029 | Cold Wedding
029 | Casamento Frio
RAYNA KOM SKAIKRU
Liberdade é a coisa mais cara que temos em nossas vidas. Alguns nascem e morrem sem ao menos entender a dimensão do preço de tal raridade, já outros... Outros anseiam por tal coisa, mas não se esforçam para consegui-lá.
Porque apesar da liberdade ser algo deslumbrante e sem igual, ela sempre estará em uma balança onde do outro lado há a possível dor.
O medo de sentir pesa muito mais do que uma coisa que nem conseguimos entender direito.
Não se passou muito tempo desde que eu aceitei o pedido de casamento super elaborado do Rei de Azgeda e apesar de não me arrepender por saber que estou fazendo isso por um bem muito maior, não pude deixar de me isolar por um tempo nos aposentos da Comandante.
Agora, meu, talvez para sempre.
Os lençóis banhados de sangue de Lexa haviam sido trocados, mas ainda estava do mesmo jeito que ela deixou. Queria que ela estivesse aqui para me dizer se estou fazendo o certo, se devo prosseguir com isso.
Se estou, de alguma maneira, manchando o legado dos Comandantes.
Isso me assombra a cada segundo, a cada momento em que tenho que fazer uma escolha impossível.
O anúncio seria realizado logo amanhã de manhã. E o casamento também. É por isso que foi preciso atrasar tudo para amanhã, mas ninguém além das pessoas que estavam lá na sala do Trono sabiam disso.
Eu sei que precisava contar á eles como conseguimos a liberdade, mas como eu poderia chegar dizendo que eu me ofereci para ele de mão beijada e que agora eu tenho um casamento?
Um casamento!
Eu nunca pensei nesse tipo de relacionamento dentro da minha vida. Acho que nunca tive espaço para fazer tal coisa, sempre preocupada se iria viver no dia seguinte ou não. Já tive algumas paixões, mas um relacionamento nunca se passou pela minha cabeça de um jeito tão realista.
Quando penso em casamento, penso em lealdade, confiança e amor. Não compartilho nada disso com o Rei Roan e é quando eu percebo que isso não é uma regra. As pessoas se casavam por conveniência nos tempos antigos. A ideia do amor e confiança é algo novo atribuído à sociedade.
Atribuído ao coração dos carentes; do meu.
Mas eu sabia que não seria nada assim com o Roan. Não seriamos amantes e nem confiaríamos um no outro, eventualmente. Dormiríamos em quartos separados, mas ele teria a posse inteira da minha pessoa, como Comandante.
Minhas decisões seriam limitadas porque esse casamento não é para juntarmos forças, mas para que ele tome as minhas.
Prefiro pensar nesse casamento como uma missão a ser executada com sucesso, qual recompensa será a vida, a liberdade; deles.
O que diria Becca? Acima de tudo, o que diria minha mãe? Como ela era? Como foi o casamento dela com o meu pai? Eles se amavam? Confiavam um no outro? O que a mulher que me colocou nesse mundo diria nesse momento?
Ela me apoiaria ou diria para eu seguir meu coração, que só Deus sabe não estar no caminho de Roan e a coroa?
Eu seguiria seu conselho ou choraria em seus ombros, implorando para que ela me apoiasse, para que me entendesse?
E se eu seguisse meu coração? Para onde ele me levaria?
A sensação que eu tenho é de que eu nunca saberei.
Duas batidas em minha porta soam antes que eu possa pensar demais sobre isso. Marcus passa pela porta — a qual está sendo guardada por dois guardas — depois que eu concedo a permissão.
— Onde está Aspen? — Questiono porque, sinceramente, não sei como começar qualquer conversa nesse momento.
— Está sendo atendido por Abby e os curandeiros da Nação do Gelo — Marcus me responde, com a sua calma de sempre, olhos enxutos. — Ele também perguntou por você. Todos perguntaram.
— Não queria preocupa-los. Só preciso... pensar.
— Esse lance de não preocupar é impossível quando se trata de Bellamy — ele parece fazer uma piada, mas sei que ele quer aprofundar o assunto. Selo os olhos; não posso pensar nele. — Posso saber por quê está tão pensativa?
Continuo com os olhos baixos, as mãos se torcendo no meu colo, meu pescoço começando a doer pelo excesso de tensão que estou colocando sobre meus ombros.
— Tem algo haver com o fato de termos sido liberados? — Ele chuta de maneira bem inteligente, mas da para saber que ele não sabe. Que Clarke não contou nada. — Querida... — ele se senta ao meu lado e pela primeira vez a sei lá quanto tempo, desejo que ele me pegue em seus braços. — Pode falar com o seu pai.
Funguei, não querendo preocupar ele demais. Marcus também tem um grande fardo nos ombros, eu não quero ser um adicional.
— Eu sei.
— Eu acho que nunca te pedi desculpas sobre tudo o que eu fiz com você — ele balbuciou, de repente, pegando-me de surpresa. — Não sei se você sabe, mas eu realmente sinto muito por tudo. Deveria ter sido um pai melhor e não te intoxicado e mandado você para a prisão daquele jeito.
— Pai...
— Você estava certa sobre tudo, filha. Eu deveria ter me preocupado em ser mais seu pai do que o Co-Chanceler — meus olhos arderam. Eu sonhava com essa conversa na cela da Arca, onde, de um jeito inacreditável, tudo era mais fácil. — Por isso, quero te dar a certeza de que se voltar pra casa comigo, vou ser um pai melhor. Começando por renunciar o bordão de ser o Chanceler.
— Você não pode — interrompo, porque finalmente eu entendi. — Eles vão precisar de você. Eu nunca quis admitir isso, mas... Você é bom no seu cargo, pai. Você é um líder bom.
Respirei fundo, desejando que o tempo — junto com os problemas — passassem de uma vez. Queria ter alguma mísera chance de criar uma vida com a família que eu tenho.
Mas já era hora de parar de pensar no que eu poderia ter e enxergar a minha realidade, caso contrário, eu posso me enterrar em ilusões e isso não será nada bom para nenhuma parte da minha vida.
— Você pode... — hesito, mas sei que preciso disso — falar um pouco sobre minha mãe?
Em primeira mão, acho que ele vai negar, como ele já fez antes. Mas para a minha surpresa, Marcus se ajeita no lugar após um longo olhar no fundo dos meus olhos e começa a dizer:
— Sua mãe era... um tipo de força da natureza — no final da frase, ele suspira, seu olhar perdido a cima da minha cabeça. — Ninguém daquela Arca tinha coragem o suficiente para entrar em uma discussão acalorada com ela. Quando Lilah descobriu sobre você, ela fez uma festa para a Arca inteira e prometeu, não só aos outros, como a você — ele olhou nos meus olhos, os seus estavam encharcados —, que iria conquistar a Terra para você.
— E-Ela...
— O sonho dela era que voltássemos para a Terra — ele informou antes mesmo que eu formulasse a minha pergunta. — Olha, não é justificável de maneira alguma, mas quando eu soube que iam mandar os jovens para a Terra para uma expedição pra ver se ela era habitável, minha mente se iluminou.
"Eu não estava conseguindo mais esconder você naquela cela, se as pessoas erradas descobrissem, você seria flutuada. Já foi muito arriscado enviar Octavia para encobrir você."
— Espera — interrompi, encaixando os pontos. — Foi por isso? Octavia foi colocada naquela cela para que outros não descobrissem que ela estava sendo ocupada por mim também?
Marcus acenou apenas uma vez com a cabeça, fazendo meu cérebro explodir. Quão ironico pode ser ela ser a causadora da minha prisão e, ao mesmo tempo, a salvação da minha morte?
Era por isso que aquela cela não fora planejada para duas pessoas, com duas camas e comida o suficiente para nós duas. Para os de fora, apenas ela estava ali.
— Então veio a oportunidade de mandá-la para a Terra. Eu sei que você, assim como os outros, acham que foi um risco que tomamos com os olhos vendados... mas não — Marcus continou, abrindo espaços na minha mente. — Sua mãe estava trabalhando duro antes de morrer e conseguiu dados de que mais de 33% da Terra estava habitável.
"Quando ela morreu, continuamos a pesquisa. Quando enviamos vocês, não tinhamos certeza, de fato, mas sabíamos que ao menos 39% da Terra poderia ser habitável. Eu precisava realizar o sonho da sua mãe."
— Por que não me disse antes? — Questionei, franzindo a sobrancelha. Ele só está me contando isso agora porque eu perguntei sobre minha mãe. — Por que me deixou te odiar por tanto tempo?
— Eu não queria que você pensasse que eu estava usando sua mãe para conseguir seu perdão — ele explicou, fazendo-me lamentar por ter percebido só agora o quão incrivel ele era. — Sinto muito pelos segredos.
— Me desculpe também. Eu fui uma filha horrível — me encolhi quando lembrei de tudo o que já disse sobre ele. — Você pode me perdoar?
— Querida, é claro — ele sussurrou como se fosse óbvio e me abraçou.
Ficamos daquele modo por um tempo, mas eu ainda estava inquieta e precisava perguntar:
— Pai... — levantei a cabeça do seu ombro e ele me olhou, esperando. Tive que apertar meus lábios para ele não tremer. — Você a amava?
Você amava minha mãe? Você se arrepende por ter ouvido seu coração e casado com ela? Você faria diferente?
— Lilah era um pouco complicada, é verdade, mas nunca duvide do meu amor por ela — as lágrimas começaram a brotar. — Sua mãe foi o grande amor da minha vida, Rayna. Eu sinto a falta dela até hoje. Queria que ela tivesse aqui para ver a grande mulher que você se tornou.
Abri a boca para desmentir ele, para dizer que eu era fraca e que eu não podia lutar mais contra o mundo. Mas senti medo de gaguejar e chorar — eu estava cansada de fazer isso —, então apenas deitei minha cabeça em seu ombro novamente e suspirei:
— Queria ter conhecido ela.
— Ela estaria muito orgulhosa de você — ele segredou, apertando o meu coração. — Você herdou à Terra, meu amor, como ela esperava que você fizesse.
Fechei os olhos.
Nunca pude conhecer Lilah porque ela morreu quando me colocou no mundo, mas eu honraria — assim como Marcus vêm fazendo — a sua vida e não iria deixar que destruíssemos a Terra.
Talvez, no começo dessa conversa, eu estivesse disposta a seguir o meu coração. Mas eu percebi que tem muito mais haver com um todo, não apenas comigo.
Eu tinha que pensar no geral para salvar à Terra e quem sabe, à mim no processo.
(...)
A aliança dos Terrestres são um pouco mais futuristas do que eu estava esperando. Não que eu estivesse mesmo imaginando que Roan aparecia com um diamante para colocar em meu dedo, mas eu também não estava preparada para furarem a minha pele para "comprovar" a minha aliança e fidelidade com os Azgeda.
— Tudo parte da tradição — disse o Roan, parecendo se divertir enquanto me via de barriga para baixo, sendo perfurada mil vezes por aquela agulha. — Você vai precisar saber sobre cada uma delas, minha Rainha.
Ele riu após a careta que eu fiz pelo apelido nada dramático.
Não foi uma lembrança boa, só estou me lembrando, agora, no meio da madrugada, porque estou de costas para o espelho, tentando ver aquilo manchado no comprimento das minhas costas.
E porque eu não consigo selar os olhos.
De pesadelos já basta a minha realidade.
Como Comandante dos 13º clãs, eu precisava gravar aquela pintura em minha pele, por conta do comprimento, a melhor região era as costas. Mas além do símbolo dos Comandantes representando cada um deles e a Chama, eu precisava gravar — através do fogo porque é a forma dos Azgeda gravar suas peles — uma coroa de gelo acima do símbolo dos Comandantes.
E através de uma tinta, deixaria a queimadura azulada, representando o gelo flamejante.
Na teoria, pode ser bonito de imaginar. Agora tente se agarrar a um ferro e morder uma mordaça para não fazer barulho enquanto sua pele é derretida com ferro saído direto do fogo.
Echo, apesar de não gostar de jeito nenhum da escolha do seu Rei de se comprometer comigo, adorou o meu show naquele momento.
Tudo isso para mostrar para a multidão de pessoas daqui algumas horas, cujo casamento ninguém sabe. Eu não consegui estragar aquela atmosfera sobre Marcus e eu mais cedo, então ele ainda não sabe que sua filha está oficialmente noiva de um Rei.
Não é justo que ele — e nem ninguém — saiba amanhã de surpresa, mas depois que ele saiu do meu quarto, eu fui praticamente sequestrada.
Pelo jeito, casar-se para ficar viva também exigia uma arrumação.
Socos esmurram a porta no meio daquela madrugada, fazendo-me pular de susto e surpresa. Visto a capa fina para esconder aquela recém marca nas minhas costas e arrasto a minha arma da prateleira, dando passos suaves e calculados até a porta.
Eu não sabia quem poderia ser, mas não confiaria em abrir a porta totalmente desarmada. Ainda mais sabendo o quão enraivada Echo pode estar.
Mas contrariando todas as minhas teorias, assim que eu abri a porta, eu soube que aquela pessoa não estaria ali para me fazer mal.
Não de forma consciente.
Guardo a arma.
— Você está me evitando.
Assim que vejo que Bellamy está pronto para entrar no quarto, me coloco em sua frente e fecho mais a porta atrás de mim. Se ele entrasse, ele iria ver aquele vestido eleito o escolhido para a cerimônia de amanhã.
Eu não tinha como explicar sem contar a verdade e apesar do tempo estar acabando, eu ainda não faço ideia como dizer a ele que vou me casar.
— Não estou te evitando — girei os olhos para mostrá-lo o quão ridículo era a ideia, mas ele estava certo. — O mundo não gira em torno de você, sabia? — Eu estava brincando, ele pôde ver pelos meus lábios que se ergueram.
Bellamy continuou parado no mesmo lugar, do mesmo jeito que eu lembro dele. Fios de cabelo enrolado caídos pela testa, pele bronzeada, sardinhas e machucados limpos e tratados.
Era difícil olhar para ele.
Era fisicamente difícil.
— Pode me acompanhar? — Surpreendentemente, ele questionou após um tempo. — Preciso te mostrar uma coisa.
— Agora?!
Apesar da dúvida e de uma voz baixinha que me dizia que era melhor se eu não o acompanhasse, minha curiosidade ganhou e eu troquei o manto por uma jaqueta escura e que me esquentaria na madrugada.
Eu sabia que teria que enfrentar Bellamy. Antes, seria tenso. Depois, impossível. Ele tornou as coisas fáceis quando ficou sumido a tarde inteira, mas pelo jeito, ele estava próximo o suficiente para saber que eu estava olhando sobre os meus ombros, desejando não cruzar com ele por algum corredor.
Bellamy era um tópico que eu estava tentando não pensar a qualquer custo, pois demandava um aprofundamento severo.
Como o momento em que admiti para mim mesma que eu tinha sentimentos por ele, antes de Benjamin morrer nos meus braços; por minha causa.
Ainda dói de um jeito insuportável pensar nele e em tudo que lhe faltou em vida.
Eu tentei saber sobre ele, mas quando vi que a sala em que ele estava foi esvaziada — e seu corpo sumido —, sabia que ele tinha sido arrastado com os outros corpos, principalmente depois que pegaram Aspen tentando arrastar o seu corpo para lhe dar um enterro digno.
Eu não podia fazer nada.
Mas eu percebi o meu erro naquela madrugada, logo depois que Bellamy desligou o Jeep no meio da floresta, Polis ficando para trás tão rápido que eu me peguei pensando em uma fuga.
Ainda estava escuro quando Jeep estacionou em frente a uma árvore, o farol iluminando aquele lugar em questão e me deixando a par de que era uma nogueira.
Não era para significar nada. Poderia significar um nada.
Isso se não tivesse uma elevação sob a terra, mostrando que ela foi revirada e depois posta em seu lugar. Um corpo foi enterrado aos pés da nogueira, uma das árvores que Cage Wallace plantou para o seu filho há 17 anos atrás.
Onde o mesmo está enterrado agora.
— Você...
Eu nem sabia o que dizer.
— Eu encontrei o mapa das árvores — Bellamy explicou, bem baixinho, como se não quisesse atrapalhar nada. — Aspen me contou o que significava para você e... para ele. Acho que Benjamin o disse algo sobre antes.
Meus olhos enchem-se da mesma coisa que vem preenchendo eles por esses dias, mas dessa vez, sinto o ar pesar.
Benjamin foi machucado e quase morto por uma nogueira quando criança e agora está enterrado sob uma. Era o que ele iria querer, com certeza.
Apesar de não ter admitido, sei que ele ficou sentido ao descobrir sobre as nogueiras que Cage plantou para ele.
E tudo isso por causa de Aspen e... — viro-me para Bellamy, que tinha as mãos dentro dos bolsos da calça e me olhava por debaixo dos cílios — ele.
— Por que fez isto? — Fiz uma pergunta sincera, querendo mesmo uma resposta que eu não fazia nenhuma ideia sobre o que poderia ser.
Não é novidade que Benjamin não era a pessoa favorita do Blake. Por que ele retirou o seu tempo para encontrar uma nogueira e enterra-lo sob ela?
Bellamy ficou me encarando. Ali mesmo, quase no escuro, de costas para os faróis ligados do Jeep, comigo bem na frente do túmulo de Benjamin, que tinha dois paus em formato de cruz, escrito seu nome.
Bem a cima de nossas cabeças, as estrelas piscavam e tudo deixou o momento ainda mais sufocante. Os barulhos produzidos pelas nossas mentes de galhos se cortando, os pássaros voando para suas casas e o vento passando pela gente, bagunçando meus cabelos.
— Qual é, Rayna... — Bellamy soprou, recuando para encostar-se no capô do carro. — Você sabe.
Juntei as sobrancelhas em um segundo só.
— Eu não sei — minha fala é carregada por confusão.
Bellamy vira o rosto para olhar pras profundezas daquela floresta que estava começando a ganhar uma cor pelo céu que começava a ficar claro.
Seu perfil ficou estagnado em meus olhos, deixando bem claro aquelas linha perfeita do seu maxilar e suas sardinhas que preenchiam todo o seu rosto. Eu apostava que seu cabelo não era um dos mais limpos, mas o caimento era certo o suficiente para o seu rosto.
E ainda tinha aquela roupa.
Bellamy Blake dificultava tudo para mim quando usava aquela jaqueta dos guardas da Arca com uma camiseta qualquer por baixo.
Assustei-me com o pensamento atual, mas não o sufiente para parar.
Eu tentei me enganar até esse sentimento diminuir, mas parecia que ele continuava crescendo pouco a pouco dentro de mim, como uma maldita bomba pronta para explodir de uma vez só.
Tudo o que eu fiz por esse tempo foi atrasar a admição e tentar não sentir o que sinto, mas a essa altura do campeonato, deve ser impossível voltar atrás.
Eu não faço ideia de como chegamos até aqui. Como eu passei de odiá-lo naquele acampamento para esse fogo irradiante dentro do meu peito. Então eu me pego pensando em cada partícula de momento entre nós.
As trocas de farpas, aquela atração que os dois tentavam fingir que não existia, mas que acabou abafando tudo ao nosso redor quando nos rendemos a ela naquele bosque; o beijo.
Depois de tantas coisas que passamos, seu gosto já saiu dos meus lábios, a sensação de sua pele reivindicando a minha. Mas eu ainda me lembro como eu me senti naquele momento. O estômago se embrulhando, minha pele se reverenciando ao seu toque e aquele sentimento crescendo dentro de mim.
Eu me assustei e me afastei. Então a vida se tornou mais apertada; conheci Benjamin.
Com ele, percebi que o sentimento — que agora eu sei da existência — que estava começando a crescer dentro do meu peito por Bellamy não necessitava ser só pelo ódio. Que as coisas podiam ser mais fáceis.
Mas... eu estava errada e Cage estava certo. Pessoas morrem quando se relacionam comigo. Acabam machucadas e eu não vou aguentar se Bellamy se tornar uma dessas pessoas. Porque olhando agora — eu percebo —, ele se tornou aquela célula que traz vida a minha vida.
Independendo do que ele esteja fazendo. Me irritando como a maioria das vezes ou apenas coexistindo perto de mim. A essência de Bellamy era a minha bateria e percebo que posso suportar os próximos anos com ele por perto.
Talvez não como eu queria, mas sei que pode ser melhor assim.
Para nós dois.
Começando agora.
Eu não queria mais saber o porquê de ele ter feito tudo isso. Algo me diz que tornará as coisas piores ainda.
— Está amanhecendo — murmuro, deixando o olhar recair para baixo. — Pode me levar de volta?
— Rayna...
— Por favor, Bellamy.
(...)
Amanheceu.
Eu mal tinha acabado de fechar a porta do meu quarto quando as remessas de cuidadoras começaram a chegar. Todas carregando opções de jóias, maquiagem e apenas uma coroa.
Foi estressante não poder simplesmente me arrumar para essa droga sozinha — por simplesmente não saber o que fazer. Quando o relógio marcou a hora, eu já estava começando a ouvir a multidão se juntando para o evento lá embaixo do prédio.
Hoje ia ser um dia insuportável pelo simples motivo de eu estar prestes a me casar e ninguém saber disso.
— Sua Majestade tem uma visita — uma das mulheres diz em pé na porta, segurando a maçaneta. — A garota diz se chamar Clarke Griffin.
— Não me chame de Majestade — não quis soar rude, mas simplesmente saiu. — Pode deixá-la entrar.
A porta é aberta atrás de mim, mas eu estou ocupada demais tentando não explodir pelas pessoas que estão me rodeando, cada um com um obstáculo a superar. Uma com o meu cabelo, com a minha pele e até a forma como eu vou estar cheirando.
Encaro o semblante da loira pelo espelho e apesar do momento não ser nenhum pouco propício, ela parece prestes a rir da minha cara.
— Ok, eu estou bem — interrompo uma delas de começar a limpar uma mancha da minha nuca que, na verdade, era um sinal. — Vocês podem ir agora. Obrigada.
Aos poucos, cada uma delas foram saindo do quarto, deixando o ar um pouco mais respirável. Eu sei que não era culpa de nenhuma delas.
Provavelmente eram ordens diretas do rei para me irritar ainda mais nesse dia.
Como se me casar com ele não fosse irritável o suficiente.
— Devo me dirigir a você como Majestade agora? — Clarke foi irônica, querendo tirar um sorriso de mim.
Eu admiro esse gesto, admiro mesmo, mas não sei bem se consigo esbanjar um sorriso nesse momento. Apesar de não ser um casamento como todos devem pensar, eu ainda estava nervosa.
Eu sabia que tudo iria mudar a partir do momento que o meu "sim" soasse por aquela multidão de pessoas surpresas. Que — como a tradição pede — eu mostrasse minhas costas e que ali estava o meu laço de eternidade com Roan.
A tatuagem gravada na minha pele.
Para sempre.
— Acho que eu vou vomitar.
— Você está linda — Clarke para atrás de mim e coloca suas mãos em meus ombros. Nos vemos através do espelho. — Queria que não tivesse que fazer isso.
Eu também.
— Não vai ter mais volta, né? — Torci a boca quando ela negou suavemente. — Mas se é a forma que temos para salvar essa Terra, acho que o preço é barato.
— O preço é a sua liberdade — ela rebate, sendo uma das pessoas que sabem o quão raro isso é.
Respirei fundo e me coloquei de pé. Chega de pensar por hoje.
— Pode me ajudar com o vestido?
Clarke ficou me olhando, parada, como se quisesse dizer mais coisas do que está dizendo agora. Mas no final, ela acenou e murmurou um "é claro" antes de começar a me ajudar com aquela peça de roupa.
Era um tecido branco, com uma camada transparente por cima, carregando vários pedaços de brilhos reluzente. Na área do peito, uma corrente diamantes simbolizava a alça do vestido. Ele arrastava até o chão e fazia um círculo perfeito.
Suas costas eram completamente abertas, tendo tecido apenas da área do meu quadril para baixo. Senti o dedo de Clarke deslizar pela minha nova marca com calma, reconhecendo aquilo.
Quando seu toque parou na queimadura dos Azgeda, eu a senti tensionar e querer fazer muitas perguntas. Quando me virei para ficar cara a cara, seu olhar estava escuro e ela parecia pronta para matar uma dúzia de homens. Intitulei aquele olhar como o da Wanheda, a portadora da Morte.
— Está tudo bem, Clay — garanti, tocando em seu braço. — Eu vou ficar bem.
— Venha comigo — ela alternou, um olhar astuto. — Eu posso fazer você sumir. Vamos dar um jeito. A gente sempre dá. Não faça isso, Rayna. É roubada.
— É a nossa única saída. E você sabe.
Ela queria que não, eu sei disso. Até mesmo eu queria que não fosse a única saída. Mas a verdade era apenas uma e quanto antes aceitássemos, mais fácil seria para digerir.
Coloquei o colar pesado com pedras enormes de diamantes. Aquilo parecia velho e uma relíquia. Foi um "presente" de última hora do Rei. Eu não deveria usá-lo, mas as garotas que ele mandou para me arrumar foram bem convincentes.
Tentei atrasar o máximo, mas era isso. Estou pronta fisicamente. Mentalmente? Eu jamais estaria pronta.
Parei em frente às portas, Clarke ao meu lado, tentando me mandar forças para o que estava por vir. Eu sabia que era algo pesado.
— Você contou pra eles? — Perguntei, sem coragem de olhar para ela. — Para... ele?
As portas se abriram por fora pelos guardas e enchi os meus pulmões de ar antes de tilintar o piso com meus saltos. Minhas pernas tremiam com a inconsistência daquilo.
Eu não usava um desses desde quando roubei um na minha pré-adolescência, pois queria me sentir mais como as outras mulheres. Eu torci meu tornozelo por causa disso.
Clarke abriu a boca para responder, mas assim que um dos guardas apontou o caminho para eu seguir, corpos irromperam pelo outro lado do corredor. Clarke não precisou me responder.
Por um momento encarando Bellamy ali, perguntei-me se ele foi mesmo avisado. Mas então sua cara se transformou de confusão para um ódio inconfundível.
Tentei não encarar Aspen que estava ao lado de Marcus. Tudo em mim doía ao olhar para o seus ombros curvados para afrouxar um pouco a dor nos cortes que estavam doloridos ou aquelas mais enfaixadas, escondendo o que um alicate pode causar.
Eu sabia que eu não tinha muita escolha, mas isso não melhora as coisas para mim. Eu fiz aquilo. Eu olhei em seus olhos e ouvi ele gritar, sangrar e chorar.
Sempre que eu olhava para ele, tudo voltava. E eu queria ignorar aquele momento o máximo que eu conseguisse. Foi o dia mais agonizante da minha existência e ficar lembrando dele não é apenas doloroso, é insuportável.
— Rayna — meu pai suspira. — Você ainda pode desistir. Podemos dar um jeito.
Encarei Marcus com meus olhos ardendo. Eu queria tanto que ele tivesse razão. Queria confiar que não seríamos mortos caso eu desse um bolo agora no Rei. Mas eu sabia nosso destino caso eu não entrasse naquele palco com um sorriso, pronta para me tornar a esposa de alguém e a Rainha de um clã.
Um clã que não me vê desse jeito.
Encaro Bellamy que estava com a mandíbula trancada. Mas então ele notou meus olhos na vidraça da minha alma e quando percebeu que aquilo era um grande sacrifício para mim, decidiu deixar uma tonelada mais difícil quando se aproximou.
— Confia em mim — ele estava dizendo, antes mesmo de eu negar qualquer investida para sair disso. — Me dê duas horas e eu consigo resolver isso.
— O rei acabou de descer o prédio, Heda — disse o guarda que estava pronto para me escoltar, era o mesmo que seguiu minhas ordens quando eu estava presa. — Sua presença está sendo solicitada agora.
Encaro-o de rabo de olhos e aceno uma única vez. Eu precisava melhorar minha expressão se quero convencer a todos que isso não é por obrigação.
— Não. Não vá — Bellamy terminou com a distância entre nós, pegando meu rosto entre suas mãos. Ele procura meus olhos, mas eu fujo dos seus. — Rayna, olhe para mim. Olhe para mim, querida.
Meu estômago se revirou ansiosamente da mesma forma que apenas ele parece ter esse poder de fazer. É como se seu toque fosse o controle da minha ansiedade.
Meus olhos chegam aos seus, é impossível evitar. Sou acertada tão de repente por tantos sentimentos e sua determinação que deixo o ar preso — desde aquele momento — ser solto.
— Quer saber o por quê de eu ter feito aquilo hoje? — Ele murmurou apenas para nós dois. Tudo era só sobre nós dois nesse momento, uma bolha havia acabado de nos deixar sozinhos. — Ou o por quê de eu ter te beijado no acampamento?
— Eu sei — abaixei o queixo, mas isso só me fez sentir mais o seu contato. — Não deixe esse momento mais difícil, Bell. Me deixe ir.
— Não posso — ele confidenciou, abaixando a voz, sendo... sincero. — Estou falando a verdade, Rayna. Dói apenas pensar em te deixar ir agora. Não faça isso. Não o escolha.
— Não estou escolhendo ele — neguei, intercalando minha atenção entre seus dois olhos. — Estou escolhendo você. E meu pai. Octavia. Aspen. Clarke. E todos.
— Então se escolha! Apenas fique.
Continuei encarando seus dois olhos, sentindo aquela ansiedade que sempre me deixava inquieta quando ele estava próximo se tornando algo agradável de estar. Um calor confortável no peito. Quis aproveitar mais daquilo. Era novo.
— Heda... — o guarda quebra a bolha. — Precisamos ir.
— Aí, cara! — Aspen grita, sua mandíbula travada e os olhos flamejantes para o guarda. — Deixe ela decidir, ok?
— Não vá com ele. Lembra que eu prometi que nosso próximo beijo seria você a começar? — Ele sugeriu, deixando no ar. — Me beije agora e tudo ficará bem.
Eu queria.
Eu queria tanto. Desejar ele e não poder pega-lo doía muito. Eu sentia que meu coração estava se quebrando porque ele pedia para eu escolhê-lo, eu queria escolher ele, mas não podia.
A nossa sobrevivência daqui a seis meses depende da minha aliança com os Azgeda. Comigo, eles teriam uma Comandante e nos deixariam viver para salvar os outros. O preço poderia parecer caro agora, mas eu precisava salvar todo mundo.
Eu precisava salvar o meu povo.
Levantei minhas mãos para tocar nas de Bellamy em meu rosto. Ele não sorriu, mas sua face adquirindo um ar de esperança me quebrou. Parei a ação por tempo o suficiente para ser chamada mais uma vez pelo guarda. Mas então eu acordei.
Fechei minhas mãos nas suas e sua cara foi caindo ao perceber que eu estava afastando suas mãos do meu rosto. Eu não ia o beijar.
— Desculpe — contorci minha cara e me senti prestes a chorar. Mas voltei a segurar tudo. Bellamy continuou parado quando eu virei-me para o guarda e disse: — Estou pronta.
Ele sussurrou meu nome, mas eu já estava sendo levada para longe dele. Então ele gritou o meu nome, mas eu já não estava na vista para gritar o seu também. Porque era isso o que eu queria quando percebi a multidão que nos esperava.
Roan estava no meio do palco criado especialmente para essa ocasião, terminando de fazer o seu discurso sobre a paz entre os clãs. Ninguém estava entendendo o motivo da escolha do rei de não matar as pessoas que supostamente trouxe Alie para suas vidas.
E os murmúrios de confusão eram a minha deixa.
— A Cidade da Luz caiu — Roan proclamou —, e só sobrou um Comandante para nos governar. Rayna kom Skaikru.
Os guardas estenderam suas mãos para me ajudarem a subir naquele palco. O silêncio foi endurecedor. Parecia que ninguém respirava — inclusive eu — no meio tempo que usei para subir e caminhar até o meio do palco. Parei ao lado de Roan, de frente para aquela multidão de pessoas confusos pelas minhas vestes.
Então um dos anciões deu um passo à frente, ficando entre Roan e eu. O procedimento foi quieto. Muito quieto. Ele nos abençoou e sem votos, exigiu nosso "sim".
Roan, agora a minha frente, me encarou. De uma forma bem diferente das outras vezes que ele encarou antes, eu admito. Ele me olhou mesmo. Desde aquela coroa de ferro que colocava em minha testa, ao penteado meio solto meio preso com aquela coroa de tranças, até o colar escolhido à dedo por ele.
Então seu olhar desceu para o comprimento do meu corpo que era mostrado pela forma colada que o vestido conseguia ser até minhas pernas, onde ele abria.
Minhas costas ainda estavam escondidas pelo manto.
— Sim — ele respondeu.
— Rayna kom Skaikru, uma Sangue-Escuro, descendente direta de Bekka Pramheda e agora, Comandante do 13º Clã, aceita o rei Roan de Azgeda como o seu parceiro, companheiro e marido para a vida?
Meu olhar caiu para a plateia, mas voltou antes que eu pudesse ter um vislumbre maior de Bellamy que estava parado lá.
Meus olhos tremeram.
— Sim.
A declaração foi feita e ainda no silêncio da plateia que continuava digerindo o que havia acabado de acontecer, Roan virou minhas costas para eles, ficou na minha frente.
Nossos olhos seu cruzaram enquanto ele levava a sua mão para o meu manto que cobria minha tatuagem e marca.
— Vai ser um prazer ter você como Rainha, meu bem.
— Vai se foder — cuspi e vi o ancião arregalar os olhos —, meu bem.
Roan retirou o manto.
Todos da multidão arfaram com o que tinha ali, como se tivesse caído na real só nesse momento que sua Comandante acabou de casar com o rei de Azgeda, seguindo todas as tradições, em meio ao caos.
Eu podia entendê-los.
Eu ainda não acreditava.
— Rayna kom Skaikru-Azgeda — gritou Roan —, sua Comandante e Rainha.
Espero que estejam gostando.
13K de visualizações???? Mds, que loucura! Estou tão feliz pela repercussão e também pelos comentários. Eu amo de PAIXÃO comentários.
Então podem comentar até seus dedos caírem sabendo que estão fazendo o meu dia muito feliz, o que me faz ter mais ânimo de revisar e postar logo os capítulos.
ANTES QUE EU ME ESQUEÇA, dêem uma passadinha no meu perfil do tiktok. Eu posto alguns edits, INCLUINDO DESSA FIC, e pode ter até alguns spoilers...
@_ficswtpd
Como por exemplo, acabei de postar um vídeo que tem uns spoiler do que PODE acontecer na 5º temporada com a Rayna. Vão lá ver.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro