038| One Minute
038 | Um minuto
RAYNA KOM SKAIKRU
— No que está pensando?
Sorri com sua voz suave em meus ouvidos, enquanto seus dedos faziam um tipo de obra de arte em minha costa nua. Nossas pernas estavam entrelaçadas e enquanto ele estava deitado de barriga pra cima, com seu braço esquerdo sendo feito de apoio pra sua cabeça, eu estava de lado, imprensada em seu peito.
Sentindo cada cantinho da sua pele. Saboreando sua presença leve.
Quando levanto o rosto do seu peito, me sinto incapaz de não me inclinar pros seus lábios mais uma vez. Depois que provei-os novamente, é impossível largar.
Eu o queria.
Não importava o que a gente tinha feito agora há pouco, eu o queria ainda mais.
Bellamy diz que deseja que eu o queira, mas ele é um estúpido por pensar que eu não o queria ainda.
— Não estou pensando em nada — sussurro, contra seus lábios.
Surpreendo-me com o simples fato de ser verdade. Não pensei em nada desde que nós deitamos aqui. Desde que ele me enrolou em seu corpo e distribuiu beijos por toda a minha pele, deixou juras delirantes em meus ouvidos e aqueceu meu coração.
Talvez por não conseguir pensar em nada foi o motivo da minha reação quando uma certa pessoa subiu as escadas, chamando por a gente e cortando sua fala ao meio ao nos ver na cama, cobertos pelo lençol, juntos.
Raven estreitou as sobrancelhas com cuidado para nós dois e então sorriu suave.
— Acredite, eu estou me odiando muito por ter que falar o que eu vou falar agora — ela começou, fazendo Bellamy rir com sua voz rouca — e estou tão feliz que poderia saltitar, mas... o mundo está acabando e precisamos de toda ajuda que pudermos.
Vejo Bell jogar a cabeça pra trás em um falso suspiro de insatisfação e rio mais, empurrando seu corpo pra fora da cama.
Então ele se impulsiona e se inclina pra mim, sussurrando:
— Ela é tão bobinha... — mordeu a ponta da minha orelha e depois deixou um beijo nos meus lábios. Quando nos afastamos, ele olhou em meus olhos. — Diga a ela que meu mundo está bem a minha frente, querida.
— Mas o nosso está acabando — Raven adicionou quando nos inclinamos pra nos beijar novamente. — Anda, casal, levantem-se!
Ele revirou os olhos, mas se sentou na cama e ainda com o lençol no corpo — uma atitude que eu agradeci, pois não gostaria que Raven visse seu corpo nu — pegou sua cueca e sua calça.
Ela já viu, minha mente contribuiu para o meu atual humor quando Bellamy se levantou em busca da sua blusa e do seu macacão. Meus olhos dispararam pelo seu abdômen e mordi meus lábios, apoiada em meus cotovelos na cama.
Quando ele vestiu o macacão por cima da calça, com o abdômen ainda descoberto, abaixou-se calmamente pra pegar minhas roupas jogadas no chão pra entregar-me, junto com sua blusa, pois a minha ele rasgou. Então ele se inclinou novamente e beijou meus lábios suavemente.
Não estávamos conseguindo parar de fazer isso.
— Vou pegar uma água pra você.
— Obrigada — sussurrei, vendo-o passar por Raven pra descer as escadas.
Segurei o lençol em meu corpo enquanto vestia minha calcinha e meu top. Quando terminei, larguei o lençol e vesti a calça. Estava no meio do processo de subir o zíper quando lembrei da presença de Raven.
Ela me olhava com um sorrisinho e de braços cruzados, jogando seu peso todo na perna boa.
— Estou feliz por vocês.
— Você já disse isso, Rav — brinquei, dando as costas pra arrumar a cama depois que vesti a blusa de Bellamy.
Suspiro, sentindo seu cheiro me invadir. Mordo meus lábios para não sorrir ao pensar que senti seu cheiro bem ali, na cama que eu estava arrumando.
— Mas eu estou!
Rimos juntas e ela se aproximou para me ajudar, mas então pensou melhor e recuou, do outro lado da cama. Sua cara se contorceu em uma careta e ela apontou seu dedo indicador para a cama.
— Tá, eu não vou tocar nesses lençóis não.
Girei os olhos com escárnio e fiz todo o trabalho de tirar os lençóis sozinha, deixando apenas os travesseiros. Depois de dobrá-lo de um jeito nada arrumado, jogo em cima da cama e conserto minha postura, a respiração meio ofegante pelo excesso de esforço.
— Rayna? — Ela me chamou, parecendo hesitar.
Isso me fez franzir as sobrancelhas ao voltar minha atenção pra ela, de costas para a escada. Me senti confusa ao encarar a face de Raven, que havia mandado embora o sorriso satisfeito.
Estava tão fora do meu eixo que só percebi do que ela ia falar quando ouvi:
— Bellamy já sabe?
— Raven... — choraminguei.
— Me desculpa, tá legal? — Levantou as mãos em rendição, mas agora já era tarde demais. Ela já havia entrado nesse assunto. — Eu só não acho certo começar isso com uma mentira.
— Eu não menti pra ele.
— Com uma omissão, que seja! — Trinquei o maxilar e desviei o olhar pro chão. — Não queria desanimá-la.
— Tudo bem — murmurei.
Minha cabeça começou a martelar que Raven estava certa. Apesar de não ser uma mentira, pois nunca entramos diretamente nessa conversa, seria errado da minha parte seguir com o futuro sem falar sobre, certo?
Mas porque eu sinto que tudo pode dar errado se eu falar?
Está tudo tão... bom. Não quero estragar isso. Sei que deveria confiar mais em nós dois, no que sentimos um pelo outro, mas e se eu tiver certa? E se ele não me ouvir e tirar as próprias conclusões?
— Vocês traçaram um caminho muito ardúo e longo para deixar que uns amassos com Roan pare vocês.
Ela estava certa. Éramos fortes. Eu deveria...-
— Merda.
Levantei o queixo, confusa pelo seu suspiro exasperado. Mas olhá-la com toda aquela culpa enquanto encarava algo atrás de mim já era o suficiente pra eu saber o que eu encontraria ao virar-me.
Selei os olhos e amaldiçoei-me antes de virar para a escada, onde Bellamy estava no topo, me encarando.
Suas sobrancelhas não estavam franzidas, sua cabeça não estava levemente caída pro lado e ele não estava sorrindo pra mim. Ele ouviu e ouviu bem.
— Bell...
Ele jogou o copo de água no chão de qualquer jeito, fazendo o vidro quebrar e a água transbordar no chão, me parando por um momento, impedindo-me de segui-lo por tempo o suficiente para que ele desça as escadas e suma.
Senti meu peito doer e meu queixo tremer.
— Ray — Raven me chamou com cuidado, com medo de eu culpá-la. Mas como eu poderia? — Me desculpa, eu não vi ele subindo. Eu nem deveria ter começado e-e...
Funguei, engolindo em seco.
— Tudo bem — sussurrei. — Não é sua culpa. Vou falar com ele. A gente vai se resolver.
Eu sorri e ela me acompanhou, mas seu sorriso era como um reflexo do meu, que demonstrava não estar tão certa do que eu falei, mas que queria acreditar desesperadamente.
Desviei dos cacos de vidro e desci as escadas, vendo Aspen e os outros fazendo seus trabalhos.
E penso que eu só preciso de um minuto, que logo voltarei pra ajudá-los, sem esse peso no meu corpo, mas com Bellamy em meu encalço, vindo até mim de cinco em cinco segundos pra me beijar.
Penso que só primeiro de um minuto para conversar francamente com ele e preciso que ele me escute. Preciso que ele me ouça mais do que ele já me ouviu em todos esse tempo.
Preciso que ele se lembre como foi bom e verdadeiro nosso momento na cama e fora dela. Eu só preciso... encontrá-lo.
E eu encontro.
Não é por acaso, ele está fazendo uma bagunça dentro de uma das salas que existem atrás das portas no corredor de trás do bloco de Controle. A porta está entreaberta, consigo vê-lo chutando uma cadeira e depois passando as mãos pelo cabelo.
Estou prestes a entrar quando percebo que ele não está sozinho.
— Bellamy, sinto muito.
É Clarke.
Algo transborda no meu peito e me faz pensar que é melhor eu me revelar logo. Que é melhor que eu bata na porta ou apenas a empurre. Que eu faça qualquer coisa que os faça perceber que eu estou aqui.
Ordeno minhas pernas a se mexer, sou eu quem deveria estar com ele agora, sou eu com quem ele precisa falar agora. Mexa-se.
Inclino-me para a porta, mas não para entrar, mas sim para ouvir. Onde estou, me dá uma visão certa de onde Clarke e Bellamy estão.
Não escute.
— Ela é uma vadia manipuladora! — Rosnou Bellamy, me fazendo descruzar os braços aos poucos. — Como ela pôde?
— Deve haver uma explicação... — tentou Clarke, mas ele logo a atropelou com suas palavras.
Minha garganta se fechou, meus olhos queimaram. E eu continuei tentando fazer algo. Mas agora já não sabia se queria avançar ou recuar.
Não escute.
— Eu disse que a amava, Clarke! Eu disse com todas... Com todas as malditas palavras que estava apaixonado por ela. Antes de qualquer coisa que aconteceu com ele e com ela aqui, eu já tinha esclarecido o que eu sentia.
Meu peito dói e quebra todo o pensamento sobre doer mais antes. Não, isso aqui está doendo. Isso aqui está queimando-me de dentro pra fora e está arranhando minha pele e estou sangrando.
Estou pingando nessa chão.
E é o sentimento mais novo que eu senti em toda a minha vida. Achei que sabia o que era perder. Eu já perdi tantas pessoas...
Benjamin, o garoto que me salvou no momento em que eu pensei que eu deixaria de desistir. Que confiou em mim sem precisar. Que precisou de mim. Roan, que acreditou em mim com todos os motivos pra não acreditar. Que me seguiu, mesmo sendo um Rei. Que foi leal à mim até o seu último suspiro.
Já perdi até mesmo Bellamy, depois de Monte Weather. Mas não doeu tanto quanto está doendo.
E percebo que é porque eu senti um gostinho de uma vida ao lado dele. Como seria acordar todo dia com ele ao meu lado. Como seria tê-lo ali, pra afagar minhas lágrimas ou apenas me proporcionar o prazer que eu precisava. Que ele precisava.
Para me amar.
E agora que senti como seria tudo isso pelo resto de nossas vidas, a dor de pensar em perdê-lo é mais insuportável do que qualquer uma.
— Eu queria... — ele tremeu de raiva, andando de um lado pra outra.
— Bellamy — interrompeu Clarke, sabendo o que ele falaria a seguir.
Não escute, Rayna. Não faça isso consigo mesma. Não. Interrompa isso agora. Explique pra ele o que aconteceu. Diga a ele que você sempre o amou. Ou corra. Corra pra bem longe.
Apenas... não escute.
Então, Bellamy desistiu do que ia falar e abaixou os ombros, parando em um só lugar.
— Não sei como vou aguentar 5 anos preso com ela, Clarke.
Recuei, ofegante.
Pisquei sem rumo, sentindo meus olhos arderem mais e as lágrimas caírem sem permissão.
Preso.
Ele se sentia preso comigo? Ia se sentir preso? Foi isso que viramos em um espaço de tempo? Mas ele... ele nem me escutou. Não. Não posso desistir dele tão rápido dessa forma.
Avancei e a porta foi aberta.
Clarke me olhou com os olhos pesados, sabendo que eu escutei tudo. Ela abaixou o queixo e saiu, deixando a porta aberta pra mim.
Bellamy estava de costas quando entrei.
O terreno é velho, já estivemos aqui antes. Já magoamos tanto um ao outro que viramos mestres em estrear esse momento. Mas sempre nos perdoamos. Sempre conversamos. Sempre chegamos em uma conclusão boa. Certo?
Quem eu quero enganar?
— Saia.
— Bellamy — gaguejei, com a voz embargada. — Me escuta, por favor...
— Saia — ele gritou, se virando pra mim e apontando pra porta. — Não quero escuta-lá porra nenhuma. Como foi capaz de fazer isso?
— Eu não o trai, porra!
— Você transou com ele! — Afirmou.
Como é?
Não, não, não. Neguei com a cabeça, pronta para vomitar o quanto ele estava errado. Eu beijei Roan, foi um momento tenso, poderia ter virado algo a mais se Raven não tivesse interrompido, mas não virou. Eu não transei com o Roan.
Eu fiz isso com ele, Bellamy. E foi minha primeira vez.
— Esqueça tudo o que aconteceu.
— Você não quer dizer isso.
— Ah, eu quero! Não me importo mais — balançou a cabeça. — Que se foda tudo, Rayna. Eu não aguento mais você.
— Não me aguenta mais? — Repeti. — Tivemos um momento bom há pouco, Bellamy. Seja racional, ouça-me e não estrague tudo.
— Estragar? Você é boa nisso.
Ele era uma metralhadora e estava me atingindo. Estava me atingindo forte e sem piedade.
— Ficou com tanto medo do que sentia por mim que colocou um garoto que não tinha nada a ver no nosso meio e veja onde ele está agora! — Abriu os braços e eu estava recuando, negando e chorando. Queria se afastar daquele Bellamy e encontrar aquele que me abraçava e me beijava. — Morto.
— Não fale dele!
Não fale do Benjamin... Por favor, não fale o que eu penso. Não insinua que a culpa foi minha. Eu sei que foi, mas não fale. Assim não... Por favor.
Seu silêncio poderia mostrar que ele estava arrependido, mas então ele passou por mim e foi até a porta. Sua mão a agarrou e então parou:
— Se não fosse tarde demais, eu te mandaria pra Polis — meu peito tremeu e eu imprensei meus dedos em minha boca pra evitar o soluço. — Nesses próximos cinco anos, faça um favor a si mesma e fique longe de mim. Acabou, Rayna.
Ele bateu a porta quando saiu e meus joelhos enfraqueceram.
É... acabou, Bell.
(...)
Lá estava, bem em nossa frente.
O estrago que o Fogo Praimfaya era capaz de fazer em todos nós. Com base em uma imagem de drone, estavámos vendo ao vivo a Onda Mortal chegando em Polis e acabando com todos as construções da região.
Incluindo, o prédio da Comandante.
Abaixei o olhar com as imagens, sentindo um resquicio de culpa. Aquilo estava intacto antes de mim, mas agora? Não sobraria nem as ruínas para reerguerem depois de todo esse caos.
O computador aptou e digitou "crítico" antes de simplesmente acabar a conexão. Era uma questão de tempo até chegar aqui e se eles tiverem em terra ainda... eu nem gosto de pensar no que seria de seus ossos carbonizados.
— Se não estivermos longe do chão ao menos 20 minutos antes da onda — explicou Raven —, a carga eletromagnética irá desativar a aviônica do foguete. Ou seja, não voará. Isso nos dá 90 minutos para fazer uma verificação de voo de seis horas, recuperar o gerador de oxigênio e fazer uma cabine para dois virar uma cabine para dez...-
Ela continuou listando o que tinhamos que fazer, parei de ouvir quando percebi que aquela lista estava fora da nossa realidade, que se consistia em apenas 1 hora e meia.
— Pensei que tinha dito que seria difícil — ironiza Murphy.
— Essa não é a parte difícil — ela refuta imediatamente. — A Becca programou o foguete para pousar em Polaris, não na Arca.
— Você não pode mudar a direção? — Questionei, apontando com minha mão pra cima em sua direção.
— Eu teria que pilotar o foguete para dentro do hangar no anel.
— Por que isso é difícil? — Perguntou Harper.
— Isso também não é difícil.
— Amor... — murmurou Aspen, soprando o ar pra cima. — Estamos meio ansiosos aqui.
— Se decolarmos a tempo, os purificadores de CO2 em um foguete de duas pessoas não sustentaria dez de nós.
— Usaremos oxigênio suplementar — sugeriu Clarke.
— Nossos tanques só seguram uma hora de ar — explicou Monty.
— Certo — voltei a encarar Raven. — Teremos uma hora para chegar na órbita, pousar no hangar e ligar o sistema de suporta à vida. Usando um gerador de oxigênio feito para manter o pequeno quarto do farol.
Murphy, que estava apoiado na mancada com a cabeça baixa, ouvindo atentamente ao lado de Emori, disse:
— Você é horrorosa em convencer as pessoas a fazer algo, sabia?
— Alguém aqui ainda precisa ser convencido? — Bellamy perguntou, confuso, do outro lado da sala. Ele nem estava me olhando... — Agora conhecemos as muitas maneiras das quais podemos morrer. Por que não nos diz o que devemos fazer para viver?
Raven acena, claramente ainda tensa ao ligar o cronômetro no enorme telão da parede.
Enquanto Raven explicava o serviço que ela entregaria nas mãos de Monty e Murphy, aproveitei o momento para prender meu cabelo em um rabo de cavalo. Eu estava começando a ficar com calor e precisava pensar muito mais do que meu cabelo raspando em minhas costas deixavam eu fazer.
— Bellamy, Rayna — Clarke se aproximou, olhando para cada um de nós que nem piscou na direção um do outro. — Venham comigo.
Eu sentia que ele queria refutar, mas ele não iria fazer aquilo, sabendo que tínhamos pouco tempo para a explosão de todo o mundo. E se ele não se importava mesmo, por que ligar se precisávamos trabalhar juntos as vezes?
Subimos as escadas com Clarke na frente dele e ele em minha frente.
Quase tropecei no meio do caminho quando ele parou de repente. Seus músculos das costas ficaram tensos e sobressaltos a roupa que ele usava. Quando fiz questão de olhar por cima dos seus ombros, ele terminou de subir e se aproximou junto de Clarke na mesa que tinha ali.
Mas eu tive o mesmo transe que ele quando me deparei com aquela cama, ainda desarrumada por nossos corpos, o lençol dobrado de qualquer jeito, os travesseiros fundos por nossas cabeças.
Olhei pra mim mesma, sua blusa ainda no meu corpo, seu cheiro ainda sendo o portador da minha atenção principal.
Me controlei pra não fechar os olhos e lembrar da sensação de estar em seus braços, dos seus lábios. Minha garganta fechou com o esforço que eu fiz pra seguir em frente.
Clarke começou a ler as informações no computador sobre a nossa forma de sobrevivência na Arca, mas minha mente fugia toda hora.
Meus olhos disparavam para Bellamy e então para aquela cama. Fechei minhas mãos em punhos, sentindo meus machucados da mão esquerda arderem enquanto minha unha fura minha pele da mão direita.
Em uma vaga tentativa de fuga pra escapar dos pensamentos, pedi pra Clarke me deixar ocupar seu lugar. Ela, sabendo bem o que estava passando na vida de cada um aqui, acenou.
Bellamy se afastou rápido da mesa quando eu sentei e foi até a grade, encarando lá embaixo, segurando firme o corrimão.
Arrastei um caderno, decidida a anotar. Seria mais duradouro, poderíamos conversar sobre isso, rever os planos com dados lá em cima. Ou... eu só não tinha voz o suficiente para ler pros dois.
Ela se aproximou de Bellamy e os dois começaram a conversar.
Seus cochichos chegavam até mim, mas eu tentava não focar neles. Até levantar os olhos e ver Bellamy arrastar a mão pela testa suada de Clarke. Sem perceber, apertei a caneta em mãos e fiz um rasgo na folha.
Encarei minha mão com o esparadrapo, assustada por perceber que o curativo estava começando a ficar vermelho. Minha mão tremia e não sabia se era de raiva ou pelos sintomas de ficar sem proteção lá fora.
Foi quando notei que estava me sentindo febril. Meus lábios grudaram um no outro, secos, a procura de água.
Assustada, levantei da cadeira, sentindo náusea agora. Os dois olharam em minha direção. Pausei por um momento, envergonhada. Gaguejei algo sobre ir ao banheiro e corri, igual uma covarde.
Quando cheguei ao banheiro, me inclinei na pia, tossindo pela irritação na garganta e sentindo ela doer cada vez mais que eu tossia. Até que coloquei a mão na frente da boca e respingos de sangue saiu.
Merda.
— Não!
Assim que ouvi o grito, corri pra fora do banheiro, vendo o pessoal dentro do foguete tossindo. Fui a primeira a chegar e me inclinar pra saber o que estava acontecendo. Entrei, sendo seguida por Bellamy e Clarke.
— Computador, verificar sistema — pediu Raven.
— Sistema de lançamento, ideal. Sistema de navegação, ideal. Sistema de suporte à vida, avaliando o dano.
— Tudo bem — ela murmurou —, vamos usar o suplemento.
Após mais algumas informações que só Raven conseguia entender, Raven informou que não iríamos conseguir viajar até o espaço. Ela encerra a sequência de lançamento e nos explica quando saímos do foguete que o anel não tem energia.
Explicou também que descartou o problema, pois pensou que poderia ativar remotamente, através do sistema de comunicação do foguete, que como ela acabou de confirmar, não tinha jeito nenhum de arrumar.
E também não podíamos ligar do lado de dentro porque sem a energia, não dá nem pra abrir a porta do hangar.
— Você já resolveu problemas maiores que isso antes — diz Clarke a ela, se aproximando.
— Não em 53 minutos — refutou, olhando seu relógio.
— Raven...
— Acabou, Clarke — gritou. — Talvez se eu ainda tivesse o código da Alie no meu cérebro, poderia resolvê-lo. Eu não sou esperta o suficiente — choramingou, sentando-se.
— Amor, qual é... — Aspen se aproximou, sentando ao seu lado. — É claro que você pode fazer isso — ele levantou a mão pra pegar o rosto da garota e alisa-lo. — Todos nós... Todos já perdemos as contas das vezes que nos salvou antes dessa robô demoníaca. Nunca precisamos dela e nem precisamos agora. Só precisamos de você. Eu preciso de você — eu acompanhei seu sorriso, ficando feliz por ele. — Não posso ama-la apenas por 53 minutos.
Uma lágrima caiu quando seus lábios se juntaram e quando eles se afastaram, os olhos dela tomaram um foco.
— A Alie estava na Arca — ela levantou, energética. Aspen, ainda sentado, bufou uma risada orgulhosa. — Eu podia ter usado o interruptor de emergência, mas ela se transmitiu para o anel e fugiu.
— Usando a cápsula no templo — contribuiu Emori.
— Sim. Se ela conseguiu fazer isso, também conseguimos.
— Ir pra Polis é irreal — neguei, imediatamente. — Sem dizer que os rádios pararam.
— Temos algo melhor que rádios. Uma torre de satélite. Vocês três — virou pra Emori, Harper e Echo —, de volta à cabine. Acabem com as restrições. Vocês três — virou pra Clarke, Bellamy e eu —, vistam o capacete. Ficarão comigo.
— Ei, e eu? — Aspen se levantou do chão.
— Você é meu suporte, amor. Fica aqui.
Ri da cara do meu amigo, que mandou uma cara feia pra mim. Subi rapidamente para colocar meu traje que foi doado por Monty, junto com o meu capacete.
Faltando 51 minutos, seguimos pra fora da fortaleza trajados, com dificuldade para andar na neve. Andamos até termos uma visão clara da torre.
— A torre está a menos de 1,5 km daqui — Raven apontou pra torre, que fazia um contraste com o céu alaranjado. — Tudo que precisa fazer é conectar isso à caixa na base da torre — ela da uma placa pra Clarke. — O nome da antena é Sat Star One.
— Sat Star One — repetimos.
— Sat Star One. Tudo está pronto — ela pega a placa novamente e coloca na bolsa, que é entregue pra mim. — Uma vez que o tablet estiver conectado, a antena vai se alinhar com a Arca. A tela vai piscar verde, e é assim que vocês vão saber que está preso. Quando aparecer "enviar", clique e o sinal vai ligar as luzes. E é só isso. Alguma pergunta?
— Sim. Por que você está sorrindo?
— Ela está esperançosa — debochei, com um sorriso puxando meus lábios pra cima.
— Porque, sem comunicação, mesmo com a energia ligada, ainda não podemos abrir a porta do hangar pelo foguete.
— Espera — interrompeu Bellamy. — Como que isso é uma coisa boa?
— Ela vai poder andar no espaço — explicou Clarke.
— Murphy? — Encarei Bellamy que correu até o mencionado, seguido depois de todas nós. — Ei, Murphy. Ei. Vamos.
Corremos pra ajudar o garoto que tropeçava nos próprios pés com aquela máquina que ficou de buscar. Olhei ao redor, procurando pelo parceiro dele.
— Murphy — agarrei seus ombros —, onde está o Monty?
— Ele está com problemas — ofegou, sem ar, se levantando. — Ele teve que expor as mãos e desmaiou. Se voltarmos agora, podemos buscá-lo.
Bellamy nos encarou, em busca de uma direção.
— Alinhar a antena é só pra duas pessoas — observou Raven. — Clarke e Rayna consegue fazer. Harper vai me ajudar com o gerador. Vá.
Clarke impediu que Bellamy fosse embora de forma rápida e eu quis fazer muito mais do que encarar o que parecia ser uma despedida deles. Porque seria a minha despedida.
De alguma forma, eu conseguia sentir isso.
Faria de tudo para que Clarke chegasse a tempo pra decolar, ela iria decolar com eles, mas eu... Não havia espaço pra mim naquele foguete e nem na vida deles na Arca.
Viver no espaço não era mais pra mim.
— Vocês duas vão demorar uns dez minutos para descer da torre até a cabine — encaramos nossos relógios de maneira sincronizada. 25 minutos. — Precisa sair da torre quando faltar dez minutos, ou vocês duas ficarão para trás.
— Dez minutos — acenou Clarke, me olhando. — A gente consegue.
Começamos a correr, ignorando os nossos pés afundando na neve, causando um grau maior de dificuldade. Grande o bastante para que entre os tropeços e os esforços pra lutar contra o atemporal, nos fizesse levar 14 minutos exatos pra chegar.
— Temos 11 minutos, Rayna.
— Vamos acabar logo com isso — disse alto, entrando por dentro da torre e tirando a mochila das minhas costas.
Enquanto Clarke a abria pra pegar o tablet, eu trabalhei em abrir aquela caixa de metal com um monte de botões brilhando em azul.
— Sat Star One — li o rótulo em um dos botões. Era o que estava desligado. Apertei o botão, fazendo-o ficar azul como os outros. — Encontrei.
Clarke me entregou o tablet, coloquei ele em pé em cima da caixa, enquanto a loira puxava até o final dos fios pra interligar eles no lugar correto. Assim que ela adicionou a tomada, encaramos o tablet com expectativa.
"A antena não está alinhada."
— Não — lamentou Clarke.
— Merda.
— O que a gente fez de errado?
"A antena não está alinhada", continuou a repetir aquela voz de computador. Me aproximei, apertando no botão do tablet que nos estendia uma explicação maior sobre sua afirmação.
Enquanto eu lia com atenção o que era preciso fazer pra funcionar, Clarke pegou o rádio e tentou contato com Raven.
Mas não podíamos depender de Raven receber a chamada ou não, que no caso, parecia que ela não estava recebendo. Retirei os olhos do tablet, já com uma ideia do que deveria fazer. A ideia só solidificou quando eu olhei para a tampa da caixa e vi a explicação sobre o trabalho manual.
Respirei fundo, conseguindo fôlego e culhão o suficiente para começar a subir a torre, apoiando nos ferros, com o tablet em minhas mãos.
— Só pode estar brincando — ouvi Clarke murmurar embaixo de mim. — O que está fazendo?
— Temos que subir pra alinhar a antena — gritei por cima do meu ombro, agarrando um dos ferros pra subir como uma escada. — Eu consigo. Vá.
— Não vai dar tempo, Rayna!
— Eu sei — sussurrei só pra mim, parando por meio segundo antes de falar mais alto: — Se despeça deles por mim.
Na metade do caminho, quando soprei um pedaço de cabelo pra longe da minha cara, busquei o corpo de Clarke se afastando da torre e indo pra sua salvação, mas quando não enxerguei nada manchando aquela neve, só pude deduzir que ela estava bem atrás de mim.
Percebi que estava certa quando senti o ferro em que estávamos tremer.
Soprei com força. Teimosa.
Em uma certa altura, já dava pra ver o horizonte e o que esperava para nós duas. Não importava qual era o nosso tipo de sangue, não aguentaríamos aquela onda da morte. Era radiação demais pro corpo metabolizar em um período curto.
Um barulho agudo chama a minha atenção e encaro a direção do bunker onde estávamos. O foguete havia sido lançado.
Meus olhos arderam e diferente de Clarke, que paralisou por um tempo atrás de mim, apenas aprecei os meus movimentos. Se eles chegassem no espaço e não tivéssemos dado um jeito nessa merda, todos morreriam.
Aspen... Senti minha mão se agarrar mais no ferro conforme eu subia. Então era assim que a nossa história terminava.
Quando chegamos ao alto da torre, adentrei ela, me apoiando nos ferros que tinha em sua parte interna, dando espaço pra Clarke fazer o mesmo e não ter perigo de cair. Com nós duas de frente com a outra caixa do gerador, apoio o tablet em cima dela e Clarke a abre, repetindo o mesmo processo de antes.
Meu coração para, esperando a resposta.
"A antena não está alinhada."
— Porra.
"Substituição manual recomendada."
É claro que sim.
— Fica de olho, Clarke.
Sem esperar sua resposta, sai pro lado de fora da torre, subindo mais pra alcançar a antena. Daqui, o vento que emanava já era forte o suficiente pra me mandar embora se eu não me agarrasse com força o bastante. No alto da torre, bem onde estava a antena, agarrei ela com uma das mãos, puxando.
Ela se mexeu com a força exercida e eu olhei pra baixo, onde Clarke me encarava. Ela voltou pro tablet.
— Mais um pouco!
Empurrei novamente pra baixo, onde estava, já que eu não empurrar mais pra cima com apenas uma mão. Mas não deu certo de novo. Comecei a me desesperar. Não podíamos falhar. Eu não podia deixá-los morrer lá em cima.
Parei de segurar na torre e puxei a antena com minhas duas mãos, pegando toda a força do meu corpo e deixando de lado o medo de voar daqui.
— Isso! — Gritou Clarke. — Você conseguiu. Desça agora.
Fiz o que ela mandou, mas assim que cheguei no mesmo local onde ela estava, a tela do tablet desligou e perdemos o contato. Não dava pra saber se eles haviam recebido ou não a energia.
Clarke jogou o tablet longe, com raiva.
— Clarke — chamei-a, desesperada. — Precisamos descer. Larga a mochila. Vamos.
Descemos a torre por dentro dela, usando os ferros pra pularmos de um para o outro, até alcançar o chão. Ela caiu quando foi a vez dela de pular e quebrou o capacete. Merda.
Não dava tempo de trocar.
Ajudei ela a se levantar e ela tampou o buraco com a mão, tardando o máximo o possível a morte por radiação. Corremos de volta em direção ao bunker.
Bem em nosso encalço, fugimos da onda. Estávamos bem na porta do abrigo quando eu tropecei em meus próprios pés, empurrei Clarke pra que ela entrasse e gritei quando a onda me atingiu, como um furacão com as cores da morte.
A radiação queimou minha pele.
Senti meu braço sendo agarrado e eu sendo puxada. Até que já não estava queimando tanto. Abri os olhos, vendo que tínhamos entrado no abrigo, mas não estávamos totalmente salvas.
Tropeçamos até a sala de controle, nossas peles borbulhando com o gostinho do inferno. Cai no chão, contorcendo-me pela dor, sentindo o gosto metálico do meu sangue enchendo minha boca até que eu começasse a engasgar.
Tentei virar de lado, pois seria questão de segundos até que eu morresse engasgada com o meu sangue, mas minha cabeça latejou como se tivesse recebido um tiro e me encolhi no chão, vendo Clarke cair desacordada em minha frente.
Morta.
Fechei os olhos, em busca da hora que toda a dor fosse embora. Que, assim como ela, eu recebesse a sorte de apenas... parar.
Mas todas as dores aumentaram.
Arrastei-me pelo chão — contorcendo-me de dor — sentindo o desespero subindo pelas minhas veias, acertando minhas pernas que pararam de se mexer e depois meu estômago que começou a sangrar. Então eu virei um poço fundo de dor, que armazena dor.
Dor física, emocional, psicológica.
Eu sentia cada uma dessas dores quando vi minha salvação. Bem ali em minha frente. Uma arma. Era a minha arma. A 9mm que começou tudo comigo. E agora acabaria.
Arrastei-me até ela e a peguei, minhas mãos trêmulas levando-a até a minha testa. Fechei os olhos, sabendo que a dor passará, que tudo deixará de ser. Sorrio com esse pensamento, acreditando que esse era o melhor momento da minha existência.
Obrigado, pensei primeiro.
"Estragar? Você é boa nisso."
A voz de Bellamy soou em meus ouvidos por último.
Puxei o gatilho.
E atirei.
Espero que estejam gostando...
Eu sei que o momento de paz durou pouco, mas eu juro que era PRECISO! Com esse capítulo, a 4º temporada chegou ao fim.
Será que vai ter a 5º...?
Acho que só esperando pra saber, mas me falem. O que vocês ACHARAM do surto de Bellamy? A Rayna tem
culpa?
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