~ Capítulo 5 ~
Capítulo 5
Finalmente seus pais haviam aparecido. Não sabia se sentia alívio, principalmente porque seus pais já pareciam bem convencidos de que ela seria uma Al Bir e ponto final. Jamile suspirou tristemente.
Estavam sendo dias tristes trancada naquele quarto. Agora conseguia entender o conto que lera pequena chamado Rapunzel, onde uma jovem vivia solitária do alto de um castelo sem contato com ninguém, sem o que fazer. Seus dias eram idênticos. Repletos de uma nostalgia do que achou que tinha com Amin e se perdera, enfurnados em livros – as únicas coisas que aparentemente a família Al Bir deixava chegar de entretenimento para ela – e também as refeições que ela fazia sozinha de modo quase enfadonho.
Recebia visita do seu noivo duas vezes por dia. Ao amanhecer ele vinha perguntar como ela estava e o que precisava para aquele dia seguindo para o trabalho. A família Al Bir era dona de alguns hotéis salpicados por aquelas regiões e também donas de petróleo. Aparentemente, Khaled tinha muito trabalho. Normalmente, ele a visitava também a noite, já depois das oito. Aparentava quase sempre ter chegado essa hora e deseja-lhe boa noite limitando-se a perguntar se o dia dela tinha sido bom. Era um relacionamento tão frio quanto o Alasca, pensava Jamile.
Sua sogra, por sua vez, sempre a deixava sair do seu cativeiro para um chá as seis. Tudo bem que ela era seguida por multidões de guardas e todos pareciam muito curiosos, interessados nela, fazendo perguntas aleatórias, mas Jamile esquecia de tudo isso porque era o único momento que tinha para analisar o mundo longe de quatro paredes, olhando para o sol despontando no horizonte e pedindo para que os outros dias fossem melhores do que o que ela estava vivendo.
Os dias, ainda assim, não mudavam. Já estavam próximos de dar uma semana quando seus pais finalmente apareceram. Entraram ambos no quarto e Jamile que não esperava a visita, deitada na cama lendo um livro qualquer, pulou de exultação abraçando os pais efusivamente e sentindo as lágrimas que durante toda a semana ficaram reclusas.
― Baba! Mama! ― Chamou enquanto os abraçava forte.
― Oh, minha filha... ― Disse seu pai seguido de sua mãe.
Quando os ânimos finalmente estavam mais calmos, passaram a conversar em voz baixa. Seu pai ainda lamentava a infeliz sorte de sua filha, mas sua mãe já parecia recuperada do baque pensando sob outros aspectos.
― No fim, Jami, foi melhor para você. Conhecemos o crápula com quem você estava lidando. Aquele Amin... Como pode fazer isso com você? ― Jamile estava era feliz que os Al Bir não estivessem ouvindo sua mãe falar. Poderiam dar a ideia de que sua mãe sabia ou no mínimo aceitou que sua filha tivesse fugido com outro homem que não o prometido.
― Mama... ― Jamile estava sem palavras.
― Bem, de qualquer forma, é bom que agora você seja uma Al Bir. Mesmo que vierem a te tratar como um cachorro, Jami, os cachorros daqui são bem melhores tratados do que nós população, então você vai ficar bem. ― Sua mãe tagarelou e no fim deu tapinhas na coxa de Jamile como que para dar-lhe motivação. Jamile quase não acreditou.
― Está chegando o dia, minha filha... ― Disse seu pai sem qualquer emoção. O pior foi ver sua mãe continuar:
― Jami, mesmo que ele te trate mal, não ouse voltar, ouviu bem? A nossa condição não é boa e já estamos mal falados com o seu sumiço. Ainda bem que os Al Bir contornaram dizendo que você estava aqui. E trate de dar um filho para Khaled. Assim você assegura o seu papel como primeira esposa.
― Primeira esposa? ― Jamile estava transtornada.
Com Amin, já estava acertado de que ela seria a única esposa que ele teria. Ainda que Amin tivesse boas condições, manter mais de uma esposa custava caro e Amin preferia muito mais a monogamia. A simples ideia de que Khaled fosse adepto da poligamia, ainda que fosse aceito pelo profeta, enervava cada nervo de Jamile que, criada como filha única, nunca havia gostado muito de dividir as coisas que eram suas.
Mesmo as coisas que eram suas que ela odiava. Como Khaled.
Respirou fundo enquanto olhava para o teto e assentia. Pensaria numa forma de impedir que Khaled tivesse outras noutro momento. Não era uma pessoa ruim, pelo contrário, seu temperamento era dócil. No entanto, era bem capaz de fazer o que quer que fosse para conseguir o que queria.
Talvez mutilar Khaled fosse uma opção. Sabia que tinha uma parte no homem que era responsável por dar prazer e filhos. Se descobrisse qual era poderia...
― Jamile. ― A voz de Khaled estragou a sua linha de pensamento a fazendo fechar a cara imediatamente. A verdade é que não queria vê-lo antes do casamento nunca mais, contudo, a forma como ele a encarava sério parecia motivo o suficiente para que ela se levantasse da cama, se despedisse dos pais e se colocasse a frente do homem esperando o que quer que ele fosse a dizer.
― Venha. ― Foi a única coisa que ele falou e Jamile suspirou baixo. Antes, se assustou quando Khaled a empurrou para uma outra porta anexa ao seu quarto e empurrou-lhe uma abaya e um hijab deixando-a sozinha e dizendo que a aguardaria se trocar.
Depois de alguns minutos, Jamile voltou a segui-lo com a testa franzida. Se necessitava usar o véu poderia estar saindo da propriedade ou indo ao encontro de visitantes. Jamile torcia para o primeiro caso. Fazia muito tempo que ela não saia.
Suas ideias se fizeram ouvidas. Sorriu ao perceber que Khaled a encaminhava para um carro. Entrou se fazer muitas perguntas e Khaled se acomodou ao seu lado. Quando se puseram em movimento, conseguiu perguntar:
― Para onde nós vamos?
― Para um café no hotel Jihad na cidade ao lado. ― Jamile assentiu. A aldeia onde morava era bem pequena. Havia uma cidade há alguns quilômetros de distância da aldeia onde morava que costumava ser o paraíso de muitos Sheikhs. Era um paraíso afrodisíaco, pelo que as pessoas falavam, com adoráveis monumentos, cafés deliciosos e piscinas para turistas que gostavam de se aventurar. Jamile só imaginava, já que nunca tinha se aventurado em algo do tipo. Ainda assim, a curiosidade falava mais alto:
― O hotel... é seu?
― Sim. ― Khaled limitou-se a ignorá-la enquanto voltava a olhar para o tablet que carregava consigo. Jamile, mesmo assim, continuou:
― O que vamos fazer lá? ― Khaled bufou.
― Você não sabe ficar um pouco quieta? Estou tentando fechar negócio. ― Jamile se calou. Ainda não conhecia Khaled. Não sabia do que ele era capaz. Não poderia testar o homem. Ele poderia não ter a repreendido ainda depois dela ter fugido, mas ele poderia muito bem querer o fazer naquele momento, por exemplo, e Jamile não estava nada a fim de descobrir.
O resto do percurso foi feito em silêncio. O motorista corria muito, mas o Al Bir não parecia preocupado com isso, muito embora Jamile estivesse. Quando finalmente avistou uma linda construção no meio do deserto, com colunas gigantescas espiralizadas como dos livros de mitologia grega que ela chegara a ler, Jamile pensou que aparentemente haviam chegado no destino final.
Khaled saltou a puxando para fora. Jamile franziu o cenho quando entraram num grande salão vazio onde um homem e uma mulher tomavam chá ajoelhados de frente a uma mesa bem baixa. Quando os viram, ambos se levantaram rapidamente para cumprimentar Khaled.
― Senhor Al Bir, que a paz de Alá esteja contigo. ― Disse o homem.
― Com você também, Ibrahim. ― O homem assentiu.
Jamile aproveitou a deixa para analisar melhor o homem que os cumprimentava. Era já velho, o cabelo escasso, ainda que a barba fosse bem avantajada com fios grisalhos emoldurando-a. A tez escura e os olhos também negros indicavam a sua origem mais ao sul do país.
― Esta é Isa. ― Disse o homem apresentando a mulher ao lado. Jamile então observou a mulher.
Não devia ter mais do que quarenta. A tez também escura, os cabelos escondidos no hijab. Tinha as sobrancelhas bem espessas e negras, mas os olhos amêndoas eram os mais gentis que tivera visto até então. Deu uma vênia para os dois como se os cumprimentasse e como respeito Jamile já ia fazendo o mesmo, mas Khaled a parou a meio caminho encarando-a sério e brabo.
― Você será uma Al Bir. Não faça isso. ― Repreendeu-a. Jamile ficou sem fala.
― Que a paz de Alá estejam com vocês, meus donos. ― Disse Isa gentilmente. Jamile ficou novamente sem fala. Poderia Isa ser...
Khaled calou a sua linha de pensamento a respondendo:
― Isa será a sua escrava pessoal, Jamile. ― Surpresa. Ainda existia isso por ali?
Jamile ouvira boatos de que a escravidão só havia acabado no papel, que na vida real isso ainda acontecia e as famílias ricas muito se aproveitavam dessa condição, mas não sabia que isso realmente era mais do que só boatos. Ver Isa se sujeitando a ser sua escrava pessoal fez o seu coração apertar-se por inteiro enquanto ela engolia em seco e olhava noutra direção que não da senhora em situação tão humilhante. Khaled não se importou, continuando:
― Ela fará qualquer coisa que você a pedir e cuidará de você a partir de agora. Podemos assinar o contrato, Ibrahim?
― É claro, senhor Al Bir. ― Os homens se afastaram das vistas de Jamile para dentro do hotel e Jamile sentiu o seu coração errar uma batida ao encarar Isa mais uma vez.
― Você... Sabe por quanto está sendo vendida? ― Perguntou Jamile num tom baixo e quase inaudível. Isa a compreendeu.
― Pouco mais de quinze mil dólares. ― Jamile arregalou os lábios.
― Só isso? Quer dizer... É uma vida... ― Jamile não sabia o que falar.
Uma vida não deveria valer tão pouco, ou deveria? O que deveria ser mais uma vida ou mais quinze mil dólares para um homem rico como Khaled? Nada, provavelmente. Ainda assim, Jamile sentiu uma compaixão imensa por Isa, pois ainda que em condições muito adversas, ambas estavam fadadas a destinos que não mereciam, presas a pessoas, Isa como escrava, Jamile, metaforicamente, se sentia assim também.
Isa estava presa a Jamile, mas Jamile estaria sempre presa a Khaled assim que se casasse. Um destino cruel. E por isso mesmo, compartilhado.
― Eu nunca vou te tratar como escrava, ouviu bem? ― Jamile comprimiu um lábio sobre o outro olhando para os lados a procura do seu futuro marido antes de apertar as mãos de Isa entre as suas. ― Seremos apenas amigas, tudo bem? ― Isa apertou as mãos de Jamile gentilmente antes de afastar-se.
― Muito obrigada pela gentileza, Senhorita. Que Deus a abençoe nesse casamento. ― Disse Isa com lágrimas nos olhos aliviada e ao mesmo tempo muito emocionada.
Mal se afastaram e Khaled voltou. Tinha um vinco de preocupação na sobrancelha, mas ao perceber que Jamile não tentara fugir mais uma vez, abriu um comedido sorriso antes de buscar o braço da noiva e acomodá-lo sobre o seu saindo do hotel para o carro novamente.
― Muito bem, Jamile. Viu como não é difícil ficar ao meu lado sem fugir? Vou te mostrar, no futuro, que você poderá vir até mesmo a apreciar a minha presença. ― Jamile não o respondeu. Não somente porque duvidava que isso fosse realmente possível, mas porque tentara olhar com cuidado para traz só para perceber que Isa os seguia comedidamente para o que seria o seu novo lar.
Esse é um dos maiores capítulos desse conto! O bom é que no próximo capítulo chegamos à metade dele e espero concluir logo! Estou escrevendo o capítulo 7 ainda, por isso não consigo ainda dar uma estimativa de quantos faltam, mas por enquanto o que sei é que será um conto com menos de 15000 palavras. Talvez uns 15 capítulos ou menos...
Espero que estejam gostando! Infelizmente, há coisas que escrevo que ainda são realidade na nossa sociedade atual... (Não de um país específico, a gente sabe disso né...)... Cabe a cada um de nós tentar fazer a nossa parte para mudar... Vamos ver o que a Jamile vai fazer da parte dela para mudar isso ;)
OBS: A FOTO acima seria como a Isa seria, só que a Isa real seria mais negra... É mais o olhar dessa moça que me fez lembrar o olhar de Isa... ^^
Até a próxima!
Bjinhoos
Diana.
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