Capitulo Nove
Robert Young:
Acordei com o coração disparado, de volta ao meu corpo. Sentia um calor estranho, como se uma chama começasse a queimar de dentro para fora. Tentei me recompor, mas as lembranças do encontro com Hipnos ainda ecoavam na minha mente, misturadas com a estranha sensação de poder latente que parecia pulsar em mim.
A porta do quarto se abriu, e vi Kellor espiar com um sorriso animado.
— Vejo que já está acordado — ele disse. — Pronto para o seu treinamento com energia espiritual?
Respirei fundo, tentando deixar de lado o que acontecera nos meus "sonhos". Este treinamento poderia ser exatamente o que eu precisava para começar a entender e controlar tudo isso.
— Sim, estou pronto — respondi, determinado.
Kellor sorriu e assentiu, acenando para que eu o seguisse.
Fomos para o lado de fora, e Kellor tocou o solo com as mãos. Em questão de segundos, o chão ao nosso redor mudou, tornando-se um círculo de terra cercado por estátuas que surgiram como guardiãs em torno do espaço.
— Agora, vamos ao primeiro passo para você entender e controlar sua energia espiritual — disse Kellor.
Com a ponta do dedo, ele desenhou um pequeno círculo no ar, que rapidamente se expandiu em minha direção. Antes que eu pudesse reagir, a onda de energia me atingiu, e minha visão ficou turva. Pisquei algumas vezes, tentando ajustar os olhos, até que, aos poucos, as coisas começaram a clarear.
Olhei para Kellor, e o que vi me deixou sem palavras. Atrás dele, uma aura laranja intensa parecia fluir de seu corpo, como uma chama vibrante que se expandia em todas as direções. Era como se eu estivesse vendo sua energia espiritual pela primeira vez.
— Essa é a sua visão espiritual começando a se abrir — explicou ele, com um sorriso. — O que você vê agora é o que muitas vezes permanece oculto para os olhos comuns.
— Essa é a energia espiritual que você emana? — perguntei, ainda impressionado.
— Sim — confirmou Kellor, acenando com a cabeça. Em seguida, apontou para mim. Olhei para baixo e notei, com surpresa, uma aura dourada emanando do meu corpo. Ela não apenas brilhava, mas também parecia estar se esvaindo, vazando para o solo ao redor. Lembrei-me imediatamente do que Hipnos havia mencionado sobre minha energia espiritual "transbordando".
— Seu corpo produz essa aura espiritual sem que você perceba — explicou Kellor. — Em casos comuns, com uma energia assim, você seria considerado algo próximo a um youkai nobre ou um espírito poderoso.
Ele fez uma expressão pensativa, como se tivesse acabado de encaixar mais uma peça desse enigma.
— É por isso que alguns youkais da casa estavam especialmente bem ontem. A casa deve ter absorvido um pouco dessa sua aura, o que permitiu que eles ignorassem a presença dos outros.
Eu respirei fundo, assimilando aquilo. Então, murmurei com um leve incômodo:
— Menos o Damon.
Kellor assentiu, parecendo entender meu tom.
— Sim, Damon é uma exceção. Ele está muito mais envolvido com a casa; a energia que você oferece ajuda, mas não resolve o problema dele.
Kellor me pediu que avançasse, mas, antes que eu pudesse reagir, sua forma começou a mudar. Orelhas de raposa surgiram no topo de sua cabeça, e três caudas brancas e volumosas balançaram atrás dele.
— Você vai duelar comigo para testar seu poder — ele disse, com um leve sorriso. — Posso ser um espírito de raposa, mas vou pegar leve.
— Vou duelar... com você? — perguntei, a voz cheia de dúvida.
A ideia parecia absurda. Ele era um youkai raposa de três caudas, e tudo o que eu sabia sobre esses espíritos indicava que eram incrivelmente poderosos. Além disso, eu não tinha experiência com lutas e muito menos com o uso desse poder que, supostamente, existia em mim. Quando aquele espírito me atacou, minha energia só surgiu porque eu estava com raiva, em puro instinto.
E se ele me machucasse mesmo pegando leve? Embora Kellor fosse um cara legal, eu não tinha ideia do que "pegar leve" significava para ele.
— E se algo der errado? — perguntei, inseguro.
Kellor sorriu, calmamente.
— Eu prometo que vou me controlar — ele garantiu. — Vamos começar devagar. O primeiro que conseguir tirar o outro deste círculo de estátuas vence.
— Mas eu nunca fui treinado! Nem para combate corpo a corpo — protestei, sentindo o nervosismo crescer.
— O melhor jeito de aprender é praticando — ele retrucou com firmeza. — Isto não é uma escola. Não se pode aprender magia sentado atrás de uma mesa fazendo anotações. Só se aprende magia fazendo magia, e lutar se aprende lutando.
— Mas...
— Invoque o poder que conseguir — sugeriu ele. — Use o que estiver disponível. Vamos começar!
Antes que eu pudesse responder, Kellor avançou com uma velocidade impressionante, as garras expostas, mirando meu lado. Num reflexo desesperado, me joguei para o chão, e ele acertou o lugar onde eu estava segundos antes, criando uma pequena cratera.
Meu coração disparou. Se eu não me concentrasse e tentasse, pelo menos, acessar esse poder, não teria chance. Fechei os olhos por um segundo, tentando lembrar a sensação de quando o espírito me atacou. Senti uma leveza, algo se movendo dentro de mim, e, ao abrir os olhos, vi uma fina camada dourada de energia em volta das minhas mãos.
"Vamos lá," pensei, me preparando para revidar.
Kellor se virou e atacou com precisão, suas garras quase me cortando. No reflexo, minhas mãos se ergueram, tocando sua aura. No instante em que nossas energias espirituais se encontraram, senti algo estranho. Em minha mente, como se estivesse sendo despertada, uma chama pequena surgiu. Onde nossas auras se tocavam, o fogo se expandiu, até que senti uma onda de energia me atravessar e, antes que pudesse evitar, um grito escapou da minha garganta.
A chama brilhou intensamente por um instante, mas logo minha visão começou a turvar. O calor ao meu redor desapareceu, e me senti fraco. Caí de joelhos, abraçando meu próprio corpo, tentando não vomitar enquanto meu mundo girava.
Kellor se aproximou rapidamente, e, como se uma voz dentro de mim sussurrasse, uma palavra surgiu em minha mente.
— Gelo — murmurei, ainda sem entender completamente.
No mesmo instante, uma camada de gelo começou a se formar ao redor dos meus pés, crescendo de forma agressiva e avançando em direção a Kellor. Ele, surpreso, tentou desviar, mas uma de suas caudas foi atingida pela extensão da camada congelada.
— O que está acontecendo comigo? — murmurei, assustado e confuso.
Kellor me olhou com seriedade enquanto se aproximava, sua expressão uma mistura de preocupação e curiosidade.
— Isso não foi energia espiritual — disse ele, agachando-se ao meu lado e me ajudando a levantar. — Isso foi magia. Magia que apenas um mago é capaz de conjurar.
Aquelas palavras reverberaram em minha mente. Magia? Então, Hipnos estava certo...
— Robert, precisa ter cuidado — disse Kellor com seriedade. — Você extraiu forças de suas reservas mágicas. Usar magia dessa forma pode esvaziá-las rapidamente.
Eu me levantei com dificuldade, ainda tremendo.
— Mas eu... não deveria ter magia — respondi, confuso. Pela expressão dele, parecia algo inesperado.
— Somente magos seriam capazes de usar esse tipo de poder apenas com palavras — explicou Kellor, enquanto segurava meu pulso. Ele passou as pontas dos dedos pela minha pele, e senti sua aura espiritual se infiltrando em minhas entranhas, percorrendo minha alma como se estivesse à procura de algo oculto. Ele se afastou depois de um instante, com uma expressão pensativa.
— Existe um feitiço de contenção dentro de você... e ele está quebrado — disse ele, com os olhos estreitos.
Um feitiço de contenção? A revelação deixou meu coração acelerado. Talvez isso explicasse por que minha energia espiritual e a magia dentro de mim pareciam tão instáveis.
— Se está quebrado, então... — comecei a falar, tentando entender as implicações.
Kellor assentiu, voltando à sua forma humana e me observando com uma expressão séria.
— Bem, você possui energia espiritual e magia de um mago dentro do seu corpo e alma. Ambas são forças extremamente poderosas — explicou ele. — E provavelmente, a combinação dessas energias acabou quebrando o feitiço de contenção, especialmente depois que algo desencadeou sua percepção para ver os espíritos novamente. Foi como um gatilho que despertou seus poderes adormecidos.
Ele ficou em silêncio por um momento, sua expressão pensativa.
— Não conte isso aos outros — continuou ele. — Manteremos os treinamentos e vou ajudar você a aprender a controlar tanto a energia espiritual quanto a magia.
Assenti, sentindo um misto de alívio e apreensão. Saber que Kellor estava disposto a me ajudar era reconfortante, mas a ideia de ter tanto poder dentro de mim, sem controle total, ainda era assustadora.
— Só mencionarei a energia espiritual para o Damon e o Drains — concordei, enquanto Kellor estalava os dedos, e o cenário ao nosso redor voltava à forma original.
— Pode ser, mas lembre-se de não falar sobre a magia para Drains — aconselhou Kellor, enquanto começávamos a andar de volta para a casa. — Ele tem um passado... complicado com magos.
Segui Kellor, absorvendo suas palavras e tentando processar tudo o que havia acontecido.
— Agora, vá comer, fazer sua higiene e se preparar para a escola — disse ele, voltando ao tom prático.
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Voltei para dentro da casa e fui direto ao meu quarto, pegando uma muda de roupa antes de ir para o banheiro. Com o tempo, percebi que os espíritos que moram aqui raramente usam o banheiro destinado aos humanos, então ele costumava estar sempre vazio.
Com as roupas em mãos, corri para o banheiro, abrindo a porta rapidamente... e esbarrando direto em alguém. Levantei o olhar e dei de cara com Damon, que estava enxugando os cabelos, com nada além de uma toalha ao redor da cintura. Todo o resto... completamente exposto.
— Oi — disse ele, de forma casual, como se não houvesse nada de estranho na situação.
— Me desculpa! — gritei, sentindo o rosto arder, e me virei, saindo do banheiro o mais rápido que pude, com as bochechas queimando de vergonha.
Parei no corredor, o coração ainda acelerado, tentando recuperar o fôlego e esfriar o rosto, que ainda queimava de vergonha. Ouvi uma risada vindo do banheiro, e, ao olhar, vi Damon saindo, agora com a toalha amarrada firmemente na cintura.
— Foi mal, deveria ter trancado a porta — ele disse com um sorriso meio envergonhado. — Estou mais acostumado a colocar encantamentos para impedir que os espíritos e youkais entrem e me vejam... acabei esquecendo que agora tem outro humano morando aqui além de mim.
Ri sem jeito, tentando me acalmar.
— Tudo bem... acho que vou começar a bater na porta antes de entrar, só por precaução — falei, ainda um pouco sem jeito.
Damon apenas sorriu, despreocupado, e seguiu pelo corredor, me deixando ali com as bochechas quentes e o coração batendo rápido.
Entrei no banheiro e, desta vez, tranquei a porta com firmeza, garantindo que não haveria mais surpresas. Respirei fundo, tentando afastar a lembrança constrangedora de Damon só de toalha, e me concentrei em me recompor.
O silêncio do banheiro, agora seguro e vazio, ajudou a acalmar meu coração acelerado, e pude finalmente relaxar e focar em minha higiene.
Depois de terminar o banho e me trocar, fui para a cozinha, onde encontrei Kellor preparando algo que cheirava deliciosamente bem. Ao lado dele, uma aranha do tamanho de um ursinho de pelúcia mexia as patas com agilidade, me observando com uma expressão que parecia... agressiva.
— Esse é o Drains — disse uma voz bem ao lado do meu ouvido, fazendo-me dar um pulo de susto. Antes que eu caísse, Damon me segurou pela cintura.
— Opa! — ele riu.
— Não faça isso! — murmurei, tentando me recompor.
Damon soltou uma risadinha e apontou para a aranha.
— Como eu disse, aquele é o Drains. Ele é um youkai aranha.
— Mas por que ele está assim? — perguntei, ainda confuso com a forma nada humana de Drains.
— Esse idiota não estava se alimentando direito e gastou muita energia para manter a forma humana — explicou Kellor, sem desviar a atenção do que preparava. — Eu deveria ter desconfiado disso.
Drains, claramente irritado, retrucou com sua voz fina e aguda:
— Eu estava apenas treinando! Não precisava comer, posso treinar mais sem problemas!
Para provar que Drains estava mentindo, Kellor jogou duas panelas em cima dele. Na forma de youkai aranha, eu imaginei que Drains conseguiria segurar as panelas com facilidade — talvez até com mais destreza do que eu. No entanto, assim que ele as segurou com suas patas, elas começaram a tremer violentamente, e seu corpo inteiro tremeu junto. Incapaz de sustentar o peso, Drains acabou deixando as panelas caírem no chão, fazendo um estrondo que ecoou pela cozinha.
Kellor cruzou os braços, lançando-lhe um olhar reprovador.
— Está vendo? Você precisa se alimentar, Drains — disse ele, com um tom que misturava irritação e preocupação.
Drains bufou, claramente embaraçado e irritado por ter sido pego na mentira, mas parecia resignado, sabendo que Kellor estava certo.
Drains resmungou algo inaudível enquanto olhava para as panelas no chão, como se estivesse tentando argumentar em sua própria defesa, mas sabia que Kellor tinha razão. Ainda emburrado, ele recolheu as patas e ficou em silêncio, provavelmente esperando que a situação passasse logo.
— Pronto, agora sente-se e coma algo — disse Kellor, apontando para um prato que estava terminando de preparar. — Nada de treinamento ou brincadeiras antes de recarregar suas energias.
Drains soltou um suspiro dramático, mas acabou obedecendo, arrastando-se até a mesa na forma de aranha e começando a comer o que Kellor havia preparado para ele, embora claramente contrariado.
Damon, ao meu lado, segurava um sorriso, observando a cena com uma expressão divertida.
— E você? Vai comer também, ou precisa de uma dose de panela para entrar no ritmo? — provocou ele, lançando-me um olhar brincalhão.
Ri, tentando disfarçar a surpresa com toda a situação. Aquele ambiente peculiar e, ao mesmo tempo, tão acolhedor, fazia com que eu me sentisse parte de uma estranha e interessante "família" de seres sobrenaturais.
Assim que dei a primeira mordida, o sabor se espalhou, derretendo na minha boca, e sem querer soltei um gemido de prazer. Damon soltou uma risada ao meu lado, o que me fez dar uma cotovelada nele, ainda de boca cheia, tentando esconder a vergonha.
Foi então que ouvi umas vozinhas chamando minha atenção. Olhei para baixo e vi pequenos espíritos carregando meu celular, que tocava desesperadamente, junto com minha mochila.
— Obrigado, pessoal — agradeci aos pequenos espíritos, pegando o celular. Olhei para a tela, onde aparecia um número desconhecido, mas atendi mesmo assim.
— Alô, quem é?
— Sou eu, a Evelyn — respondeu uma voz familiar do outro lado. — Sabia que o senhor esqueceu de me passar seu número ontem?
— Como você conseguiu meu número? — perguntei, surpreso.
— A moça da secretaria me devia um favor, então pedi o número dela — respondeu Evelyn, com uma naturalidade desconcertante, o que me deixou curioso sobre o tipo de favor que a moça da secretaria devia a ela. — Eu e o pessoal estamos indo para a cafeteria agora, antes das aulas começarem, para comer alguma coisa. Vem com a gente! E nem pense em dizer não.
Olhei para Damon e Kellor, que pareciam curiosos com a conversa. Eu ainda estava mastigando a última garfada, mas parecia que não teria escolha.
— Certo, eu vou.
Limpei a boca rapidamente, peguei a mochila e me levantei.
— É o pessoal da escola me chamando para o café — expliquei, já me dirigindo para a porta. — Desculpa, Kellor, por perder seu café da manhã! Pode dar a minha parte para o Drains ou para os pequenos espíritos!
Damon soltou uma risada divertida, enquanto Kellor resmungava algo inaudível, provavelmente sobre eu não valorizar o café que ele preparou. Saí de casa apressado, descendo os degraus de pedra em uma velocidade que quase me fez tropeçar, mas cheguei ao final e entrei direto na movimentação da cidade, misturando-me à loucura do mundo humano.
A sensação era reconfortante e estranha ao mesmo tempo, como se eu fosse parte desse mundo e, ao mesmo tempo, um espectador de fora.
Corri entre a multidão enquanto olhava para o celular, onde Evelyn havia enviado a localização da cafeteria. Lembrei-me de que meus pais haviam deixado algum dinheiro para emergências, e agradeci mentalmente por tê-lo colocado na carteira dentro da minha mochila. Agora, eu poderia usá-lo sem problemas.
Segui o mapa no celular, desviando das pessoas apressadas pelas calçadas. A cafeteria não estava longe, e, com sorte, eu chegaria a tempo de aproveitar o café com o pessoal antes das aulas começarem.
Assim que cheguei à cafeteria "Javali Saangerent," percebi que o lugar era popular entre os jovens e também atraía um público mais velho. Ao passar pela porta, notei o ambiente movimentado e cheio, com um charme excêntrico que misturava elementos sobrenaturais. Em uma mesa próxima, estavam Evelyn, Hanna e Jade.
Aproximando-me, ouvi Evelyn comentando com um tom satisfeito:
— Eu falei que ele viria.
— Oi — cumprimentei. — Cadê o resto do pessoal?
— Sebastian saiu com uma das meninas com quem ele está saindo — explicou Jade, com um suspiro.
— Lucas tinha um teste na aula de teatro — acrescentou Hanna.
— E o Kai? — perguntei, curioso.
Evelyn bufou, cruzando os braços.
— Ele só se levantou e saiu sem dizer uma palavra — disse, visivelmente irritada. — Achei bem rude da parte dele.
Sentei-me e comecei a olhar o cardápio, que exibia nomes criativos com uma temática oculta e mística. Cada item parecia ter inspiração em criaturas sobrenaturais. Enquanto eu observava, percebi algo inusitado: uma parte dos clientes era... claramente não humana.
Um vampiro estava tomando um café com um rótulo que dizia "Sangue Sintético de Veado." Mais adiante, um sátiro ria de uma piada feita por um homem cheio de tatuagens brilhantes e olhos que lembravam os de uma cabra. Na fila oposta, uma mulher com um corpo que terminava em uma cauda de cobra se deslocava com graça, anotando os pedidos de uma mesa.
Uma parte de mim deveria ter entrado em choque, mas algo me dizia que o lugar tinha algum tipo de encantamento, uma névoa que impedia os humanos de notarem esses detalhes. Observei discretamente que, enquanto eu notava todas essas criaturas fantásticas, os outros humanos na cafeteria agiam com naturalidade, alheios à presença dos seres sobrenaturais ao redor.
De repente, a porta se abriu e uma garota entrou... flutuando levemente acima do chão. Ela entrou na fila como se fosse algo comum, e, para os outros, isso realmente parecia ser.
Ouvi uma risada do outro lado da cafeteria e, ao olhar, vi um rapaz coberto de pintas no rosto que acenou para mim com um sorriso malicioso. Ele caminhou em minha direção com aquele ar despreocupado, mas eu sabia exatamente quem ele era.
— Car — murmurei, quase em um resmungo, enquanto ele se aproximava.
— Ora, ora, olha só quem encontrei — disse ele, com um tom divertido. — Que coincidência te ver por aqui, Robert. Aproveitando a manhã com os amigos humanos?
Eu assenti, tentando não demonstrar minha irritação, mas não pude evitar me perguntar o que Car poderia estar fazendo ali, no meio de tantos humanos e criaturas.
Ele olhou para as meninas, que se levantaram e foram até o balcão quando chamaram por elas.
— Isso vai nos dar um tempo. Humanos dessa idade adoram ganhar algo de graça — disse Car, com um sorriso zombeteiro. — E então, o que achou do meu disfarce de adolescente humano?
Suspirei, cruzando os braços.
— O que você quer? Vai cobrar o favor pelo que me contou ontem?
Car soltou uma risada baixa.
— Claro que não — respondeu ele, balançando a cabeça. — Só estava de passagem e aproveitei para ver sua expressão ao perceber os "submundanos" que vivem por aqui.
— Submundanos? — perguntei, levantando uma sobrancelha.
Car bufou, balançando a cabeça com um ar de reprovação.
— Você realmente é ignorante — disse ele, com um tom quase paternalista. — Submundanos são os seres não humanos. Incluem os lobos, ou melhor, os metamorfos de lobos, cobras, raposas... — Ele fez uma pausa, como se decidisse o quanto deveria me contar. — Claro, há também os titãs, fadas, magos, feiticeiros, bruxas e até mesmo deuses.
— Sobre os deuses, eu já sabia — retruquei.
Car revirou os olhos.
— Mas ainda é bem ignorante, garoto. — Ele indicou os seres ao nosso redor com um aceno discreto. — Você vê espíritos, o que te permite enxergar além da Névoa que envolve o mundo mortal. Essa névoa esconde tudo o que os "mundanos" não devem ver.
Ele apontou para alguns dos submundanos ao nosso redor.
— Esses seres aqui não escondem o que são. A névoa encobre naturalmente o que eles mostram. Mas existem outros que preferem disfarçar completamente a própria natureza.
— Interessante — murmurei, ainda processando tudo.
Car olhou para as unhas, despreocupado.
— Mas as coisas mudaram nos últimos anos — disse ele. — Se depender de mim, vou me esconder e deixar o caos se espalhar. É melhor do que lidar com todo esse drama.
— Por causa do possível retorno do deus do caos em seis anos? — perguntei, lembrando do que Hipnos havia me contado.
Car me lançou um olhar surpreso, claramente impressionado.
— Nem tão ignorante assim, hein? — ele riu, mas logo ficou sério. — Sim, desde que foi revelado que ele poderia voltar, a linha tênue entre as espécies se quebrou. E não parou por aí — continuou, a expressão endurecendo. — Houve uma disputa entre o reino dos espíritos, e essa tensão está cada vez mais visível entre as outras espécies. O equilíbrio entre submundanos e mundanos nunca esteve tão frágil.
As palavras dele fizeram o ambiente ao redor parecer mais sombrio. Eu via aquelas criaturas se misturando com os humanos, mas agora sabia que essa paz aparente poderia se desfazer a qualquer momento.
— Mas sabe... um pouco de caos pode ser bem divertido — disse Car, com um sorriso travesso enquanto se levantava.
Ele me lançou um último olhar, cheio de malícia e mistério.
— Nos vemos em casa, exorcista mirim.
Com essas palavras, ele se virou e saiu, deixando-me ali, ainda tentando assimilar toda a conversa. O jeito despreocupado dele contrastava fortemente com a gravidade do que ele acabara de revelar. A cafeteria ao meu redor parecia continuar seu ritmo normal, mas agora eu via tudo com um olhar mais atento e desconfiado, como se cada criatura tivesse segredos escondidos sob a superfície.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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