Capítulo vinte e Quatro (Final)
Robert Young:
Era uma noite tranquila, e eu estava na varanda, observando Damon nadar na piscina entre os youkais que brincavam na água. Ao lado dele, o senhor Matias, em sua forma fantasmagórica, estava flutuando e falando algo animadamente. Foi um esforço, mas eu finalmente consegui lançar um feitiço que permitisse a Damon ver seu pai. Mesmo que ele não lembrasse completamente de Matias, foi bom ver os dois conversando, como se estivessem recuperando um pedaço de algo que foi perdido.
Por um momento, me senti em paz, sozinho na varanda, apreciando a cena. Mas então, do nada, senti uma presença ao meu lado. Virei-me e, num instante, havia um sujeito alto e magro ao meu lado, como se tivesse aparecido do nada. Ele tinha cabelos desgrenhados, pele pálida e usava roupas pretas, que pareciam ter sido emprestadas de um padre. Devia ter uns dezesseis anos, embora houvesse algo muito mais antigo e sombrio em seus olhos. Eu nunca tinha visto seu rosto antes, mas os youkais ao redor fugiram, dispersando-se como folhas ao vento.
— Anubis, estou gostando dessa sua nova aparência, — comentei, tentando soar descontraído, mas sentindo o arrepio percorrer minha espinha.
Anubis sorriu para mim, um sorriso cheio de segredos, como se ele soubesse algo que eu não sabia. — Sempre é bom parecer mais jovem de vez em quando, — ele disse, com um tom de diversão. — Eu sentia falta disso, sabe? Nos velhos tempos.
Ele desviou o olhar para Damon, que nadava despreocupadamente, enquanto o senhor Matias flutuava ao seu lado, gritando algo animado.
— Você veio levar o senhor Matias? — perguntei, sentindo meu coração apertar, a preocupação tomando conta de mim.
— Não desta vez, — Anubis respondeu, balançando a cabeça. — Agora são os ceifeiros que devem capturá-lo, mas ouvi dizer que aquele seu amigo Kai decidiu que vai cuidar disso. Ele não disse quando, mas já garantiu que vai ser cuidadoso.
Suspirei, aliviado. — Vou ter que agradecer Kai por isso, então. — Forcei um sorriso. — Mas o que exatamente você está fazendo aqui, Anubis?
Anubis se encostou na grade da varanda, olhando para mim com aquele olhar enigmático. — Achei que seus amigos youkais já tivessem te contado, — ele disse, e eu o encarei, confuso. — Mama Kat fez uma pesquisa e pediu ajuda aos reinos do mundo espiritual, incluindo os deuses dos mortos.
— Os deuses dos espíritos? — perguntei, incrédulo. — Os deuses dos mortos assim como você?
— Vejo que você é um garoto esperto, — Anubis comentou, balançando a cabeça com aprovação. — Mama Kat explicou que Damon ajudou muitos espíritos quando era o guardião deste terreno, antes da destruição. Havia honra nisso, e nas suas pesquisas, ela encontrou um possível jeito de restaurar as memórias dele.
Me levantei abruptamente, o coração acelerando no peito.
— E o que seria isso? — praticamente gritei, e percebi que Damon parou de nadar, olhando em nossa direção, assim como o senhor Matias.
Anubis manteve a calma, apenas observando a reação ao nosso redor antes de falar novamente. — Já ouviu falar da Escola dos Youkais? — perguntou ele. — É um lugar onde espíritos novatos são treinados para desenvolver seus poderes. E quando se formam, eles passam por um portal chamado Portal de Controle, que permite ajustar suas habilidades e memórias. Mestiços, usaram esse portal antes, quando foram aceitos pela escola.
Eu estava atordoado, tentando absorver tudo o que ele estava dizendo.
— Humanos já foram aceitos nesse portal? — perguntei, a voz cheia de esperança.
Anubis assentiu.
— Sim, humanos que dominam armas espirituais criadas por exorcistas foram aceitos antes. Mama Kat pediu permissão aos deuses para que Damon fosse aceito e pudesse atravessar o portal, na esperança de restaurar suas memórias.
Eu fiquei em silêncio, processando tudo. Era uma chance, talvez a única que tínhamos. Olhei para Damon, que agora estava na borda da piscina, observando a conversa com curiosidade, sem entender o que estava em jogo.
— E eles aceitaram? — perguntei finalmente, minha voz baixa e trêmula.
Anubis sorriu, aquele sorriso que parecia carregar séculos de sabedoria.
— Vamos descobrir em breve, garoto. Prepare-se, porque essa pode ser a última peça que faltava para juntar o quebra-cabeça.
— Se ele for aceito, eu poderei ir junto? — perguntei, minha voz carregada de ansiedade. A ideia de deixar Damon ir sozinho para um lugar tão desconhecido me dava um aperto no peito.
Anubis balançou a cabeça, sua expressão serena, mas implacável.
— Ele vai para lá, mas você não poderá segui-lo. — Ele respondeu com a calma de quem já sabia exatamente como aquilo ia acabar. — Você precisa lembrar de algo, garoto. Este lugar precisa de você. Você é um exorcista, além de ser um mago. É o ponto de equilíbrio entre o mundo mundano e o espiritual aqui. Damon... ele não é isso. Ele é um humano, um mundano que foi ensinado a ver através da névoa que oculta a magia e o sobrenatural.
Eu abaixei a cabeça, sentindo o peso das palavras dele. Ele estava certo, claro, mas isso não fazia o fardo parecer mais leve. Meu papel aqui era crucial, e eu sabia disso. Mas a ideia de Damon atravessar aquele portal, sozinho, para um lugar que eu mal compreendia, me deixava com um nó na garganta.
— Então eu só... vou ficar aqui, esperando? — murmurei, tentando não deixar a frustração transparecer.
Anubis suspirou e colocou uma mão no meu ombro, um gesto surpreendentemente afetuoso vindo de uma divindade que normalmente parecia tão distante.
— Esperar é uma parte do trabalho, Robert. — Ele disse, sua voz mais suave agora. — Mas confie em Damon. Ele já superou muitos desafios, e essa será apenas mais uma prova. Se ele atravessar o portal, as chances de ele recuperar suas memórias são reais. E, se isso acontecer, ele voltará para você. Não como o garoto que perdeu tudo, mas como o homem que ele estava destinado a ser.
Eu fechei os olhos, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair. As palavras de Anubis, apesar de duras, carregavam uma verdade inegável. Damon precisava fazer isso sozinho. Eu sabia disso, mas não tornava mais fácil aceitar.
— Tudo bem, — sussurrei, finalmente levantando o olhar para Anubis. — Eu vou confiar nele. E vou esperar.
Anubis assentiu, e pela primeira vez, eu vi um brilho de respeito em seus olhos.
— Essa é a decisão certa, garoto. — Ele se virou para ir embora, mas antes de desaparecer, lançou-me um último olhar. — E quem sabe, Robert? Talvez, quando ele voltar, ele traga consigo não apenas suas memórias, mas algo ainda mais precioso.
Eu fiquei ali, sozinho na varanda, sentindo o vento frio da noite passar por mim, levando consigo um pouco da minha tristeza. Olhei para a piscina, onde Damon estava rindo, conversando com o senhor Matias como se nada estivesse errado. Talvez eu estivesse preocupado demais. Talvez ele estivesse mais preparado para isso do que eu imaginava.
E, pela primeira vez em muito tempo, senti um fio de esperança surgindo em meio à escuridão.
Damon saiu da piscina, pingando e rindo baixinho, aquele sorriso doce que sempre fazia meu coração disparar. Ele correu até mim, os cabelos molhados caindo sobre os olhos, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, eu o puxei para um abraço apertado.
Ele riu, me envolvendo com os braços, o corpo ainda úmido colando na minha roupa, mas eu não me importei. Apertei-o ainda mais forte, sentindo seu calor e o cheiro suave de cloro misturado com algo que era unicamente dele. Era um abraço cheio de necessidade, como se eu precisasse me agarrar a ele para evitar que o mundo ao nosso redor desmoronasse.
— Ei, o que aconteceu? — ele perguntou, um pouco confuso, mas não se afastou. Apenas me abraçou de volta, com aquela ternura que me desarmava toda vez.
Eu respirei fundo, tentando segurar as emoções que ameaçavam me transbordar.
— Apenas me abraça, Damon, — murmurei contra o seu ombro, minha voz quase um sussurro. — Eu explico tudo depois, prometo.
Ele ficou em silêncio por um segundo, como se estivesse tentando entender o que eu estava sentindo. Então, sem hesitar, apertou-me ainda mais, o rosto se aninhando na curva do meu pescoço. E ficamos ali, apenas respirando juntos, sentindo o ritmo dos corações batendo em sincronia.
Eu sabia que teríamos que ter aquela conversa, que eu teria que contar a ele sobre o portal e sobre o que vinha a seguir. Mas, por agora, isso podia esperar. Só queria segurar meu mundo nos meus braços por mais um minuto, antes que tudo mudasse de novo.
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Na manhã seguinte, algo extraordinário aconteceu. Acordei com a luz suave do sol entrando pela janela e senti uma calma que não havia sentido em meses. Quando me levantei, percebi que algo estava diferente. Olhei ao redor e, para meu choque, encontrei o quarto completamente reparado. Não apenas o quarto, mas a casa inteira parecia... completa.
Tudo o que ainda não tínhamos terminado — os detalhes minuciosos, os pequenos reparos que provavelmente nos tomariam mais um mês de trabalho árduo — estava perfeito. Era como se alguém tivesse passado a noite reconstruindo cada peça, cada cantinho, com o mesmo carinho que nós mesmos teríamos.
A primeira coisa que encontrei foi um conjunto de roupas novas no armário. As vestes tinham um toque de magia sutil, o tecido macio, de um azul profundo com bordados prateados que pareciam brilhar à luz do dia. Eu hesitei por um momento, passando os dedos pelo tecido, tentando absorver a realidade de que aquilo não era um sonho. Mas, no fim, decidi vestir as roupas. Elas se encaixaram perfeitamente, como se tivessem sido feitas sob medida para mim.
Desci as escadas, ainda em estado de choque, e me deparei com uma cena curiosa na cozinha. Drains e Car estavam discutindo, mas não pareciam zangados. Vassouras e baldes encantados se moviam sozinhos ao redor deles, limpando o chão e reorganizando os móveis, como se fosse apenas mais uma manhã normal. A casa estava viva de novo, vibrando com energia e luz, e o cheiro de café fresco preenchia o ar.
Drains me olhou de cima a baixo, percebendo as roupas novas, e depois seus olhos se desviaram para Damon, que descia as escadas logo atrás de mim, ainda esfregando o sono dos olhos e sorrindo de leve.
— Bom dia, — Drains disse, um sorriso travesso se formando em seus lábios. — Parece que você finalmente resolveu se vestir como um verdadeiro guardião.
Eu sorri de volta, balançando a cabeça, ainda tentando processar tudo. — Você viu isso? A casa... ela está terminada. — Minha voz soava cheia de admiração, quase em descrença.
Car deu uma risadinha e apontou para a mesa, onde uma carta repousava, com um selo dourado que brilhava suavemente.
— Parece que recebemos um presente dos deuses, — ele disse, pegando a carta e entregando para mim.
Eu a abri com dedos trêmulos e li as palavras escritas em uma caligrafia elegante:
"Aos guardiões e seus aliados,
Aceitem este presente como um símbolo de nossa gratidão.
Vocês provaram sua lealdade e coragem. Que este lugar seja um santuário, não apenas para vocês, mas para todos os que precisarem.
— Os Deuses do Reino Espiritual"
Meus olhos se encheram de lágrimas enquanto lia, e eu mal conseguia falar. Damon se aproximou e leu por cima do meu ombro, e quando terminou, ele colocou a mão suavemente nas minhas costas, oferecendo seu apoio silencioso.
— Acho que estamos finalmente em casa, — ele sussurrou, sua voz suave e cheia de um calor reconfortante.
Eu sorri, assentindo, sentindo um alívio profundo e uma gratidão que quase me esmagava.
— Sim, — murmurei, olhando ao redor e sentindo a energia pulsante da casa, como se ela estivesse nos abraçando de volta. — Estamos em casa.
Seguimos juntos até a cozinha, e Damon estava ao meu lado, com aquele sorriso divertido de quem ainda estava absorvendo o fato de que tudo estava completo como por mágica. Quando entramos, a visão que nos recebeu era surreal. Os pratos flutuavam suavemente, formando uma fila ordenada que ia direto para a varanda, onde Kellor estava de pé, com uma expressão curiosa, como se estivesse inspecionando cada detalhe.
Kellor apontava para os pratos flutuantes, depois para uma vassoura mágica que varria sozinha o chão, movendo-se com precisão e graça. A comida estava disposta sobre a mesa como um banquete: pães recém-saídos do forno, frutas frescas e suculentas, doces cobertos de mel brilhante, e o cheiro irresistível de café e chá quentes preenchia o ar.
— Bem, eu diria que temos um banquete divino aqui, — Kellor comentou, arqueando uma sobrancelha enquanto observava a fila de pratos voadores. — Parece que os deuses não apenas terminaram a casa, como também decidiram nos oferecer o café da manhã.
Damon riu, aproximando-se da mesa e pegando uma maçã reluzente, que ele girou entre os dedos antes de morder. — Eles pensaram em tudo, não é? — Ele olhou para mim, ainda mastigando, e deu de ombros. — Quer dizer, eu não estou reclamando.
Eu dei uma risada, sentindo a leveza no ar, algo que não sentia havia muito tempo. — Acho que esse é o jeito deles de dizer "bom trabalho". — Olhei para Kellor, que agora estava de braços cruzados, balançando a cabeça como se ainda não conseguisse acreditar.
— Nunca pensei que veria um dia em que eu seria substituído por uma vassoura mágica e pratos voadores, — ele murmurou, mas havia um brilho de humor nos seus olhos.
Car apareceu logo atrás de nós, rindo alto e se apoiando na parede. — Ei, Kellor, acho que os deuses perceberam que você precisava de férias.
— Férias? — Kellor bufou, mas o sorriso estava lá. — Quem precisa de férias quando se tem uma casa que se limpa sozinha e um banquete pronto? Acho que vou me acostumar com isso.
Eu me sentei à mesa, sentindo o calor do sol da manhã batendo no meu rosto, e por um momento, tudo parecia perfeito. Era como se o peso de tudo o que passamos tivesse se dissipado, deixado para trás junto com os destroços da casa antiga. Agora, estávamos começando de novo, e pela primeira vez, parecia que o universo estava nos dando uma chance de simplesmente ser.
Damon puxou uma cadeira ao meu lado, ainda sorrindo, e estendeu a mão para mim. — Acho que é hora de aproveitar, não é?
Eu segurei a mão dele, sentindo a firmeza e o conforto de seu toque, e olhei ao redor para todos que estavam ali, para a casa que agora era mais do que paredes e teto. Era um lar.
— Sim, — respondi, sentindo um sorriso suave se formar nos meus lábios. — Vamos aproveitar cada momento.
O silêncio da manhã foi quebrado por um grito agudo e animado que ecoou pela casa. Antes que eu pudesse perguntar o que estava acontecendo, Kellor apenas deu de ombros, tentando não rir.
— Ah, esqueci de mencionar... seus amigos chegaram logo cedo, — ele disse, balançando a cabeça. — Parece que eles já estão explorando tudo.
Antes que eu pudesse responder, Hanna apareceu correndo, os olhos brilhando de empolgação. — *Tem uma biblioteca linda!* — ela exclamou, se jogando na cadeira ao lado de Car, como se estivesse exausta só de explorar.
Evelyn e Jade surgiram logo atrás, quase falando ao mesmo tempo, suas vozes se sobrepondo. — Ainda tem um quarto só para a gente! E está cheio de roupas novas, além de livros de armas! — Jade acrescentou, animada. — E uma sala de treinamento incrível, com todas as armas espirituais que você possa imaginar.
Eu não pude evitar um sorriso, mas antes que eu pudesse fazer qualquer comentário, Sebastian entrou na cozinha, os olhos arregalados de empolgação. — Eu vi um quarto com uma televisão imensa! — Ele declarou, e eu praticamente engasguei de surpresa.
— Eles colocaram uma televisão?! — perguntei, incrédulo. Eu sabia que os deuses tinham nos ajudado, mas uma TV gigantesca? Parecia surreal.
Lucas entrou logo em seguida, rindo.
— Sim, colocaram. E ainda deram algumas roupas extras para fazermos peças de teatro ou apresentações, se quisermos. Acho que os deuses têm bom gosto para entretenimento.
E antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, senti uma mudança no ar. Um sopro frio passou pela cozinha, e, em segundos, Kai surgiu ao lado da mesa, vestindo suas roupas de ceifador. O manto negro se movia como se estivesse vivo, e ele nos olhou com um sorriso enigmático.
— Parece que cheguei na hora certa, — Kai disse, o capuz ainda puxado para trás, revelando seus olhos afiados, que brilhavam com um tom divertido. — Pelo visto, todos estão aproveitando os presentes.
Eu sorri, acenando para ele.
— Você diria que temos agora a casa mais encantada e equipada do mundo espiritual e mundano?
Kai riu, inclinando-se contra a mesa.
— Definitivamente. Mas também acho que agora vocês têm mais do que nunca para proteger. — Ele olhou para mim, e havia algo a mais em seu olhar, uma mistura de aviso e confiança.
— E você está aqui para nos ajudar a fazer isso, certo? — perguntei, e ele apenas deu um sorriso de canto, sem responder diretamente.
— Estou aqui para garantir que tudo corra bem. Afinal, eu não perderia uma chance de ver vocês em ação, — ele disse, com um brilho provocador nos olhos.
Olhei para todos ao redor da mesa, meus amigos animados, rindo e compartilhando suas descobertas. A casa estava completa, cheia de vida, cheia de esperança. E pela primeira vez em muito tempo, eu me senti preparado para enfrentar o que viesse a seguir.
Kai deu um passo à frente e, com um aceno casual da mão, suas roupas de ceifador se transformaram em uma camisa preta simples e jeans, como se ele estivesse pronto para um dia comum na cidade. Ele se virou para mim com aquele sorriso de quem sabe mais do que está revelando.
— Então, Anubis te contou ontem sobre a Escola dos Youkais, não foi? — Kai disse, e todos os olhares na mesa se voltaram para mim, cheios de expectativa e curiosidade.
Engoli em seco, mas assenti. — Sim, ele mencionou. Você veio trazer a resposta também? — perguntei, já imaginando o que viria a seguir.
Kai fez uma careta exagerada e pegou um pedaço de bacon da pata de Car, que imediatamente resmungou, batendo o pé no chão.
— Claro, fui escolhido para ser o mensageiro, como sempre. E eu também tenho que comer, Tenuki, então não reclama, — Kai disse, mastigando o bacon e piscando para Car.
— Babaca, — Car murmurou, cruzando os braços e bufando.
— E qual é a notícia, então? — Damon perguntou, sua voz curiosa. Corny, o corvo espírito, voou até ele e pousou na borda da cadeira, inclinando a cabeça como se também quisesse ouvir.
Kai limpou a garganta, fazendo um gesto teatral com a mão.
— A resposta é simples, — ele disse, com um brilho divertido nos olhos. — Damon, você vai para a escola. A Escola dos Youkais aceitou seu pedido. — Ele fez uma pausa dramática, olhando para todos ao redor antes de continuar. — E tem mais: eles pediram que alguém o acompanhasse nessa jornada, e adivinhem quem foi escolhido? — Ele apontou para si mesmo, com um sorriso convencido. — Eu. Aparentemente, os deuses acharam que um ceifador ajudando um mundano a se encontrar seria uma boa combinação.
Damon ergueu uma sobrancelha, claramente cético.
— Ah, é? E por que você, exatamente? — ele perguntou, sua voz carregada de desconfiança.
Kai deu de ombros, ainda sorrindo. — Segundo eles, porque confiam em mim.
— Bom, eu não confio em você, — Damon respondeu prontamente, sem hesitar, o que fez todos rirem.
Kai soltou uma risada alta, levantando as mãos como se estivesse se rendendo. — Foi exatamente o que eu disse a eles! Até sugeri um dos seus amigos. Um exemplo a Ramosa ou o meio-aranha, mas eles recusaram firmemente.
Eu não pude evitar uma risada, balançando a cabeça.
— Então, parece que você foi escolhido, quer a gente goste ou não.
Kai deu um passo para trás e fez uma reverência exagerada. — Isso mesmo. Então, Damon, espero que você esteja pronto, porque esta jornada vai ser... interessante.
Damon olhou para mim, depois para Kai, e soltou um suspiro dramático, mas havia um sorriso brincando nos cantos de seus lábios. — Bom, se eu tenho que ir, então vamos em frente. Só espero que você saiba o que está fazendo, Kai.
— Ah, não se preocupa, — Kai piscou para ele. — Eu sempre sei o que estou fazendo... mesmo que você não saiba disso ainda.
E assim, o clima de nervosismo se dissolveu em risadas. Pela primeira vez em muito tempo, parecia que estávamos no caminho certo, mesmo que esse caminho fosse cheio de surpresas e desafios. Mas, juntos, sabíamos que poderíamos enfrentar qualquer coisa que viesse pela frente.
Damon deu de ombros, rindo um pouco nervoso, mas seu sorriso ainda estava ali, brilhando como o primeiro raio de sol depois de uma tempestade. Eu sabia que, por dentro, ele estava ansioso — não era fácil encarar uma nova jornada, especialmente uma que envolvia memórias perdidas e um lugar tão misterioso quanto a Escola dos Youkais. Mas ele não estava sozinho, e ele sabia disso.
Kai esticou a mão para Damon, e por um momento, fiquei apreensivo, achando que ele faria alguma piada ou provocação. Mas, surpreendentemente, seu olhar era sério e cheio de uma calma que eu raramente via nele.
— Vou te ajudar — Kai disse, sua voz firme. — A encontrar o que você perdeu. Prometo.
Damon hesitou, mas então apertou a mão de Kai.
— Então, é melhor você cumprir essa promessa, — ele respondeu, tentando soar leve, mas eu podia ver o brilho de esperança em seus olhos.
Eu me aproximei deles, colocando uma mão no ombro de Damon. — Eu vou estar esperando aqui, cuidando da casa e garantindo que tudo esteja em ordem quando vocês voltarem, — falei, tentando soar confiante, mesmo que meu coração estivesse apertado.
Damon olhou para mim, e sua expressão suavizou. — Eu sei que sim. E quando eu voltar... talvez eu consiga me lembrar de tudo, não é?
— Talvez, — respondi, sorrindo. — Mas mesmo que você não lembre de tudo, vamos criar novas memórias, certo?
Ele assentiu, e eu o puxei para um abraço rápido, mas apertado. Senti o calor dele contra mim e fechei os olhos por um segundo, tentando gravar aquele momento na memória.
Kai pigarreou, balançando a cabeça.
— Ah, vamos lá, não é uma despedida para sempre, — ele disse, tentando aliviar o clima. — Só vamos dar um passeio, aprender umas coisinhas e voltar mais fortes do que nunca.
Car, que estava observando a cena com os braços cruzados, finalmente sorriu. — Boa sorte, então. E Kai... se algo acontecer com o Damon, vou pessoalmente atrás de você.
Kai riu, levantando as mãos em rendição.
— Considero isso um incentivo, Tenuki.
Hanna, Evelyn, Lucas, Jade e Sebastian se aproximaram, um círculo de amigos e aliados, todos prontos para dar apoio. Evelyn jogou os braços em volta de Damon, enquanto Hanna acenava com lágrimas nos olhos, já fazendo planos para o que fariam quando ele voltasse.
— Ei, não façam isso parecer um drama, — Damon disse, rindo. — Eu vou voltar logo. E com sorte, com mais histórias para contar.
Corny voou em círculos ao redor dele, como se estivesse dando sua própria forma de despedida.
— Até mais, rapaz, — Corny grasnou. — E lembre-se, sempre olhe para a esquerda antes de atravessar o véu.
Kai deu um passo para o centro do grupo e abriu uma pequena fenda no ar, um portal que brilhava com uma luz suave e azulada. Ele olhou para Damon, estendendo a mão novamente.
— Pronto para atravessar?
Damon olhou para o portal, então para mim, e finalmente de volta para Kai. Ele respirou fundo e apertou a mão do ceifador, dando um último sorriso para todos nós.
— Pronto.
E, com isso, os dois atravessaram o portal, desaparecendo em uma névoa azul. O portal se fechou atrás deles, e por um momento, o silêncio caiu sobre a cozinha. Eu senti o vazio de sua ausência, como se um pedaço de mim tivesse ido junto, mas também havia uma sensação de alívio e de esperança.
Kellor se aproximou, colocando a mão no meu ombro.
— Eles vão ficar bem, garoto, — ele disse, com um ronronar reconfortante. — E você também.
Eu assenti, respirando fundo e olhando para todos os meus amigos ao redor.
— É, vamos ficar bem. E quando eles voltarem, teremos uma festa esperando por eles.
Car riu, batendo palmas.
— Isso mesmo! Porque, afinal, não somos nós que vamos desperdiçar um bom banquete oferecido pelos deuses, não é?
Todos riram, e o som ecoou pela casa, preenchendo o vazio deixado pela partida de Damon. Era um riso cheio de vida, de esperança, e eu sabia que, por mais difícil que a jornada fosse, ele estaria bem. E, até que ele voltasse, eu estaria aqui, esperando por ele.
Porque essa casa, agora mais do que nunca, era um lar para todos nós.
Eu fiquei ali, olhando para o lugar onde o portal havia desaparecido, com uma névoa azulada ainda se dissipando no ar. Por um momento, tudo parecia tão calmo, quase silencioso, mas havia um vazio palpável no ambiente. Suspirei, sentindo o aperto no peito suavizar um pouco. Eu vou esperar por você, Damon, prometi em pensamento, sabendo que era uma promessa tanto para ele quanto para mim.
Quando tudo finalmente começou a se acomodar de novo, eu me permiti respirar fundo e retomar minhas responsabilidades. Não havia tempo para ficar parado; havia muito a fazer. Os youkais que vinham para cá buscavam segurança, cura e, muitas vezes, uma chance de recomeçar. Era minha missão cuidar deles, guiá-los e ajudá-los a se recuperar.
Passei a me dedicar ainda mais a essa tarefa, focando em cada detalhe, desde preparar espaços para os novos visitantes até restaurar as runas protetoras que cercavam o terreno. A casa, agora completa e viva novamente, parecia pulsar com energia renovada, como se estivesse esperando por uma nova era.
Eu sabia que a espera seria longa, que talvez houvesse momentos em que a incerteza me pesasse. Mas também sabia que não estava sozinho. Kellor, Car, Sebastian, Hanna, Evelyn, Lucas e Jade — todos estavam ao meu lado, fazendo o mesmo, dedicando-se a cuidar da casa e de seus habitantes.
E sempre que o silêncio da noite caía, e eu me sentava na varanda, olhando para o horizonte onde o portal havia se fechado, eu sentia uma leve brisa passar, trazendo consigo um sussurro suave, quase imperceptível, como se fosse uma lembrança de Damon me alcançando.
— Eu vou esperar, — murmurei para o vento, permitindo que meu sorriso crescesse, cheio de uma esperança que eu sabia que não morreria. Porque, no fundo, eu acreditava que ele voltaria. E quando o fizesse, estaríamos prontos para recebê-lo, com um lar ainda mais forte do que antes.
Até lá, eu continuaria minha missão, ajudando os espíritos e os youkais que encontravam seu caminho até aqui. E isso seria suficiente.
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Gostaram?
Até a próxima e até a historia do Damon😘
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