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57. Pelo mar fora

- Hum...

- Shh...

- Henry?- Murmurei sem força suficiente para abrir os olhos.

- Sim, milady.- Segredou baixinho.

- Que estás a fazer?- Estranhei a toalha fria e húmida na minha testa.

- A cuidar de ti. Fica caladinha que não quero acordar ninguém.

Sorri com o seu cuidado e deixei-me ficar ali, deitada a apreciar os seus cuidados. O nosso quarto tinha um beliche, na cama debaixo estava Hetty e na de cima fiquei eu.

- Conseguiste tirar as correntes?

- Sim, já estou livre para abraçar o quanto puder a mulher que amo.- Retirou o pano molhado que tinha aquecido e voltou a pôr outro.- No meu camarote os rapazes também já estão todos a dormir.

- O teu pai disse-te alguma coisa?

- Não.- Parecia magoado.- A minha mãe ficou no camarote dele, não a contradisse porque já era tarde, mas fico mais descansado se vier dormir aqui convosco. Sei lá do que capaz o meu pai com os nervos à flor da pele...

- A tua mãe é muito bonita.- Interrompi a conversa que claramente o perturbava.

Aproveitei para abrir um pouco os olhos e reparar que mal o via, apesar de perto. Não havia uma única vela acesa. Procurei a sua mão, e quando sentiu o que procurava, Henry enlaçou os nossos dedos.

- É sim. Vocês vão dar-se muito bem.

- Eu não tenho tanta certeza.

- Ela está só... chateada pela minha atenção não ser toda para ela. Acho que achava que seria a única mulher por toda a minha vida.

- Não é isso que as mães todas pensam?- Supus. Se a mamã conhecesse Henry, como reagiria?

- Devíamos ter assinado o contrato de casamento.- Suspirou no escuro e voltou a trocar-me o pano húmido.- Só temos a palavra do Edward e da minha irmã, e nem foram testemunhas. O meu pai acha que me és... amigada.

Isso era horrível e nojento.

- Amanhã falaremos todos com calma, e explicaremos a situação.

- Sim.- Concordou, porém parecia não ter muitas expectativas.- Agora tens de descansar, meu amor. Vamos passar algum tempo aqui.

- Vai dormir, Henry.- Insisti com ele também.- Ei, chegaram a atribuir-te a pena?

- Hum... não, nem por isso.

- Henry?- Sorri no escuro. Senti a sua voz vacilar com a mentira.

- Eu acho que não queres realmente saber.

- Se pergunto é porque quero.

Permaneceu em silêncio e então confessou:

- Castração e depois morte à porta fechada.

- Castração?- Indignei-me apesar de também me revoltar com a pena de morte.- Aquele balofo acha que pode mandar cortar as bolinhas do meu marido?

- Foi o que eu pensei! Como se eu me tivesse deitado com uma das mulheres dele! A sorte é que haviam imensas espadas na nossa direção, ou eu mesmo o tombava do cavalo para cortar as dele.

Definitivamente vir embora foi o melhor que fizemos.

- Vais adorar a minha tia... se chegarmos num dia sim.

Eu adoraria conhecer uma rainha que conduz um império sozinha.

- Ela é um pouco rabugenta às vezes... é de família.

- Tu és rabugento Henry?- Sorri.

- Às vezes, como sabes.- Riu e tentou parar para não acordar a irmã.- Na verdade a Hetty é que puxa mais ao meu pai. Se a apanhas num dia mau é capaz do telhado saltar.

- Henry!- Ri debaixo das cobertas.

⭐👑⭐

Acordei ensonada, no entanto já sem dores de cabeça e esperei por Bianca.

Estava a demorar.

- Bianca?- Nada. - Bianca!

Esfreguei os olhos e olhei ao redor intrigada. Este quarto não era meu... O NAVIO!! Eu não tinha Bianca, eu estava no meio do mar!

Nunca me vesti sozinha antes, pelo menos não vestidos. Como faria para apertar o vestido e o espartilho? Quem me faria penteados bonitos?

- Oras... eu gosto deste.- Abri o baú e escolhi o meu vestido amarelo claro às riscas. Era um dos meus favoritos.

Calcei as meias brancas e segurei-as com uma fita cada, de cetim rosa claro. Vesti a camisa interior, o espartilho, que exigiu muita ginástica e ainda assim pareceu folgado. Cobri-me então com o vestido amarelo que apertava à frente.

- Não acredito.- Aborreci-me por se notar a camisa interior. Tentei escondê-la o mais possível, mas a minha falta de jeito era clara. 

Iria sentir a falta de Bianca, sem dúvida alguma. 

Calcei os sapatos e fiz uma trança apertada e enrolada num coque. Saudades dos meus caracóis... talvez use uma peruca nestes dias, ficava penteada num parte de segundos.

- Bons dias.- Assustei-me quando abri a porta do camarote que dava para uma saleta onde os rapazes jogavam às cartas e a mãe e irmã de Henry bordavam e conversavam.

- Boa tarde, milady.- Henry levantou-se e veio ter comigo.- Sentes-te melhor? Não tens febre.- Tocou na minha testa.

- Foi um sono reparador.- Suspirei procurando pelo seu relógio para então me chocar com o horário: meio dia!- Devias ter-me acordado mais cedo.- Resmunguei. Agora todos me achavam uma molenga preguiçosa.

- Tens fome?

- Sim.- Admiti.

- Estávamos à tua espera para almoçar. Logo vamos jantar com o capitão. Hetty, vai chamar o pai.

- Que bom, assim que se perdem os empregados, a Hetty é a primeira a substitui-los.- Aborreceu-se antes de largar as linhas e sair.

- Como foi a vossa noite?- Sentei-me enrolada num dos meus xailes e perguntei aos rapazes.

- Até que nem foi má.- William confidenciou.

- Para ti não, nós mal dormimos. Ressonas como um porco!- Richard aborreceu-se.

- E faz um pouco frio, acho que tenho de pedir mais um cobertor esta noite.- David arrepiou-se.

- Eu dormi muito bem, sonhei com a minha casa, o meu jardim, o meu banquinho no clube...

- A minha propriedade no campo, o meu cravo, a minha lareira...- Henry sorriu completando o pensamento de Edward.

Arrumaram as cartas e um valete começou a pôr a mesa. Eles tinham um empregado e nós não?! Isso é injusto!!

- Porque é que vocês têm um valete? 

- Oras, precisávamos de quem nos ajudasse.

A vestir? É vestir uma camisa e umas calças!! 

- Então e nós?

- Se a menina se tivesse levantado a horas decentes também a teríamos ajudado.- A mãe de Henry informou com rispidez.- Onde já se viu acordar à hora de almoço?!

- Eu... não volta a acontecer...- Embaracei-me.

- Mãe, Helena precisava de descansar, não precisa de lhe falar assim.- Henry pediu, mas toquei-lhe na perna.

Ele não tinha de me defender, a mãe dele tinha razão, apesar de saber bem tê-lo do meu lado.

- Oh... afinal estava cá, pensei que tivesse voltado para trás a nado.- Esta foi a primeira coisa que o pai de Henry me disse, e doeu. A frieza da minha nova família cortava-me como folhas de papel: pequenos cortes insignificantes que segundos depois doíam imenso todos juntos.

- Pai!

Respirei fundo, porém desta vez não impedi o meu marido.

- Edward não tens aí nada para regar a refeição?- Henry sorriu para Edward.

- Não. Não tive tempo de empacotar nada.

- Então e aquele baú cheio de garrafas?!- Anthony cruzou os abraços e Edward pediu-lhe silêncio.

- Ah está bem.- Rendeu-se e foi buscar uma garrafa.

- Então... eu e Helena gostávamos de vos contar algo.- Henry pegou-me na mão e sorriu.

Ai não! Os pais iam arrasar-nos! Eu não me sinto pronta para... Coragem, Helena!

- E o que seria esse assunto?- O meu sogro cruzou os braços enquanto esperava o valete servir todos. Edward também já tinha regressado.

- Eu e Helena não estamos noivos, estamos casados.

O sorriso desapareceu do rosto do velho irritante.

- Desde quando?- Olhou para os amigos de Henry que estavam tão chocados quanto ele.

- Henry, como é que foste capaz?!- Edward levou a mão ao peito de modo dramático.- Não, na verdade eu sabia.- Sorriu.

- Estava a ver que nunca mais lhes dizias.- Henrietta ia-se aborrecendo com o irmão.

- Mas... como?

- A testemunha foi uma amiga de Helena, teríamos um casamento "oficial" daqui a umas semanas.- Henry explicou à mãe. 

- Onde está o contrato com as assinaturas?- Charles deu um murro na mesa e estremeceu o copo de tinto.

- Não o temos.

- Deixaram-no para trás?- Rosnou.

- Não, não o assinámos porque o faríamos, supostamente, na semana que vem. Somos casados aos olhos de Deus, não dos magistrados ou quem quer que seja.

- Ah, então não são realmente casados...- Riu desdenhoso.

- Somos sim.- Falei pela primeira vez.

- Ouça, já viu a situação em que meteu o meu filho? Admita, não é mulher para ele.

- Situação de que o ajudei a libertar.- Senti o sangue ferver perante as suas palavras.

- Henry, Emily chegou desgostosa a Inglaterra, contou umas atrocidades sobre ti.- A mãe de Henry quis saber, notava-se a desilusão na sua voz.

- Eu tive de o fazer.- Admitiu envergonhado com a sua atitude.

- De qualquer forma quando chegarem é com Emily que vais casar.- Charles acendeu o charuto com indiferença.- Vai ser bom para...

- Eu não vou casar com Emily! Eu acabei de dizer que me tinha casado com a mulher que amo!- Henry enfureceu-se.

- Henry, não seja tolo. Ambos sabemos que o que o que achou entre as penas dela não é amor.

- Ser irmão de uma rainha e tio de outra não lhe dá o direito de ser grosseiro comigo!- Elevei o tom.- Henry é casado comigo sim, e nós amamo-nos. Se está descontente pode nadar de volta, com certeza encontrará alguém com paciência para as suas piadas e manias desnecessárias.

Todos assistiam à reunião de família tomar um rumo de mal a pior.

- Oras ainda por cima é mal-educada?!

- Engana-se. Eu sou educada demais para si.- Sorri certa de mim.- Escusa de achar que tem o rei na barriga, porque a minha família ajudou a erguer uma nova dinastia. O que fez você? Vive da renda que a sua sobrinha lhe dá? Oras Lord Hyde... isso a mim sim, parece-me razão de embaraço.

Hetty estava chocada.

- Henry, eduque a sua esposa.- Levantou-se aborrecido e foi embora.

Assim que bateu a porta respirei por fim.

- Não era preciso tanto, mas pelo menos não nos chateia por mais umas horas.- Riu baixinho.

- Como é que és capaz de te rir depois do que o teu pai me disse?- Indignei-me com o seu animo leve, ignorando a surpresa de todos.

Com a falta de resposta e atitude de Henry, saí furiosa e magoada.

⭐👑⭐

- O peixe está no ponto.

- Para mim está cru, David.- Zangado saí atrás de Helena.

Encontrei-a de braços cruzados repensando todas as suas opções na popa.

- Desculpa.

- Não precisamos de ser melhores amigos, mas eu exijo respeito Henry, e o teu pai passou e muito, a barreira do desrespeito.

- Tens razão, perdoa-me.- Abracei-a, tão pequena e frágil.

- Esta é a minha nova família.- Haviam ali palavras não ditas. Helena só queria que a aceitassem e o meu pai não fez isso, e muito pelo contrário, ofendeu-a.- Imagina quando souberem que não tenho o dote comigo.

- Isso não é assunto deles.

- Eu tentei salvar-te, juro que tentei...

- Helena, essa conversa não.- Senti o coração apertar-se.

- Este navio é pequeno demais para o ego dele.- Fuzilou o meu pai, que encarava o oceano do outro lado do barco como se fosse dono do mundo.- Eu sou uma Brotas Lencastre! Para o emproado do teu pai pode não ser nada, todavia até há umas horas era um dos nomes mais respeitados no império português! Bem mais que Cavendish!- Bramiu fora de si.

- Helena, por favor. Tantos nervos fazem mal.- Tentei acalmá-la.

- Eu preciso de estar sozinha, por favor.

- Nem almoçaste...

- Por favor, Henry.- Pediu uma vez mais e respeitei a sua vontade. Abracei-a uma vez mais com força e beijei os seus lábios antes de ir.

- Eu amo-te, milady.

⭐👑⭐

As águas que navegávamos são portuguesas ainda. Aquele velho casmurro deve lembrar-se disso. O meu povo foi o primeiro a aventurar-se por mar. 

- Amor, eu...- Comecei quando ouvi passos atrás de mim, imaginando ser o meu marido.

- Sou eu.- A minha sogra falou ao pôr-se a meu lado, observando o mesmo que eu: mar. Mar infinito que já viu tantas conquistas e escreveu tantas histórias.- Vamos passar algum tempo aqui.

- Sim.

- Devemos aproveitá-lo para nos conhecermos melhor.- Voltou-se para mim.- Tendes sangue nas guelras, isso agrada-me Helena Lencastre. 

- De verdade?- Acho que só ele elogio depois de tanta hostilidade me agradou imenso apesar do tom pragmático.

- Claro. Eu não suporto aquela Cavendish, parece uma cachorra adestrada. Seria apenas um estorvo ao meu filho, vós não. Henry... nota-se que gosta muito de vós, e posso só vos ter dirigido um par de palavras, mas já entendo o porquê.

Corei, lembrando-me dos meus modos.

- Para variar o meu marido foi a habitual besta, peço desculpas por ele. Ele não entende, não entendeu e jamais entenderá o sacrifício que é deixarmos a nossa terra para trás rumo a uma família de estranhos.- Aborreceu-se encarando o mar com frieza.- Claro que felizmente estamos em circunstancias ligeiramente diferentes. O meu filho ama-vos e mesmo que não o fizesse é gentil, não é o pai.

Verdade, estávamos as duas no mesmo barco.

- Se me tivessem dado a mesma escolha que vós não teria hesitado ficar em terra.

- Eu não seria capaz de abandonar Henry.

- Nem ele o faria.- Sorriu-me.- Perdão, não me apresentei devidamente. O meu nome é Elsbeth Maclachlan Hyde, mas podeis chamar-me Beth.- Sorriu e revirou os olhos, imaginando como seria dificil para mim dizer tantos palavrões

- Elsbeth?- Tentei repetir.

- Isso mesmo.- Sorriu orgulhosa.- Pareceu-me que pertenceis a uma família de grande prestigio no vosso reino, verdade?

- Sim é. Espero que ainda seja, depois do que fiz.

- Uma família importante não diminui com birras de reis, pelo contrário, firmam a sua posição.

Eu discordava completamente, mas como as coisas estão a ir bem, mais vale ficar calada. 

- Espero que cuideis bem do meu filho, lady Helena.

- Farei o meu melhor, my lady.

- Bem-vinda à família.- A minha sogra sorriu-me antes de me dar um beijo em cada bochecha.

- Obrigada.- Senti o peito mais leve.

- Conta-me dos teus pais...

⭐👑⭐

- Santo Deus, vão discutir para outro lado.- O James resmungou pela centésima vez.

- Acho que quando começam a falar gaélico também só entendem gaélico.- Edward riu.

- Eu acho fofo.- David murmurou.

- Tudo o que seja dito da boca de Henrietta Hyde é fofo, não é David?- Anthony provocou o amigo.

- Cala-te!

- Escusas de ficar de trombas comigo!- Prossegui a discussão com a minha irmã.- Deixa-me em paz!

- Estavas a ocupar dois lugares!

- Estava a guardar um para Helena.- Rosnei em gaélico.

- Ela não volta aqui tão depressa, idiota! O teu pai foi horrível com ela e tu ficaste a ver!

- O pai também é teu!

- Que vem a ser isto?- Ouvi a mãe resmungar no mesmo dialeto que nós.

- Finalmente, alguém que põe ordem na casa. Ficamos-lhe muito agradecidos, Lady Beth.

A mãe revirou o olhar com as palavras dispensáveis de James.

Expliquei-lhe a situação e resmungou comigo por me achar infantil. Eu só guardava um lugar para a minha esposa!

- Fico feliz que tenhas voltado.- Abracei Helena.

- O quê?- Olhou-me de lado.

- Desculpa.- Envergonhado repeti o mesmo em português.

- É mais... áspero que o inglês.- Sorriu.

- É... então como correu a conversa com a minha mãe.

- Acho que bem.- Ficava tão feliz por ouvi-la.- Está a dar-me uma oportunidade.

- Não sabes como fico feliz.- Beijei a sua testa que ainda cicatrizava. Eu ficava tão mais aliviado por saber que a minha mãe estava a fazer essa tentativa por mim... por nós. Elas são mesmo as mulheres que mais amo no mundo.

- Vamos jogar, quem ganhar fica com o vinho da Madeira que o Edward trouxe.

- Nem pensar. O vinho é meu William! Trouxesses o teu!

- Eu corri para apanhar as minhas coisas e salvar as bolinhas do embaixador!

- É tudo questão de prioridades: a minha foi o vinho, a tua as bolas do embaixador.

- Quem parar de... falar de mim assim?!- Henry enervou-se com a brincadeira.

- Não, quanto muito jogamos.- James baralhou as cartas.- Se algum de nós ganhar, vamos massacrar-te com o assunto até ao final na viagem, se tu ganhares, calamo-nos.

- Parece-me bem.- Helena juntou-se à mesa e pela paz das nossas relações pareceu-me uma boa disputa.

⭐👑⭐

- Ela está a fazer bluff.- O Richard comentou com o William, esperando uma reação da imparcial Helena.

O duque de Cadaval ensinou-a muito bem. Foi uma pena não termos apostado em dinheiro. Ficaria rico à conta dela.

- Vá lá, Henry! Tens de ter qualquer coisa melhor que isso.- O Edward riu-se de mim.- Acho que lhes vou dar nomes: a da direita Dorothy, a da esquerda será a Margery.

- Atreve-te!- Desafiei.

- Quanto maiores vocês ficam, mais o cérebro encolhe, com certeza.- Helena suspirou concentrada na sua próxima jogada, olhando a mesa com atenção notando o comportamento de cada um dos jogadores.- Nem com três senhoras na sala ganham respeito.- Aborreceu-se.

- Ora, como se ainda não as tivesse imaginado...- Anthony jogou com um sorriso presunçoso.

- Anthony!- Zanguei-me. Ele estava a ser desrespeitoso com Helena!

- Oras, lord Anthony, diga-me então se não é vossa senhoria que tem andado com elas pela boca.- A minha esposa jogou a cartada da vitória, referindo-se às piadas deles.

O Anthony ficou roxo de raiva.

- Parece-me que esse tema acaba aqui.- Abandonou a mesa para se sentar ao lado da minha irmã a ler um livro.

- Ela não é linda?- Suspirei.

- É um bocado chata...- O James encolheu os ombros.

- E mandona!- O Anthony também não tinha simpatizado com ela.

- Eu gosto, é simpática.- O David comentou e não gostei.- Com todo o respeito.- Defendeu-se.

- Santo Deus.- A Hetty estremeceu quando viu umas gotas de água embaterem no vidro.

Sentimos o barco oscilar a sério, como não sentimos até agora. O perigo de viajar no Inverno, é apanharmos uma tempestade.

- Está tudo bem.- Helena tentou acalmá-las.- Talvez seja melhor acabar com isto.- Fechou o livro e aconselhou a pararem com os bordados.

- Talvez devam ir preparar-se para o jantar com o capitão, nós também vamos.- Sugeri.

O rosto de Helena estava apreensivo, por isso sorri para a relaxar um pouco. Tudo iria correr bem.

- Onde é que vou encontrar um sitio para aquecer o ferro?- Hetty entristeceu-se por não poder ter os seus caracóis.

- Pois, o melhor remédio é entrançarmos os cabelos esta noite.- Procurei qualquer coisa que ajudasse o nosso desastre de moda.- Até lá que tal apostar nos acessórios?- Sorri pondo um chapéu meu nos seus cabelos ruivos.

⭐👑⭐

- Que rabo lindo, David.

- Já vai sendo altura de encontrares uma mulher também, Edward.- Implicaram enquanto nos ríamos.

- Eu só espero que o capitão tenha um espaço mais amplo onde possamos divertir-nos e passar o tempo, ficar aqui fechado pelos próximos dois meses aborrece-me.

- Podes ir até lá fora, Richard.- Encolhi os ombros enquanto apertava a camisa.

- Além disso é estranho vestir-me ao vosso lado.- O James endireitava a gravata do Anthony.- É muita falta de privacidade.

- Oras, nem parece que organiza aquelas noites de senhoras connosco.- O Edward deu-me um encontrão.- Não parecia nada ofendido quando disputou comigo uma partida do "quem vem primeiro".

- Cala-te Edward!

- Oras, não sejas um resmungão hipócrita, James.

- Despachem-se, ou as senhoras arranjam-se primeiro que nós.- Aborreceu-se ao dar um jeito no cabelo.

- Que tal estou?- Dei uma voltinha pedindo a avaliação dos rapazes quando terminei de amarrar o cabelo. Queria ter a certeza que estava perfeito para Helena.

- Pareces uma princesa. Acho que tenho aqui um leque...

- Que engraçadinho, David!- Despenteei-o.

- Estamos prontos.- O Richard bateu na porta delas, para o caso de estarem à nossa espera.

- Esperem um pouco.- Pediram.

O "esperem um pouco" foi mais de meia hora.

- Hetty, já estão ou não? Estamos à vossa espera.- Bati uma vez mais, aborrecido com os rapazes.

- Ainda não, espera!

- Bem vindo à sua nova vida, lord Hyde.- O William brincou com os rapazes.

- Com certeza que há uma boa explicação para este tempo todo.- Imaginei.

- A explicação é: mulheres são criaturas vaidosas que mesmo num navio querem armar-se em armas mortíferas e sedutoras.

- A minha esposa é casada e a minha irmã só quer sair deste tédio. Nem tudo gira à tua volta, Richard.

- Vocês são novos demais para passarem a vida a resmungar, seus preguiçosos.  

- Sim, lady Beth.- Levantaram-se imediatamente ao ouvirem a minha mãe.

- Espero não vos ter feito esperar muito.- Helena comentou envergonhada.

- Nada disso.- Tinha valido bem a pena.- Estás linda.

O seu sorriso ficou maior e os seus olhos brilharam:

- Obrigada, amor.

- Ops!- O William desequilibrou-se com um balanço mais acentuado do barco e o James ajudou-o.- Obrigado... acho que o jantar não me vai cair bem.

- A quem o dizes.- A Hetty agarrou-se ao meu braço e vi o seu rosto tinha um tom esverdeado.- Estou tão indisposta...

- Isto hoje vai ser bonito vai...- O Edward alargou ligeiramente a gravata.

Lá fora chovia, felizmente a cabine do capitão estava a apenas a uns metros de distância. O jantar foi tranquilo, apesar da presença do meu pai. Estava radiante por ter um lambe botas que o bajulava: o primeiro imediato.

- Podem utilizar a minha sala quando quiserem. Raramente lá vou.- O capitão sorriu com simpatia.- É mais espaçosa.- Informou depois de jantar quando lá foi connosco e ofereceu charutos.

Parte dos rapazes recusaram. Não estávamos habituados ao mar.

- Até amanhã, obrigada por nos convidar.- A minha irmã saiu, sem aguentar fazer mais sala.

- Não estamos habituados ao mar.- Helena precisou de se apoiar a mesa de bilhar para não cair, desculpando a minha irmã.

- De todo.- O William levou a mão ao estômago e à boca. 

- É melhor irem descansar, mas descansem que deitados, nos vossos camarotes, não sentirão a maré.

- Obrigado e boa noite. Talvez amanhã possamos conversar um pouco mais.- Sorri, apesar de também ligeiramente indisposto.

Cá fora, entre os marinheiros, o breu e a tempestade, vi o William, o Richard e o meu pai de cabeça para fora, a libertarem todo o jantar.

- Estão todos bem?

- Uhum!

Não me incomodei muito com eles. Deus castiga, e eles foram maus para Helena. 

- Como está a minha irmã?

- A tua mãe está com ela. Está mesmo indisposta.- Confessou com uma certa preocupação.- E os rapazes?

- Demasiado ocupados a mandar o jantar borda fora.- Brinquei.

- Não sejas assim.- Endireitou-me a casaca e desfez o laço que me prendia o cabelo.

Suspirei enfim em paz, feliz por tê-la a meu lado e beijei-a.

- Desculpem!- O David abriu a porta e fechou de repente aflito.

Helena, corada, afastou-se e logo em seguida o Edward entrou encharcado da chuva.

- Incrível, não podem ficar cinco minutos sozinhos. Ah e... a cama do Henry é a de baixo, não confundam com a minha, por favor.

- Edward, tem respeito!!!

A minha esposa estava roxa de vergonha.

- Já posso entrar?- O David bateu à porta e Helena muito constrangida foi abrir.

- Sim.

O meu amigo estava encharcado agora.

- Como está Henrietta?- Secou o cabelo a uma toalha pendurada.

- Está bem, é só um enjoo.- Tranquilizei-o.

Entretanto Elsbeth também foi embora, por isso decidimos ficar aqui a conversar um pouco.

- E se jogarmos àquele jogo da garrafa?- William sugeriu ainda esverdeado.

- Não sei não...- Henry hesitou.

- Calma, nós não vamos destruir o teu casamento...- Edward riu.

- Só um pouco.- Richard riu pondo na mesa a garrafa fazia do almoço.

- Que jogo é esse?

- Sabereis em breve.- O James rodou a garrafa.- Parece que é o Edward a perguntar.

- Ele sabe demais.- Henry cruzou os braços e encostou-se na cadeira temeroso.

Minha nossa... vou conhecer os podres todos do meu marido!

- David...- Edward sorriu, claramente a aprontar qualquer coisa.- Verdade, ou desafio?

- Desafio.

- Mas eu queria verdade...- O inquisidor fingiu o amuo.- Pronto, ou cuidas dos nossos dormitórios até atracarmos...

- Ou?- Aborreceu-se pondo logo essa opção de lado.

- Admites de uma vez que estás apanhadinho pela Henrietta.

Ups!

Henry ficou muito sério de repente.

- Eu não gosto de Henrietta!- Respondeu vermelho.

Hum... gosta pois.

- Gostas ou não, David?- Henry pressionou.

- São quantas noites até chegarmos?- O pobre David repensou as suas opções.

- Parece que é a tua vez de rodar, Edward.- William Acendeu um charuto, apreciando a briga que se formaria em breve. Não era ele que mal se mexia e falava ainda à pouco?!

Pobre David, agora o Henry não o vai deixar nem respirar perto de Hetty.

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