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Rei?


Agora... Fico de pé sobre a areia fofa e seca. Meus pés descalços acariciam cada grão que se espalha pelo chão da arena. Meu peito nu recebe uma brisa fria da noite que se aproxima. À minha frente, perto do tronco de carvalho banhado de escarlate, o carrasco me observa pelos buracos de sua mascara negra enquanto amola seu machado.

À minha esquerda, um homem equilibra uma cabeça decepada ao lado de outras três numa banqueta longa de madeira escura. Há espaço para mais uma...

Olho para baixo, para minhas mãos e para meus pés que agora são arranhados pelos grilhões de ferro enferrujado que os prende. Aquilo me lembra de meu aprisionamento nas masmorras do castelo e de toda a tortura que ali me foi outorgada.

Olho ao meu redor, para a plateia que me assiste, me vaia e me amaldiçoa nos assentos da arena de pedras rubras. Olho para o rei, que me assiste sentado no alto, em sua grande cadeira de madeira vermelha. Olho para o homem baixo e calvo, de barba grisalha, de pé ao seu lado, enfurnado em uma armadura e com o olhar repleto de um misto de orgulho e vergonha. Pergunto-me se eu tenho direito de culpá-lo pelo que fez. Eu, que por ganância pretendia ir tão longe a ponto de assassinar um rei, e ele, que por dever foi capaz de entregar seus companheiros para salvá-lo. Mas pode um traidor realmente condenar outro?

Desvio o olhar do homem e fito o céu, agraciado pelo laranja do pôr-do-sol.

O homem que segura o machado diz algo, mas tudo soa como murmúrios aos meus ouvidos. Mesmo assim, sei que devo dar um passo à frente. Coloco-me diante do tronco de carvalho esculpido de modo que um pescoço possa descansar ali.

Caio de joelhos. Os grilhões de ferro enferrujado tilintam e isso me lembra outro som, um que para mim soava doce, mas transmitia a dor de almas inocentes.

Olho para frente. Nunca saberei por que olhei para aquele lugar da plateia, para aquele assento, onde uma figura raquítica coberta por manto e capuz negros se sentava. Nunca saberei se foi apenas minha imaginação que me fez pensar que ela ria. Uma risada esganiçada e conhecida.

Coloco minha cabeça sobre o tronco de carvalho e posso sentir o sangue ainda quente dos que foram antes de mim. Meus longos cabelos negros caem sobre o líquido viscoso, mas eu já não me importo mais. Meus olhos azuis são refletidos na poça vermelha abaixo do apoio de madeira. E eu espero.

O carrasco se aproxima. Ouço cada um de seus passos. Ouço o rangido de sua luva de couro quando ele aperta mais o cabo do machado. Ouço o homem grunhir ao levantar a pesada arma sobre a cabeça.

Dizem que quando você está prestes a morrer, toda sua vida passa diante de seus olhos. É mentira. Nem toda. Somente seus pecados são revisitados. Toda maldade desferida por suas mãos. Todas as pessoas injuriadas por sua causa. Um lembrete de que o paraíso não te espera.

Ouço a lâmina do machado cortar o ar. Mesmo de cenho baixo ainda olho para frente, para a figura raquítica de manto negro que ainda sorri. Pergunto-me se depois que meu corpo for jogado aos corvos, ela abrirá meu peito e comerá meu coração amargo.



Fim



* * *

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