Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 4 - A Grande Muralha

O sol já havia nascido quando Thereor se levantou. Terminou de arrumar seus equipamentos, vestiu sua armadura e foi acordar Chadwick. O jovem tinha coberto sua cabeça com uma pele que usava como cobertor e roncava alto. O clérigo precisou cutucá-lo com força por um tempo até que ele finalmente se levantou.

— Cedo demais — reclamou o jovem.

— Tarde demais — respondeu o paladino —, mas eu avisei que isso aconteceria. Vamos, creio que Laucian já tenha saído.

O monge se levantou, não sem uma série de resmungos. Enfim saíram, o elfo não estava ali.

— Maldito sol — Chad cobriu os olhos com a mão.

— Eu avisei — respondeu Thereor, impávido.

— Vamos viajar à noite.

O clérigo ignorou o resmungo, mandou o monge lavar o rosto na água de um barril do lado de fora e deixou quatro moedas de prata com o taverneiro, pagando a hospedagem de ambos. Seguiram para a saída que ia para o sul e encontraram o bardo sentado em uma cerca, os esperava dedilhando seu bandolim.

— Bom dia, Laucian! — o paladino se demonstrou feliz ao vê-lo. — Resolveu nos esperar?

— Sim. Já faz um tempo que estou aqui. Prontos?

Olharam de relance para Chadwick, ele esfregou os olhos e ajeitou com os dedos os cabelos desgrenhados e molhados.

— Comprei um pouco de pão e carne seca — continuou o sacerdote, apontando para uma bolsa que levava — Comemos no caminho, não quero que nos atrasemos mais.

O elfo olhou para a bolsa de comida, porém o que chamou sua atenção eram as vestes de Thereor. No dia anterior, ele vestia apenas um manto negro típico de um sacerdote, contudo hoje ele parecia mais um guerreiro divino, de fato, um paladino. Vestia uma cota de malha com pequenos anéis de ferro entrelaçados. Acima dela, um peitoral feito de placas de metal enegrecido e polido, claramente de alta qualidade, mas que já tinha visto sua parcela de combate. Preso nas ombreiras havia uma capa negra mostrando orgulhosamente em azul claro o símbolo de Dien. Seu escudo estava preso às costas e de cada lado da cintura pendia uma arma. Do lado esquerdo a pesada maça de guerra e do lado direito uma pequena foice, arma ritualística dos servos da deusa dos mortos.

Quando o havia visto na noite anterior, Laucian havia deduzido que Thereor era um capelão ou um membro ativo de uma congregação, talvez até o responsável por construir um templo de Dien em Florensia. Agora, no entanto, não só suas vestimentas, mas também seu porte o mostravam como um orgulhoso guerreiro calejado. Apesar da armadura possuir algumas marcas de combates passados, cada peça de metal reluzia como se estivesse recém saída da forja.

— Vai mesmo viajar trajando esta armadura pesada, senhor? — quis saber Laucian — Não é muito incômodo?

— De fato é bem incômodo — concordou o paladino —, contudo dá muito trabalho remover as placas de metal, mais ainda colocá-las. Sempre preciso de ajuda e é demorado. Se formos atacados na estrada, tenho que estar preparado. Quanto ao peso, já estou acostumado.

Já o monge chamava mais atenção pelo tanto que falava e pela maneira de andar desleixada. Era conhecido que monges não se importavam em ter bons equipamentos ou em acumular riquezas, assim como também costumavam ser mais retraídos, mas Chadwick parecia fugir da última regra. Usava a mesma camisa da noite anterior, sem nem se preocupar com as manchas de sangue ainda presentes, ou com as partes rasgadas. A roupa claramente não era adequada para os ventos frios de Florensia, que mesmo no verão eram suficientes para arrepiar a pele ao fim do dia. O monge resmungava quando era acometido por golfadas e arrotava alto para irritar Thereor. Já acostumado com o jeito debochado de seu pupilo, o clérigo apenas o entregou uma camisa nova, igual a antiga, exceto pelas mangas mais longas. Sem se importar muito, Chadwick trocou a roupa enquanto caminhava e comeu um pedaço de pão, não fazendo nenhuma das tarefas corretamente.

O trio seguiu calmamente pela estrada rumo a Ancelon. Dividiam espaço com eventuais caravanas e viajantes que iam na mesma direção. A estrada permitia apenas uma carruagem por vez, de maneira que grandes comboios de carroças se formavam atrás das mais pesadas e lentas, puxadas por bois, aguardando um ponto em que a ultrapassagem não oferecesse o risco de quebrar uma roda.

Laucian e Chadwick contavam novamente para Thereor os eventos da noite anterior. Agora sem uma platéia, o bardo tentava responder de uma forma mais precisa às perguntas do paladino, mas era constantemente interrompido pelos rompantes de empolgação do monge. Ali o bardo apenas respondeu questionamentos e não enalteceu feitos heróicos.

— Nem sempre você vai ter alguém por perto para te salvar, Chadwick. Você deve planejar melhor antes de agir. Se Laucian não tivesse intervindo, neste momento eu estaria sozinho e levando o seu corpo para ser enterrado.

— Senhor, não precisa se preocupar tanto. Eu sempre consigo dar um jeito. — Ele sempre tratava Thereor com um respeito que era incomum para seu jeito informal. — Além do mais, eu já tinha visto o Lucian entrando com aquele arco e tinha certeza de que ele se levantaria contra os orcs.

— Pela última vez Chadwick, o nome dele é Laucian! — disse Thereor já impaciente.

Laucian sabia que Chadwick não tinha percebido que, antes de ajudá-lo, ele havia tentado escapar. Sentia um pouco de vergonha disso e preferia deixar este detalhe de lado.

A caminhada prosseguiu lenta. Precisaram parar para encher os cantis mais do que o normal, parte por causa do calor crescente, parte por causa da ressaca do dia anterior. Felizmente, nenhum perigo, como bandos de orcs ou ladrões de estrada, apareceu. Laucian esperava que, em algum lugar no mesmo rumo, Anita estivesse tendo a mesma sorte. O sol se escondia no horizonte quando encontraram uma caravana de comerciantes acampados. Iam na direção oposta, rumo ao norte. Ao notar a presença do paladino, chamaram o grupo para se juntar a eles durante a noite. A bênção divina em momentos turbulentos, mesmo que de uma deusa às vezes vista como agourenta, era apreciada.

Ao redor da fogueira, a conversa seguiu leve e alegre. Os grupos trocavam notícias de suas origens e destinos. Os comerciantes diziam que as estradas mais ao norte da capital estavam seguras para as grandes caravanas. Os orcs eram encontrados em bandos pequenos e não se atreviam a atacá-los. Já para o sul e para o leste as notícias não eram tão agradáveis, grandes torres de fumaça negra indicavam que o exército invasor pilhava fazendas e pequenas vilas.

Thereor e Laucian os alertaram sobre alguns grupos ao norte e Chadwick completou com a história animada da luta no Touro Manco. Contou de forma excitada, repetindo os golpes à frente da fogueira, indo e voltando nos acontecimentos, pois sempre esquecia algo. O bardo, percebendo que sua ajuda era necessária, tomou as rédeas da narrativa e as contou como havia feito na taverna. Os ouvintes receberam a história com sorrisos, euforia e aplausos no final.

Quando Laucian descreveu Anita, um dos homens à frente da caravana mencionou que havia visto alguém parecido neste mesmo dia. Citou que ela acompanhava uma família de fazendeiros, provavelmente indo para Ancelon para vender sua safra. Sem parar sua história, Laucian satisfez-se em saber que a jovem estava acompanhada e que estava segura.

Os três se ofereceram para se revezar na guarda noturna, assim conseguiram uma noite tranquila. Ergueram-se logo antes do alvorecer, preparados para um ritmo mais acelerado que o do dia anterior. Despediram-se dos viajantes e continuaram para o sul.

Andaram por todo o dia sem grandes paradas e ao entardecer começaram a vislumbrar a massiva cadeia de montanhas no limiar do horizonte. Era a Grande Muralha de Ancelon.

Várias estradas menores se uniam à estrada principal, que agora ficava cada vez mais movimentada. Destas vinham comerciantes, soldados, aventureiros, nobres, fazendeiros, todos em direção à capital e seus arredores. A maioria caminhava, alguns vinham à cavalos, outros com lentas e pesadas carroças puxadas por bois. Traziam colheitas, pertences valiosos que eram levados para dentro das muralhas e até orcs presos em jaulas. Avistaram cerca de meia dúzia destas carroças com os prisioneiros.

— Conversei com algumas pessoas, parece que o número de ataques de orcs nas estradas e pequenas vilas do norte tem aumentado bastante — comentou Laucian, preocupado.

— É exatamente por isso que você vê tanta gente indo para Ancelon — respondeu Thereor, com severidade. — Ouvi dizer que apareceu um líder que uniu todas as tribos em um grande exército. Eles espalharam notícias pelo reino, convocando todos de sua raça a se juntarem e parece que estão conseguindo. Vários orcs que passaram a vida trabalhando em Ancelon se revoltaram, juntaram-se em bandos e agora seguem para os acampamentos deixando uma trilha de destruição. Muitas pessoas agora têm buscado proteção na capital, alguns até se alistam no exército.

Laucian, que fora a Florensia buscando escapar da guerra, agora entendia que de fato uma grande cidade murada poderia ser a opção mais plausível. Continuaram o caminho, o silêncio sendo quebrado apenas em alguns momentos, por alguma canção ou por Chadwick que queria conversar com as pessoas na estrada. Thereor seguia sempre à frente, com feições mais sérias. Só falava algo quando se irritava com as exaltações do monge ou precisava trocar informações com outros viajantes.

Habituado à vida na estrada, Laucian dialogava com mercantes no caminho. Um deles, um ourives que vinha em uma carruagem rápida puxada por dois cavalos e um carregamento considerável, ofereceu compartilhar seu transporte e estadia em uma estalagem na estrada em troca de proteção. Thereor não apreciava se portar como um mercenário, mas aceitou já que isso os pouparia tempo de viagem. Chadwick, por outro lado, aceitou com prazer já que estava farto de tanta caminhada.

Pararam ao anoitecer em uma estalagem na beira de estrada. Era pequena, suja e escura, uma pequena placa cheia de musgos na porta indicava o nome, Osso do Cão. Estava lotada e caótica, mas a presença do paladino serviu para diminuir os conflitos. Não havia espaço para todos, tampouco comida o suficiente e cada um improvisou um canto onde repousar. Thereor conduziu uma pequena benção para alguns devotos do lado de fora.

Era gente demais para pouco espaço, barulho demais para que alguma música fosse ouvida e homens demais para poucas prostitutas. O proprietário atendia mal humorado a qualquer um que se aproximasse do pequeno e disputado balcão, servindo apenas comida fria e sem sal ou cerveja aguada em canecas de barro sujas. Laucian, Chad, Thereor e o ourives passaram a noite na carroça, para garantir que nem a carga nem os cavalos seriam roubados.

No dia seguinte, as montanhas no horizonte ao sul pareciam ainda mais altas.

— Então essa é a Grande Muralha — deduziu Laucian.

— Sim — confirmou Thereor. — Nunca veio até a capital?

— Não, só conheço as histórias. Costumava viajar mais pelo norte, para o sul da floresta, apenas conheço Reidren — admirou novamente as montanhas. — Sempre ouvi falar que era uma defesa natural formidável, presumi que era um exagero. Conhecendo-a agora, me parece realmente fazer jus ao que se diz delas.

— Não é exatamente intransponível, mas se aproxima disso. Desde que a cidade foi erguida, ainda não sofreu uma invasão bem sucedida.

Chadwick coçava a cabeça esperando que alguém finalmente explicasse esta história, mas perdeu a paciência e resolveu perguntar.

— Que grande muralha é essa?

— É como chamam a cadeia de montanhas que vemos à nossa frente. Daqui podemos ver apenas uma parte dela — explicou Thereor — Ela faz um semicírculo, e Ancelon foi erguida exatamente no centro, protegendo de grandes ataques e deixando apenas a parte sul exposta em uma grande planície.

— Então nós vamos ter que dar a volta nessa montanha inteira? — berrou Chadwick revoltado — Ou escalar?

— Não, garoto — respondeu o ourives que estava sentado ao lado de Thereor, conduzindo os cavalos — Claro que não. Existem túneis sobre a montanha. Ao norte, leste e oeste. De outra forma o comércio seria inviável na região.

— Cavaram um buraco debaixo da montanha? É seguro?

— Pare de choramingar! — disse Thereor, irritado — este túnel foi construído há séculos pelos anões. É seguro e firme, como qualquer coisa feita por eles. Mostre a mesma coragem que demonstrou em combate.

— E por falar em combate — disse Laucian —, achei bem interessante o seu estilo, Chad. Mas fiquei curioso, porque os monges não usam armas nem armaduras?

— Nós não precisamos dessas coisas. Só nos atrapalham.

— E lá vamos nós — sorriu Thereor, antes do jovem continuar.

— Meus punhos são treinados para serem letais como um martelo de guerra — Chad exibia suas mãos, cheia de calos e marcas.

— Acredito nisso, ainda assim, não acho que seria eficaz e nem inteligente socar um escudo ou um guerreiro com armadura de metal. Além disso, se utilizasse uma armadura, mesmo que leve, poderia te dar mais segurança.

— Uma armadura só te protege se você for atingido, além de te tornar um alvo mais lento e por confiar na proteção, você acaba ignorando seus instintos de combate. Eu sei que qualquer golpe pode ser fatal, então treinei para estar sempre alerta e me esquivar de qualquer coisa, imprevisível em meus movimentos. Em comparação com uma arma, lhe digo, sou muito mais eficiente assim. Poucos guerreiros têm destreza suficiente para usar armas em ambas as mãos e menos ainda arriscam golpes com a mão desarmada. Dessa maneira, fica muito fácil prever de onde vem um golpe. Até mesmo seu arco, posso prever onde as flechas vão desde o momento em que são disparadas. — O monge ficou de pé na carruagem e começou a mostrar alguns movimentos de ataque. — Posso atacar com os pés, joelho, cotovelo, punhos, cabeça, por cima, por baixo... — Demonstrava um golpe com cada parte que citava. — Cada parte do meu corpo é uma arma letal. Treino assim desde criança. Thereor me deixou no mosteiro e agora achou que era hora de eu finalmente sair de lá e colocar tudo isso em prática.

— Isso explica por que você está tão ansioso — Laucian riu. Ele provavelmente estaria assim se tivesse passado anos preso em algum lugar.

Continuavam com o ourives, que aprendia a apreciar mais a companhia dos jovens que não paravam de falar, principalmente de Laucian que tinha a voz agradável e conseguia manter qualquer assunto interessante. Na metade do sexto dia desde que saíram de Florensia, avistaram um grande túnel por baixo da Grande Muralha. Ao longe, parecia pouco mais que um ponto negro sobre a vastidão cinzenta das rochas, mas à medida que se aproximaram, viram que eram arcos gigantescos esculpidos na própria pedra. Não era belo como construções élficas talhadas detalhadamente em madeira ou prático como as humanas. Laucian reconheceu a arquitetura típica de anões: forte, resistente, centenária e enigmática. Em suas viagens à região nordeste do reino havia visto ruínas com a mesma arquitetura rústica e dura que datava da época em que os anões ainda se misturavam às outras raças, eles eram os únicos capazes de cortar rocha bruta com tanta precisão.

Havia uma guarita na entrada do túnel com guardas que observavam atentamente cada um que passava por ali. Chadwick pensava que aquele era o trabalho mais chato que um soldado poderia ter. Ele queria lutar na guerra, mas acima de tudo, queria ser um aventureiro.

— Porque você não se alista Lucian? Já vimos que nós dois lutamos bem juntos.

Laucian, meio sem jeito, respondeu:

— Não foi bem assim, Chad. Não sou um guerreiro, sou um andarilho. E, honestamente, se Anita também não tivesse aparecido, nós dois estaríamos mortos.

— Que seja! Ela foi para a capital, então também deve se alistar. Nós três ficamos próximos na guerra e acabamos com eles.

— Acho isso pouco provável...

A ideia de ficar próximo a Anita novamente despertou algo no elfo, por um momento ele se pegou pensando em um outro encontro com a elfa, mas logo voltou a realidade e viu que a chance de isso acontecer era remota.

— Fico feliz em querer minha companhia em mais uma batalha Chad, mas não é este o motivo pelo qual vim para cá. Vou ficar na capital, em segurança, conhecê-la e desfrutar do que ela tem de melhor. No máximo, se for realmente necessário, posso disparar umas flechas de cima do muro.

O túnel era bem largo, movimentado, com grandes tochas iluminando toda a sua extensão. Era longo e fazia algumas curvas suaves, impedindo aos viajantes saber se estavam próximos de sua saída. Havia guardas que faziam rondas pelo interior do túnel e ao mesmo tempo trocavam as tochas velhas que se apagavam.

Saíram do túnel depois de mais de meia hora andando vagarosamente em seu interior. Ficaram levemente ofuscados com a luz natural e, após seus olhos se adaptarem à claridade, avistaram uma bela cena bucólica. Pastos se estendiam por grandes distâncias, tudo ainda sobre a sombra da Grande Muralha. Ao longe, já se via destacada verticalmente a grande torre central do castelo onde residia o Rei Kellidor III, assim como a linha cinzenta das muralhas da capital. Ao redor delas, uma imensa planície, pequenas vilas e vastas plantações se estendiam até onde os olhos conseguiam ver, dando ao lugar uma sensação idílica.

Outros dois castelos menores existiam na planície, murados e com casas ao redor. Cada um tinha uma guarnição que era encarregada de proteger os túneis e a região próxima. Um deles ficava ao sudoeste da capital e abrigava a guarda responsável pela proteção do túnel oeste e a passagem para o sul. O outro fica na região nordeste, mais próximo de onde vieram e protegia os túneis norte e leste, além da região entre eles. A capital ficava centralizada, tinha quase cinco vezes o tamanho deles. Muros grandes e fortes, uma cidade enorme dentro deles e um castelo que poderia ser visto de qualquer lugar daquela planície. Ancelon era o nome do reino e também da capital. Tudo começou na colina mais alta daquela planície, onde o castelo e a cidade alta foram erguidos e o reino se expandiu, primeiro na região interior da grande muralha e depois dominando todo o oeste do continente chamado Namagem.

Além de bem protegida, aquelas terras eram férteis e irrigadas pela água pura que escorria de nascentes vindas da montanha, formando pequenos rios. Eram terras muito valorizadas, de posse de grandes nobres.

Mas isso havia mudado nos últimos tempos. Antes, os moradores se sentiam seguros e acolhidos pelas montanhas protetoras, porém mais e mais orcs apareciam espreitando nos picos. Nunca chegaram a descer, mas apenas a ameaça existente já era suficiente para banhar os campos com tensão e medo. Os proprietários de terra ao sul, foram os primeiros a levar suas coisas para dentro do castelo sudeste ou para a capital, pois podiam ver focos de incêndio que subiam das terras além dos limites da Grande Muralha, indício de que tropas inimigas percorriam o território pilhando e destruindo.

Em uma das pequenas vilas rurais, se despediram do ourives, que iria para o castelo mais ao norte, e seguiram por mais meio dia de viagem a pé, cruzando toda a área rural até chegar aos portões da grande cidade. O movimento era intenso e chegava a ser formada uma grande fila de pessoas que tentavam entrar. Pedintes imploravam por comida ou moedas, mas alguns pareciam se distanciar de Thereor. Sacerdotes da Juíza dos Mortos eram frequentemente evitados, pois muitos os consideravam arautos de maus auspícios, o paladino, além disso, se vestia como um senhor da guerra, fazendo muitos abaixarem suas cabeças em sinal de respeito. O primeiro a se aproximar foi um garoto de no máximo oito ou nove anos e parecia faminto. O clérigo lhe deu um pão inteiro e o garoto respondeu com uma desajeitada reverência. Aos poucos, mais e mais foram vindo, e por fim Thereor e Chadwick haviam dado toda a comida que carregava consigo.

Laucian, que seguia atento a tudo, perguntou:

— Thereor, a área rural desta cidade é enorme, como pode haver tanta gente com fome?

— Excesso de pessoas. Em uma região tão populosa como esta sempre vai haver famintos. No entanto, estamos em guerra. A maioria dos recursos é destinada ao exército. Some isso tudo à superlotação da cidade devido a todos que se refugiaram aqui.

— Tá vendo, Lucian! Se você se alistar no exército não vai passar fome. Será que agora se convenceu?

Laucian e Thereor já nem tentavam corrigi-lo mais.

Ainda era dia, contudo o sol já havia se escondido pelo alto horizonte a oeste da Grande Muralha quando finalmente conseguiram passar pelos portões da cidade. O que mais se destacou a Laucian era como tudo parecia sujo e decadente. Estava assustado com todo aquele movimento e caos e se sentia sem rumo no meio de tanta gente. Pessoas apressadas trombando umas nas outras, ruas estreitas e escuras, gritos de vendedores e pedintes se misturavam. Se sentiu como em uma enorme estalagem abarrotada de pessoas estressadas. Por pouco não perdeu Thereor e Chadwick de vista, mas o paladino lhe gritou.

Seguiram até uma praça larga e com várias luminárias que começavam a ser acesas. Era um espaço grande e aberto que conseguia suportar o grande movimento sem a confusão das ruas estreitas. Entulhos de barracas destruídas e lixo eram a principal decoração e possuía no centro um chafariz de mármore que já fora branco e agora estava esverdeado devido ao lodo. Pessoas se empurravam para conseguir um espaço para coletar a água que não parecia ser das mais limpas. Irritado Chadwick perguntou:

— Que merda de confusão é essa?

— As coisas já estão piores do que eu achei que estariam. A cidade está cheia demais. Vamos nos manter próximos.

— Creio que seria melhor buscarmos uma estalagem para passar a noite — sugeriu Laucian.

Thereor concordou, já estava tarde e ele poderia resolver seus assuntos na manhã seguinte. Chad se animou. Pensava que iria se despedir de Laucian ali mesmo, o elfo era o mais próximo do que ele poderia chamar de amigo desde que saiu do mosteiro.

Foi difícil encontrar uma estalagem que houvesse vagas, no fim, pararam na estalagem Gato Negro, famosa por sua cerveja barata e de qualidade duvidosa. Thereor deixou bem claro para Chadwick que estavam indo unicamente para dormir, sem festas, pois no outro dia precisariam acordar cedo para não perder tempo. O forte clima de despedida entre eles fez as coisas mudarem. Sentaram-se no balcão e beberam uma última caneca de cerveja. Laucian não tirou seu bandolim, no Touro Manco havia conseguido moedas o suficiente para algumas semanas de hospedagem, se limitou a contar algumas boas histórias para seus companheiros e para o taverneiro.

Thereor e Chad começaram a sentir o peso do sono e não tardaram a ir para o alojamento, que novamente era um salão sujo e repleto de montes de palha forrada por cobertas de lã de ovelha. Antes, porém, o clérigo se despediu do bardo.

— Laucian, que Dien tarde a lhe buscar — despediu-se com uma benção — Obrigado pela companhia.

— Agradeço, senhor.

— Ainda queria estourar a cara de alguns orcs com você, venha conosco amanhã! — pediu Chad.

— Obrigado, amigo. Mas amanhã meu caminho seguirá um rumo diferente do de vocês. Desejo toda a sorte na sua aventura. Um dia farei uma canção sobre ela.

A noite foi desconfortável e quente. Dividiam o espaço com todo o tipo de gente. Cachorros latiam e brigavam pelo lixo na rua. Bêbados mijavam e cantavam próximo à janela do alojamento. Acordaram com uma discussão durante a noite entre um homem que acusava outro de ter lhe roubado enquanto dormia. Guardas particulares da estalagem levaram os dois para fora. Não viram Laucian por perto e Chad se entristeceu ao pensar que o bardo já havia seguido seu rumo.

O elfo, na verdade, havia visto uma jovem que lhe chamou a atenção. Ela dividia a mesa com outro homem jovem e um casal mais velho. Quando percebeu que o bardo a fitava, ela não conseguiu mais desviar seu olhar. Logo que teve uma chance, Laucian se aproximou. Seu nome era Valentina e estava hospedada com sua família em um quarto particular, mais caro, no andar de cima. Os dois subiram para ficar à sós e horas depois foram surpreendidos por um grito. A mãe de Valentina cuspia ofensas quando a encontrou sobre o bardo na cama do quarto. Laucian apenas teve tempo de pegar seu bandolim, puxar sua capa que enrolava todas as suas roupas e pular a janela, antes que fosse agarrado pelo pai e o irmão da jovem.

Ao amanhecer, esperou que Thereor e Chadwick saíssem para se esgueirar até eles. O elfo tinha perdido sua espada, seu arco e sua bolsa de moedas, mas ao menos tinha as roupas e seu instrumento.

— Bom dia, amigos! Pensei melhor durante a noite e vou segui-los até a Cidade Alta. Pode me inspirar ver tantos guerreiros se preparando para a batalha — mentiu o bardo. Na verdade ele temia ser encontrado pela família da jovem e tinha certeza de que Chad o defenderia caso isso ocorresse.

Partiram em direção à principal praça da capital, localizada na região central.

Além de cercada por mais um muro, o nobre centro de Ancelon ficava em uma região mais alta em relação às outras áreas, por isso era chamada de Cidade Alta. Era uma parte mais limpa, clara e organizada da cidade, com valas para o escoamento de água, azulejos de pedra em algumas ruas e estátuas de mármore em pequenas praças. Nenhum mendigo, muitos guardas, aventureiros bem equipados, grandes tavernas, estalagens e comércio de itens bem trabalhados e caros.

Thereor viu alguns rostos conhecidos e os saudava, dentre eles, sacerdotisas de Dien e clérigos de outras divindades. Chadwick observava atentamente os guerreiros e fazia comentários com Laucian sobre qual ele achava mais forte. O bardo admirava tudo aquilo com um misto de curiosidade e deslumbramento. Já havia narrado várias histórias heróicas, mas era a primeira vez que se via em um lugar onde estas podiam, de fato, acontecer.

Na praça central existia um tablado de madeira suspenso onde era possível ver um homem alto vestindo uma armadura completa e reluzente. O homem estava de pé segurando um elmo adornado com uma crista de plumas azuis. Tinha uma espada longa com o punho bem trabalhado com fios de ouro e prata embainhada no lado direito da cintura e a partir das ombreiras de sua armadura descia uma capa azul exibindo um grifo branco em voo, o símbolo da família real de Ancelon. Com certeza era um homem com alta patente no exército.

À frente do palanque, cinco homens sentados em mesas individuais realizavam o alistamento dos guerreiros. Qualquer um, mesmo não sendo um soldado treinado, poderia simplesmente pegar suas armas e lutar, porém o alistamento garantia que sua família receberia o seu pagamento caso ele morresse, mas também os obrigava a jurar lealdade a algum nobre ou duque e obedecê-lo durante a guerra. À frente de cada uma das mesas havia imensas filas formadas por homens e alguns elfos.

Alguém no meio da fila mais à direita chamou a atenção de Laucian. De longe viu o movimento dos cabelos negros e a cota de malha brilhante. Apesar de tê-la visto apenas um par de vezes, era inconfundível. Suas mãos suaram frio, talvez sua canção continuasse afinal.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro