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▫️▪️QUINZE ▪️▫️

AVISO
No presente capítulo há indícios de violência infantil, violência contra mulher, homicídio e suicídio.

Para onde vão as pessoas quando o medo rouba as suas memórias?

Quando Rosella me faz atravessar a passagem às pressas, sem qualquer informação sobre o homem referido, sinto uma vertigem me consumir. Uma sensação de quem quer que seja esse tal de padrinho não ficará feliz em saber que a minha menina vem destruindo o seu mundo, trazendo a desordem que ninguém anseia.


Agora, avaliando a nova cidade e aguardando o que quer que venha a surgir, me ponho a indagar qual será a revelação que me espera. Avalio o meu pulso, a rosa vermelha e vibrante que Rosella desenhou com magia nos últimos segundos, um último presente, antes da minha partida. Ela não me disse nada ou explicou a função da tatuagem, mas eu a via ali, me encarando, uma rosa de haste longa e pétalas que pareciam mover-se conforme o passar do vento.
 
Respiro fundo, seguro com força a mochila trazendo-a para frente como um escudo, de maneira que me faça sentir que ela me passa qualquer apoio, e avisto logo a frente um balão prestes a partir. A cobertura possui uma tonalidade acinzentada e até mesmo a madeira que se faz de cesto detém a mesma coloração. Um brilho sutil chega aos meus olhos e avisto, sobre o solo arenoso e pedregulhento, uma pena de tom azulada. A busco, me abaixando com cuidado, e a seguro entre os dedos sem saber se devo uni-la a outra que possuo ou devo esperar o comando do possessor dessa cidade. Volto às vistas a encarar o horizonte, tentando encontrar um caminho ou um alerta para qual ponto devo seguir, embora saiba que sempre surge alguém. Surge sonhos, surgem vozes, surgem olhos curiosos, surge uma trilha a seguir.
 
Estreito os olhos ao ver uma silhueta, dou alguns passos à frente e avisto uma mulher de costas, os cabelos escuros abaixo da cintura e a pele de um tom aquecido, embora quase empalidecido. Vou caminhando até ela, com as passadas ligeiras, a ansiedade devorando as minhas entranhas e me surpreendo ao vê-la voltar às vistas para mim, como se já estivesse à espera. Paro. Encaro. Permaneço estática, incapaz de seguir em frente. Os seus olhos amarelados me apavoram, assim como a sua aparência. Respiro fundo. Dou dois passos para trás, insegura em relação a minha lucidez. Não pode ser possível. Mas nada aqui era possível até ver com os meus próprios olhos — pondero.
 
Ela volta o seu olhar para mim, entretanto, não sai do lugar onde está. Tremo. O vestido alvo e fresco voeja com o trespassar da brisa e as alças finas oscilam, como se a qualquer instante fosse escorrer pelos ombros.
 
— Olá, Sofia, não tenha medo! — diz ela alto o suficiente para que eu ouça e engulo em seco, sentindo as mãos trêmulas em demasia e o coração rugindo em desassossego. A mente tão perturbada que me belisco para garantir se não estou sonhando, mas a dor que se acentua na carne me alerta que não.
 
As palavras se fazem estranhas, confusas e desconexas. Mas, em algum momento, elas saem e enfim partem em sua estranheza.
 
— Quem é você? — A minha voz soa enrouquecida e faço o questionamento apesar da certeza. Indaguei mesmo sabendo o que provavelmente aconteceria aqui.

É a cidade da Revelação, não é?
 
— Não me faça essa pergunta quando sabe a resposta.
 
“A minha Sofia sorri”. Lembro. Então era ela o tempo todo. Ela a que era igual a mim, embora mais vívida e menos sofrida. Meus olhos pesam, o meu corpo pesa, tudo cai sobre os meus ombros de uma só vez.
 
A minha Sofia sorri… as palavras retumbam a minha mente. Quando deixei a tristeza me carregar para uma rachadura profunda? Eu sabia quando, sempre saberia, ainda que jamais desejasse admitir.
 
— Que tipo de loucura é essa… — Desejo saber, embora a minha fala aparente mais uma resposta que uma questão.

Não consigo encará-la e desvio a visão para o alto de uma montanha esculpida do lado oeste. As rochas opacas e sem qualquer ponto verde à vista.
 
— Não há loucura — rebate. — Há apenas duas versões de uma mesma pessoa e estou aqui para elucidar algumas de suas muitas inquisições.
 
Ela oferece a mão para mim, todavia, diferente de Rosella, eu não desejo segurar e ir de encontro a própria. As lágrimas já enchem os meus olhos e enxergo tudo turvo, esquisito, como se faltasse uma parte de mim e não se trata somente da Analu. O vazio que me preenche, constato ainda relutante, pertence a ela.
 
A outra Sofia percebe que não desejo segui-la e suspira, tão igual a mim que reconheço a sensação de me sentir roubada de certo modo.
 
— Eu sou a parte da lembrança e você do esquecimento. Sou a consciência, os sentimentos e você é o que restou de mim. Ainda assim, há algo, Sofia, uma parte da sua história que só você poderá me contar. E esse é o meu preço, se ainda quiser atravessar a minha cidade. Terá que me revelar o que esconde de todos ou não deixarei que passe por aqui. — declara.
 
Fecho as mãos em punhos, o queixo treme em revolta e vou adiante. Me vejo assustada e insegura, tão sobrecarregada que os meus pensamentos se tornam moinhos das minhas próprias emoções.
 
Reconheço despencar em mim o peso de um mundo inteiro. Compreendo que em algum momento terei que enfrentá-la, por Analu, e decido que tenho que ser forte, mesmo que o nosso encontro não seja agradável, a meu ver. Sigo em passos lentos, avistando o vazio do espaço ao nosso redor. É somente eu e ela, ambas com segredos em relação uma à outra. A metade de mim que ainda não conheço, a metade de mim que garante que sou apenas os restos dela.

A sua mão prossegue estendida e a seguro, ainda temerosa, ao chegar no balão que nos levará em direção ao destino que desconheço até então. Reconheço o aroma floral, tão característico de casa, que experimento uma sensação dolorosa de saudades. Saudades de algo que provavelmente esqueci e tenho certeza que hoje irei recordar.
 
O balão eleva vagarosamente e procuro não olhar para baixo. A outra Sofia segura a borda, mas o silêncio nos rodeia feito um fantasma. Assisto uma cidade pequena, sem casas, sem pessoas e aparentemente sem vida, o aroma sendo da mulher que segue ao meu lado e nada mais. Apenas chão e terra. Apenas nós duas e nossos mistérios.
 
Encaro a sua face — contemplando os seus cabelos sedosos, adornados na lateral direita com pinos brilhantes, tendo um deles em formato de lua crescente e três de estrelas, incrustrados com cristais de um resplandecer similar aos pontos rutilantes do céu noturno — e como o tempo aparentou ser bondoso com ela. As suas írises amareladas são radiantes, vistosas e vívidas, como se o sol de Sólon as adornassem. Com a menção, encaro o bracelete dourado em seu braço, notando o sol no centro do arco que contorna a sua pele exposta.
 
— Você ainda lembra de seus pais? — questiona, para a minha incerteza, após perceber que eu estou a observá-la. Sinto o calor subir a face, a sensação inquietante que sempre me consome.
 
A interrogação se faz minha, visto que não lembro deles, na verdade, nunca recordo dos seus rostos, do timbre da voz ou até mesmo do sorriso de ambos. São faces apagadas, vidas inexistentes, assim como quase tudo da minha infância. A única lembrança que me resta é do dia em que morreram.
 
— Não, não me recordo da face de nenhum dos dois. — revelo em um escorrer de ar sôfrego e me sinto tão frágil que poderia me quebrar a qualquer mísero toque.
 
A ventania sopra ferozmente e o seu rugir, que bagunça os meus cabelos, me faz estremecer os ossos.
 
— Já esperava por isso — admite, o sorriso vacilante e os olhos pesarosos sob o tempo. — Eu me lembro deles e de todos os momentos antes de chegar aqui, até mesmo do dia em que fomos separadas. Que nos tornamos duas versões de nós mesmas. A lembrança e o esquecimento não poderiam habitar o mesmo corpo, não quando a dor e o ressentimento eram fortes demais para uma criança. Tinha por volta dos três anos, quase quatro, mamãe e papai brigavam muito e às vezes ele descontava em mim, quando ela não suportava mais as pancadas. Papai sempre me batia com a fivela do seu velho cinto ou com os sapatos gastos.
 
A minha outra eu faz uma pausa e sinto o meu peito comprimir e os meus olhos se encherem de lágrimas outra vez.
 
— Não tinha muito o que fazer a respeito — contínua —, mamãe vivia doente e não tinha forças para lutar e os vizinhos, você sabe, não abriam as suas portas para ajudar alguém. Eu acordei aquele dia com os gritos de mamãe, papai mais uma vez havia batido nela e como fui para sua frente, bom, ele me bateu também, o que feriu os meus braços e vi o sangue escorrer, a dor pungente se instalar em minha memória. Então, corri para a rua, corri como se a minha vida dependesse disso e de fato dependia. Pensei que pudesse encontrar alguém para salvar a mamãe dele. Nesse meio tempo, entre chorar e soluçar, me machuquei no trajeto, cai e vidros perfuraram a minha pele. Então, eu vi uma moça e ela, preocupada, me questionou para onde eu ia e lhe disse que me encontrava perdida, que não sabia como havia chegado até ali. A desconhecida segurou a minha mão e me levou para casa, mas eu havia corrido muito e estava longe, tão longe que somente cheguei a tempo de ver a morte levar os nossos pais.
 
Enquanto ouço tudo quieta, sinto as minhas bochechas molhadas e tento secá-las por mais que seja inútil. Sofia percebe e suspira profundamente.
 
— Era Elérgia quem estava comigo, segurando os meus dedos miúdos enquanto eu soluçava e via ambos debruçados no chão; junto a poça de sangue que tingia o piso de escarlate, a quina e os pés da mesa no qual a mulher que tentei proteger estava caída. Mamãe se via debruçada e coberta por marcas arroxeadas, a cabeça machucada onde havia atingido a quina, e o homem que deveria nos proteger tinha uma faca alojada em seu pescoço. Ele havia tirado a própria vida, após, claro, roubar a dela. Então, Elérgia me tirou dali e me trouxe para a sua casa, em um lugar bonito e que a minha inocência seria mantida. Por magia de Elérgia, essas lembranças haviam desaparecido e apenas o amor da minha guardiã já era suficiente.
 
Ao ouvir sobre Elérgia percebo o porquê de me sentir tranquila ao lado dela, pois uma parte minha a tinha com tamanha estima. Sofia aparenta estar calma, como se a dor do passado lhe causasse somente arranhões, embora, em mim, cause uma sensação de perda profunda. A outra eu me encara, sem alegria, todavia, observo o remorso que domina o seu semblante.
 
— Você é o meu sofrimento, a lembrança do que aconteceu naquele dia, e durante os anos que esteve longe eu esqueci de tudo, de todas as cenas que presenciei, de todas as dores que me prendiam naquela cidade. Por isso, Sofia, você não é bem-vinda aqui, por essa razão, além da sua identidade, Elérgia te impedia de entrar e me lembrar de tudo. Você é uma criança perdida e existem outras centenas iguais a você. Crianças que sofreram na infância de algum modo e precisavam esquecer do seu passado, transformando-se em duas partes.
 
— Eu não sei o que dizer… Tudo está muito confuso.

E, verdadeiramente, me sinto confusa, em uma realidade destoante, em que as lágrimas rolam pela face sem que tenha controle sobre elas. O meu coração ganha um novo motivo para sofrer e o sinto pulsar, tão doído, que desejo que ele pare.
 
— Não precisa dizer nada. Elérgia cuidou de mim durante toda a minha infância e me levou para a cidade dos Anjos para que ajudasse a cuidar das outras crianças iguais a mim. Foi quando soube que ela foi atrás de você e permaneceu lá por muito tempo. — Sua voz soou ressentida e compreendi que talvez eu mesma, ou essa outra parte, não tivesse apreço por mim. — As memórias retornarão em breve para você e sentirá tudo aquilo que senti e sinto muito por não conseguir fazer diferente.
 
— Espere! — recordo-me de algo importante, algo que precisava decifrar. — Eu vi Leonã morrer e ele está aqui também.
 
Ganho a sua atenção e o arco de um sorriso se forma em sua face.
 
— O que você viu foi uma miragem, o que acontece com aqueles que são resgatados por Elérgia. Leonã foi arrebatado para cumprir com a sua verdadeira missão. Ele nunca foi uma criança perdida, mas desejou estar longe da sua cidade de origem para ficar com você — confessa e a minha consciência volteia entre redemoinhos e tornados, uma devastação que sou incapaz de deter.
 
— Não. Eu vi ele morrer, o raio o atingiu… Eu vi, eu estava lá! — vocifero em engano. A paisagem se transformando em borrões indecifráveis e em lembranças antigas.
 
— Elérgia surgiu ao romper de um raio e eles, os raios, são sinais dos feitos do nosso mundo.
 
Me vejo na fase de negação e sinto o coração perder uma batida, o meu corpo incapaz de prosseguir de pé. Desabo e sinto no estômago o resultado do balançar enjoativo do balão, a bile me sobe a garganta e seguro o vômito que deseja sair.
 
Sofia permanece serena, como se despejasse verdade todos os dias, de uma maneira que aparenta que ela é inatingível, que nada abala a sua estrutura sólida.
 
— Agora é a sua vez, me revele o seu maior segredo e não pense que poderá me enganar, eu sei de tudo.
 
As lembranças retornam a minha consciência, uma atrás da outra, e as lágrimas desaguam feito a chuva em um dia tempestivo. Nesse momento, a minha memória pousa em um dia limpo, em uma lembrança bonita em que estava feliz… Quando Leonã e eu escolhíamos o nome da nossa filha.
 
Qual será o nome do bebê? — indaguei para um Leonã sonhador, tendo os braços atrás da cabeça e o corpo deitado sobre a grama do quintal de nossa casa. O sol beijava uma parte de sua face e os cabelos loiros pendiam sobre a sua testa, precisando de um corte. Ele se via feliz e eu também, visto esperarmos ansiosamente a vinda da nossa menina. A nossa florzinha…
 
— Se for menina, quero que se chame Analu. — disse ele e sorri, experimentando nos lábios como soava entoar o nome da criança.
 
— Gosta do nome, amor? — quis saber, já que Analu não era um nome tão comum para mim.

Me ajeitei sobre a grama, a barriga de oito meses pesado e me deixando sempre exausta.
 
— Ouvi uma vez que Analu significa “anjo que governa outros anjos”. Nossa filha é nosso anjo, Sofia, e ela sempre estará ao nosso lado. Ela será a única capaz de colar nossos cacos quando algo não der certo e o medo bater à nossa porta. — respondeu e me vi contemplar o nome como sendo o certo, pois Analu para mim sempre seria aquela a me tirar da escuridão em dias difíceis e me vi a entoar por Analu, como se fosse a minha única oração.
 
Sinto os meus lábios trêmulos e detenho os ombros caídos, incapaz de dizer o que está engasgado por tantos anos. Um turbilhão de lembranças explodem e não sei em qual pousar e assistir.
 
Portanto, sem direito a escolha, visito a lembrança de Elérgia, o parto complicado da Analu e a mulher a tirando de mim, a levando perante o meu pedido. Eu não queria a menina, estava fraca demais e não conseguia considerar ficar com ela, não quando Leonã havia morrido e todo o meu amor havia se partido com ele.

Desse modo, naquele dia, quando Elérgia a trouxe de volta, eu não soube o que fazer. Não conseguia dizer para a menina que era a sua mãe e muito menos que havia abandonado por não ser capaz de amá-la. Que grande erro o meu… O amor pela menina brotou, feito uma rosa na primavera, assim que ela pousou os seus pequenos braços sobre mim, amparou as minhas dores e o seu aroma infantil impregnou o meu coração. E, depois da chegada da minha florzinha, eu tentei parar de sofrer por Leonã e prometi que o seu fantasma não me separaria da minha criança, não mais…
 
Então, a dúvida se estabelece: como não percebi que minha tia e Elérgia eram a mesma pessoa? Talvez fossem os meus olhos ou simplesmente alguma magia que ela usava para me impedir de vê-la em sua aparência original. Visto que, no tempo em que estava comigo, ela aparentava ser mais jovem.
 
A memória seguiu para outro caminho, regressou ao dia posterior ao relatado de Sofia e senti o queixo tremer com a imagem que via. O dia em que lembrava ter visto Elérgia a primeira vez. As sombras em minha casa, aquelas que via me observar e que não passavam de borrões em minha mente infantil, eram pessoas, as poucas delas, que foram ao velório dos meus pais e eu corri, do mesmo modo que a Sofia à minha frente fizera, simplesmente por não entender o porquê de estar sozinha naquela manhã. Eu os queria comigo, os desejava ao meu lado, unicamente por não lembrar do que havia ocorrido antes. Nós já estávamos separadas e eu sofria por uma vida que havia criado em minha memória.
 
Entretanto, na minha versão de vida, eu havia voltado para casa de alguma maneira, os meus pais estavam lá para cuidar de mim e morreram anos depois em um acidente. Fiquei sozinha, cuidando de mim mesma e temendo que descobrissem que eu era órfã. Toda vez que ia vender algum bem dizia que minha mãe estava acamada, impossibilitada de fazer a penhora; com pena, os vendedores compravam os meus bens e até me pagavam mais do que realmente valiam. Minha tia, a versão mais jovem de Elérgia, surgiu apenas alguns anos depois o acidente; tinha um Leonã pacífico ao seu lado, porém, como filho adotivo, não nos víamos como primos. Então, o amor entre nós surgiu com o passar dos anos. Elérgia de fato desapareceu, estando longe até a morte do meu companheiro, contudo, agora sei que a razão para o seu sumiço era porque havia outra sobrinha para cuidar.
 
— Vamos, Sofia, me diga! Qual o seu segredo? — encoraja.
 
O tempo tic tac soa devagar, o relógio mental me diz que preciso aprender com os meus erros. Talvez seja a hora de soltar o que carrego, o que guardo; me libertar do fardo que as mentiras fazem pesar.
 
— Eu menti. — A minha voz soa trêmula, baixa e inconstante. — A Analu é minha. Ela é minha filha e eu a deixei partir por duas vezes.
 
A culpa se apodera de mim, assim como fizera anos atrás e os soluços aumentam, assim como a dor e a tristeza. Eu aparento uma criança, a minha criança que chorava quando recebia um sermão, mas agora sou eu quem me avalio e critico, quem digo o quão mereço ficar de castigo. Não consigo dizer mais nada, abraço os meus joelhos e despejo toda a tempestade que me destrói por dentro.
 
— Toma — diz ela me entregando um lenço ao me ver fungar e imagino como deve estar a minha aparência agora.
 
— Trouxe um lenço? — indago em gaguejo, o soluço me impedindo de falar com coerência.
 
A outra Sofia senta ao meu lado e temos como vista as tranças que formam o nosso assento.
 
— Eu sabia que iria precisar… Sei que não somos mais uma só forma. Somos notas separadas de uma mesma melodia, mas isso não quer dizer que somos inimigas. — Assisto o seu corpo se apoiar em mim e, por mais estranho que pareça, me aconchego a ela.

A outra Sofia cruza os nossos dedos e ficamos assim, apenas esperando a calmar adentrar. É como se eu mesma estivesse me consolando, por mais que a dor também existisse em ambos os lados.

— Sabe porque a Analu jamais questionou sobre a mãe? — Ela rompe o silêncio e volto o meu olhar para ela.
 
— Não e sempre tive medo que ela quisesse saber onde estava a mãe dela. — revelo, o aroma das rosas me aliviando o sofrimento.
 
— Não faz mesmo ideia? Pensa Sofia, pensa! Eu vivi com Elérgia a minha infância inteira e quando a Analu nasceu foi a mim a quem ela entregou. A minha face e a sua não fazia qualquer diferença para a criança, por isso não houve estranheza apesar da pouca idade — alega e encaro os seus olhos amarelos.
 
— Você disse que era a mãe dela? — desejo saber, mesmo me sentindo um tanto constrangida.
 
Sinto um aperto no peito ao considerar que a minha filha a ame como mãe, mesmo sendo injusto o pensamento, já que ela cuidou dela por mim.
 
— Não. Mas Analu sempre foi esperta em demasia para permanece no escuro. — diz e faço que sim, meneando a cabeça em positiva.
 
— Como Elérgia cuidava de mim e de você ao mesmo tempo?
 
— Magia, ela detêm uma camada de magia que ninguém mais possui e aquela senhorinha tem olhos e ouvidos em todos os lugares.
 
Igual à Rosella — penso.
 
As novas camadas de Elérgia me amedrontam e me levam a crer que jamais conhecerei o seu todo, a sua verdadeira essência.
O silêncio nos conforta e toda a minha implicância em relação à mulher ao meu lado desaparece, o seu aconchego me levando a vislumbrar o quão indelineável é o mundo.
 
— Olha o que as suas lágrimas formaram! — diz ela apontando para o céu e avisto um portal em formato de arco-íris, as cores vibrantes e ondulantes, contrastes que me levam a sentir paz.

Encanto-me ainda mais ao ver esferas de luz, coloridas e flutuantes, que escorregam do firmamento e seguem em direção ao chão.
 
— Obrigada! — agradeço por tudo e por nada, por todas as coisas que guardou para mim.
 
Sofia apenas anui e sorri, um riso que reconheço como aquele por quem o Leonã de Elérgia se apaixonou.
 
— Estamos chegando ao fim da nossa viagem. Acredito que esteja cansada, porém, a nossa menina lhe espera. — diz e me vejo exausta, ainda assim, sinto-me melhor ao saber de toda a verdade sobre o meu passado.
 
— Foi bem curta, se comparada às demais. — constato, encarando o céu azul e as nuvens pálidas e acetinadas próximas de nós. O balão tão alto que considerei olhar para baixo somente para saber o quão distante estávamos do solo.
 
— Há alguém que revelará ainda mais a você, eu sou apenas a primeira viagem. Deve unir as penas agora ou a que ganhou virará cinzas ao sair daqui. — instrui, a sua mão tirando uma estrela dos seus cabelos e pondo nos meus; aproveitando a deixa para pôr um fio solto atrás da minha orelha.
 
Faço o que me orienta e observo uma pena esverdeada, brilhante e distinta sobre a palma. Ergo-me devagar e sou seguida por Sofia. Sorrio para ela, o medo de antes dando lugar a compreensão e respeito.
 
— Sofia, qual a cidade que você mora? — me faz o seu último questionamento.
 
Permito que a minha mente me leve a uma memória antiga, porém apenas encaro o vazio. Não, não é possível… É uma pergunta simples, eu deveria lembrar de algo além do bairro Aurora. Além da minha casa e das poucas residências vizinhas que ainda possuem cor. Eu deveria lembrar de tudo, mas a minha consciência é tão falha quanto discos velhos e cobertos por arranhões.
 
— Eu não sei — reconheço.
 
— Foi um prazer conhecê-la, Sofia. Espero que possamos nos ver depois que tudo isso passar.
 
Não há tempo para dizer a ela que desejo o mesmo, visto que a escuridão toma a minha visão e, quando abro os olhos outra vez, já me encontro em um outro lugar. Contudo, apesar de soar feito um sussurro contra um sopro, ainda ouço o seu último encorajamento:
 
— Sofia, fique bem. Por mim, por você e por nossa menina…

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