8. Mais chá?
- Mais chá, alteza?- Servi a menina com um sorriso amistoso.
Era fofo brincar à hora do chá com D. Francisca.
- Oh, por favor, lady Helena.- Ajeitou o cabelo aos caracóis da boneca.- Eu e a senhora Wilson agradecemos.- Servi-a.
- Quereis mais chá, vossa graça?- Perguntei por simpatia a Lara.
- Estou bem, obrigada.- Esta mulher estava a apanhar um tédio enorme.- Peço permissão para me retirar, alteza.
- Concedida!- Respondeu bastante animada.
Com isto a Távora saiu. Fresquinha!
- Idiota!- A menina revirou os bonitos olhos castanhos enquanto bebericava o chá.
- Alteza, não é bonito dizer isso nas costas dos outros.- Repreendi e vi como ficou vermelha.- Bonito é dizer na cara e ver a cara de virgem ofendida com que fica.- Bebi o meu chá tranquila.
- Creio que nos iremos dar muito bem, lady Lencastre.- Sorriu subtilmente e retribui o sinal.- Que mais gostais de fazer para além de ler?
- Gosto muito de cavalgar, de viajar, de conhecer novas culturas. Adoraria fazer uma viagem ao oriente e vós?
- Gosto de bordar. Também gosto muito de à noite, quando não consigo dormir, acender uma vela e tentar descobrir para onde vão os navios mercantes e donde vieram. E Inglaterra... parece um lugar maravilhoso pelo que os embaixadores estrangeiros falam...
- Se fosseis embaixatriz de Portugal pouparíeis os elogios a vosso país?- Tentei fazê-la entender a realidade.
- Elogios? São factos!- Sorriu provando o bolo com recheio.- Somos uma das potências mais poderosa do Mundo!
- Verdade.- Sorri. Era uma menina tão certa de si como o irmão mais velho.
⚜👑⚜
- Majestade?- A filha do marquês de Távora irrompeu pela câmara dentro.
Esta era uma reunião de extrema importância. Estavam reunidos os meus conselheiros mais próximos e ministros de confiança.
- Está tudo bem com D. Francisca?- Encarei António, um dos meus irmãos mais novos temendo o perigo.
- É disso que desejo falar-vos... em particular.- Completou com as mãos atrás do volumoso vestido com bordados ingleses.
- Saí.- Ordenei a todos.- Espero que seja uma questão de vida ou morte!
- Pois claro que é.- Sorriu presunçosa.- Vossa graça não... desconfia que essa... dama Brotas Lencastre possa ter alguma doença grave que possa passar para a nossa pobre infanta?
- Oito meses no mar, uma semana na Holanda e uns dias na França conjugados com uns dias em casa?! Com toda a certeza já haveria algum relato de problemas.- Eu sabia muito bem do rumo desta conversa e não estava para a ter agora.
- Mas majestade...- A filha do marquês, dama conservadora e religiosa, temente a Nossa Senhora, aproximou-se sem o meu consentimento e ajeitou a minha casaca azul real bordada a prata, sempre perigosamente perto.- Não é justo para connosco, que sempre servimos vossa irmã com toda a nossa fidelidade sermos substituídas por uma mera Lencastre sem habilitações para nobre.- Soprou no meu ouvido
- Hum... e quais são as vossas habilitações? Deitar-vos com o rei?- Gargalhei.
Vexada, afastou-se de imediato de olhos estatelados no chão.
- D. Helena fez-me um favor. Um favor honrado, nada desses favores como os vossos que por acaso... também aprecio.- Sorri segurando-lhe o rosto com firmeza.
Afastou-se furibunda.
- Até logo à noite.- Despedi-me quando se aproximou da porta de saída.- E que seja a ultima vez que interrompeis uma reunião minha!
⚜👑⚜
- Como era o Brasil?
- Muito quente!- Suspirei ainda a sentir aquelas temperaturas insuportáveis.- Mas nessas alturas ia às escondidas banhar-me no riacho, nos terrenos do palacete.
- E nunca ninguém vos viu... em cabelo?- Corou.
- Oh, eu tomava banho com os trajes masculinos do meu irmão. Ele nunca gostou que eu lhe fizesse isso.- Confidenciou e rimos.- Também os uso para montar, são confortáveis. As águas são azuis claras, transparentes, há peixes lindos e... outros mordem muito!- Lembrei-me de uma vez uma piranha me ter mordido o braço.
- E selvagens, viste algum?!- Perguntou entusiasmada.
- Sim, uma vez. S. Paulo foi uma das primeiras capitanias a a serem formadas, está muito desenvolvida, parece quase uma cidade daqui, no entanto os índios ainda não se conformaram com o nosso domínio e alguma vezes destroem-nos as fazendas e levantam revoltas. Pequenos motins.- Desvalorizei.
- Devem ser criaturas horrendas!
- Não.- Neguei.- São apenas diferentes. Tem a pele mais escura que nós e pintam-na com tons vivos de vermelho ou castanho escuro e preto de tintas que fazem com terra. Têm penteados estranhos e andam por aí como Deus os trouxe ao Mundo, possuem deuses e línguas diferentes da nossa. São homens e mulheres como nós.
- Não são hereges?- Espantou-se.
- Não sei responder...- Falei sincera.- Nunca falei com um. Creio que Deus se manifesta de forma diferente a eles, de tal forma que acham que o vento é obra de um deus, o sol de outro deus e no entanto... é todo o mesmo Deus. Eles apenas não o vêem.
- Eles possuem o ouro?
- Não todo. Usam o ouro como oferenda a Deus, não como nós aqui em jóias e acessórios.
- Oh...
⚜👑⚜
- A codorniz está uma maravilha!- Dionísia lambeu os dedos e desta vez tive de concordar com ela.
O rei almoçava na mesa principal ao lado do irmão e de D. Francisca e nós, como damas de companhia, almoçávamos aqui também.
Havia muito vinho e guloseimas, cantores de ópera, a fruta fresca e como... Há chocolate!! Quero!!
- D. Helena, tínheis saudades dos sabores de Portugal?- Uma das damas de companhia perguntou-me. Era a mais gentil, Luísa se bem me lembro.
- Sim, embora tentássemos manter as tradições de família à mesa, os sabores lá são sempre diferentes.- Respondi com um sorriso, provando o molho maravilhoso.
O almoço foi agitado. Conversas em tons altos tornavam-se incomodas rapidamente, tantas gargalhadas e sorrisos pareciam irritantes. Seria a única que não me estava a divertir assim tanto?!
O rei levantou-se, no entanto, fez sinal para permanecermos sentados.
Um silêncio absoluto estava formado.
- Na próxima semana haverá um baile de máscaras aqui no palácio.
Uma onda de burburinho e entusiasmo percorreu o salão. Um baile de máscaras?! Eu nunca fui a um baile de máscaras!
Além disso o único baile a que fui foi em Versalhes. Não se pode chamar baile àquilo. Talvez... Local de exibição para senhoras e senhores que desejam cometer o pecado da carne. Sim, parece-me bem mais adequado.
- Nos próximos dias chegarão ao palácio grandes mercadores e alfaiates dos quatro cantos do Mundo. Divirtam-se.- E saiu durante a salva de palmas e palavras de entusiasmo que lhe foram dirigidas.
Podíamos dispersar agora.
- Não é excitante?! Um baile de máscaras! Doces e muitos doces!- D. Francisca saltitava pelo jardim no topo do seu entusiasmo.
- Não é minha intenção estragar vossa felicidade momentânea, mas o rei permite-vos ir?- Indaguei e recebi um olhar mortal das restantes que nos acompanhavam.
- Oh claro que deixa!- Sorriu e abanou a mão desvalorizando a situação.- Ou será que não?- Reflectiu.- Eu quero muito ir... Vamos perguntar-lhe Helena!- Pegou na minha mão e corremos de volta ao palácio, atravessando o jardim.
- Alteza, devagar!- Implorei. Podia magoar-me.
- Perdão.- Abrandou um pouco.- Não foi muito elegante.
- Não tem mal. Eu não estou habituada a correr tanto quanto vós, só isso.- Tentei animá-la um pouco.
- Vocês fiquem.- Ordenou às outras damas de companhia que me fulminavam com o olhar.
Cheguei hoje e já as pus de parte. Também ficaria assim no lugar delas. É só por eu ser novidade, apenas isso.
- Quero falar com o rei.- Deixou claro para os guardas que traçaram as armas à nossa frente.
- Sua majestade não deseja ser incomodado no momento.
- Mas é urgente!- Bateu o pé.
Ouviram-se duas suaves batidas secas no soalho e os guardas abriram a porta.
- Que barulheira é esta?!- O rei rosnou severamente.
Fiz a vénia e então a menina falou.
- Quero perguntar-te uma coisa.- Sorriu com as covinhas.
- Vem.- Fez sinal para a seguir e mantive-me ali fora.
- Estais a pensar vir ou...?- D. Francisca voltou a trás e perguntou-me.
Apressei-me a segui-la.
- Que quereis?- O rei voltou a sentar-se na sua poltrona próxima à janela.
Na pequena mesa à sua frente havia um copo de licor e uma caixinha de rapé em ouro, diamantes e safiras.
O príncipe estava com ele.
- Eu posso ir ao baile de máscaras, certo?
- Errado.- Bebeu um pouco mais de licor sem encarar a irmã.
- Porquê?- Perguntou triste.
- Porque ainda és muito nova.- Respondeu-lhe.- Daqui a uns anos vais é pedir-me para não ir.- Sorriu.
- Mas eu quero ir. É um baile de máscaras!
- Francisca, eu já tenho a minha resposta dada!- Firmou a voz.
- Tudo bem.- Estava notoriamente triste.
- Aceitais um pouco de rapé, Helena?
- Não, obrigada, majestade.- Cruzes credo!
- Já vos mostravam o vosso apartamento? É do vosso agrado?- Perguntou e com o polegar com rapé inalou e deixou-se recostar.
A sensação de prazer de que falavam.
- Sim, majestade, porém não o quero.
- E porquê?- Sorriu.
- Eu não quero... viver na corte.- Falei com alguma delicadeza.
- Perdão?- O príncipe, um dos irmãos mais novos do rei manifestou-se.- O que vos incomoda na nossa corte?
- Nada me incomoda, alteza. Contudo estive imenso tempo longe de meu pai, demasiado tempo. Prefiro continuar com ele. Chegarei cedo e sairei tarde se assim for necessário, mas longe de casa não ficarei nunca mais.
- Isso é uma resposta muito ousada para se ter na frente do...
- Entendo vossas razões, Helena.- O rei encarou-me. Não parecia zangado.- E sei o quanto vos preocupais com a vossa família. Se é de vossa verdadeira vontade, aceito os vossos termos.
- Fico-vos muito agradecida, majestade.- Sorri abertamente.
- Aceitais acompanhar-me num passeio a cavalo? Temos que redimir a nossa ultima vez.- Brincou.
- Não me parece... correto.- Lembrei as más línguas.
- Sim, Helena ia agora comigo para a biblioteca.- D. Francisca falou.
- Diverti-vos então.- Sorriu.- O nosso passeio fica para outra altura.
- Como desejardes.- Fiz uma vénia e saí da divisão com a menina.
⚜👑⚜
- Não é linda?- Fiquei a olhar para a porta fechada e inalei mais rapé.
- O termo correto é exótica, na minha opinião.- O meu irmão bebeu mais licor.- Francisca ficou mesmo tristonha por não poder ir ao baile.
- Ainda não é altura de ela andar por aí a espalhar a sua graça.
- É uma criança, João.
- Numa corte suja, Manuel.- Lembrei.- Sei lá se algum dos nobres não a seduz, se ela não começa a criar ideias tolas... A Francisca pode ser-nos útil numa aliança futura.
- Não precisas dessas alianças.
- Por enquanto.- Bebi um pouco mais.
- Eu vi o livro aperto na tua mesa de cabeceira... é a sério?
- O quê, Manuel?- Senti um arrepio na espinha ao lembrar-me.
- Queres casar com uma austríaca?
- Querer não é o termo certo. Preciso, é mais adequado.
- Por amor de Deus! Até a princesa espanhola é melhor que a esquisita!
- Somos inimigos dos espanhóis, não aliados! O Imperador Leopoldo é um dos mais poderosos do Mundo, se eu tivesse uma aliança com a Áustria seria o homem mais poderoso que já alguma vez existiu. Pensa: aquela mulher é filha do imperador Leopoldo, irmã de Carlos VI e de José I! Controlá-la é controlar a Europa. Além disso o resto da família tem alianças com as restantes cortes europeias. Pode dar jeito.
- Ainda assim...
- Ela só tem de me dar os filhos que eu quero e aparecer no casamento.
- Deitares-te com aquilo? Tu já viste a fuça dela, irmão?! Nem que me prometessem o lugar do Papa eu casava com aquilo!
- Darias um mau rei.- Sorri-lhe.- É algo no papel, posso continuar a receber a Távora, ou a Lencastre, se as coisas mudarem para melhor...
- Desejar uma mulher e continuar com outra é errado, principalmente quando se tem uma família dessas. Não brinques com o fogo, João.
- Vou falar com o Conselho.- Refleti.
⚜👑⚜
A mesa estava vazia, novamente.
Passei mais de 8 anos sem a minha pequena princesa e uma vez mais estou só. Agora por causa da corte.
- Chamai Bianca.- Ordenei ao mordomo que apreciava a minha solidão com alguma tristeza.
- Aqui estou senhor.- A rapariga pronunciou-se de cabeça baixa.
- Helena falou-vos quando voltava?
- Não, senhor. D. Helena disse-me que tentaria vir dormir a casa e partir de manhã para a corte.- Ou seja, não viria almoçar.
O rei não permitiria isso. O miúdo está para pôr as patas na minha Helena!
- Obrigada, Bianca.- Dispensei-a.
Eu espero mesmo que o rei não tente algo com ela...
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