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● Capítulo III - Equitação ●




ANNELISE! — caí no chão com o susto que tomei.

Sento no chão frio e sinto meu corpo inteiro arrepiar, esfrego as costas das minhas mãos sob os olhos de maneira urgente até conseguir por fim enxergar uma tutora furiosa vestida de azul.

— Café. Rainha. Atraso — disse com pausas e acho que estou entrando em pânico.

— Tem como ser mais um pouquinho direta? Quer dizer, acordei agora — sorri fraco.

— Você está atrasada para o café da manhã com a Rainha — vociferou tão furiosa quanto minha mãe estaria.

— Acho que este está bom — Olívia sai de detrás da porta do guarda roupas. 

Ela vem caminhando em nossa direção analisando um vestido salmão tão bordado quanto o dia anterior. Olívia me sorri de sua maneira dócil tentando dissipar a fumaça que saia das "ventas" de minha tutora que agora mais parecia um dragão furioso.

— Se vista mocinha e não demore mais do que cinco minutos — Astrid sai batendo os pés com certa ira e bate por fim a porta.

— Ela está... — Olívia está atônita.

— Furiosa — completo. 

Visto o vestido que cai perfeitamente em mim como se houvessem tirado minhas medidas para fazê-lo, Olívia puxa as duas partes da cordinha e aperta o corpete fazendo com que eu tenha a sensação de estar perdendo o ar.

— Está sem ar?

— Um pouco — respondo quase sem conseguir respirar.

Olívia puxa novamente a cordinha com mais força que antes e quase posso sentir os fios fundirem com meu corpo.

— E agora está sem ar?

— Agora estou meus pulmões chegam a arder — respondi um tanto amarga.

— A beleza dói, Lady. 

Fico completamente indignada com o que acabo de ouvir, isso é completamente fora da sanidade mental. Um quase suicídio. Acho tola a ideia de que uma mulher tem que ter cintura finíssima, é ridículo. Um dia espero que as coisas mudem e que nós possamos ser exatamente quem somos sem corpetes, saltos altos, cabelos presos para não mostrar volume... Isso é injusto.

Inclino o corpo para frente em busca de algum lugar para sentar, estou morrendo, não consigo arfar direito de tão apertado.

— Se apresse — Astrid vocifera do lado de fora.

Levanto com dificuldade e acelero meus passos até a porta agarrando a saia do longo vestido espalhafatoso demais para o meu gosto.

— O cabelo — ouço Olívia dizer, mas prefiro ignorar.

Bato a porta e encaro o olhar furioso de Astrid e assustado do soldado Ravaner e só assim percebo o quão belo ele parece ser. O cabelo negro suado escorregava por sua testa misturando com a sobrancelha grossa, os olhos acinzentados me encaram com dúvida, os lábios estão grudados, as mãos postas uma de cada lado do corpo e o uniforme cai perfeitamente em seu corpo nada atlético.

— O cabelo está horrível — Astrid diz e me acordo do transe em que me encontrava.

Passo os dedos entre os fios separando os cachos enquanto minha tutora furiosa me conduz pelo corredor, ela fala algo sobre se comportar e não falar nada mais que o necessário.

— Não fale quando não perguntarem, não coma antes que a Rainha começa o desjejum dela, não olhe para frente, não olhe para os lados — virou-se bruscamente de frente a mim — Resumindo apenas respire — voltou a andar — Na verdade tente respirar de uma maneira elegante.

— Tem algo que eu possa fazer?

— Tem. Obedecer e jamais questionar. 

Tremo com a resposta, nunca havia conhecido alguém tão elegantemente assustadora como Astrid Corbiére.

Os guardas abrem a porta da sala de jantar e adentramos. Artemis passava freneticamente as mãos na saia do vestido, o cabelo rebelde preso em uma trança raiz lateral, os olhos cravados na mesa enorme e farta.

Sento de frente ao rapaz da noite anterior, abaixo minha cabeça, mas posso sentir o olhar dele queimar meu rosto e isso me deixa ainda mais constrangida.

Ouvimos a porta ranger um pouco e nossos olhos instintivamente fincam na Rainha que entra mais deslumbrante que nunca vestindo um enorme vestido negro, o cabelo solto cascateia em seus ombros. Se não fossem as olheiras, nem daria para pensar que agora ela sofria com a morte de seu esposo.

— Bom dia — ela sorri docemente enquanto se senta e todos assentimos sem falar nada. 

Rainha Helena faz sinal para que comecemos a comer e isso me deixa muito alegre, agarro-me urgentemente a uma fatia de bolo de cenoura e recebo um olhar reprovador de minha tutora.

Logo terminamos, pois Astrid havia me deixado comer apenas uma fatia do bolo de cenoura e uma fatia de mamão. Injusto, eu sei. Tanta gente com fome e uma mesa farta como essa não pode ser desfrutada.

A Rainha bate com suavidade na taça de cristal e atrai os nossos olhares para ela. Ela parece um tanto nervosa, então coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha e consigo ver nitidamente duas alianças em seu dedo e suponho que uma delas seja de seu falecido esposo.

— Vocês suas sabem cavalgar? — pergunta.

— Sim, sou uma esplêndida amazona — Artemis se gaba. 

Eu apenas balanço negativamente a cabeça e isso gera risinhos entre Artemis e suas duas novas amiguinhas.

— Só por curiosidade — a Rainha se vira em direção a Artemis — Diga-me a motivação que seus pais tiveram para lhe dar esse nome.

— Eles dizem que é pela deusa Artemis da mitologia grega — a prepotência parece sair pela boca dela em forma de palavras — Sou uma caçadora nata — arqueia a sobrancelha.

— Você deseja ser uma rainha ou uma deusa? — posso sentir o jogo da Rainha.

— Talvez ambos.

— Nesse Reino só se acredita em um Deus e jamais profane quanto a isso — Helena, melhor dizendo a Rainha Helena, coloca as mãos cruzados em seu colo.

— Sim, minha Rainha — Artemis abaixa a cabeça aterrorizada. 

Deixo escapar um risinho, não posso deixar de me alegrar ao vê-la tão frágil.

-— Algum problema senhorita Green? — tremo.

— Não Majestade, perdoe-me — coro violentamente.

— Pode contar-me sobre a história de seu nome? — pergunta.

— É simples, minha avó se chama Anneth e minha mãe Elise e então resolveram fundir os nomes dando Annelise — respondi calmamente.

— Sua avó e sua mãe devem ser boas mulheres.

— Claro que sim, uma costureira e uma dona de casa — ouço Artemis cochichar com sua tutora, ambas riem. 

Fecho os punhos debaixo da mesa e posso sentir os olhos do rapaz me analisarem.

-— Sua avó é costureira? — a Rainha questiona.

— Era, agora está doente e não pode mais exercer a função — abaixei a cabeça tentando impedir que as lágrimas escorressem.

— Conte-me sua história — pediu.

— Se eu contar dirá que estou tentando ganhar isso me fazendo de coitada — respondo.

— Boa resposta — ela sorri para mim — Vou precisar que você escolha uma das duas para ser o instrutor de equitação — se dirigia ao rapaz.

Todos nos levantamos, vejo a Lady Freya — tutora de Artemis — cochichar algo e ambas olham para o rapaz que caminha em minha direção.

— Lady Green — ele me reverencia e eu faço o mesmo. 

Todos se afastam de nós, somos os últimos da fila desorganizada, fico um tanto desconcertada ao ser acompanhada por ele.

— Pode me contar um pouco sobre você? — ele pede.

— Por que quer saber? — retruquei.

— Apenas estou tentando fazê-la se sentir mais confortável — havia sinceridade em sua sentença. De alguma maneira senti isso.

— Por onde começar? — mordo o lábio inferior.

— Nome completo e idade.

— Meu nome completo é Annelise Celine Green e tenho vinte anos.

— Fale sobre você — me olhou de canto de olho — Cor favorita, a flor que mais gosta, o motivo de sua avó não costurar mais... Esse tipo de coisa — deu de ombros.

— Eu amo verde, e tenho fascínio por botões de rosa — suspirei.

— Botões de rosa? Não deveria ser a rosa?

— Prefiro os botões porque é dali que tudo começa, a rosa é o estágio final, mas o botão... Ele me traz esperança de que assim como ele desabrocha e vira uma enorme rosa perfeita — suspiro — Um dia minha vida desabrochará — expliquei.

— Bonito pensamento.

— Minha avó ficou doente, ela não anda, não come direito, não fala mais, não ouve direito e perdeu o movimento de uma das mãos — as lágrimas arderam em meus olhos.

— Sinto muito — parecia sincero — Você tem pais? Irmãos?

— Claro que tenho pais — forcei um riso baixinho — Minha mãe vende as verduras que planta no nosso quintal para que sobrevivamos, meu pai perdeu o pouco que tinha nas tabernas e meu único irmão foi um herói — e mais uma vez as malditas lágrimas.

— Qual deles você escolhe? — olho confusa — Os cavalos — esclarece.

— Ah sim, nem percebi que já havíamos chegado. 

Um dos cavalos fica extremamente alterado com nossa presença, de repente ele para quando é tocado por James.

— Escolho esse — digo.

— Ela é muito temperamental, arredia e quase indomável — avisou-me.

— Gosto de desafios — eu menti.

— Não diga que não avisei, ela só gosta de mim.

— Qual o nome dela?

— Ainda não escolhi — acariciou o focinho dela.

— Então para começar, como posso te chamar? — sorri.

— Me chame apenas de James — respondeu.

Logo já estávamos prontos para a aula, James estava confiante e eu extremamente assustada.

— Você precisa compreendê-la — James começou — Jamais subestime a égua e jamais demonstre medo, você é e deve ser superior a ela. 

O moreno caminhou até mim, colocou suas mãos na minha cintura e eu tremi involuntariamente, ele me impulsionou e eu subi na égua. Não sei se deve temer mais a égua ou a sensação que tive ao sentir James me tocar.

— Annelise você está me ouvindo?

Balancei a cabeça afastando os pensamentos e afirmei com a cabeça sem conseguir formar uma frase.

— Endireite a postura, fique reta isso a torna mais elegante — disse — Respire fundo e segure firme.

Agarrei-me ao cabresto, endireitei a coluna e olhei para o meu instrutor que fazia a égua dar pequenos passos, ele soltou o cabresto vagarosamente e agora estava sozinha cavalgando devagar, mas então a égua se descontrolou por algo que não reparei e começou a pular como louca, as imagens borradas mostravam James gritando, a Rainha espantada e Artemis e as amigas rindo de mim.

Depois disso senti apenas um baque enorme, minhas costas doeram e depois tudo era uma escuridão infinita.


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