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Parte II


Certamente foi o ódio o que me fez aceitar aquela situação e ter a custódia de uma jovem galinha alguns dias depois. Era ultrajante, ele havia conseguido um meio de me fazer eternamente humilhado ao conseguir a herança, alguém que teve de se rebaixar para continuar pertencendo à família e às suas posses. Pois bem, se ódio era tudo o que eu tinha, então seria pela força do ódio que eu criaria aquela galinha! Porque de alguma forma eu sentia que meu orgulho seria duas vezes mais ferido se desistisse daquela empreitada, como alguém que foge do vexame temporário rumo ao eterno.

No primeiro dia daquela ave em casa, fiquei pensando como as coisas seriam. "Somente depois de cuidar e zelar pela ave até a sua morte natural..." Talvez eu precisasse mesmo cuidar daquele bicho. E me senti a princípio comprometido com o dever, seria penoso, mas teria de ser. Como não fazia ideia de como se cuida de uma galinha de estimação, tive de pesquisar e logo me desanimei ao descobrir que uma galinha livre poderia viver até quinze anos se tivesse sorte. Maldição! Mesmo que aquela fossa uma galinha geneticamente modificada, ainda viveria uns bons cinco anos no mínimo. E foi assim, resignado a princípio, que me tornei seu senhor.

Realmente me envolvi com ela e com todo o trabalho de criá-la com conforto, garanti que tivesse um espaço minimamente adequado com gramado, poleiro e ninho seco e quente que eu mesmo construí. Fiquei muito irritado em constatar que galinhas não são educáveis como cachorros ou gatos para fazer necessidades em lugares específicos. Na verdade, aquela era uma experiência demasiado estranha, porque ao invés de me afeiçoar mais e mais por um ser ao qual eu despendia cuidados, parecia, ao contrário, que a cada dia o meu asco por aquela ave crescia.

Talvez isso possa parecer óbvio, afinal, ela era o impasse da minha vida, porém a sensação que eu tinha de rancor e enfurecimento, por vezes, parecia imergir completamente dela, aquele ser penoso cacarejando e movendo-se como um robô parcamente articulado. E como ela botava ovos... Isso a princípio me pareceu até um benefício, não precisaria mais gastar dinheiro com cartelas de ovos. Mas o primeiro que comi foi também o último. Eu o preparava frito, um tanto satisfeito comigo mesmo por pelo menos estar tirando uma vantagem ainda que mínima daquela galinha que era a mais aproveitadora ali.

Enquanto mastigava aquele ovo, feito do jeito que eu sempre gostei - levemente frito, com gema mole - me lembrei do meu portfólio de pesquisas sobre aquele animal e de uma das tantas informações inéditas que tinha descoberto, a de que um ovo era menstruação de galinha, no português claro. Eu olhava para ela enquanto comia sua menstruação, a matéria bruta da sua reprodução, e não pude deixar de pensar no pinto em potencial que poderia existir ali, destinado a mesma vida medíocre daquela galinha.

Pensei no mundo dividido entre os que comiam galinha e os que comiam o que sai de dentro delas, e em como e por que cruzei de um limiar ao outro. Nesse momento me senti muito próximo de algo que eu não sabia bem o que era, entretanto rejeitava com força. Esse foi o último ovo que me lembro de ter comido. Talvez tenha sido a partir disso, não sei, mas eu simplesmente sentia algo inominável crescer em mim na presença dela. E parece bastante curioso, notando agora, como no ápice desse efeito inominável, eu mal me lembrava do por que ela existia e por que estava sobre minha custódia.

Não digo que minha relação parental deixou de ser uma questão, às vezes ela só parecia ter uma roupagem nova. Principalmente nas horas a fio em que eu via aquela galinha chocar a infinidade de ovos que botava. E meu Deus, quantos ovos! Era impossível crer na quantidade. Eu já estava juntando e levando-os recorrentemente para enterrar num terreno baldio próximo de casa. Eu cavava, cavava e cavava fundo o quanto podia, para deixar profundo o que não deveria estar à superfície, e voltava a esperar por mais ovos. Enquanto ela chocava... como explicar? havia os barulhos que ela só fazia enquanto chocava, aliás, toda ela era única enquanto fazia isso. Assumia uma sinistra expressão de serenidade como quem prepara algo ruim com muita calma.

Ela parecia saber que era observada por mim, porque eu a espreitava sempre, como quem olha num canto escuro e mal delineado esperando vir dali um fantasma ou grande mal, se protegendo com a incredulidade da visão. Mais tarde, para a minha infelicidade, constatei que eu via aquele olhar e ouvia aquele cacarejar contido e suspeito não só na minha galinha, mas em qualquer penosa com que eu me deparasse. Não há muitas galinhas, evidentemente, na cidade grande, mas é possível encontrá-las, por isso eu fugia de caminhos rurais onde sabia que poderia me deparar com criação desses animais.

No entanto, outras aves me importunavam, no parque, nas praças, nas ruas paulistanas eu era assombrado por pombas, me lembrando do que me aguardava dentro de casa. Não importava o quanto eu evitasse estar na presença dela, ela se deslocava espectralmente no olhar das pombas, com aquela mesma dança robótica e um barulho que lá longe poderia ser de uma galinha chocadeira. E não adiantava correr, havia os pássaros nas árvores, nas ruas. Não importava de qual espécie fosse, todas traziam aquela insinuação do sinistro, da raiva contida e resignada em mim que de repente virava medo de algo que eu não conseguia pôr em palavras.

Até mesmo imagens de galinha em enormes fotos no açougue do supermercado ativavam aquela fobia nervosa por aves. Num desses momentos em que precisava comprar comida, virei o rosto da direção da foto fechando os olhos com o máximo de força e suprimindo o pânico. Ao abri-los novamente minha visão era a da vitrine de carnes do açougue, mais especificamente, para a coxa da asa de vários frangos, muitos frangos. E aí talvez tenha nascido o germe da minha podridão, o princípio do meu ser amaldiçoado.

Era aquilo, de repente. Anuviado pelo sentimento do maligno daquela ave doméstica, sobrava pouco espaço para a razão, para me lembrar o motivo de criá-la e a importância dela morrer naturalmente. Lembro-me que, vendo aquele monte de cadáveres de galinhas em potencial, o canto mais sombrio da minha mente começou a flertar com a ideia de fazer o mesmo com aquela galinha, contudo - ou por escrúpulo, ou porque ainda restava um pouco de propósito em cuidar dela - eu afastei com certa repulsa à ideia chacoalhando a cabeça e mudando o rumo dos pensamentos.

No entanto, ela já havia sido implantada e seria questão de muito pouco até que eu desse cabo dela. Certa noite eu me encontrava com insônia, - o que se tornara cada vez mais comum desde que minhas relações familiares tinham se tornado um lixo, e piorara ainda mais com a chegada daquela galinha. Eu desconfiava dela como uma última pregação perversa do meu pai e nas noites insones me pegava pensando sobre aquela situação, sobre por que nossas relações haviam chegado àquele ponto em que ele claramente deixava a vingança como seu último legado, e mais ainda, eu me surpreendia com o fato de eu mesmo ter me submetido a ela.

Aquele de fato era eu? Já não sabia responder, talvez ainda não saiba. De alguma forma o grande impasse entre mim e o meu progenitor parecia ter se instalado naquela ave que era dele antes e agora era minha. Herdar dinheiro talvez não tivesse problema porque eu faria dele o que quisesse, eu o gastaria como eu mesmo, atribuindo meus valores. Se quisesse esbanjar, gastar com porcarias, ou, ao contrário, ser meticuloso e até sovina, não faria diferença, eu estaria sendo eu ao usufruir daquela herança, ou assim pensava. Mas com aquele animal... As coisas pareciam funcionar de um jeito completamente avesso ao que eu desejava e por mais que quisesse me convencer de que eu levava as coisas ao meu modo, às vezes sentia que não, que eu era levado pelas coisas, pela herança, pela galinha, e sob essa perspectiva ela se tornava cada vez mais sombria para mim.

Naquela noite em particular, a sensação de ser levado e não me encontrar em minhas próprias ações foi sufocante. Eu me sentia um menino ouvindo ela chocar do lado de fora da casa, e interpretava aqueles barulhos como algo além, vindo do além. Do lado onde ele estava e que de alguma forma fazia contato comigo, me assombrando direto da outra vida. Atormentado como eu estava, enlouquecido pela ideia póstuma do meu pai se consumando, eu levantei pronto para dar cabo daquela ideia horrível dentro de mim como um ato desesperado para tentar retomar controle sobre mim mesmo e sobre quem eu era.

Pouco me importava com a cláusula da herança, eu não poderia existir em paz com aquela galinha viva e já não podia mais dar valor ao dinheiro que me seria entregue, porque ele viria marcado com essa humilhação de cuidar daquela ave, de me rebaixar àquela vontade esdrúxula do velho, de me fazer seu capacho mais uma vez quando ele nem mais aqui estava de carne e osso para ver. Eu saí para o quintal com a faca mais afiada que pude encontrar e a olhei com uma coragem externa que camuflava a minha crise interior. A galinha chocando, me retribuía aquele olhar, sabichona, como quem entendia perfeitamente as minhas intenções e desafiava. Aquele olhar, de repente eu constatei, já havia visto em formas humanas, e então o asco foi infinito, me dando a coragem que restava pra concluir o que agora compreendo ter sido o ponto final da minha maldição.

Matá-la foi uma espécie de frenesi do início ao fim. Ela não lutou excessivamente, reagiu à morte como qualquer ser vivo que possui instinto de vida, mas havia certa passividade em sua forma de morrer. De certo modo me revoltei ainda mais e não contente de matá-la, eu a desfigurei e garanto que o exterior dela ficou tão horrível quanto a minha parte de dentro. Os sentimentos eram uma faca afiada me cortando pelo interior, implacável! Não parecia parar nem quando eu constatava a extinção da vida naquele semi corpo de galinha.

Me deparar com aquela defunta e me reconhecer como seu algoz era um peso ainda maior pra minha mente alucinada, eu precisava desesperadamente me ver livre daquela visão escabrosa, e precisava ser rápido, o mais rápido que eu pudesse. Onde não tivesse que vê-la ou tocá-la por muito tempo, até que retomasse meus sentidos outra vez para enterrá-la junta aos seus ovos. E pensando rapidamente num lugar da casa em que fosse possível fazer isso e o fedor mais tarde não viesse me incomodar, resolvi que o melhor seria deixá-la no congelador, dentro da geladeira, e foi o que fiz.

Seu cadáver deve ter permanecido congelado por bastante tempo. Nos dias que se seguiram eu permaneci em tal estado de negação, que com o passar de algumas semanas eu pude esconder de mim mesmo meu ato assassino. Bastou para isso me livrar de todas as provas de que um dia eu havia criado uma galinha naquela casa. Joguei fora o ninho e os seus ovos mais recentes, dei fim no poleiro e destruí todas as recentes modificações na casa que haviam sido feitas para ela e por ela. Deste dia em diante também nunca mais abri o congelador e assim permaneceu por alguns meses, em que eu me sentia artificialmente reconciliado com minhas questões paternas e impulsos assassinos, ignorando a presença do cadáver de galinha no meu congelador.

Porém não consegui me ludibriar para sempre. Algum tempo mais tarde, eu sentia que precisava arejar a cabeça em outros lugares, inconscientemente, eu ainda sabia que a galinha estava presente naquela casa. Então aceitei uma oportunidade de trabalho temporário que me deixaria afastado de lá por mais ou menos um mês, e pedi à companhia de luz que interrompesse a energia elétrica por esse período de tempo. Eu achava que havia colocado tudo em ordem antes de sair de casa, mas minha lembrança inconsciente não me impediu de esquecer do que ainda estava no congelador, tal era o meu estado de negação.

No dia da minha volta, porém, mal eu coloquei a mão na maçaneta da porta e já pude sentir o fedor, um cheiro de carne podre que nunca havia sentido naquela intensidade. Abri a porta bem devagar e logo fui inundado por uma baforada fétida que me deu a impressão de entrar num bueiro ou calabouço inabitado. Tapei a boca e o nariz por extinto e fui em busca da origem daquele cheiro terrível, não precisei de muito tempo para isso. A geladeira, juro pela minha vida, estava verde de musgo e outras coisas brancas entrelaçadas e repugnantes que só de lembrar me reviram o estômago. Toda aquela nojeira gosmenta e fétida se ramificava do congelador.

Atônito, eu o abri e vi a coisa mais nojenta e abominável na minha vida: o cadáver da galinha semidecomposto, meio seco meio carcomido por larvas do tamanho de um polegar e brancas, entrando e saindo de túneis de carne em decomposição que faziam no corpo daquele animal apodrecido. Não tive estômago para aquilo e coloquei todos os meus bofes para fora, era um mix de sensações que envolviam nojo, repulsa, raiva de mim mesmo e ume desprezo indo em direção a tudo e a todos. A mim que agora pagava o preço do meu pecado ao me deparar com aquela nojeira sombria, pela aquela maldita galinha que nem mesmo depois de morta deixava de me atormentar e, principalmente, pelo primeiro morto que me amaldiçoara: meu pai.

Limpei tudo! Me livrei daquela ave possuída por larvas e enterrei ela junto aos seus ovos, no mais fundo que consegui cavar. Matei e tirei cada um daqueles bichinhos cilíndricos e horríveis que se moviam em espasmos espalhados por cada uma de suas vértebras circulares, e esfreguei aquela geladeira várias vezes até tirar todo o verde da sua superfície. E como eu chorava de ódio ao fazer aquilo, a que situação eu havia sido submetido e me submetera por vontade própria, ainda!

A cereja do bolo foi limpar meu próprio vômito e nesse instante prometi a mim mesmo que enterraria tudo o que havia acontecido no mais profundo da minha mente, assim como fizera com a galinha, porque senão não poderia continuar, seria impossível! Era melhor guardar tudo desajeitada e conflituosamente na cabeça do que lidar com todas aquelas questões existentes desde antes de eu ser um homem emancipado.

Mas, a quem eu queria enganar? Coisas como essas são muitíssimo difíceis de se esquecer, principalmente por dois motivos, um que continuava a me atormentar e outro que surgiu sinistramente. A minha fobia por aves permanecia, nem um tempo longe de casa havia sido o suficiente pra me curar da aversão àqueles animais. E depois de me deparar com os restos da galinha que eu mesmo assassinei, como uma aparição encarnada para me atormentar, seria ainda mais difícil. Principalmente porque ao fixar a visão numa pomba, num sabiá ou mesmo numa ave doméstica, eu não via mais o olhar projetado e sim todo o cadáver. Não era mais só o terror parental que me assombrava, mas a ideia remota e repulsiva de que eu não estava tão longe assim de quem eu mais desprezava. E a cartada final do meu falecido pai parecia ter sido me mostrar o quão próximo nós estávamos um do outro por mais que eu fizesse o movimento contrário.

Eu poderia fugir de todas as aves no mundo, porém não fugiria do que me aguardava dentro de casa. Porque a geladeira nunca mais cheirou bem outra vez. Não teve água sanitária que reparasse o dano de um mês de decomposição, então aquele leve fedorzinho que eu sentia ao abri-la, sempre se revertia num desconforto que passava do sensorial para o emocional, como coisas que a mente associa sem a nossa vontade. Mas o grand finale mesmo foram os barulhos, aqueles de que já lhe contei e agora você pode entender.

Depois de tudo pelo que a geladeira passou, fiquei com medo de que ela pudesse estragar, o que seria minha maldição porque estava falido, sem grana para comprar outra. Então quando os barulhos começaram pensei que fossem sinais de que ela estava pifando, mas aos poucos aqueles sons despertavam uma lembrança em mim e como que me faziam sentir uma presença espectral daquela ave. Eu tentei enterrar isso na mente também, como todas as outras coisas, entretanto o resultado foi completamente o contrário. Tudo pareceu se romper e aos poucos, quanto mais alto a geladeira cacarejava e fazia sons de ave chocando, mais todas as minhas questões se rebentavam dentro de mim, e talvez seja aí que tenha me perdido...

Eu não saía de casa porque temia encontrar outras aves e acabar matando também elas por me lembrarem da outra e assim ser atormentado por outras consciências de pombos, bentivis e todo o resto. Tentei também desligar a geladeira da tomada, mas adivinhe, ela continuou, isso eu posso jurar a você com todas as minhas forças. Eu poderia deixa-la lá, deixar aquela casa, mas eu sabia que, independente do que aquilo era, me acompanharia sempre, aonde quer que eu fosse. Eu precisava, na verdade, destruir aquela geladeira possuída, prova das minhas misérias. De onde eu tirava essa certeza? Essa é certamente a pergunta menos relevante que eu tenho nesse momento.

Agora que estou aqui, dado como louco, num hospital caro e pago pelo dinheiro que me amaldiçoou, me sinto ainda mais imerso em tudo aquilo que me dá desespero. Se aceitei o conselho de escrever é porque pelo menos isso precisa ser terapêutico nesse lugar, ou então, aí sim, ficarei louco de verdade. Mas se nem no papel consigo me remontar direito com início, meio e fim, só me resta a dúvida de onde eu começo e onde termino na minha própria vida. Quem sou eu por vontade própria? Outra pergunta sem resposta. Por hora avalio meus fantasmas e tento compreender em que níveis eles são reais, no plano físico ou em mim mesmo e qual a melhor maneira de exorcizá-los da minha vida.

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