sempre esteve lá por mim. Quando minha madrasta gritou comigo pela primeira vez e nem meu pai foi capaz de acreditar, quando Rachel me humilhou na escola, quando meu pai morreu.... Foram muitos momentos.
Antes que eu pudesse dizer algo, o sinal toca, dando início a primeira aula.
- Você vai faltar o primeiro tempo? - Pergunta ela, já sabendo a resposta.
- Mas é claro, é literatura. Não há mais nada que eu possa aprender nessa aula. - Digo sorrindo. Sou uma leitora nata, passo meus dias inteiros com a cara enfiada em um livro. Leio livros de todos os tipos, gêneros e tamanhos.
- Então eu fico com você...
- Não senhora! A mocinha vai para a sala. Você já faltou duas vezes esse mês para ficar comigo e você sabe muito bem que os clubes têm um limite de faltas mensal.
Melanie fazia parte de um clube. Bom, que clube? O das líderes de torcida, ela era a vice-presidente já que a presidente é e sempre foi a minha querida irmãzinha. Acho que esse simples fato mostra o quanto somos diferentes. De toda forma, acho a Melanie uma pessoa incrível! Ela ama torcer, de estar sob os holofotes e mesmo assim arrisca sua posição no grupo ao estar comigo.... Já que Rachel é uma verdadeira praga e vive pegando no pé dela.
Depois de muitas reclamações da parte dela, eu a convenci a usar a última falta mensal dela para algo mais importante. Assim que vejo a teimosa virando o corredor em direção a sala de aula, volto a seguir meu trajeto até meu refúgio.
Como o esperado, a única alma vive residindo ali era a Sra.Patterson, a bibliotecária. No início ela reclamava de eu matar aula ali e já me denunciou algumas vezes, mas agora ela simplesmente não se importava mais. Acho que um dia, quando eu estava sendo intimidada por um grupo de garotas que conheciam a Rachel, ela entendeu o motivo de eu me isolar na biblioteca. Enfim, com o tempo acabando nos tornamos uma espécie de amigas também.
- Seu café está do lado da poltrona. - Dizia ela sem parar de organizar os livros em uma estante. Apenas deixo escapar um sorriso e um singelo agradecimento. - Ah, e tem uma carta para você.... De novo.
Com essa simples informação, sinto meu coração acelerar e as palmas da minha mão começarem a suar, humedecendo levemente a folha que continha uma lista de livros que eu quero ler. Ele havia aparecido de novo.... Bom, quem era ele? Eu não faço ideia.
Nunca fui uma pessoa que acredita em conto de fadas, em amizades eternas e amores perfeitos, mas devo admitir que a três meses atrás, quando recebi a primeira carta dele, senti pela primeira vez que essas coisas eram possíveis. Eis a primeira carta:
"Bom dia Elle (digo bom dia pois imagino que esteja lendo isso de manhã, tomando seu café na biblioteca) ... "
Estranho não? A partir daí a maioria das pessoas já teriam chamado a polícia, mas eu não. Porque? Ora, a resposta é simples: Eu sou invisível demais, então a ideia de ter alguém notando que eu estou ali, é simplesmente inviável.
Portanto, eu continuei a ler aquela carta com o intuito de descobrir quem a havia escrito.
"Você não me conhece direito, mas eu te conheço muito bem. Elleanor Hayes, eu te conheço. Então eu sei que o que eu estou prestes a dizer vai chocar você e fazê-la rir, mas é a mais pura verdade: Eu amo a Elleanor Hayes que eu vejo.
Aquela que ninguém tenta conhecer.
Aquela que ninguém ao menos repara.
Aquela que sua família tenta esconder.
Eu a amo.
Amo a sua força.
Amo a sua determinação.
Amo o seu cabelo.
Amo seus olhos.
Amo o jeito que você torce o nariz quando não gosta de algo.
Amo dua mania de mexer no cabelo quando fica nervosa.
Amo todos os mínimos detalhes em você.
E antes que você ligue para o 911 eu só queria te dizer que não sou um stalker ok? Porque você me conhece, não como eu te conheço, mas me conhece.
A anos eu tento te dizer isso, mas simplesmente é complicado demais. Não posso aparecer na sua porta com um buque de flores no momento, mas posso te enviar cartas para que você saiba que eu existo e que meus sentimentos existem também.
De qualquer forma, essa carta já está longa demais.
Deixo aqui meu singelo agradecimento por ter lido até o final.
P.S: Sei que você ama esse livro, mas não acha ele em lugar nenhum, portanto dei um jeitinho de acha-lo para você"
Junto a carta havia um exemplar de "O Rosto de um Outro" escrito por Kobo Abe. Eu sempre quis esse livro, desde a época que meu pai ainda era vivo, e isso foi tipo, a 5 anos atrás. Estúpido, não? Não sei quem ele é, mas ainda assim me senti estranha a ler essa carta, essa e as muitas outras que ele mandou nos 2 meses seguintes.
Conversávamos sobre tudo, não era como se ele soubesse tudo sobre mim e não falasse nada dele. Segundo a primeira carta, eu o conheço então é alguém relevante na escola.
Chegava a ser absurda a ideia de realmente existir alguém que gostasse de mim, tanto que por vezes pensei ser uma brincadeira estúpida de Rachel e suas amigas. Mas elas jamais teriam a capacidade intelectual para conversar comigo sobre Shakespeare, ou me conheceriam o suficiente para saber que eu passava mais tempo na biblioteca as terças, portanto ele poderia enviar cartas maiores.
Me direcionei à minha poltrona de costume, no segundo andar, e beberiquei um pouco do café quente que a Sra. Patterson sempre fazia para mim. Estranhamente, o envelope estava leve, o que não faz sentido pois é terça-feira. Com cuidado, abri o envelope tirando um pequeno pedaço de papel de dentro. Mas isso é impossível, ele nunca mandou cartas curtas assim... não cabem nem ao menos 5 linhas naquele papel.
Imediatamente, minha cabeça começou a trabalhar em mil possibilidades, mas a que mais me alarmou, sem dúvidas foi a possível ideia de que ele pararia de escrever.
Engolindo em seco, comecei a desdobrar o papel ansiosamente.
"Está chegando o baile de inverno.
Quer me encontrar lá? "
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