A garota estava com a pele e os pelos completamente cobertos de sangue, a adaga empunhada e apontada para os lobos na lama, na outra mão apertava o coração até que a carne cedeu sob pressão e se tornou uma massa desforme entre os dedos da pequena filhota de humanos. Seu rosto destacava os olhos azuis como o céu e os dentes alvos dentro de um torcido sorriso macabro.

      Red Eye virou-se para a menina e flexionou as patas preparando um bote caso a humana resolvesse aproximar-se deles. A pequena garota moveu-se lentamente pelo chão lamacento, um passo após o outro, sorrindo e cantarolando ritmicamente uma canção infantil.

      — Pela estrada fora, eu vou tão sozinha... Levar esses doces para a vovozinha...

      Red Eye interpretou o ato de cantar como um desafio a sua supremacia lupina e então atacou. Saltou sobre a humana com os dentes à mostra e as patas à frente do corpo, pronta para derrubar a guria e dilacerar sua garganta, como sempre fazia com todas as presas. No entanto, a humana desviou-se de seu ataque, e enquanto a loba ainda estava no ar, foi ferida nas costas pela adaga que a menina manipulava. O corte foi raso, porém, extenso, indo da escápula até o meio do quadril.

      A loba ganiu e depois de chocar-se com o solo, rolou pela lama contorcendo-se de dor. A menina aproximou-se da loba que emitia sons estridentes expressando sua dor e medo, levantou a mão segurando a lâmina completamente embebida em sangue e desferiu o golpe de misericórdia atravessando a garganta da lupina e cravando a adaga no chão.

      — Ela mora longe e o caminho é deserto... E o lobo mau passeia aqui por perto... — cantarolava sorrindo a pequena humana.

      Long Teeth levantou-se com dificuldade e encolheu a pata ferida, poderia correr usando uma perna a menos, no entanto, debaixo da chuva que se prenunciava, certamente perderia velocidade e estabilidade. Sentiu o músculo contrair e expelir seu precioso vitae para fora através do orifício feito pelo pau-de-fogo.

      A macabra menina percebeu a movimentação do lobo e virou-se para ele abruptamente. Colocou-se de pé num instante, e assim que o lobo começou correr, ela avançou rapidamente em direção à tenda de couro e recolheu a espingarda largada por sua mãe. Engatilhou a arma, apontou para o lupino em fuga e efetuou o disparo.

      O som ecoou por toda a clareira, porém, fora seguido e abafado por outro trovão. O instantâneo brilho alaranjado a cegou por alguns instantes, o suficiente para perder de vista o lobo cinzento. Quando abriu os olhos, avistou um enorme lobo negro sobre duas patas a poucos metros dela, com o peito minando sangue e um rombo feito pelo disparo quase que à queima-roupas.

      Night Hunter caiu sobre as quatro patas e usando suas últimas forças uivou para o companheiro de matilha:

      — Fuja! Proteja os outros! — Depois disso, suas patas dianteiras amoleceram e ele caiu de queixo na lama. Tentou se mover, mas uma dor lancinante atravessou seu peito, sua respiração se tornou pesada e barulhenta, o cheiro de sangue se intensificou, e então, sobre seu negro pelo começou a gotejar gélidas partículas de chuva. "É o fim. Esse cheiro..." Pensou ele.

       A menina caminhou pacientemente até o corpo já sem vida de Red Eye, pisou sobre a cabeça da loba, segurou o cabo da adaga e puxou para cima. Depois de arrancar a lâmina, sacudiu-a no ar eliminando a camada de lama e sangue que havia sobre a superfície férrea. Rodopiou sob a chuva sorrindo como se tivesse acabado de comer algo delicioso, ou terminado de abater um oponente imensamente poderoso.

       As gotas de chuva começaram a cair com maior frequência e velocidade, logo instalou-se um temporal. A torrente caia sobre o raquítico corpo humano, lavando o sangue e lama que havia sobre ele, mas o que mais atormentou o caçador negro em seus últimos minutos devida, foi a insana gargalhada que a guria emitia ininterruptamente.

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