Capítulo Quatro
Robert Young:
Não conseguia dormir. O silêncio do quarto era sufocante, e o peso da escuridão parecia amplificar meus pensamentos. Fiquei deitado, com os olhos fixos no teto, tentando compreender o turbilhão de emoções que me invadia. Era surreal estar ali, naquele lugar que pertencia aos meus antepassados, sabendo que seus espíritos ainda estavam de alguma forma conectados a tudo ao meu redor. A cada sombra que dançava nas paredes, sentia como se uma parte deles ainda estivesse presente, observando, esperando.
Agora, eu viveria com eles, com os espíritos. Não apenas isso – eu os ajudaria com o que precisassem. Essa ideia me deixava inquieto. Como poderia eu, um simples mortal, entender e auxiliar seres tão antigos e misteriosos?
Meus pensamentos foram interrompidos por um som suave. Alguém bateu na porta. Sentei-me de imediato, com o coração acelerado. Quem poderia ser àquela hora? Caminhei até a porta, abrindo-a com cautela, mas o corredor estava completamente vazio, iluminado apenas pela luz fraca de uma lâmpada ao fundo. Estranho. Olhei para o chão e, com surpresa, notei um pequeno embrulho.
Abaixei-me devagar, sentindo uma onda de curiosidade e uma leve pontada de ansiedade no peito. Peguei o embrulho – era uma caixinha de celular. O que aquilo significava? Estava confuso, mas algo no ar me dizia que aquilo não era apenas um presente comum.
— Mas o que... — murmurei, enquanto notava um bilhete dobrado ao lado da caixinha. Minhas mãos tremiam levemente quando o abri.
"Para fazer amizade com os mortais, esse é um dos presentes dos espíritos que eram conhecidos dos seus pais.
– Nimuna."
Fiquei em silêncio, sentindo o peso das palavras. Os espíritos sabiam mais do que eu jamais poderia imaginar, e agora estavam me deixando ferramentas para lidar com o mundo dos vivos. O que mais eles teriam reservado para mim?
Fiquei intrigado, então liguei o aparelho e comecei a mexer nele com curiosidade. Devo dizer, tinha de tudo ali: desde aplicativos que eu nunca tinha ouvido falar até coisas que nem sabia que existiam. Era como explorar um mundo novo dentro de uma tela.
Fui navegando por algumas funções, meio sem saber por onde começar, e então decidi pesquisar algumas coisas. Queria ver se era possível ficar tão cansado a ponto de desmaiar no meio da escola (vai que eu precisava de uma desculpa no dia seguinte, né?). Também comecei a pensar no que eu deveria estar focado para o próximo dia. "Será que deveria revisar alguma matéria ou apenas me preparar mentalmente para sobreviver mais um dia?"
Eu me peguei rindo sozinho com esses pensamentos ridículos, mas, no fundo, estava um pouco nervoso com o que estava por vir. Afinal, o primeiro dia de qualquer coisa sempre parece um desafio gigantesco.
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Devo dizer que fui dormir por volta das duas da manhã, e só quando o sono finalmente me dominou, apaguei. Mas o que se seguiu foi uma enxurrada de sonhos bizarros. Sonhei com inúmeros espíritos. Alguns eram assustadores de arrepiar os pelos do braço, enquanto outros... bem, devo confessar que alguns eram uma fofura além do que eu poderia imaginar, quase como mascotes sobrenaturais.
— Está na hora de levantar! — Alguém gritou a plenos pulmões, e eu literalmente pulei da cama, meu coração disparado. Abri os olhos, tentando entender o que estava acontecendo, e lá estava ele: Drains, com uma cara de poucos amigos, irradiando raiva. Antes que eu pudesse processar, ele fechou os olhos com força e, de repente, ouvi um som estrondoso. Ele bateu em algo, me fazendo pular de susto novamente.
— Só fiz isso para você não perder o horário da escola! — ele resmungou, com um toque irritante de "Eu avisei".
Minha visão ainda estava se ajustando quando percebi que ele segurava uma panela. Sim, uma panela. E, para minha absoluta frustração, ele a bateu novamente com toda a força, me dando mais um susto. Ah, que ódio... esse espírito maldito!
— Sai do meu quarto! — eu gritei, a paciência se esgotando, e, como se o universo estivesse do meu lado, uma força invisível o empurrou para fora do quarto. Ele bateu com força contra a parede, e a panela caiu no chão com um estrondo satisfatório. Finalmente, paz.
Suspirei, me levantei da cama, e fui procurar alguma roupa para vestir. Mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, ouvi risadinhas. Olhei em direção ao som e vi pequenos espíritos flutuando pelo quarto, acenando para mim, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— O mestre Kellor pediu para trazer roupas para o senhor — disse uma pequena criatura em forma de carpa, sua voz leve e simpática. Eu sorri, sem saber exatamente o que responder, mas agradeci com um aceno.
E lá estavam minhas roupas, dobradas e prontas. Ao menos algo no meio dessa manhã surreal estava dando certo.
Então, resolvi me arrumar. Em poucos instantes já estava pronto. Verifiquei se as coisas estavam em ordem e, com tudo preparado, fui até a cozinha. Lá encontrei Kellor, que estava preparando o café da manhã, movimentando-se calmamente ao redor do fogão. Quando entrei, ele sorriu e me estendeu um prato cheio de panquecas fumegantes, perfeitas.
— Bom dia — disse ele, com aquele jeito tranquilo. — Vejo que o Drains te acordou.
— Com uma panela — respondi, revirando os olhos, ainda ressentido pelo modo barulhento em que meu dia começou. — Mas, me diz... onde está o Damon?
— Está com os outros espíritos — Kellor disse casualmente, como se isso fosse a coisa mais comum do mundo. Foi então que percebi que ele havia preparado café da manhã só para mim, o que me deixou um pouco confuso.
— Obrigado pelo café, está ótimo. Mas o Damon não toma café? — perguntei, desconfiado.
— Não, pelo menos não agora — respondeu Kellor, com um sorriso misterioso. Antes que eu pudesse questionar mais, pequenos espíritos começaram a flutuar na minha direção, segurando... meu celular?
Eles pareciam orgulhosos de estarem carregando o dispositivo, como se fosse um tesouro raro. Eu ri internamente, me perguntando se algum dia me acostumaria com a ideia de espíritos ajudando em tarefas tão mundanas. Quer dizer, quem precisa de despertadores ou alarmes quando tem uma legião de seres sobrenaturais prontos para te acordar com panelas e entregar celulares?
Aceitei o celular das pequenas criaturas com um sorriso meio sem graça. Eles flutuaram de volta para algum canto misterioso da cozinha, rindo e cochichando entre si, como se tivessem acabado de me fazer um favor enorme. Eu ainda estava tentando processar essa estranha nova rotina com espíritos quando voltei a me concentrar em Kellor.
— Você sabe, eu nunca vou me acostumar com isso — falei, dando uma mordida nas panquecas. — Ter espíritos entregando meu celular ou me acordando de forma tão... barulhenta.
Kellor deu uma risadinha enquanto servia mais café na minha caneca.
— É o jeito deles de interagir com você. Eles gostam de estar por perto, e cada um tem sua forma de chamar atenção, — disse ele, voltando ao fogão para terminar de preparar algo que eu não conseguia identificar. — Principalmente o Drains. Ele adora causar um pouco de confusão.
— Confusão é uma forma educada de dizer "acordei com o coração quase saindo pela boca", — respondi, tentando não rir enquanto bebia um gole de café.
Kellor se virou, me lançando um olhar compreensivo, e acenou com a cabeça como se dissesse: "Você vai se acostumar." Sério, esse homem tinha uma paciência de santo.
— Falando nisso, tem algum motivo para o Damon estar sumido? Ele não costuma ficar tanto tempo longe. — Perguntei, tentando disfarçar o tom de preocupação, mas sabia que Kellor perceberia.
Kellor limpou as mãos no avental, pensativo.
— Ele está resolvendo algumas coisas com os outros espíritos. Nada para se preocupar. Mas ele mencionou que gostaria de te ver mais tarde, quando voltar. — O tom de Kellor era tranquilo, mas algo na forma como ele falou me deixou um pouco inquieto. Talvez fosse só minha mente imaginando coisas.
Antes que pudesse perguntar mais, os pequenos espíritos reapareceram, desta vez segurando... um bloco de notas e uma caneta?
— Vocês estão muito eficientes hoje, hein? — brinquei, pegando o bloco e a caneta. Eles sorriram amplamente, se aglomerando ao meu redor como crianças esperando aprovação.
— Acho que eles estão competindo para ver quem te ajuda mais — Kellor comentou com um sorriso, claramente se divertindo com a situação. — Mas cuidado, isso pode ficar fora de controle rapidamente.
— Ótimo... Como se minha vida já não fosse suficientemente caótica — murmurei, terminando o café e me levantando.
Os espíritos me seguiram até a porta da cozinha, flutuando alegremente, e por um momento pensei em como seria estranho contar essa cena para qualquer pessoa normal. "Ah, sim, fui acordado por um espírito com uma panela e depois alguns fantasmas trouxeram meu celular e bloco de anotações. Tudo normal por aqui."
Quando cheguei à porta, me virei para Kellor.
— Sério, obrigado por tudo. Acho que vou precisar de muita energia para enfrentar o dia de hoje, — falei, já me preparando mentalmente para o que quer que viesse a seguir.
— Você vai ficar bem. E se precisar de mais café ou ajuda, sabe onde me encontrar — ele disse, acenando com a mão, enquanto os pequenos espíritos continuavam a me seguir até o corredor.
Suspirei, ajeitando minha mochila nas costas e pensando no que o dia me reservava. Mas uma coisa era certa: com espíritos intrometidos, panelas voadoras e um mentor misterioso, tédio definitivamente não estava nos meus planos.
Saí da casa o mais rápido que pude, quase tropeçando nos próprios pés de tanta pressa. Quando chequei o celular, vi que tinha um endereço da escola já anotado — aparentemente, até os espíritos se preocupavam com minha pontualidade. Desci as escadas de pedra antigas, sentindo o frio do material sob meus pés, e o ar fresco da manhã me fez despertar de vez.
Ao chegar no final das escadas, parei por um momento e olhei para baixo. Elas levavam diretamente a uma rua movimentada, o completo oposto da tranquilidade estranha que existia dentro da casa. Era como se dois mundos coexistissem, separados apenas por algumas pedras desgastadas. As pessoas passavam apressadas, seus passos ecoando no chão, indo e vindo como se cada segundo fosse crucial. Pareciam tão focadas em seus próprios problemas que ninguém sequer notou o garoto meio confuso, parado no meio da calçada.
"Como é que ninguém nota a casa bizarra de onde eu saí?" pensei comigo mesmo. Talvez eles realmente não conseguissem ver, ou talvez estivessem ocupados demais para prestar atenção.
Respirei fundo, ajeitei minha mochila e decidi seguir em frente, me misturando à multidão. O som das buzinas, conversas e o caos urbano me envolvia, fazendo parecer que eu estava imerso em outro tipo de realidade. O contraste entre o mundo dos espíritos e o mundo real nunca havia me parecido tão grande. Cada passo que eu dava parecia me afastar mais do que deixei lá dentro, mas algo me dizia que esse "outro mundo" ainda iria me alcançar antes do fim do dia.
— Vamos lá, só mais um dia comum na escola... o que pode dar errado? — murmurei para mim mesmo, ironicamente, enquanto caminhava em direção ao destino no celular.
Mas no fundo, eu sabia que, com a minha sorte, "comum" era a última coisa que aquele dia seria.
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Caminhei em direção ao endereço da escola, tentando me misturar com as outras pessoas, mas meu coração batia acelerado, como se soubesse que algo estranho estava para acontecer. E, claro, eu estava certo.
Quando finalmente cheguei ao portão da escola, fui recebido por uma visão que me tirou o fôlego por alguns segundos. A escola era gigantesca, quase como um castelo moderno, com prédios que pareciam se estender por quarteirões. O portão de ferro fundido era imponente, e o logotipo da escola, um brasão gravado no metal, reluzia sob a luz do sol. A entrada era adornada com árvores perfeitamente alinhadas, e o pátio, lotado de alunos, parecia uma pequena cidade em si.
Eu sabia que essa escola era grande, mas agora, de pé ali, parecia um mundo inteiro à parte. "Meu Deus... como é que vou me encontrar aqui?" pensei, já sentindo uma leve dor de cabeça só de imaginar as centenas de corredores, salas e andares que precisaria decifrar.
Tentando me manter firme, comecei a andar em direção ao prédio principal, onde parecia que todos estavam indo. Mas, enquanto eu caminhava, senti uma familiar e incômoda sensação de estar sendo observado. Discretamente, olhei por cima do ombro e, como esperado, lá estavam eles — os espíritos que haviam decidido me seguir. Pequenos e curiosos, eles flutuavam ao meu redor, invisíveis para todos os outros. Eu podia ver suas formas translúcidas dançando pelo ar, os olhos cheios de curiosidade, quase como crianças explorando um novo parque.
"Não é hora para isso..." pensei, tentando disfarçar. A última coisa que eu precisava era chamar a atenção dos outros alunos com meu "séquito" fantasmagórico.
— Pessoal... — sussurrei, meio entre os dentes, tentando parecer que estava falando sozinho, mas com esperança de que eles me ouvissem. — Vocês têm que parar com isso. As pessoas vão achar que eu sou louco!
Um dos pequenos espíritos, uma figura que parecia uma mistura de nuvem e bolha, olhou para mim e fez um gesto que eu interpretei como "por quê?". Como explicar para um espírito que humanos normais não andam por aí conversando com seres invisíveis?
Passei por alguns alunos que estavam em grupos, rindo e conversando, e tentei manter minha expressão o mais neutra possível, ignorando as travessuras dos espíritos ao meu redor. Um deles, aparentemente o mais atrevido, começou a brincar de flutuar em círculos ao redor da cabeça de um garoto que estava distraído olhando o celular. Segurei o riso e tentei parecer sério, mas, por dentro, estava quase rindo da cena.
— Vocês precisam ser mais discretos... — murmurei de novo, apertando o passo e tentando entrar logo no prédio principal, onde talvez conseguisse despistá-los.
Ao passar pela entrada imponente da escola, com enormes portas de vidro e mármore brilhante por todos os lados, os espíritos finalmente se aquietaram um pouco. Eles continuavam me seguindo, mas agora flutuavam mais perto de mim, como se estivessem percebendo a seriedade da situação.
Por um momento, achei que estava tudo sob controle, até que um dos espíritos resolveu se aventurar e cutucar o ombro de uma garota que estava passando perto de mim. Ela se virou, olhou ao redor, confusa, e depois continuou andando, resmungando algo sobre "gente estranha". Suspirei profundamente.
— Se isso continuar assim, não vou sobreviver nem ao primeiro dia... — murmurei, entrando finalmente no saguão principal, onde uma multidão de alunos se amontoava.
Eu só podia esperar que os espíritos, com toda a curiosidade deles, encontrassem algo para se entreter e me deixassem passar o dia em paz. Mas, com a minha sorte, sabia que isso seria pedir demais.
Com os espíritos finalmente mais calmos, fui direto para a diretoria pegar minha grade de aulas. De alguma maneira, Nimuna – o espírito que normalmente cuidava de detalhes importantes para mim – não achou necessário pegar isso para mim desta vez. Sério, depois de me acordar com panelas e me seguirem até a escola, pegar minha grade seria pedir demais?
Caminhando pelos corredores movimentados, tentei focar no que precisava fazer. Mas, é claro, o destino tinha outros planos. Quando virei o corredor para a diretoria, senti alguém esbarrar com força no meu ombro. A pancada me pegou de surpresa e, antes que eu pudesse reagir, perdi o equilíbrio e fui direto ao chão.
— Mas que droga! — murmurei, tentando me recompor. Olhei para cima e vi um cara alto, com uma expressão de indiferença, apenas me lançando um olhar rápido antes de continuar andando como se nada tivesse acontecido. Nenhum pedido de desculpas, nenhuma palavra. Só seguiu em frente.
Os pequenos espíritos que estavam flutuando ao meu redor ficaram claramente irritados. Eles começaram a brilhar levemente, como se estivessem se preparando para causar algum tipo de confusão em vingança. Eu sabia o que vinha a seguir – eles adoravam pregar peças quando estavam aborrecidos, e aquele cara seria um alvo fácil.
— Não! Nem pensem nisso! — sussurrei rapidamente, enquanto me levantava o mais rápido possível. — Se vocês fizerem alguma coisa, vai chamar mais atenção e vai piorar tudo!
Eles hesitaram por um momento, flutuando ao meu redor com olhares irritados, mas apontei discretamente para o corredor mais à frente, indicando que seguissem em frente. Relutantes, os pequenos espíritos recuaram, resmungando baixinho – bem, o mais próximo que fantasmas conseguem chegar de um resmungo.
Rapidamente, ajeitei a mochila e passei a mão pelas roupas para tirar o pó. Tentei ignorar o fato de que algumas pessoas haviam parado para olhar a cena, provavelmente se perguntando o que eu estava fazendo no chão.
— Estou bem, estou bem... — murmurei, mais para mim mesmo do que para os outros, antes de seguir em direção à diretoria.
Ao entrar, fui direto ao balcão e expliquei à recepcionista que precisava pegar minha grade de aulas. Ela me olhou de cima a baixo, provavelmente se perguntando por que eu parecia tão bagunçado, mas entregou o papel sem questionar. Finalmente, algo estava indo conforme o planejado.
Com a grade em mãos, respirei fundo e saí da diretoria, os pequenos espíritos ainda flutuando por perto, mas agora mais calmos. Eles pareciam ter aceitado a derrota... pelo menos por enquanto.
— Vamos lá, pessoal. Se vocês ficarem na linha, prometo que encontraremos algo divertido para fazer depois. — sorri, tentando acalmá-los.
Eles pareciam aceitar o acordo, dando pequenas voltas ao meu redor de forma mais tranquila.
Enquanto eu caminhava para o pátio da escola, com a sensação de que finalmente estava no controle da situação, eu só podia torcer para que o resto do dia fosse um pouco mais normal. Ou o mais perto de normal que a minha vida poderia chegar.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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