55. Todos sabiamos que ia acontecer
- Eu tinha caído redondo no chão.- Henry empaturrava-se de bolos e doces enquanto me ouvia contar o que aconteceu em Coimbra.- Mas fico feliz que tenhas gostado de ir a uma faculdade. Só tem graça mesmo para quem vem de fora.
- E fui dar um último passeio com João. Acho que depois... não teremos oportunidade.
- Helena, eu não quero que te afastes dos teus amigos por minha causa.
Só não precisam de ser tão íntimos.- Gritavam os seus olhos.
- Eu não vou afastar-me do rei. Só teremos mais responsabilidades daqui para a frente. Ambos teremos uma família para cuidar.
- Sou mais eu a cuidar de ti.- Aceitou o pedaço de bolo que lhe levei à boca.
- Poupa-me Henry, poupa-me minimamente.- Diverti-me com a sua presunção.
- Alguém tem de te manter em segurança, Helena. Tu pareces atrair problemas sérios e eu não volto a passar pelo mesmo... só de me lembrar de como te vi naquela cama...
- Ei, eu estou aqui amor.- Dei-lhe mais bolo para se calar antes que decidisse beijá-lo.- Vou sempre estar, prometo.- Comi um bolinho com cobertura de morango.
Que maravilha!!
- Os rapazes vieram para o palácio contigo?
- Sim.- Ficou tenso.- Agora que falas talvez não lhes devesse ter dado tanta corda, ainda arranjam problemas.
- Que tipo de problemas?
- Ham... é dificil adivinhar com eles.- Riu.- O Edward deve estar com o David e o William no salão de jogos a fazer as suas melhores apostas. O Anthony, o James e o William, bem... o Anthony deve estar a tentar uma portuguesa, tal como o James. O William vai jogar pelo seguro e fisgar uma austríaca.
- Eles que mantenham as mãos longe das austríacas da rainha. Se uma delas se queixa a Maria Ana é desta que não nos livramos do seu mau humor.
- Eu depois aviso-os. Mas... tens tido problemas com a rainha?
- Não sei... ela rebentou o colar da mamã. João disse que sabia quem o poria como novo. Eu queria usar aquele colar no nosso dia...
- Porque é que ela te rebentou o colar?
- Eu não sei. É como se... antes fosse uma pessoa e agora é outra.
- Eu avisei.- Murmurou.
- Isso não muda a situação!- Zanguei-me, pois sempre soube que seria a primeira coisa que diria.
- Lamento muito pelo teu colar.
- Vão pô-lo como novo, sei que sim.- Suspirei.- Bom, agora tenho de ir. A infanta já deve ter terminado com o francês.
- Leva este para o caminho.- Beijou-me antes de ir e ainda pensei em ficar um pouco mais.
⭐👑⭐
- Tenho a cabeça feita num oito.- A pequena infanta suspirou estafada quando se atirou para cima do sofá.- Francês é terrivél!
- Para hoje está feito.- Sorri-lhe.
- Eu estive a pensar...
- Deus Nosso Senhor nos proteja dessa fatalidade.- Maria fez o sinal da cruz.
- Isso é pecado.- Francisca aborreceu-se e ainda assim continuou.- Então, eu achei que podia ter uma casa na árvore! Deve ser expectacular. Dá para ver Lisboa, dá para ver o Tejo e Belém, e ainda posso tomar chá com a Boahinmaa.
- O rei parece ter deixado clara a situação com a girafa.
- Isso é porque o rei ainda não ouviu a minha ideia brilhante!
Ou então não.
- Porque não algo menos perigoso?- Carolina pediu com alguma subtileza.
- Eu gostava que o leão pudesse dormir ao fundo da minha cama.- Aborreceu-se.
- Venha daí uma casa da árvore.- Maria comentou e todas rimos.
- Com licença.- A rainha entrou sem cerimónia alguma na saleta privada despertando a nossa curiosidade.
Havia um sorriso presunçoso e elevado no seu rosto. Esse sorriso só ficava bem a Henry, porque significava que estava a pensar implicar comigo ou dar-me um beijo. Tal sorriso no rosto da rainha significa sangue. Sangue meu.
- Boas tardes, como está a minha cunhada favorita?
- Muito bem.- Francisca sorriu e perguntou o mesmo por educação.
- Perdoai, no entanto preciso de falar com a menina Helena.
Que foi agora?
As minhas colegas olharam curiosas para mim, principalmente Maria.
- Não creio ter deixado assuntos pendentes com vossa majestade.- Sorri o mais amistosa possível.
- Oh não, claro que não.- Ousou fingir uma feição de desalento perante a infanta.- É um outro assunto que me preocupa na vossa relação com a minha cunhada. Desejo apenas o melhor para a infanta.
- Não, não tenho doença alguma, foi veneno, nada do Brasil.- Sorri para a tentar despachar dali, prevendo que me achava como os outros, um poço de doenças.
- Venha comigo.
Apesar do sorriso circunstancial a ordem era clara.
Ai que dedo podre João Bento!!!
- Claro.- Pousei o leque e pisquei o olho à infanta curiosa, seguindo a rainha e o seu exercito de aias. Já tinha feito as suas escolhas lusitanas.
- A situação é delicada.- Mostrou-se afetada a meu lado, prosseguindo apressada pelos corredores.
- E qual é?- Iria pedir desculpas, enfim?!
- Vossa majestade! É uma honra poder vê-la!
James... tudo bem, entendo o seu jeitinho agora. Ele gosta de amolecer pedregulhos... seria uma melhor aposta para enfrentar João do que o sempre reto e integro Henry.
- My lady. Encantado em revê-la.- Fez uma subtil reverência para mim.
- Vocês conhecem-se? Quem sois?- Quis saber.
- Vim de propósito de Londres para o casamento! Sem dúvidas a ocasião do milénio!
- Oras... não devia ter-se incomodado.- Sorriu apreciando o mel que lhe davam.
James apenas se "esqueceu" de referir a que casamento veio. Ao meu. Porque no dela estava em alto mar!
- Posso acompanhá-las?
- Talvez numa outra ocasião. Até logo, cavalheiro.
Continuamos caminho, deixando James para trás. Ele devia ter-me safado disto!
- Uma das minhas damas de companhia viu um momento intimo e comprometedor entre vós e vosso amante.
- Eu não tenho um amante!- Indignei-me.- Oh... Henry.- Sorri exibindo as minhas covinhas, constrangida. Nós fomos sempre bem cuidadosos, como assim tinham visto situações comprometedoras?
O mais comprometedor que já fizemos foi ler juntos.
- Não. Estou a falar de outro.- Empurrou-me para dentro dos seus aposentos.
- Ei!- Tropecei e por pouco não caí.
A decoração da sua saleta era de muito mau gosto.
- Eu não tenho mais ninguém.
Era desta. A austríaca era louca! Corre João, eu seguro-a e tu foges!!
- Soltem-me imediatamente!- Brami quando dois guardas me amarraram com força.- Eu não sou culpada de nada!- Gritei.
Pegou nalgumas folhas de papel, notoriamente enfurecida e começou a ler voz alta o que pareciam ser cartas. Cartas que nunca recebi, e que a principio achei serem de Henry. Afinal João não as tinha queimado a todas...
- Aquele que tanto vos ama e adora: D. João, rei de Portugal!- Latiu.
- João?!- Surpreendi-me e socaram-me.
Desde quando é que João escreve coisas românticas?! Juro que pensei que fosse de Henry!
- Próxima!- Amassou a carta numa bola de papel e leu a seguinte. Estavam para ali umas 10 ou 12 folhas ao que parecia. Se fosse espancada a cada uma, não sobreviveria para contar a história.
- Eu não sei o que é isso!- Insisti.
- E isto, sabeis o que é?!- Enfurecida esfregou o lenço que entreguei a João para se enxugar no dia em que chegou.
- Que nojo...- Repugnei-me. Suor real!!! Eca!!!- Eu dei-o a João para limpar o suor, isso não tem nada de romântico!!
Deu-me dois estalos com imensa força.
- Rainha ou não, estais morta!- Dei a minha sentença. Bastava estes dois batolos soltarem-me e desamarrem-me.
- Não. Tu estás, seu demónio maldito. Só vieste a este mundo para tentar homens comprometidos.
- Eu sou gentil e bonita. Essa batata e esse feitio é que não atraem ninguém!- Brami fora de mim.
- Pára de gritar!- Socou-me.
- A boca é minha. Vem calar, rameira.- Respondi-lhe já com sangue a escorrer pelo nariz. Claro que a mimada não se deixou ficar. Quem diria que as santas eram afinal bichas violentas?!
Soltei um berro, tão alto que senti a garganta arranhar.
Se ninguém me viesse aqui buscar morreria aqui às mãos desta louca ciumenta...
- Luísa!- Veio-me o caso à memória.- Já cá estavas...
- Quem é essa?
Oh ela sabia...
- Matastes Luísa! Matastes Luísa para que o bastardo de João não nascesse por ciúmes!- Brami incrédula.
- Cala-te!- Pontapeou-me até se cansar.
Eu gemia, arfava e gritava por ajuda. Amarrada, em desvantagem perante ela... ainda a recuperar de ontem...
Os guardas deixaram-me cair ao chão com desprezo vendo que tão fraca, não conseguiria levantar-me.
- Majestade, é...
- Silêncio Vivien!- Bramiu furiosa com a sua dama de companhia e pensei que lhe fosse bater também.
- Au...
Tentei erguer-me, mas doía demasiado.
Cobarde.
- Vais matar-me também?
- Não. Vou mandar-te para onde vai gente da tua laia.
- O Brasil?- Sorri.
- Macau.
Isso fica longe do Brasil, e de Inglaterra... e de tudo o que conheço.
- Levem-na.
- Não...- Pedi baixinho.
Não voltaria a ver o papá, o meu irmão, Henry, Catarina... Henry!!!
Quem tomaria conta de Vitória agora?!
- Até nunca.
- Não!
E, sem dó nem piedade, deu-me um pontapé na cabeça.
⭐👑⭐
- Já não tínhamos tudo resolvido?
- Também é uma honra rever-vos.- Sorri para o rei quando o mordomo se afastou.- Soube que Helena lhe deixou o colar que a rainha rebentou, quero-o de volta.
- Está no ourives.- Pousou a pena.- Que história é essa da rainha ter rebentado o colar? Helena disse que tinha rebentado.
- Ah sim... e pelas graças de Deus rebentou do nada.- Diverti-me com a sua ignorância.- Eu cá tentava conhecer a peça que me calhou antes de me deitar com ela, se fosse a vós.
- Ao invés de vossa graça, eu não tive a oportunidade de cortejar a dama com que me casei e preciso de um maldito herdeiro para a ver cada vez menos.
- Isso não é problema meu. O colar?
- Está no ourives e praticamente pronto. Assim que chegar entrego-vos.
- Agradecido.- Antes de bater a porta ouvi gritar.- Ouvistes?
- Vós também?- O rei surpreendeu-se.- Não é da minha cabeça desta vez.
- Ouvis vozes frequentemente?
- O vosso humor britânico enjoa-me.- Levantou-se e caminhou a meu lado apressado. Quem estaria em apuros?
- Francisca?- Verificou os aposentos da irmã.- Estás bem?
- Sim, e vós?- Estranhou a repentina preocupação do irmão mais velho.
- Um momento, onde está Helena?
- Ham... não sei. A rainha veio buscá-la. Disse que tinha uma conversa séria a meu respeito.
Helena estava sozinha com a rainha?!
- Onde estão elas?
- Não sei.- Balbuciou confusa.
Helena estava sozinha com Maria Ana e ninguém sabia onde estavam!
- A capela!- Lembrei-me de repente e corri pelo corredor e desci as escadas num ápice.
Verifiquei o altar, a sacristia, até o confessionário.
- Não estão aqui...- Murmurei começando a perder a cabeça.
- Onde são os aposentos da rainha?- Voltei a subir as escadas às pressas.
- Por... ali.- O rei ofegou. Pelos vistos tinha-me seguido mas já estava cansado.
Deslizei uns metros devido à sola dos sapatos no piso de mármore branco:
- A rainha está?
- Não lhe devemos essa informação.- Cruzaram armas.
Estava ali sim, no seu covil de maldade com o meu pobre anjo nos seus braços.
- Helena?- Brami e esperei um murmúrio, uma resposta, o meu nome. Qualquer coisa!
- Deixem-me entrar!- Dei um passo em frente e desembainhei a espada.
- Huu! O embaixador perdeu a cabeça!- O James observou paciente.- Não ouviram? Lord Hyde, quer entrar!- Desembainhou a sua espada também.
- Deixem-nos... vá.- João apoiou-se na parede com uma quase crise de falta de ar, e com ordens superiores, aquele par de incompetentes abriu.
- Que tipo de abuso é este?!- A rainha, que endireitava um arranjo de flores indignou-se.
- Onde está Helena?- Apontei-lhe a espada.
- O que... como vos atreveis a apontar uma espada a uma dama como eu?! Sou rainha de Portugal!
- E eu embaixador de Inglaterra, prazer. Onde está a minha noiva?!- Dei um passo em frente.
- Henry, isso eu não permito!- João caminhou pelo quarto dentro e tossiu umas quantas vezes, pondo-se frente à sua bem amada rainha.
- Que é isso?- O James embainhou a espada e reparou no sangue no chão quando a rainha recuou.
- Helena?!- Desesperei-me à procura por todo o lado. Armários, baús, varandas...- Helena, estás a ouvir-me?!
- O que aconteceu aqui? O que aconteceu a Helena?- João segurou a esposa com força, diria que com certo desespero e brutalidade.
Se não tivesse tão desesperado por procurar Helena, já a teria degolado.
- Eu não sei. As minhas regras devem...
- E eu sou virgem.- O James comentou, procurando também.
- Há passagens aqui?- Perguntei impaciente para o rei.
- Acho que sim.- Ajudou a procurar.- A rainha não sai daqui, e quem o permitir não volta a ver o nascer do dia!- Ordenou.
Que aconteceu? Teria morto Helena e encarregado o corpo a quem o atirasse ao Tejo?!
- Que é isto?- João apanhou uma bola de papel do chão, debaixo de um sofá, visto a rainha não querer colaborar, e muito menos as suas aias.- Isto é pessoal!- Bramiu furioso, como nunca o vi antes.
E eu já o vi em todos os escalões possíveis e imaginários de raiva e fúria.
- Quando eu me ocupar de vós...- Apertou o papel com tanta força que com certeza pensava no pescoço da rainha enquanto o fazia.
A cadela irritante de Maria Ana começou a ladrar e rosnar para uma parede. Intrigado com a loucura do animal, reparei que havia uma ranhura toda à volta. Sem duvidas que se tratava de uma passagem.
- James!- Chamei-o e ajudou-me a empurrá-la.
- As galerias outra vez não... mas quem é que se lembrou de construir a Ribeira sobre as Galerias Romanas?!- O rei resmungou, porém eu já corria por ali abaixo.
- Helena!- Gritei e a minha voz ecoou pelas centenas de metros de galerias vazias.- Helena...
- Nós vamos achá-la.- O James garantiu com o candelabro a meu lado.
Ouvia passos e murmúrios, porém havia eco demais para entender de onde vinham.
- Eu quero matá-la. Eu quero vê-la sangrar na minha espada.- Rosnei entredendes, num murmúrio que apenas ele pudesse ouvir.
- Calma embaixador. Não queremos mais uma guerra. Inglaterra já tem a sua quota de sangue para agora.- Tentou recuperar-me o juízo.
Uma vez mais não tinha sido capaz de proteger Helena.
- E se ela estiver morta? O que é que eu vou fazer se ela morrer, James?!- Senti o medo tomar-me. O desespero e dor de perdê-la eram grandes demais.
- Chama o macho dentro de ti, quero falar com ele!- Segurou-me a gravata com apenas uma mão.- Tu vais encontrar a tua mulher, demore o que demorar, custe o que custar. Não eras tão pussy quando deixaste Inglaterra, caramba!
Ele tinha razão.
Respira fundo, Hyde! Cada minuto que gastas em vão, é um minuto a menos para Helena.
- Por aqui!- O rei apressou-se com um mapa na mão.
- Três caminhos.- James olhou para nós dois.
- Apenas um.- Notei o brilho dos brincos de pérolas de Helena no chão húmido e sujo.
Corremos pelo caminho indicado e começámos a ver a claridade preguiçosa e ondulante de velas.
- Soltem-na imediatamente!- O rei rosnou e assustados deixaram Helena cair ao chão.
- Não tão imediatamente!- Brami com eles, pronto a socá-los assim que verificasse que Helena estava viva.- Oh meu amor...- Lamentei de coração dormente vendo o sangue no seu nariz e o seu rosto marcado de mãos rudes.- Helena, meu amor ouves-me? Milady?- Abanei-a levemente.
- Caramba Helena! Foi um tempo record desta vez!- João afligiu-se tanto quanto eu ao vê-la sem reação.
Eu ainda vou ter uma apoplexia ao lado dela. Primeiro assim numa carruagem, agora numas catacumbas quaisquer...
- Sais resolvem a situação, ela respira.- James sentenciou.- Acham que foi mesmo a rainha que a deixou neste estado? Maria Ana não é o tipo de sujar as mãos.
- Pagou a alguém para as sujar por ela.- Enfureci-me encarando os três homens que carregavam Helena para sei lá onde.
- Para onde a levavam?- O rei perguntou firmemente.
- Para o porto majestade.- Um deles murmurou.
- Qual era o destino?
Mantiveram-se em silêncio enquanto eu levantava Helena e a carregava no colo.
- Não volto a perguntar...
- Macau, majestade.
- Deixaram-na neste estado a mando da rainha?!- Enfureceu-se.
- Não, majestade.- Um outro ergueu a cabeça.- Só a segurámos, a rainha fê-lo com as próprias mãos.
- Ah quer dizer para segurar um ... mas para fazer... e depois ainda diz...! Arght! Eu quero a merda do divórcio!- Bramiu furioso caminhando com força e indignação de volta aos aposentos da esposa.
- Eu acho que consegues aguentar mais tempo que ele.- James riu baixinho no meu ouvido.
- Eu aguentarei a minha vida toda.- Sorri tristemente para a Helena adormecida nos meus braços.
- Acho que vão ser demitidos.- Murmurou e apontou para trás.
- É um castigo demasiado leve.- Respondi-lhe no mesmo tom. Pelos pulsos de Helena tinham-na prendido com imensa força.- Num frente a frente justo seria Maria Ana neste estado, aliás nem Helena a deixaria assim.
João estava frente a frente com a rainha, que fingia aquela cara de esposa devota e beata. Minha cara, podes banhar-te em água benta, porém nem o idiota do rei de Portugal engole mais nenhuma das tuas mentiras.
A desgraçada ainda ousou olhar Helena com asco.
Chutei uma daquelas bolas de papel e olhei de lado para o James que entendeu o que pretendia. Discretamente e aproveitando o clima tenso e distraído de todos, vergou-se e apanhou o tão valoroso papel que enfurecia João.
- Por aqui.- Uma empregada fez sinal para a seguirmos.
Com certeza levava-nos para um lugar onde Helena se pudesse recuperar, e assim foi.
- Obrigada.- Fechei a porta quando a senhora saiu. Deitei Helena em cima da cama e peguei o papel das mãos de James.- Desde quando é que este pacóvio escreve isto?- Enfureci-me.
Helena andava a corresponder-se com ele? Nunca me tinha dito? Traia-me?!? Como pôde?
- Não tires conclusões precipitadas. Também não gostava se algum gajo se fizesse à minha dama.
Apontei para a carta indignado. Ele não estava a fazer-se, ele já lá estava!
- Se ela tivesse as cartas não estariam aqui agora, não achas?
Era verdade. O James tinha razão.
- Macau! Macau não!!
Helena despertou muito confusa e alterada e corri para a acalmar.
- Macau não!
- Shh... estou aqui. Ninguém vai para Macau.- Segurei no seu rosto, tentando acalmar aquele olhar confuso e cético da minha presença.
- Henry?
- Sim.- Sorri-lhe.
- Bom, até logo.- O meu amigo saiu sem cerimónias.
- Foi horrível.- Chorou agarrada a mim num tom tão desesperado que mal a reconheci.- Ela... ela... ela fez-me...
- Não vai voltar a fazer.
- Ela matou Luísa!- Chorou desesperada.- Vai matar-me a mim, ela acha que me deitei com João. Ela vai matar-me. Oh Deus, vai matar-me!
- Eu não o permito.
O que será que fez de tão horrível para Helena ficar neste tamanho estado de desespero?!
- Eu estou aqui, Helena.- Garanti uma vez mais.
- Ela vai matar-me. João tinha cartas... o meu nome estava lá... ela quer matar-me.- Chorou certa de si.
Estava aterrorizada.
- Macau...
- Oh meu amor...- Lamentei agoniado, imaginando apenas parte do terror que sentiu.
- Ela matou Luísa, vai matar-me a mim...
- Se ela ousar sequer aproximar-se, sou eu quem a mata!- Garanti limpando o sangue seco na sua testa e o que de seco voltou a estar húmido pelas lágrimas e ranhoca do choro, no nariz.- Pronto.- Beijei a sua testa.
- Eu não me sinto segura aqui, Henry.
- Não tens de voltar ao palácio.- Garanti.
- Ela bateu-me com tanta força...
Sim, eu sei. Estás com uma marca no olho e um galo enorme.
- Eu só espero que...- Levou a mão ao ventre.- Que não tenha estragado nada.
- Helena, de que é feito o teu corpete?- Tentei aliviar o clima para afastar o pânico de ambos.
- Eu não sei, cobre talvez?
- E cobre é metal, então significa que tens uma armadura.- Desci os dedos dos seus ombros até ao ventre, deliciado com o seu arrepio.- Tu estás bem e estás a salvo, Helena. Tu és a minha guerreira, então não deixes que uma mera austríaca te assuste.
- Uma austríaca que já matou uma mulher grávida, sem limites de poder!
Beijei-a.
Simplesmente senti essa necessidade e fui o que fiz. Surpreendentemente fui correspondido, por isso disfrutei o momento.
Namorei o seu pescoço e o seu peito, como sempre sonhei fazer e fui recebendo gostosos gemidos em retorno. Aproveitei a cama para deixar Helena mais confortável, antes de subir em cima dela e me desfazer da casaca apertada.
Com tantas camadas de saias e tecidos não dava para sentir a sua pele ou as suas curvas... mas ninguém a livra de uma bela sessão de beijos.
Sobre ela, beijei-a lascivamente, temendo perdê-la a qualquer momento.
- Porque... paraste?- Murmurou hesitante.
- Eu...- Abri os olhos e encarei os seus com curiosidade e incredulidade. Era real? Eu tinha sido surtudo o suficiente para amar e ser amado pela minha mulher?- Não sei.- Ri com a minha tolice e tornei a beijá-la, bebendo dos seus beijos e arfares sôfregos. Entrelacei as minhas mãos nas suas, sentindo o pouco de pele que dispunhamos.
- Oh...
- Minha Nossa Senhora, sai de cima dela maldito inglês!- Assustado com os gritos repentinos, afastei-me de Helena como pegasse fogo.
O rei...
Não tranquei a porta... erro de principiante, Hyde!!
Helena sentou-se muito depressa, encarnada tanto pelos nossos beijos, como pela interrupção daquele empata.
- Que é que pensam que estão a fazer?!- Cruzou os braços e batucou o pé no chão.
- E desde quando é que lhe devemos explicações, majestade?- Farto de todos os seus ciúmes e atitudes infundadas respondi-lhe.
Dane-se o resto. Ele tinha atingido o limite!
Helena ainda tentava argumentar qualquer coisa.
- Primeiro fazeis de tudo para me mandar embora depressa, depois queimais as minhas cartas, cortejais deliberadamente Helena como se ser rei vos livrasse de levar uns socos e agora...- Apanhei do chão a bola de papel e atirei ao seu peito.- Atreveis-vos a redigir cartas de amor à minha mulher e a cometer a indelicadeza de nos interromper num momento destes!
Espantado com a minha fúria, João não teve o que dizer. Nunca ninguém o deixou sem palavras.
- Estas cartas nunca deviam ter saído da gaveta...- Admitiu.- Mas eu não me arrependo de...
- Eu não quero saber do que vos arrependeis ou não!- Soquei-o, expulsando a furia que me entupia as veias há meses.- Eu também não me arrependo disto!- Soquei-o uma vez mais e retribuiu um sopapo.
- Seu grandessíssimo...!!!- Atirou-se para cima de mim aos morros.
- Parem com isso!
Desta vez não, Helena!
Eu até podia tolerar a amizade dela com alguém, se esse alguém fosse respeitador e fosse amigo sim, não um amigo próximo demais que quer dar o golpe! Este desgraçado não descansaria até corromper a minha Helena!
- Henry!!- Chamou mas não quis ouvir. Eu só ouvia as queixas e arfares deste diabo mal acabado.
Maria Ana é um castigo insuficiente para ele!!
- João!!- Replicava.
- Helena merece bem melhor que vós!- O rei cuspiu sangue para o chão, atarantado comigo.
- E o que vos faz achar que sois melhor que eu?- Ri com escárnio antes de partirmos um para cima do outro outra vez.- Queimastes as minhas cartas, seu maldito bastardo!!- Gritei furioso.
- Henry!- Helena pôs-se entre nós tão de repente que por pouco ia-lhe acertando.
Ela estava cansada, ainda despenteada e a precisar de cuidados e nós aqui... como dois idiotas ao estalo.
- Parem com isto.- Pediu olhando bem fundo nos meus olhos, notei os seu olhar cansado. Tinha uma dor de cabeça enorme, com certeza.- Eu entendo porque é que o fizeste, de verdade...
- E também entendo porque lhe correspondeste.- Olhou João. Lentamente foi afastando os braços para ter a certeza que estavamos longe o suficiente um do outro para não recomeçarmos aquela algazarra.- E uma vez mais eu lamento muito, porém repito: eu não vos amo.- Chorou ainda fragilizada encarando-o.- E esta pouca vergonha mostrou como não me respeitaste sempre que vos disse o mesmo. Nem a mim, nem a Henry.
- Mas...
- Sem mas, majestade.- Impôs soluçando.
- Helena...
- E tu!- Impediu-me de me aproximar, zangada.- Como pudeste bater-lhe?!
- Pergunta-te é como é que nunca o fiz antes.- Enfureci-me.- Eu tolerei esse pacovio tempo demais.
- Ah seu...
- Parem!
Helena estava furiosa e vendo bem... não estava a tê-la em consideração. Tinha acordado faz pouco tempo, não tinha que testemunhar esta confusão e muito menos separar-nos.
- Amor...
- Tu não me toques, Henry Hyde! Tu não te atrevas a tocar-me agora!!- Soluçava.
Engoli em seco e recuei. Ela estava mesmo, mesmo, mesmo zangada.
- E vós...- Voltou-se para o rei.- Já vai sendo tempo de vos lembrardes da verdeira postura que um rei deve ter. Não tendes 10 anos, majestade!- Vociferou.
- E vós não sois ninguém para me dizer como devo comportar-me Helena.
⭐👑⭐
Bateu o tação do sapato duas vezes no chão e entrou um par de guardas, bastou apontar para Henry que logo o amarraram.
- Larguem-no!- Tentei acudi-lo.
- Ele ousou agredir o rei, e vai sofrer o devido castigo.
João estava frio, imparcial e ofendido. O castigo devido seria a corda no pescoço!
- Ele é embaixador inglês! Não podeis... não vos atreverias a...- Ou atreveria?
- Ele não é tão idiota assim.- Henry estragou o que restava com a sua maldita ironia.
João riu ao dar-lhe duas pancadinhas no ombro e sair com um lenço no nariz para estancar o sangue.
- Não!- Debateu-se quando as duas bestas o arrastaram do aposento.
- Henry!- Tentei puxá-lo desesperada, todavia era em vão. Doía-me tudo e pouco ou nada ajudei. A minha cabeça estava prestes a explodir.
- Reune os rapazes, escreve à minha tia mas não contes o que aconteceu. Eles que fujam daqui!- Indicou antes dos homens o conseguirem arrastar.- E mantém-te segura!!
- Henry!
Santo Deus, que faria agora? Sou inútil neste estado e de repente João faz-me ouvidos moucos!!
Como é que o vou tirar desta?!
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