Ele me tocou
Ninguém nasce doente, nos tornamos impuros conforme conhecemos o mundo.
Minha história, começou como qualquer outra, de um homem comum, que cresceu e viveu em meio às leis de Deus. Porém, a parte assustadora da vida, é que tudo pode mudar de uma hora para a outra, um dia, você tem uma casa, família, amigos, uma vida normal, mas no outro, sente como se não existisse e talvez a morte fosse um destino muito menos cruel que minhas migalhas de existência.
Tudo começou com uma simples coceira, uns formigamentos, e dores aqui e ali, até que as manchas apareceram, a coceira não cessava, a pele engrossava, e feridas dolorosas sangravam sobre meu corpo.
Apresentei-me ao sacerdote como manda a lei, ele, por sua vez, mandou-me que ficasse isolado por sete dias, tempo suficiente para que eu pensasse, orasse e, talvez, refletisse que, no fundo, merecia passar por aquilo...
O que será que fiz para chegar a esse ponto? Isolado do mundo como um impuro, será que essa maldição fluiu do meu interior? Será que foram meus pecados que apodreceram minha carne? Já não sabia nem mais o que pensar, até o último dia implorei para que as manchas desaparecessem, mas elas se espalhavam com rapidez.
*-"IMPURO!"*
Declarou o sacerdote.
Minhas roupas foram rasgadas, meus lábios cobertos, e fui expulso de minha casa, minha família, minha sinagoga...
A vida de um leproso é dolorosa, vagamos sem rumo, sem destino certo, comemos do pó da terra, e sofremos apenas por nos aproximar de alguém, mesmo sem querer. Dói ser tratado assim.
Nem me lembrava mais como era ter uma refeição, comer comida fresca, sentar em uma mesa, ou simplesmente não precissar esconder-me, de vergonha ou de medo de ser morto, por simplesmente existir.
Desejei muitas posses, tesouros, poder, algo que não tem valor diante de sensações simples, que só entendemos quando perdemos. Respirar o ar puro, sentir a chuva pingar, mastigar um macio pedaço de pão sem sentir o estômago arder de fome, ou a pele endurecer como o couro de um animal.
A cada dia, meus pedaços iam caindo pelo chão, mas ainda assim, sonhava com o dia em que pudesse ter uma simples converssa com alguém, ser visto diferente, talvez, só uma única vez.
Com a fome, era preciso me humilhar, arriscando minha própria vida, por uma migalha de pão.
- Por favor, senhor, tenho muita fome, tenha piedade!
Dizia aos viajantes que cruzavam as estradas.
Sempre mantinham distância, eu até me ajoelhava prostrando o rosto em terra, e uma vez ou outra, lançavam um pedaço de pão em mim.
Eu os devorava sujos, esperando engolir a poeira e o barro, e por fim, sentir-me um pouco mais saciado. Mas o normal, era ser recebido de maneira hostil.
- "LEPROSO MALDITO! Não se aproxime, ou irei matá-lo"!
Mesmo ficando distante, sem demonstrar ameaças, muitos me acertavam com pedaços de pau, lançavam seus cajados de madeira, ou me apedrejavam, aumentando ainda mais minhas feridas.
A corrida pela vida se torna cruel na lepra, muitos desistem, e vivem perigosamente, ameaçando famílias e surpreendendo pessoas em troca de seus bens.
Um simples abraço era fatal.
Apesar de toda humilhação e dor, nunca desejei me tornar assim. Vagava sem rumo, e sonhava na esperança de acordar totalmente limpo, talvez me apegando na ideia que tudo não passava de um pesadelo, do qual, eu estava prestes a acordar.
No frio das noites, esperei dormir eternamente, mas não sabia ao certo meu destino.
Será que Deus receberia um homem como eu?
Uma fagulha se acendeu com um boato, um novo Messias que andava pelas ruas das cidades, caminhei na esperança de ouvir mais alguma informação, e parei quando encontrei um cego a beira do caminho.
Mantendo distância, perguntei.
-Olá, o que faz aqui na beira do caminho?
- Estou esperando o Messias passar! Respondeu ele.
- Ah... entendo, esse suposto "Messias" que tanto falam por aí?
- Não é um boato! Esse é o Filho de Deus! Ele tem andado de cidade em cidade, e curado todos que vão até Ele com com fé! Seu poder vem do próprio Deus!
Respondeu-me entusiasmado.
- Je...Jesus, não é mesmo?
Perguntei.
- Sim! Pretende encontrá-lo também? Perguntou-me o cego.
- Um Messias que cura e anda por estradas? Não deveria Ele ser o libertador? Mas... o que o Messias iria querer comigo? Respondi cabisbaixo.
- Ora, meu jovem, acho que ainda não entendeu, o Messias é um homem simples, do povo, Ele tem curado pessoas, e perdoado todos os seus pecados, Ele vai passar aqui, em breve!
- E acha que Ele me receberia? Já fui a tantos sacerdotes, levitas, e outros que se diziam filhos de Abraão e não me fizeram uma simples oração.
- Dizem que Jesus aceita todos que vão até Ele, basta crermos. Suas palavras fizeram-me esperançoso, confesso.
"Crer"... mas que palavra interessante. Pensei.
Despedindo-me do cego decidi encontrar esse Messias, afinal, se eu só precisava "crer" como ele disse, o que custava?
Caminhei por muitas estradas, seguindo os boatos por onde Ele passaria, até, finalmente, O encontrar.
Ao longe podia se ver a multidão, discípulos, e pessoas desejando que Ele as curassem, também. Se olhassem pra mim, apedrejariam-me até a morte, sem nem dar tempo de correr.
Esperei, fiquei escondido e, tomado por uma intrepidez, tomei a decisão de falar com Ele, em um pequeno minuto O observei.
Uma voz ecoava dentro de mim e dizia que eu seria rejeitado, como fui por inúmeras vezes, que seria morto pela intolerância e apedrejado pela ilusão.
Em contrapartida, às palavras que ouvi daquele cego, davam-me certeza que Aquele, verdadeiramente, era o Messias. Fui para uma decisão, ou morreria pela multidão, ou receberia vida nova.
Em um instante corri, e prostei meu rosto em terra, ainda um pouco do Mestre. Uma multidão se formou a minha volta, caos, e muitas ameaças, alguns pegaram pedras pelo chão, outros cajados e adagas.
- IMPURO!
- É UM IMPURO! Eles gritavam.
Todos, até mesmo seus discípulos, olhavam-me com desprezo e raiva, por quê com o Messias seria diferente? Talvez, eu mereça estar passando por isso, talvez, eu seja mesmo, o impuro que todos falam.
As inseguranças, medos e a certeza da rejeição, levaram minhas esperanças, mas ainda me restava um pouco de fé.
"- Senhor, se quiseres, bem podes limpar-me."
Lucas 5:12
Com o rosto no chão, esperei pelas pedras ou por uma palavra profetizada, mas o som que ouvi foi da terra se mexendo lentamente com os calmos passos dEle em minha direção, um a um, Ele se aproximou, e O pude sentir.
Ele me tocou! Pude sentir o calor e gentileza de suas mãos, mal podia acreditar, depois de tanto tempo, alguém estava tocando em mim.
Ele me levantou da terra e olhando no fundo de meus olhos lacrimejados, disse:
*"- Quero, sê limpo."*
Lucas 5:13
Meus olhos apenas o admiravam, enquanto minha pele, que nessa altura já estava com lesões profundas, começava a mudar, a multidão ficara assustada ao O verem tocar um homem impuro, mas, o que não imaginavam, é que a pureza de Jesus foi suficiente por me purificar.
Assim, meus machucados cicatrizaram e com o tempo, toda a pele ferida, tornou-se limpa, as dores cessaram, e meu corpo podre se tornou instantaneamente saudável, em um simples piscar de olhos.
A alegria que transbordava em mim, era muito maior que a cura, jamais alguém havia me tocado assim, perguntava-me como agradecer adequadamente a tão grande amor e bondade.
*- "Não conte a nada a ninguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote, e oferece pela tua purificação, o que Moisés determinou para que lhes sirva de testemunho."*
Lucas 5:14
Não entendi ao certo o porquê dessa ordem, mas, mesmo assim, decidi obedecer, depois de louvá-lo, corri para a minha nova vida.
*- EU FUI CURADO! ESTOU LIMPO!*
Gritei aos quatro cantos.
O sacerdote, então, saiu do acampamento e indo ao meu encontro, fixou seus olhos em mim e admirado ficou com o que estava vendo.
*- Como? Você estava cheio de chagas.* Disse ele.
*- Jesus me tocou! Ele me tornou limpo!*
O sacerdote, ainda desconfiado, não conseguia crer no que havia acontecido. Após um longo silêncio, examinou-me e deu tempo para que eu voltasse com as ofertas determinadas por Moisés, e então começasse a purificação.
Dias após, levei até ele duas aves vivas puras, junto com ofertas de madeira de cedro, carmesim e hisopo. A madeira de cedro, era firme e servia de lenha para o sacrifício, o carmesim, por sua vez, era um tecido tingido com uma espécie de corante, difícil de ser retirado, e o hisopo, uma erva de doce fragrância que era servida como incenso ao Senhor.
Das duas aves, uma era sacrificada, ou seja, morta em meu lugar, pagando com a vida por meus pecados, seu sangue era aspergido sobre mim e minhas ofertas, já a outra ave, viva, era solta, representando a minha própria liberdade.
Depois disso, poderia me tornar um homem livre, trocar de roupas, aparar minha barba, tomar um banho, como um homem comum.
Por sete dias, ainda, era necessário que eu ficasse para fora da minha tenda, e no oitavo, retornava com mais dois cordeiros, sem defeito, e uma cordeira de um ano também sem defeito, com três jarros da melhor farinha amassada com óleo, como oferta de cereal, e uma caneca de óleo, tudo isso como oferta, para agradecer ao Senhor por minha purificação, nessa altura, coisa insignificante para mim, se comparada a vida que havia acabado de receber.
Os cordeiros, são sacrificados, e com sangue e óleo, o sacerdote teria que ungir meus dedos polegares das mãos, dos pés, também a ponta de minhas orelhas e com o que restar do óleo, ele derramaria sobre minha cabeça, dessa vez, em santificação ao Senhor.
Quando somos verdadeiramente limpos, todas as trevas saem de nossa vida, e tudo se clareia novamente.
Pude ter de volta minha família, trabalho, viver como uma pessoa digna e ajudar outro, como eu estava anteriormente, mesmo que com pequenos pedaços de pão.
Por fim, tornei-me uma pessoa muito carinhosa e grata aos pequenos momentos e gestos que fazem parte do nosso cotidiano.
Abraçar o próximo, tornou-se rotina para mim, mas dentre todas as bênçãos e milagres, a maior, foi a oportunidade de ter uma nova vida e ser um novo homem.
A única e principal honra, veio, não da cura, mas dos segundos da troca de olhares, da aceitação e principalmente do toque que o meu Senhor me deu.
Você, caro leitor, pode receber esse Toque na sua alma, também, basta pedir, crendo. Ele assim fará.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro