049 | I wish something in me would hate you
049 | Quem dera algo em mim te odiasse
CHAMA VIVA
O fogo dança uma música antiga diante os meus olhos e é como se toda a sua essência passasse além dos meus olhos, trilhando uma estrada profunda para as minhas veias; para dentro de mim.
Movimentações ao meu redor não retiram a minha atenção daquele fogo que aumentava cada vez que meu olhar itensificava em sua direção. Era quase como se eu pudesse conversar com elas, como se cada vez que elas dançavam para cima e para o lado, elas me respondessem com um sorriso ousado.
Como as únicas testemunhas do que estava prestes a acontecer quando a noite caísse, ela parecia rir e cantarolar.
E quando estiquei meus dedos — atraída demais para evitar — para tocar aquela confiança e aquela lealdade, surpreendi-me quando não queimei-me. As chamas pareceram enrolar-se em volta dos meu dedos, como se estivessem encontrado o seu lugar; o seu lar.
Elas não me queimavam — eu sorri com a concepção.
Talvez elas não me afetassem porque eu era feita de si e como Chama Viva, elas eram minhas.
Quando ergo meu olhar para além das chamas, tenho plena consciência do que estou prestes a fazer e estou confiante de que no raiar da lua, daquela que brilha e se alegra e é tão confusa — como eu —, reverteríamos a nossa história.
Porque aquele Vale estava preparado, assim como eu, com o meu sangue.
O que eu fiz durante esses seis anos que se passaram, se não foi prepará-lo para o agora? Talvez tenha sido o resquício da Chama em mim que se ajuntará com o meu pessimismo, mas algo cantava para mim a canção dessa Guerra, anos atrás, como se meus olhos estivessem abertos de uma noite para a outra.
Treinei meu corpo para morrer centenas de vezes, pois só assim a vitória poderá ser alcançada.
E posso estar cantando sobre a eminente morte e destruição, mas sou a vida. Consigo sentir dentro de mim a essência dela, a pura essência que nenhum dos Comandantes anteriores à mim conseguiram e quero sorrir para a morte, então inclino levemente minha cabeça para onde ela está, sentada em outra fogueira, afastada de todos diante ao meu poder.
Blodreina era uma mentira.
Ela carregava mortes, mas não A Morte.
Seus olhos estavam perdidos tanto quanto os meus naquelas chamas, mas ao contrário de mim, que se adequava, ela tentava se encontrar.
Não a culpava por tentar se encontrar naquele momento dentro de si mesma, por tentar reconhecer e decidir-se qual das versões ela deixaria aparecer quando o sol voltasse a nascer no dia posterior.
Mas ela matou o meu povo.
Não me importo com suas desculpas, com suas tentativas de rendenção porque é como se eu pudesse sentir cada morte como parte do meu sobrepeso. Mas muito mais além das mortes, daqueles que se foram, eu conseguia sentir esses que estavam ao nosso redor, o que clamavam por socorro sem suas vozes.
Caminhar cinco dias pelo deserto deixou meu ouvido sensível para as histórias. Uma mais louca do que a outra. Como os "criminosos" eram jogados naquela arena onde eu morri por mim mesma.
Se essa guerra não estivesse nos arrastando juntas, então pararia na frente de Octávia Blake e diria que ela se tornou aquele monstro que tinha medo. Que a fez se esconder sob o piso. Em uma distinção de sangue e ossos e culpa, ela carregava o antigo Chanceler Jaha em sua nova essência.
Mas havia algo...
Havia o Ano Sombrio.
Seja qual for, as pessoas se encolhiam diante a mim e faziam caretas que precisavam de resquícios de um descanso para não precisar vomitar bem em minha frente. O que quer que tenha acontecido nesse ano, algo mudou eles para sempre.
Pior do que Alie, pior do que Mount Weather.
O que quer que Octávia se tornou para criar a Blodreina, ela ressurgiu das cinzas; pior.
Quando estreito meus olhos na direção dela, quase como se pudesse — se quisesse — ler a mente dela, um corpo corta a minha frente.
— Fiz minha última ligação com Echo.
Apesar de meu interesse nesse momento ser zero para saber como foi a última conversa com os pombinhos, viro-me para onde Bellamy se sentou, no tronco do outro lado da fogueira, deixando aquele fogo que cantava só para mim arder entre nós.
— Ela foi preparar tudo para a sua entrada sozinha. Apesar de não ter entendido muito bem o motivo do porquê seu pai e nem os outros poderiam saber do seu plano.
Evitei reconhecer o questionamento naquela sua fala e acenei, recuando o olhar para aquele fogo que parou de falar qualquer coisa. Era quase como se ele quisesse ser um telespectador entre nós, para vizualizar cada olhar, cada respiração.
— Eu gostaria que compartilhasse seus planos comigo — ele voltou a dizer e ganhou meu silêncio.
Consertei minha postura, erguendo o queixo e tentando ler por dentro dele. Mas Bellamy não era como aquelas chamas, não era como a irmã. Por algum motivo, ele sempre fez um ótimo trabalho em mesclar suas faces; ou talvez seja eu que não consiga mais lê-lo. Alguma vez já consegui ler seus pensamentos verdadeiramente?
Questionar-me sobre isso me incomodou, então eu respondi:
— Por quê?
Sua resposta veio tão rapidamente que eu me questionei se ele já não estava esperando por isso.
— Porque você pode confiar em mim — ele deu ênfase, inclinando seu corpo pra frente, seus braços sendo apoiados em suas coxas.
Apertei meus lábios um no outro e neguei com a cabeça.
— Não sobre tortura.
Sua face transformou-se.
— Eu jamais trairia você, Rayna.
Soltei um riso pelo nariz para evitar de responder sem pensar.
O que eu menos queria era discutir com Bellamy naquele momento. Sabia bem calcular quais eram as minhas chances ao entrar no Vale, sozinha. Mas olhar para Bellamy demandava um esforço tão grande que eu rapidamente perdia o ar; falar com ele, então, me fazia se sentir à beira do esgotamento.
Eu não podia ficar esgotada agora.
— Não acho que você seja um traidor — disse, com aquela calma que era nova para mim, mas tão boa. — Mas, preciso pensar no acaso de vocês serem pegos amanhã, então na cena da sua irmã e da sua... — Um gosto amargo me faz fazer uma careta — namorada sendo colocadas bem em sua frente, com uma faca na garganta. Traidores não são os fortes, Bellamy. São os fracos, os que amam.
— Você parece aquele Azgeda falando.
De alguma forma, sua menção a Kallas foi bastante explícita para mim.
— Ele não está errado — tentei ser o mais suave o possível. — Talvez devesse parar com essa criancice e abrir os olhos. Estamos em guerra.
— Já estivemos em várias — ele contrabateu, baixinho. — O que faz essa ser diferente?
Mais uma vez, pensei antes de dar-lhe uma resposta. Não pela falta de uma, mas por não querer que ele perdesse as esperanças, que ficasse emburrado pelo acampamento. Todavia, Bellamy Blake nunca foi um homem fraco. Talvez esses cinco anos no espaço não tenham o ensinado isso, mas ele aguentava a bronca.
— Porque agora eu não sei em quem confiar — seus olhos mastigaram os meus. Travei o maxilar. — Só estou tentando me preparar para lutar com qualquer um.
— Por que espera tanto por traição, Anarquia? — Selo os meus olhos, evitado entrar naquele assunto com ele agora. — Eles são o seu povo.
Minha face vacila e eu dou um sorriso sem cor para ele.
— Traição é tudo o que eu conheço.
Ficamos nos encarando naquele silêncio preenchido por faísca do que já tínhamos sido, do que nossos olhos costumavam dizer um para o outro. Aquela ponte parecia estar resumida à cinzas e no momento em que ele pareceu querer consertar, uma garganta se coçou, anunciando que estava adentrando em uma bolha inexistente, porém sólida.
— Majestade — Kallas reverenciou, ignorando Bellamy do outro lado da fogueira. — Temos um problema.
Enrosquei meus olhos nos dele e tomei um segundo para pensar e franzir o cenho. Olhei de soslaio para Bellamy e quando me levantei, foi inevitável não procurar por Octávia novamente. Ela estava no mesmo lugar que eu a deixei, sentada na fogueira, olhando para as chamas quentes demais para ela.
Segui Kallas até a tenda de reuniões, que também tinha se tornado meus aposentos nos últimos dias.
Observei-o caminhar até a mesa com uma planta do nosso plano de ataque, onde ele apoiou as mãos e inclinou o corpo. Ele parecia cansado. Tinha trabalhado mais do que qualquer um neste acampamento.
Quando ele não ficava acordado para me ajudar a treinar, ensinando-me novas técnicas e novos ângulos para acertar uma veia mortal, ele marchava por aquele acampamento, conferindo dos melhores aos piores guerreiros; se estavam hidratados, com a barriga cheia e prontos para o ataque que viria.
Os outros se reservavam para beber e ajeitar as armas, mas Kallas? Ele não parou um minuto.
Principalmente hoje, o nosso último dia antes do ataque. Ele veio pedir-me permissão assim que o sol nasceu para avançar e estudar o terreno em que iríamos invadir; estudar as armas que os inimigos tinha, quais eram as nossas vantagens e desvantagens.
Apesar de achar que ele precisava de um descanso, permiti que ele fizesse aquilo.
De fato, seria muito bom se tivéssemos algo para sair disparados dos Eligius.
Bastava um olhar na direção do seu rosto para ver que não eram boas notícias. Segurei um suspiro para mim e levantei o queixo, me aproximando da mesa como ele, firmando meus olhos nos seus e perguntando firme:
— O quão ruim?
Ele levantou seu olhar para o meu, em sua frente. Seus olhos azuis — tão parecidos com os gelos que fora fabricado e moldado — pareciam querer contar-me milhões de histórias.
Talvez tivesse, se Bellamy Blake não tivesse invadido a tenda antes.
Ele olhou entre Kallas e eu, parecendo hesitar em dar o primeiro passo.
— Saia — vociferou, ríspido.
Abaixei o meu queixo, selando meus olhos, já prevendo toda a tensão que se inicia no momento seguinte quando Bellamy discute:
— Se algo está acontecendo, tenho direito de saber.
— Tem direito de saber se ela quiser que você saiba. — Kallas poderia estar apontando para mim, mas eu não saberia, pois estou focada em respirar fundo para não expulsá-los antes de ouvir o que estava acontecendo. — Ela não te chamou, então, novamente, saia.
Consigo ouvir Bellamy abrindo a boca para retrucar novamente quando eu abro os olhos em um relâmpago e ergo minha cabeça.
— Vocês dois — eles me encaram, em silêncio. — Chega. Kallas, ele está certo, para isso vamos criar um conselho.
Os dois me encaram, visivelmente confusos. Então, finalmente, deixei o suspiro sair e comecei a falar.
— Se posso elogiar alguma coisa do governo de Octávia, é o seu Conselho. Pretendo imitá-la. Kallas, você é o meu Chefe de Guerra, preciso da sua razão, do seu olhar para os futuros ataques. Bellamy — virei-me para ele e hesitei. — Preciso do seu coração, pois sinto que não tenho mais o meu.
Ele sorri fraco para mim, o olhar muito mais suave.
— Dito isso — recomponho-me —, quero que os dois parem com isso. Não sei o que está acontecendo entre vocês... Se não souberem se resolver, então fujam agora. Não vamos perder por causa de dois idiotas que não aguentam se encarar. — Intercalei meu olhar entre os dois. — Entenderam?
— Sim — Kallas respondeu, enquanto Bellamy simplesmente assentiu.
— Ótimo — sorri e os dois me encararam profundamente. — Agora, por favor, continue.
Então, ele começou a descrever tudo o que ele perceberá ao investigar os Prisioneiros de longe e imediatamente resignei minha postura séria quando Kallas começou a descrever as armas que ele viu eles teletransportarem.
Provavelmente fiquei da cor de uma folha de papel ouvindo, me mantendo firme inclinando-me sobre a mesa e observando aquele pedaço de papel com cada passo que daríamos — menos com os meus. Os meus eram secretos para todos.
Eu falei sério quando afirmei que esperava pela traição.
E encarei Bellamy quando notei que estava certa quando Kallas descreveu para onde eles estavam carregando todas aquelas armas. Para onde Echo e os outros iriam entrar. Havia um traidor entre nós.
Kallas não perguntou em voz alta, mas estava estampado em sua cara — na cara dos dois — sua pergunta. O que iríamos fazer? Não tínhamos tempo para bolar outro plano, que se consistia em não fazer mais nenhuma ligação para aquele lado das tropas. Não quando foi revelado que Clarke Griffin poderia estar do lado de McCreary.
— Quais são as chances do traidor estar nesse acampamento? — Questionei, ainda com meus olhos focados no mapa.
— Poucas — ele respondeu e o olhei com certa dúvida. — Tenho monitorado todos eles.
Balancei minha cabeça, mordendo os lábios.
— Diyoza está por trás disso — afirmo, convicta. — Alguma dúvida disso aqui?
— É, mas aposto que ela não fez sozinha. — Encarei Kallas. — Ela está grávida. Quais são as chances dela conseguir dispersar todos eles e traí-los?
Soltei um riso sem graça.
— Você se surpreenderia se soubesse o quanto um bebê lhe dá mais coragem e poder. — Evitei encarar Bellamy e perceber se ele tinha me encarado ou não. — Eu tenho um plano.
— Deixa eu adivinhar — Bellamy se coloca no meio. — Não nos envolve.
— Certamente — caminhei pela tenda, em busca das minhas adagas. — Preciso de vocês aqui, monitorando todos.
— Kallas pode fazer isso — Bellamy rebateu, vindo ao meu encontro. Kallas, atrás dele, revirou os olhos e deu as costas. — O que quer que você esteja planejando, coloque-me junto.
Olhei em seus olhos e respirei fundo.
— Como quiser — respondi, passando por ele. — Kallas, preciso que tome conta do acampamento. Se tudo der certo, não pretendo voltar e vou direto de lá para entrar no Vale.
— Pense antes. Eles precisam de você para terem uma centelha de esperança.
— Eles precisam que eu os salve — respondi a Kallas. — E é isso que eu pretendo fazer. Se eles quiserem mais um discurso, então os descarte, pois não estão preparados para a guerra.
— Rayna...
— Está pronto, Bellamy? — Virei-me para ele, que agarrou um par de adagas e assentiu. — Bom. Sabe o plano — olhei no fundo dos olhos de Kallas kom Azgeda. — Marche no primeiro sinal do sol.
— Procurarei você naquele campo.
— Se me achar, ajoelhe e ore, pois não iremos ter conseguido nada.
(...)
O sol estava raiando quando deixamos aquele último acampamento para trás.
Dispensei qualquer despedida, mesmo sabendo que poderia ser uma das últimas vezes que eu veria qualquer um ali. Apesar da esperança de uma vitória, sabia que haveriam baixas. Eu só podia esperar que não fossem grandiosas.
— Vai me contar para onde estamos indo? — Bellamy questionou, seguindo-me com adagas afiadas em seu cinto, segurando aquele pote de vidro.
— Não é um lugar — respondi, atenta as nossas sombras.
— E o que iremos fazer?
— Caçar.
— Caçar o que?
Dificilmente eu teria uma resposta para aquilo, então lancei um sorriso sem humor para ele e continuei a caminhada.
Se ele ainda tinha perguntas, as ignorou completamente para continuar a caminhada naquele sol escaldante. Caminhar por essas areias não era uma ação estranha para mim. Era quase como se eu pudesse mesclar-me com o passado e me impressiono como toda aquela dor e tristeza parecia vir de outra vida.
Era como se a Chama fosse tudo o que eu precisava.
Como se completasse cada vazio, cada espaço que falta, fazendo-me quase sentir falta da auto destruição.
Cada vida que não era minha, completava-me. Eu conseguia ver os primeiros passos de Lexa em minha cabeça, como se fosse uma memória minha. Sonhava com os primeiros resquícios de humanos que mancharam está Terra com bombas tóxicas e destrutivas. Cada dor dos antigos se mesclavam às minhas, formando uma só.
Juntas, elas viravam quase um ser vivo habitante nas profundezas.
Sei exatamente cada escolha que cada um deles tomaria em meu lugar e como evitar a destruição em massa. Sei em qual local pisar no momento em que passar pelas catacumbas. Mas andar aqui? Saber exatamente procurar o que eu quero?
Isso era meu.
— Espere! — Já tinha passado algumas horas quando eu segurei o antebraço coberto de Bellamy, parando-o no lugar, deixando-o claramente confuso.
Ajoelhei-me no chão, sentindo a areia querer abrir buracos em minha calça na parte dos joelhos. Passei minhas mãos pela terra, experimentando aquela sensação da areia que ficava tão diferente quando guardava aquilo que eu queria.
Abri um sorriso triste.
— Te achei.
Puxei uma das adagas em minha cintura, aquela com a ponta mais fina e a finquei na areia, logo ouvindo o ronronar estridente daquela... coisa.
— Rayna... O que é isso?
— Isso? — Puxei para cima, aquele verme horrível para cima e vendo os outros sairem do buraco que deixei. — É a nossa arma contra os Eligius.
— Mas isso é...
— O motivo por termos quase matado sua irmã e parado na arena? — Completei, arrecadando todos que eu conseguia. — Sim, eles são. Não vamos usar sua carcaça, se é isso que você quer saber. Usaremos seus sangue. — Levantei a cabeça para o além de onde estávamos. — Rápido, ajude-me. Teremos que nos esconder da tempestade de vidro logo, logo.
Mesmo confuso, Bellamy ajoelhou ao meu lado e repetiu os mesmos passos que os meus para capturar aquelas coisas horrendas. Quando aqueles parasitas estavam sem espaço para circular dentro do pote de vidro que trazemos, eu puxei seu ombro para cima, o vento de areia fazendo-nos erguer um dos braços para colocar sobre os olhos.
— Por aqui! — Gritei, sentindo o gosto de terra adentrar o meu paladar.
Lutamos juntos contra toda aquela ventania.
Era incômodo, mas não era nada que meu corpo já não estava acostumado. Quando conduzi nós dois para dentro daquela floresta com árvores secas, eu sabia bem o que estava fazendo.
Viver naquele Vale por seis anos poderia significar vida para Clarke, mas era como se eu estivesse aprisionada, sendo guardada para o momento em que pisaria na bola e estragaria tudo. Pelo menos, era a forma como eu me via naquele último espaço com vida da Terra.
Então, reuni forças para fazer... aquilo.
— Caramba — Bellamy perdeu o fôlego com a vista.
Era um barranco que dava para um rio que estava completamente seco atualmente, mas um pouco antes do penhasco, havia uma cabana feita por madeira oca e imperfeita. Sorri fraco ao passar os dedos pelos cascos de árvore que eu levei mais de meses para cortar e lixar com um pedaço de pedra.
Não tinha vida.
O interior da cabana construída com defeitos mal tinha chão, apenas uma cama feita por madeira com pregos que peguei de algumas construções no Vale que Clarke não precisaria. Havia um colchão grande ali, junto com um... berço.
Engoli em seco com aquela visão do que eu poderia ter, então desviei o olhar e descarreguei as coisas em cima da mesa que, como o resto da "casa" era completamente improvisada e de madeira.
— De quem era isso? — Perguntou Bellamy, ainda admirando o interior com um olhar que eu preferi não codificar. — Como... sobreviveu ao Fogo Primordial?
Eu sabia dos riscos ao trazê-lo aqui, das perguntas que poderiam soar hora ou outra e não fazia ideia de como as responderia.
Mesmo assim, permiti que ele viesse.
Talvez meu subconsciênte quisesse que ele estivesse aqui.
Que fizesse essas perguntas.
— Não sobreviveu — respondi, retirando a mochila da mesa e colocando no chão para começar a preparar a sessão de dilaceramento daqueles vermes.
— Então... Como? Como isso existe?
— Eu fiz — dei de ombros.
Com cuidado, retirei um por um do pote que estava aprisionado, o segurei na mesa e o cortei ao meio, retirando aquela veia que ligava todo o seu corpo.
Puxei o canecão que eu tinha retirado da mochila há pouco e expremi todo aquele líquido gosmento nele, como se retirasse leite de vaca. Ou como eu imagino que seja.
— Estou com algumas perguntas, Rayna. — Revirei os olhos. Isso era algo óbvio. — E não faço ideia de por onde começá-las.
— Por que não por uma com menos... sentimento?
Bellamy fez um barulho com a boca, como se concordasse.
— Qual é o seu plano com isso?
— Retirar o seu sangue...e bebê-lo — completei antes que ele me interrompesse. Mas, ainda assim, minha ação foi parada quando ele agarrou meu pulso, o animal assassino se contorcendo em meu aperto em o que poderia ser o seu pescoço, impedindo-o de se fincar na minha pele. — Sabia que podemos sobreviver a um parasita?
— Com medicamentos, eu imagino.
Maneei com a cabeça, concordando e não concordando. Ergui o queixo e virei minha cabeça para olhá-lo quando ele não se afastou. Com um olhar calculado e movimentos lentos, ele deixou de me tocar.
— Esse parasita foi criado entre o momento em que metade da Terra estava recebendo o Fogo Primordial — comecei, impedindo que aquele formigamento impedisse qualquer raciocínio. — Ele mata, mas não ao entrar em contato com a pele ou com o corpo. Nossos organismos são levados a matá-los assim que ele entra, mas, uma vez que são exterminados lá dentro... — Repito o processo com todos os outros bichos. — Ele se desconstrói e... mata o hospedeiro.
— O quê? Por quê?
— Porque o sangue deles é o verdadeiro problema. Seu sangue tem o veneno do Fogo Primordial. É como se eles fossem feitos — ergui um deles no ar, vendo-os na altura da minha cabeça — com uma partícula dele.
— Está dizendo que cada um desses vermes obtém aquele Fogo que dizimou a Terra inteira dentro deles?
Sorri, sem achar mesmo graça e olhei sobre os meus olhos.
— Sim. É exatamante isso — esmago o bicho entre meus dedos, sem precisar da faca — que eu estou dizendo.
Bellamy estava escorado no berço, com os braços cruzados quando tirou um momento para digerir tudo. O que tínhamos em nossas mãos. Literalmente.
— E você pretende beber isso? — Ele retirou um dos braços rapidamente para apontar para o pote com sangue. — Não! Isso vai te matar.
— Não, não vai.
— Se você estiver certa...
— Eu estou.
— Cada um desses vermes tem o poder do Fogo Primordial, Rayna — ele se desencostou do berço com brutalidade, fazendo o móvel ranger e quase pender. Desviei o olhar, acalmando aquela raiva inicial. — Como pode você sobreviver?
— Vou sobreviver — Afirmei. — Não se preocupe.
— Como está tão tranquila? — Ele vociferou, alterado. A chuva de vento chegou até a gente, mas a casa não recuou nenhum segundo. — Não vou deixar que faça isso.
Esquartejei o último daqueles vermes e virei-me para Bellamy, minhas mãos completamente manchadas por aquele sangue tóxico.
— Não pode me impedir.
— Como pode estar confiante de que viverá?
— Porque eu já fui um casulo para essas coisas — respondi, com um tom de voz que fez ele se calar. — Sem dizer que meu sangue escuro vai impedir que eu morra. Vou sobreviver.
Bellamy negou calmamente, erguendo a mão para passar pelo rosto.
— Não quero arriscar.
— Então vire as costas. — Agarrei o copo cheio de bolotas protegendo o sangue daquelas coisas. A médula osséa deles. Sorri. — Não vai querer ver isso.
Levei o copo para os meus lábios enquanto Bellamy arregalava os olhos e quando ele, enfim, avançou para me impedir, dando um tapa naquele copo, tudo já estava dentro de minha boca. Bellamy agarrou os meus ombros, assustado e eu engoli, fazendo um barulho satisfatório.
Em contra partida, o gosto amargou a minha boca, que secou no mesmo minuto como se tivesse se passado dias e eu não tomasse uma gota de água. Era como se eu tivesse derretido ferro e enxofre juntos e bebesse.
O nojo tomou conta de mim e ameacei colocar tudo para fora, mas segurei minha boca fechada e obriguei-me a engolir, sem perceber que estava completamente encolhida para frente, curvada.
— Rayna — Bellamy me chamou, puxando-me para cima e agarrando o meu rosto, seus dedos puxando meus fios de cabelo para trás. — O que está sentindo? — Seus olhos nos meus estão turvos. — Merda, você precisa colocar para fora.
— Não! — Consegui falar, empurrando-o para longe de mim antes que ele me obrigasse a vomitar.
Arrastei-me até a cama, mas acabei caindo antes de alcançá-la. Braços agarraram meu corpo antes que eu chegasse até o chão, mas eu perdi completamente a noção dos meus movimentos e Bellamy dobrou os joelhos para apoiar o meu corpo nas suas pernas.
Com os dois quase deitados no chão, meu pescoço foi o próximo a perder o movimento e minha cabeça pendeu para trás. As mãos dele subiram pelas minhas costas para sustentar minha cabeça, para que meus olhos conseguissem chegar até os seus. Ele parecia... desesperado.
— O que você fez? — Ele perguntou, me vendo por inteira, questionando o que poderia fazer para salvar-me. — Fique comigo.
— Estou com você, Bell — disse, fraquinho e sorri. — Estou mesmo.
— Então... o que...?
— Só é o meu corpo se acostumando com o veneno — o informei e lutei uma batalha com um caminhão para erguer minha mão esquerda e tocar em sua bochecha. — Vou ficar bem. Eu juro.
Bellamy soltou um riso desacreditado e deixou sua cabeça pender para baixo, a ponta dos seus cabelos tocando na pele da minha testa.
— Eu preciso que fique — ele revelou, mas meus olhos já estavam pesados demais. — Ouviu isso, Rayna? — Um silêncio se fez para que eu conseguisse ouvir. Inclinei minha cabeça para mais próxima do seu peito, onde seu coração falava com o meu. — É o meu coração. Ele não vai aguentar mais uma morte.
— Não vou morrer — sussurrei, meus olhos completamente fechados. — Lembre-se de perguntar sobre Bella.
É a última coisa que eu lembro antes de perder a consciência.
No meu sonho, eu só conseguia ver o rosto de Lexa sorrindo para mim. Eu não consegui distinguir quanto tempo se passou até eu recobrar a consciência e sentir onde estou deitada; na cama que eu fiz para mim.
Quando abri meus olhos, Bellamy estava lá.
O rosto de Lexa sendo trocado pelo dele, que estampava o mesmo sorriso para mim. Meus cabelos eram cuidadosamente acariciados pelas suas mãos grossas e calejadas.
— Você acordou.
— Tinha alguma dúvida disso?
Sua falta de resposta deixou claro o seu medo.
Com uma certa dificuldade e com sua ajuda, me sentei na cama, tomando um longo fôlego. Devia ter se passado horas, pois o sol se abaixava e a chuva de cortes e ventos tinha passado também.
— Precisamos ir — avancei, sentindo-me um pouco fraca, mas esforçando-me para guardar as coisas em seus lugares. — Preciso da ajuda do luar se quero ganhar essa guerra. Lembra o caminho para o acampamento? Você poderá chegar antes do anoitecer se sairmos agora.
Mas quando o olhei, ele estava sentado na cama onde eu dormia e seus olhos encaravam aquele berço fixamente.
Quando seus olhos ergueram-se para os meus, eu sabia exatamente o que ele ia perguntar e não evitei engolir em seco.
— Quem é Bella?
Cruzei os braços e soltei minha respiração, junto com minha cabeça para baixo. Eu sei que foi eu que o pedi para perguntar, mas não estava necessariamente pronta para essa conversa.
— Podemos... — Coçei a garganta e forcei um sorriso. — Podemos deixar para depois?
Ele se inclinou para o berço e passou o dedo por uma parte dele.
— Isabella Blake Kane. — Ele leu, conforme passava os dedos pelo nome que eu entalhei no berço. Bellamy hesitou, seu pumo de Adão desceu e subiu e quando ele ergueu os olhos novamente para mim, haviam lágrimas. Os meus transbordaram. — I-Isso... — Ele contorceu a cabeça. — Isso...
— O Kane está riscado — o interrompi, pois parecia que ele não iria conseguir concluir. Me aproximei e ajoelhei-me em sua frente, ao lado do berço. — Não sabia qual sobrenome dar a ela e os dois não combinam muito bem juntos.
Ele deixou uma risada cheia de emoções sair e minhas lágrimas rolaram pela minha bochecha, rebeldes. Bellamy assentiu, enxugando os olhos.
— E como... — Ele fungou e virou para me olhar, sorrindo. — Onde ela está? Você a escondeu em algum lugar? — Prensei meus lábios um no outro, meus olhos transbordando o que tinha acontecido. Mas Bellamy ignorou. — Posso vê-la?
Eu não conseguiria dizer, então assenti.
Bellamy parecia estar entre saber e não saber quando eu me levantei, agarrei sua mão e o levei para fora da cabana. Uma parte dele parecia gritar o que estava acontecendo quando ele deixou mais lágrimas cairem, mas uma parte dele ainda tinha esperanças. Sabia disso porque eu vi de perto quando elas morreram em seus olhos ao ver o túmulo feito com madeira e pedras.
"Isabella Blake", dizia. "Eu teria amado ser sua mãe." Abaixei meus olhos daquela parte, sem coragem de lembrar o quão dificil foi escrever aquelas palavras com adagas perfurando dentro e fora de mim.
Bellamy perdeu as forças e um de seus joelhos bateram no chão.
Ele chorou e não consegui não chorar junto, quieta, na minha. Esperando-o terminar de ter o seu momento. Ele merecia.
Alguns minutos se passaram quando ele ergueu o queixo, seu rosto completamente enxarcado com suas lágrimas e ele levou uma mão para a terra, como se pudesse sentir o que aquela criança poderia ter sido. Como se pudesse sentir o seu DNA.
Bellamy se levantou e quando virou para mim, tudo o que eu pude fazer foi me desculpar.
— Eu sinto muito.
— Shiii — ele pediu, abraçando-me pelo pescoço, uma de suas mãos em minha cabeça. — Não é sua culpa. — Ele sussurrou em meu ouvido. — Não foi sua culpa.
Fungei, deixando-me ser acudida por um momento antes de me afastar e limpar meu rosto.
— Como? Como ela morreu?
— Os vermes — respondi, com veneno na voz. — Vários deles rastejaram até mim quando... nasceram. Acho que meu sangue atraiu eles. Se esconderam por nove meses e quando eu fui tê-la... — Abaixei o rosto, com vergonha. — Quando a agarrei nos meus braços, o veneno se instalou em mim e, pelo cordão umbilical, ela foi atingida. Foi assim que eu sobrevivi — dando de ombros. — E como ela morreu.
Bellamy assentiu, sem palavras.
Me abraçou novamente.
— Sei porque me odeia agora — ele murmurou em meu ouvido.
— Quem dera algo em mim te odiasse.
Nos agarramos um ao outro por um longo tempo. Até o horário nos chamar e termos que nos desvincular, pegar nossas coisas e abandonar aquela cabana para trás.
Fizemos o restante do caminho quietos e quase sem repirar. Bellamy pensava tanto que seus pensamentos faziam barulhos e uma hora ou outra, eu o via limpando o olha, mas ignorei. Não podíamos deixar-nos cair novamente.
Quando foi o momento de nos desperdimos para cada um seguir um caminho, ele se virou para mim, seus olhos transformados.
Havia raiva nele.
— Como pretende ganhar deles hoje, Anarquia?
Sorri de lado e foi completamente verdadeira.
— Sangrando.
Espero que estejam gostando.
Eu não curti muito esse capítulo, que é a primeira parte, mas não desistam agora.
🚨 LEIAM ATENTAMENTE! 🚨
Eu estava planejando que esse fosse o último capítulo dão Ato 5, todavia, o capítulo inteiro ficou com 11 mil palavras e tenho um pouco de agonia em capítulos tão longos dessa forma e fiquei com receio de que vocês achassem chato e desistissem de ver, então vou separar em dois.
Fiz uma votação no meu perfil do Insta (_debsdrrsem) e a maioria votou que eu dividisse. MAS compreendo que a maioria de vocês ficaram com medo de eu não voltar com o próximo capítulo, por isto, faço questão de dizer aqui, o PRÓXIMO CAPÍTULO JÁ ESTÁ PRONTO E REVISADO!
VOU POSTÁ-LO HOJE SE vocês baterem a meta de mais de 200 COMENTARIOS. Confio em vocês!
Todavia, se vocês não conseguirem, o próximo capítulo será postado até domingo.
Então, nos vemos daqui a pouco... ou não.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro