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Parte I


Não sinto nenhuma obrigação no que diz respeito à qualidade do que estou escrevendo. Como o doutor L. disse: isso é só para você, pra te ajudar com o que está passando. Mas também, me sinto desconfortável com a perspectiva de falar sozinho pro papel, só gente problemática fala sozinha e ultimamente tenho me esforçado para não parecer problemático, principalmente às vistas deles, meus consanguíneos - ainda que estar internado aqui não me ajude muito. Por essa razão, finjo que escrevo a alguém, e você, meu remetente imaginário, será meu confidente da história que me esforço todos os dias para ter certeza de que também ela não foi imaginária.

Isso não é exatamente um relato sobre enlouquecimento, porque prefiro acreditar que não enlouqueci, mas fui enlouquecido. E por algum motivo, talvez pelo esforço de ter que narrar, sou incapaz de contar tudo numa ordem que não seja completamente desconexa, e por isso não posso me desculpar, você entenderá.

Na minha última semana em casa tudo fedia. Horrivelmente! Resultado da nojeira e falta de higiene própria a qual eu havia sucumbido. Eu tinha instalado moradia temporária no meu escritório há duas semanas. Tudo o que se fazia em uma casa inteira, eu fazia naquele cômodo, então você pode imaginar o mau cheiro que ele tinha depois de quase quinze dias e meu estado alucinado comendo somente porcarias em pacotes que não me exigissem ir até a cozinha e dar de frente com ela, a geladeira.

Àquela altura eu já fazia de porrete um pedaço de madeira desenterrado de uma cova que eu mesmo cavei. E como eu havia tentado golpeá-la... Mas o aço de um eletrodoméstico, sobretudo de uma geladeira, não é nada quebrável. Acontece que os barulhos das porretadas e dos meus gritos, bem como o mau cheiro já me denunciavam há algum tempo aos vizinhos, deixando evidente o meu gradual estado de abatimento. Por causa disso notificaram as autoridades. Eu sempre fui solitário, sem parentes a quem recorrer.

- Seu Marco... ô Seu Marco, que é isso aí? Olha, a gente vai chamar a polícia viu!

Eu não respondia mais porque descobri que ao meu menor som a geladeira se manifestava com seus barulhos. Podia começar com um estalar de estouros altos seguidos de uns outros barulhos desgovernados como se um gigantes estivesse estalando as costas. Em seguida vinha um arranhar sonoro como se fosse uma corda vocal e, aí na confusão desses sons despropositados, eu reconhecia ser ela - a galinha - fazendo barulhos como uma chocadeira.

Isso talvez seja demais pra você. É evidente que as pessoas duvidem da possibilidade de animais terem almas pra encarnar novamente, quanto mais encarnar num eletrodoméstico, numa geladeira! Eu também tive esse ceticismo no início quando os barulhos começaram, mas não há negação que suporte o que eu suportei. E no fim daquela semana, já debilitado, me vi sendo puxado à força por sujeitos vestidos de socorristas e, depois de alguns dias no hospital dos doentes de corpo tomando soro pra desidratação e com um começo de anemia, vim parar nesse hospital pra doentes da mente, pago por aquele amaldiçoado dinheiro de família. Não vou dizer aqui que estou funcionando plenamente das minhas faculdades mentais, mas se o motivo da minha loucura teve origem fora de mim, - e eu acredito com bastante afinco nisso - ele reside do lado de fora deste lugar.

No começo - e esse não é bem o começo da história - notei barulhos pela casa, só que não sabia bem de onde vinham, nem sempre eu me dava conta deles de verdade, às vezes era como escutar um relógio, tão constante e igual que se tornava um barulho silencioso. Num determinado momento ou outro, porém, era como se o som por livre e espontânea vontade quisesse ser ouvido, ser percebido. Com um tempo notei que sempre me dava conta dos barulhos quando comia ou cozinhava ou lavava a louça, enfim, quando fazia qualquer coisa na cozinha.

Se eu vivesse com mais alguém naquela casa, talvez isso não me importunasse, mas morando sozinho, sem outra vivalma do meu lado, sobrava tempo pra todo tipo de imaginação sombria que a gente tenta recalcar no fundo da mente, bem atrás da faixada de sujeito adulto e maduro. E eu não iria atrás de alguém para preencher esse vazio, minha experiência familiar tinha sido o bastante pra me afastar de relações muito pessoais. Quanto a adotar um animal de estimação - se foi isso o que você pensou - eu até poderia arrumar um ser vivo que justificasse os sons estranhos que acendiam um estado histérico dentro de mim, no entanto, eu não podia em absoluto! Não podia porque foi exatamente um animal que iniciou o fim da minha paz de espírito.

Isso tudo eu concluía veladamente, numa área cinzenta da minha cabeça onde guardava também os acontecimentos dos últimos tempos e tentava silencia-los com ocupações ordinárias. Há mais ou menos uns oito meses recebi a notícia de que o velho havia ido, simplesmente parado de nos amolar com sua presença arrogante e seu contentamento peculiar por escarnecer aos outros, principalmente seus filhos. E sendo eu um deles, já havia escolhido por conta própria ficar longe da sua mira desde que atingi a maior idade.

Nada! Foi o que senti quando o advogado da família tinha me contado sobre sua morte e os procedimentos fúnebres dali em diante. E essa sensação de vazio sim, me devastou. Eu cumpri com o decoro, fui ao velório na esperança de que com esse ato me mostrasse misericordioso e, principalmente, uma pessoa diferente do meu pai. Mas não levei nenhuma coroa, já havia muitas, inclusive a da P&F Frigorífico, aquela porcaria de empresa da família.

- Que bom que você veio, papai ia ter gostado. - a dissimulação dele era evidente nos olhos. Intimamente ele sabia, e eu também, que eu já havia renunciado a muitas coisas daquela família, mas estava ali como um animal farejador atrás de dinheiro, pronto para a leitura do testamento. Por mais que eu dissesse a mim mesmo, numa força de escrúpulos que não aceitaria um centavo vindo daquela família, a quem eu queria enganar? Estávamos falando em dinheiro. Não menos dissimulados eram meu irmão e minhas irmãs, mas ao menos se sentiam mais no direito de herdar algo.

E quando o dia da leitura do testamento chegou enfim, tive a verdadeira prova de que, quando querem, os mortos são capazes de provocar estragos mesmo distante dos vivos. Meu pai cuidou para isso com muita habilidade, pode-se dizer. Eu me vi a própria humilhação e desgosto quando soube o que fora destinado a mim segundo os papéis...

- "... A meu filho, Marco Sérgio Antoninni dos Santos... deixo a mais jovem de minhas galinhas, uma de suas parentas, para que cuide dela e assim dê a prova de que se importa com sua família. Somente depois de cuidar e zelar pela ave até a sua morte natural, é que poderá receber sua quantia em dinheiro, bem como uma parte da P&F Frigorífico e outros bens designados".

Nem que minha herança tivesse sido uns dos terrenos medíocres, ou uma parcela de dinheiro muito menor e desigual em relação aos outros, nem se nada tivesse sido deixado para mim, a minha raiva, a minha cólera teria sido tão grande. Porque além de um tremendo ranzinza, meu pai se provara ser um gozador perverso. Eu podia ouvir suas risadas do além ao ver a última piada de mau gosto que fizera entre nós.

E de alguma forma via no desconcerto dos meus irmãos e até no do advogado, um riso reprimido pela decência, por terem entendido a alusão que aquela herança fazia ao nosso último e turbulento jantar juntos.

Naquela noite de natal, em que fui pela simples obrigação, a ceia estava posta, com comida suficiente para três vezes a quantidade de pessoas que éramos, incluindo cinco galinhas assadas. Na casa de quase todos os brasileiros teria peru, chester ou algo do tipo, porém, quando se pertence a uma família frigorífica de galinhas caipiras, é óbvio que teríamos elas para a ceia.

- Anda, Marco... Você come que nem passarinho, ave miúda... Lucélia, anda, passa uma coxa da asa pro menino - Sempre menino para ele, nunca um homem.

- Afonso, ele não come carne se esqueceu? Mas não se preocupa, Marco, querido, fritei uns ovos pra você. - ela sorriu de um jeito maternal, como minha mãe faria.

- Obrigado, Luci.

- Arr... Me esqueci, é, Marcelinho - ele disse segurando um dos meus sobrinhos - tem dois tipos de homens nesse mundo: os que comem galinha e os que comem o que sai da bunda da galinha! - e seu riso foi sonoro e estridente, reverberando junto o constrangimento que só ele conseguia criar.

- Eu ser vegetariano não tem a ver com o tipo de homem que eu sou. Não tem a ver com masculinidade. - eu disse não querendo começar uma discussão mas com plena certeza de que começava uma.

- Como não? Sabe, Marco, homens de posses como nós precisam de vigor, de onde você tira seu vigor, do ovo?

- É, retiro o que eu disse. - eu disse mais para mim mesmo, ele, ao contrário, não ignorou.

- Sabe o que eu acho? Acho que você se recusa a comer frango porque não se sente suficiente pra isso, assim como recusa seu lugar na empresa com seus irmãos.

- Ah papai, deixa o Marco em paz! Sério que quer falar disso hoje? - Kátia tentava mudar o rumo da conversa.

- Mas o que há, não posso falar o que eu penso?

- Quando se é indelicado, não! - Luci interviu.

- Ah pois bem, para mim é indelicadeza ter uma ceia dessa e trocar tudo por ovo frito. Sempre ovo frito! Nunca a galinha...

- Sabe, papai - eu já começava a ficar nervoso - nem tudo é sobre galinhas, frigorífico ou negócios de família. Às vezes parece que o senhor é mais parente das galinhas do que dos seus filhos.

- Como é?

- É isso mesmo, pois o senhor não se importou mais com elas do que conosco esse tempo todo, do que com a mamãe?

- Ah, de novo você com isso! Pensei que a terapia tivesse te ajudado a entender que eu não assassinei a sua mãe, as pessoas morrem, Marco, quando tem de morrer.

E a explosão enfim veio.

- Ah, tudo bem, então. Vamos deixar de fora o casamento mal suce...

- Nosso casamento foi problema nosso! Você não devia tomar as dores dos outros pra você, talvez assim fosse um homem maduro, um que tem colhão pra comer galinha e não os ovos que ela bota! O que você faz da vida, Marco..? Trabalha com qualquer coisa...

- Pai! - Renato segurava no braço dele tentando contê-lo.

- A verdade não é que você não quis seguir o legado da família, a verdade é simplesmente que você não tem capacidade para isso!

- Ótimo! - eu disse me levantando ofendido no meu orgulho. - Vá então para junto das galinhas, as suas parentas, elas sim podem te chamar de pai!

Ele certamente não se esqueceu do que eu disse, nem perdoou. Deve ter modificado o testamento naquele dia mesmo, furioso como estava. O fato é que naquele instante eu me via herdeiro de uma galinha, de um frango para ser mais exato, mas que não ia demorar para amadurecer. E ninguém parecia a fim de reconhecer o ridículo daquela situação, eu perguntei ao advogado se aquilo não seria revogável, afinal era absurdo. Ele me disse, porém, que como meu pai era plenamente lúcido, isso era pouco provável, mas que eu poderia entrar na justiça se quisesse, apresentar provas...

- Mas, sinceramente, Marco, isso seria caro.

- Caro quanto?

- Caro demais pra um autônomo como você. Quer um conselho? Se você realmente tem interesse na sua parte da herança, pega a galinha ou o diabo que esse homem te deixou, elas não vivem muito e sempre se pode dar um jeito... - ele piscou para mim.

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