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51. O casamento real

- Majestade, majestade acorde por favor!

- Sebastião?- Dei um pulo da cama sobressaltado.- É a minha irmã? Estamos a ser atacados?

- Não, é... Luísa.

Vesti o roupão às pressas.

- O que tem Luísa?

O mordomo pousou a vela na minha cabeceira e hesitou antes de prosseguir.

- Fala!

- Chegou uma carta há pouco. Luísa sofreu um aborto...

O meu filho... morreu?

- E ela está bem?- Achei coragem para perguntar.

O seu silêncio foi a resposta.

- Morreu?

- Perdeu muito sangue. Não conseguiram salvá-la.

Quanta dor e sofrimento deve ter passado.

Corri até à capela e ajoelhei-me sôfrego a rezar. Não queria magoá-la, jamais quis prejudicá-la. Luísa morreu por culpa dos meus desejos.

- Cuida deles, cuida do meu filho.- Implorei a Deus.- Perdoa Luísa, pois fui eu que errei. Que descansem em paz, é o que Te peço!

⭐👑⭐

- Que quantidade usaram? Não era suposto matá-la!- Barafustei enquanto Eliza chorava copiosamente.

- Era um bebé inocente...

- Um bastardo!- Lembrei a minha aia chorosa.

- Que não tinha culpa dos erros da mãe.- Cora declarou.- É bom que ninguém desconfie, ou podeis acreditar que ireis ficar solteira para sempre.

- Eu sou...

- Vosso esposo não!

- Estou na capela.- Peguei no meu missal, deixando as aias para trás. Que faria agora?

⭐👑⭐

- Helena, o que aconteceu?- A infanta perguntou-me baixinho.- Hoje parecem todos mais estranhos que o costume.

- Shh!- Maria Ana silenciou-nos.

Não sabia como contar a Francisca sobre a morte de Luísa. Maria Ana sabia? Como é que uma mulher casada reage a situações destas?

- Vinde.- Segurei na sua mão e saí com a princesa até ao corredor, e no banco da janela tentei encontrar uma forma mais suave de lhe contar.

- É sobre o João?

- Acaba por ser.- Começava a preocupá-la demasiado.- Luísa faleceu esta madrugada, não sobreviveu ao aborto.

- Luísa? Morreu?- Franziu o cenho. Acho que tentava absorver a notícia.- Mas ela... ela não estava doente, nem era velha.

- Pois não.- Senti uma mágoa maior ainda.

- Ela... ela era... não, não morreu nada!- Começou a chorar, quieta, sem soluços, como se uma parte de si ainda estivesse cética e o seu coração sentisse o pesar do ocorrido.

- Como é que alguém morre assim?!

- É comum, pelo me contaram.

Reparei em Henry no final do corredor, pelo semblante carregado, já devia saber as novidades.

Edward ficará devastado. A paixoneta por Luísa estava simplesmente à espera do momento certo...

Não faço ideia de como João reagiu a isto. Se com frieza e indiferença, ou se num estado de lamentação profundo.

- É tão estranho...- Abraçou-se a mim.

- Está num lugar melhor agora.

- Espero bem que sim.

- A oração ainda não terminou!- A princesa austríaca bateu os sapatos com força no chão para que a ouvíssemos chegar.

- Vou já.- A menina limpou as lágrimas às pressas e estendeu a mão à cunhada, que surpresa, demorou a dar-lhe a mão.

- O recado é o mesmo para vós, menina Helena.

- Dê-me um momento, alteza.- Pedi e a mulher ao encarar Henry no final do corredor revirou os olhos.

- Deus não espera.- Voltou-me as costas e prosseguiu caminho.

- Estás bem?- Henry descansou a sua testa na minha.

- Acho que sim.

- É horrível.

Anui concordando com ele.

- Edward ficará devastado. Nem quero imaginar como estará o rei.

- Era o filho, Henry.- Estremeci.- Perder o filho desta maneira... e sei que nalgum momento chegou a amar Luísa. Eram amigos.

- É estranho que alguém jovem como ela morra com um aborto, e que seja um aborto tão tardio.- Comentou.- A rainha sabia sobre eles dois?

- Henry, isso são acusações graves. Podes ser preso!- Silenciei-o.

- Não acusei ninguém.

- Hoje não foi um bom dia para me levantar da cama.- Deixei cair a cabeça no seu ombro tomada pelo cansaço. Não eram ainda 10 horas da manhã.

- O teu irmão?

- Sim.

- Como é que Catarina reagiu?

- Não sei.- Admiti.- Está... nem sei bem. Ela estava tão contente por contar ao meu irmão como a Vitória já gatinha e depois o meu pai contou-lhe e...

- Deve ter sido horrível.- Afagou as minhas costas.

- Foi mesmo. Eu saí com os meus amigos para me divertir e quase me mandou para um convento, o meu irmão sai para fornicar, com a esposa e a filha em casa e só faltou o papá abrir champanhe para comemorar!- Indignei-me.- Sou capaz de bater no meu irmão se o vir à frente.

- Tens de relaxar, amor. É triste, mas não são problemas teus, não podes deixar que te absorvam tanta energia.

Ele tinha razão.

- Ontem estavas tão linda na ópera... feliz primeiro dia!- Beijou-me.- Eu amo-te, milady.

- Não chegas com isso até ao final da semana.- Cruzei os braços certa de mim.

- Queres pagar para ver?

⭐👑⭐

- Se não têm mais nada de útil para hoje saiam!- Ordenei depois de estarmos outra vez a discutir sobre os mesmos assuntos. Não estava com cabeça para isso hoje.

- Majestade...

- Agora.

Em fila, foram saindo. Eduardo hesitou, no entanto foi atrás dos colegas.

Esta manhã, enquanto tomava o pequeno-almoço, recebi uma outra carta, esta do pai de Luísa, que por meses não largava a corte e agora foi embora, já não havia nada a prendê-lo aqui. A carta dizia que o feto ainda não completamente formado era um menino.

Eu teria um rapaz.

Acho que o único ponto a favor de toda esta situação infeliz, era o facto da maldição ter já sido consumada. Quando Maria Ana tiver um filho, nascerá forte e saudável.

- Eu soube o que aconteceu.

Assustei-me com a entrada repentina da minha esposa.

- Rainha ou não, bateis à porta antes de entrar.

Embaraçada, fechou a porta com cuidado antes de se sentar numa cadeira a meu lado.

- Soube de uma tal Luísa e do aborto.- Apertou as mãos, nervosa.- Sinto muito pela situação.

- Sentis mesmo?- Bufei atirando a pena para cima da mesa.

Atrapalhada com a minha reação, acenou que sim.

- É uma situação de que não gosto, no entanto a criança era inocente não tinha culpa do adultério da mãe.

- Luísa não era casada para ser adúltera.- Lembrei.

- E vós?

- Eu ainda não sou casado para o ser.- Respondi prontamente e a resposta parece ter sido como um golpe de espada para ela.- Perdoai, não pretendia ser indelicado.

- Acabastes de perder um filho. Está tudo bem.

- Senhora, há algo que tendes de entender.- Segurei nas suas mãos e então entendi como era difícil o que iria dizer-lhe. Entendo agora o desconforto e cuidado de Helena.- Eu quero muito este casamento, e quero muito que sejais feliz, quero ser feliz também. Sois uma companhia muito agradável, sem dúvidas mais sábia e impassível que eu. Sois gentil, educada e simpática, tendes um sorriso adorável mas... eu não vos amo.

Pude jurar que quase senti as suas mãos arrefecerem.

- Isto ainda é por vos ter recusado, não é?

- Não, nada disso.- Garanti.- Eu adorarei tornar-me no vosso melhor amigo, confiar-vos os meus segredos e proteger os vossos, ter uma família. O problema não é vosso, é culpa minha, não sois o meu tipo de mulher.

- Eu não vos desperto desejo.- O seu resumo foi mais direto e doloroso do que o meu.- Ótimo.

- Eu não disse isso...

O seu olhar era tão cortante que não me permitia mentir.

- Porém é verdade.

- Eu sei que deveria agradecer vossa sinceridade, mas não é o que tenho vontade de fazer.- Afastou as mãos das minhas.- Não quando eu estou aqui, vinda de longe para vos amar e cuidar e vós tendes a ousadia de esfregar na minha cara que preferis mulheres mundanas, sujas e patéticas que recebem o pagamento e vão embora.

Havia uma pequena percentagem de razão no que falava.

- Eu sonhei por meses pelo momento em que vos veria pela primeira vez. Imaginei como seríeis perfeito, como a nossa vida juntos seria bonita, unida e...

Vilar Maior será despromovido.

- Eu fiquei tão feliz quando recebi vosso colar... Não sabia nem o que escrever em resposta.- Levantou-se e afastou-se de mim.- Eu amo-vos e lamento sinceramente o que aconteceu.

Eu começo a achar que o meu talento quanto às mulheres não é assim tão fantástico. Eu sou uma nódoa a lidar com o sexo oposto.

Como se não bastasse, agora até Maria Ana me está de costas voltadas!

Dias como o de hoje são para esquecer.

À tarde, quase noite, saí para o velório. Não vesti negro, porém não usei as minhas cores habituais. Poupei Maria Ana à humilhação de me acompanhar, e lá, no palacete do duque, encontrei Henry e Helena entre tantas outras caras conhecidas e estranhas.

Francisca tinha razão, ficavam adoráveis juntos, pelo menos quando sorriam, o que não era o caso agora.

Aproximei-me do corpo sem vida. Luísa que já era alva, estava tão pálida quanto o mármore que adornava o paço. Como é que é possível? Conversamos horas antes de toda esta catástrofe. Como não pude reparar que havia algo de errado?

- Francisca ainda não acredita.- Helena murmurou a meu lado.

- Nem eu acredito ainda. Ainda ontem à tarde falamos... a vida é tão efémera que assusta.

Suspiramos em silêncio. Um silêncio pesado, como seria de se esperar num velório.

- Eu queria este bebé.

- Algo me diz que bebés não te faltarão.- Confidenciou com indiferença.

Zanguei-me e só depois encolhi os ombros conformado. Como sempre ela tinha razão.

- Mas não serão de Luísa. Este era o único filho que teria a chance de ser bonito.

- Bem... beleza interior conta.- Atrapalhou-se.- E vós tendes imensas qualidades.

- Como vai Henry? Ouvi dizer que casaram.- Sorri ao lembrar esse outro golpe para mudar de assunto rapidamente

- Ham... como...

- Eu não denuncio as minhas fontes, mas um convento? A sério, Helena? O convento de Xabregas é o maior bordel de luxo de Lisboa.

- Também a vossa corte e eu não resmungo.

- Resmungais. Resmungais sim.- Diverti-me.

- Na verdade ficou tudo igual. Só nós sabemos, portanto...

- E as núpcias?- Provoquei-a e cravou o tacão de madeira do sapato no meu pé.

- Ahh!! Perdi um dedo.

- Não sejas grosseiro!- Ordenou indignada.

- Está tudo bem?- Henry deixou a conversa para trás e juntou-se a nós.

- Porque não estaria? Estou no funeral do meu filho e de uma das minhas melhores amantes.

- Os meus pêsames.- Falou verdadeiramente sentido.

- Obrigado e felicidades.- Sorri o melhor que consegui.- Que tenham muitos e longos anos felizes na companhia um do outro.

- Obrigada.- Sorriam-me.

Se Helena estava feliz, eu estava feliz também.

- Bom, não há mais nada que possa fazer por ela.- Pedi o meu agasalho ao empregado com um pequeno sinal.- Até amanhã.

⭐👑⭐

- Helena, eu pareço uma bruxa!- A infanta gritou aborrecida com os caracóis que as empregadas lhe faziam.

- Não pareceis nada, estais adorável.- Tentei acalmar o seu humor.

- Arght!- Maria apertou-lhe o espartilho com força demais e ajudei-a a aliviar o aperto.

- Estais linda e adorável.- Colei uma mosca no seu rosto e estendi-lhe o leque.

- A Diamante?

- Ham... na gaiola.- Apontei para as grades finas da casota da gata.

Desde que houve desentendimentos entre a Diamante e a Mila, o rei submeteu Francisca a medidas mais drásticas.

- Vocês estão lindas.- Comentou olhando para nós.- Bem mais bonitas que as austríacas.

- Oras, alteza. Está nalgum tipo de competição com a rainha?- Carolina provocou-a.

- Quando as minhas aias são mais bonitas que as dela, sim.

Endireitei o meu colar de diamantes, aquele que o meu irmão me deu no aniversário.

Há alguns dias que não vejo Henry. Com a barafunda do casamento e das sessões com a rainha... sim, Maria Ana ficou um pouco em baixo quando descobriu que aqui apenas o rei partilhava do seu amor à leitura, conhecimento e gosto refinado na arte, e mesmo João leu apenas metade dos seus autores de economia e filosofia.

Decidi juntar-me a ela para lhe mostrar que a Ribeira não tinha apenas mandriões, o que era verdade, no entanto havia gente que apreciava a sua sabedoria. Eu aprendi imenso com ela.

Às vezes eu ficava meio de pé atrás, a rainha pouco sorria e continuava a dizer apenas o essencial. Entendi que lhe doía saber das infidelidades de João, não que eu soubesse de alguma desde o falecimento de Luísa. O rei era o tipo de pessoa que não passava uma noite só.

Se eu me acostumasse com a reserva de Maria Ana, seria mais fácil para mim quando Henry me apresentasse para a comunidade inglesa.

Deve estar tão nervosa agora...

⭐👑⭐

- Espera!- O meu irmão rosnou-me pela centésima vez enquanto me tentava ajeitar o colarinho da camisa. Não ficava bem nem por nada!

- Despacha-te!

- Prontinho, vês que quando ficas quieto ajudas mais?- Aborreceu-se endireitando o meu laço de renda alvo da gravata.

- Pareces um embrulho de Natal!- O Manuel mal entrou e riu como um parvo.

- Idiota. Vê-se mesmo que não entende nada de moda.- Observei o meu reflexo dourado no espelho.

Era suposto ser uma casaca branca com bordados dourados, porém pedi tantos bordados que mal se via a cor do tecido.

Maravilha!

Coloquei o colar de cetim vermelho cerimonial com o brasão de Portugal e enchi o peito.

Já sentia saudades, a última vez que o usei foi na minha coroação.

- Ah, agora pareces mesmo uma princesinha.- O pirralho mais novo insistia em chatear-me. Foi preciso o António me agarrar para não lhe atirar uma estatueta de cristal.

- Comportem-se! Está cá o mundo inteiro e não vieram para ver uma criança!

- Ele que fique quieto.- Mandei.- Vamos. Tenho de chegar à Sé antes de Maria Ana.

Entramos no coche decorado com belas flores e fomos acenando a todos os que gritavam entusiasmados.

- O povo está ao rubro.- António sorria entusiasmado.

Quando descemos, na escadaria da Sé, os guardas guardavam a distância de segurança, enquanto eu e os meus irmãos acenávamos uma ultima vez antes de entrar. A igreja já estava apinhada de convidados, aqui apenas entravam fidalgos, embaixadores e clérigos de importância. O povo fica lá fora hoje, no seu devido lugar.

Reparei que muçulmanos, judeus, ortodoxos e asiáticos, que sei que adoram vários deuses diferentes dos nossos e desprezavam as minhas crenças ousavam pisar aqui, em terreno sagrado, apenas para contar como seria a cerimónia aos seus superiores. O meu casamento deve ser realmente importante.

Os meus irmãos entraram a meu lado, percorrendo a Sé até aos seus lugares na frente de peito cheio e cabeça erguida, como se devia. Francisca acenava a toda gente, de sorriso radiante no rosto, entusiasmada com as diferenças de todos, os turbantes dos árabes, o tom alvo dos da Prússia, os olhos estranhos e as roupas diferentes do chineses, as cores intensas do vestuário dos indianos e tantas outras características dos imensos povos ali dentro.

No altar ainda sozinho, percorri o olhar pela multidão e encontrei Helena sem querer. Endireitei-me muito depressa e fixei-me no altar de pedra. Não mudes de ideias, não aqui, não agora, jamais! Não mudes de ideias! Dever! Tu tens um dever para com o teu povo! Além disso Helena é casada agora.

Apesar do burburinho intenso e alto, só ouvia a voz da minha irmã que parecia ter espinhos no banco. Bastou um olhar para se aquietar e comportar. Pelo menos alguém está entusiasmado na família. O Manuel também, mas só para me provocar, ou não fosse o irmão mais tramado.

O barulho cessou e olhei instantaneamente para a entrada.

Maria Ana tinha chegado, a minha nova rainha. Caminhava lentamente e cheia de graça pelo longo corredor da Sé. Usava uma cabeleira empoeirada alta, e um vestido de ancas largas, bem largas e compridas, tão compridas que quase não cabia na largura do caminho ladeado de pessoas em pé e bancos corridos de madeira enfeitados com flores e tule.

O seu rosto imparcial e branco mostrou uma pequena ruga de insatisfação quando parou a meu lado. Sim, ela ainda estava fula comigo, sem duvida alguma. Bem arreliada pela conversa que tivemos há umas semanas... e pela falta de atenção que lhe tenho dado.

- O colar fica-vos realmente muito bem.- Elogiei baixinho o colar de diamantes que lhe tinha enviado há uns meses.

- Na casa de Deus quer-se silêncio.

Que simpática.

O bispo deu inicio à cerimónia, usava um tom solene e elevado e no final, sem surpresa alguma dissemos os dois que sim e trocamos um beijo na bochecha. Que paixão latente!

Após isso, a cerimónia de coroação foi rápida, isto porque não seria coroada e sendo apenas rainha consorte não requeria tantos procedimentos. Ajoelhada, li-lhe as razões pelo qual teria de jurar fidelidade perante Deus, perante o povo e perante mim. A sua majestade era representada por uma fita vermelho-sangue, que se apoiava no ombro direito e terminava na anca esquerda com um laço. A fita tinha um broche de ouro com o brasão de Portugal e até que nem lhe ficava mal.

Quando terminei, segurei a sua mão e ajudei-a a levantar, pondo-me a seu lado segurei a sua mão, mostrando a todos a nova e devota rainha.

Uma longa salva de palmas foi ouvida e acabei por reparar que sorria.

Quando o entusiasmo generalizado se acalmou saímos juntos lentamente, à medida que os presentes se vergavam numa saudação à nossa passagem. Na escadaria, acenámos ao povo que foi à loucura quando nos viu. Atiravam arroz e pétalas de rosa extasiados, foi assim todo o caminho no coche de ouro e veludo vermelho, onde acenávamos e retribuíamos o carinho de todos.

⭐👑⭐

- E agora beber e comer até cair! Eu adoro casamentos!

- Edward, comporta-te.- Diverti-me com o meu amigo.

- Não te sintas ofendido, também estou ansioso pelo teu. Havíamos de ter um todos os meses!

- O colar da rainha era magnifico.- Hetty relembrou a peça.- Quero um colar de diamantes assim, Henry.

- Eu também queria um lugar no parlamento e estou aqui, mana. Cada um tem a sua sorte.

Os infantes passaram por nós e reparei no rosto da minha irmã quando António passou e nem se dignou a encará-la. Era realmente repugnante esta atitude dele. Como irmão queria desafiá-lo para um duelo, como embaixador... o sangue frio tem de ser mantido.

Helena passou atrás da infanta e lançou-me um sorriso subtil, ela ficava linda com aquele colar. Tão bem que lhe assentava e reluzia no seu peito, destacando os seus seios como duas pombinhas oprimidas.

- Sangue frio.- Edward lembrou e dei-lhe um encontrão.

- Meu Deus...

O príncipe da Prússia passou por nós com o semblante carregado, sempre com aquele ar zangado e frio.

- Henrietta Marjorie Linz Hyde, aprende a ter modos.

- Irmão, quando tu olhas para uma dama e ousas gritar como é bela, eu sei muito bem olhar para um cavalheiro e dizer o quanto é bonito, e o príncipe é sem dúvida alguma bonito.

Esta sua paixão por príncipes estrangeiros seria a minha e a sua ruína.

Seguimos para o palácio ainda surpreendidos com toda esta emoção do povo. Eu tinha um almoço marcado na longa mesa de diplomatas com o rei. Edward e Hetty teriam de encontrar outro lugar onde se alimentar.

A diversidade de culturas naquele salão era surpreendente. Reparei que estava cá toda a família de Helena, incluindo um velhote de bengala que se tinha sentado hoje a seu lado na igreja. Previ que fosse um avô seu, ou sogro de Lucas, pois pareciam próximos.

- Ei!- Senti o chapéu ser-me tirado da cabeça.

- Peço desculpa.- Um homem ligeiramente aflito fulminava um papagaio no topo do candelabro.

Eu gostava daquele chapéu...

- Ele vai devolvê-lo. Eventualmente.

- Trouxestes um papagaio indisciplinado para o banquete de casamento do rei?- Duvidei da sanidade do individuo.

- Ele nunca fez isto em casa.- Desculpou-se.- Sou o Salam Bin Musarah, embaixador do Império Persa.

- Percorrestes um longo caminho.- Sorri apertando a mão que me estendeu.- Henry Hyde, embaixador do Reino de Inglaterra.

- Creio que isto seja de vossa mercê.- O Príncipe da Prússia veio entregar-me o chapéu de aba triangular.

- É sim, obrigado.- Prendi o chapéu debaixo do braço.- Como sabíeis?

- Eu sei tudo.- Virou costas e foi embora.

Ainda era primo de João, com toda a certeza.

- Simpático, ele.

Eu ia dar-me muito bem com este Salam!

- Os príncipes infantes D. António e D. Manuel e a princesa infanta D. Francisca de Portugal!- O mordomo anunciou e os infantes entraram juntos, felizmente Helena e as restantes damas de companhia vinham com a menina.

⭐👑⭐

- Ainda bem que trouxe a Diamante.- A infanta sentou-se aborrecida.- O vestido de Maria Ana era lindo!

- Concordo.- Dionísia sorriu.

- O que mais gostei foi cabelo...- Carolina tocou no seu cabelo cuidado, com certeza imaginando aquele penteado espampanante. 

- Eu adorei o colar. Nunca vi nada igual.- Maria tocou no seu colar de pérolas e ouro, provavelmente imaginando algo tão pesado e maravilhoso quanto o da rainha.

- E vós Helena?- A infanta estranhou a minha falta de opinião.

- O manto.- Imaginei.- O manto de arminho ficou-lhe muito bem. 

Gostava de ter um daqueles um dia. Um manto azul enorme, forrado a arminho, aposto que era bem fofo e quente.

Infelizmente nunca chegaria a esse nível de ostentação, ela ilegal, por mais importante e rico que o fidalgo fosse. Arminho só para reis e rainhas.

- Diamante!!- Francisca assustou-se quando a gata lhe saltou do colo.- Vem aqui!- Murmurou.

Gatos não eram tão obedientes como cães, pelo menos esta gata não era.

- Ela já volta.- Carolina tentou tranquilizar a menina.

- Se a Diamante estraga o almoço de hoje, o meu irmão manda-me para um convento!- Apoquentou-se.

- Eu vou procurá-la.- Maria sorriu e dissolveu-se nos estranhos em busca da problemática Diamante.

Mais tranquila, a infanta levantou-se do sofá e foi em busca dos irmãos, assim pensava eu até a ver aproximar-se de um homem de tez morena e turbante vermelho escuro com desenhos dourados. O homem vestia os mesmos tons do turbante.

Que faria ela?

- Olá!

O senhor pareceu intrigado e respondeu em latim, língua na qual se desenvolveu toda a conversa.

- Princesa.- O senhor vergou-se.

- Gosto das suas roupas.- Admitiu com um sorriso doce e inocente.

- Obrigada. É muito gentil de sua parte.

- Eu ouvi histórias do seu país. As minhas favoritas são d'As Mil e Uma Noites, é mesmo verdade que havia um rei assim?

- Sim, senhora.

- E um só homem enfrentou 40 patifes?

- Claro!- O senhor respondeu entusiasmado às dúvidas da menina.

- E que têm lâmpadas mágicas?- Saltitou.

- Tenho uma na minha mesinha de cabeceira.- Confirmou.

- A sério?!- A menina pulava entusiasmada.

- Alteza...- Murmurei, lembrando-a qual o comportamento adequado.

- Onde é que posso comprar uma?

- Oras, lâmpadas mágicas não se compram.

- Então diga-me a rota do seu país. Eu mando navegadores irem buscá-la para mim.

Rimos os dois com os planos da menina que começava a enfurecer-se.

- Tendes de fazer por merecê-la.

- Oh... e como é que isso se faz?

- Então, tendes de ter uma lâmpada e todas as noites tendes de escrever num papel qual o vosso desejo, depois deixais o papel na lâmpada e rezais. Um dia virá quem os concretize.

- Isso demora quanto tempo?

- Não sei.- Sorriu encolhendo os ombros.

- Os vossos desejos concretizaram-se?

- Alguns sim.

A menina ainda ia fazer mais umas quantas perguntas, no entanto foi interrompida pelo mordomo a anunciar os noivos.

Depois da vénia é que reparei ainda mais atenta: Maria Ana ficaria com uma dor horrível no pescoço com o peso daquela cabeleira.

Após a vénia coletiva de todo o salão, uma longa salva de palmas foi comum a todos. João segurava com cuidado na mão da esposa, enquanto sorriam daquele modo circunstancial, como se o fizessem apenas para não exibirem uma plena careta de tédio e asco.

Atravessaram o salão e a porta seguinte foi-lhes aberta. Uma enorme sala florida, de tons azuis dourados e rosados, de bonitos frescos no teto e nas paredes, tinha uma longa mesa posta com o maior brio e pormenor. Secretamente e sem chamar a atenção olhei que a comprida fila de copos das centenas de convidados do lado esquerdo, estavam religiosamente alinhados. Os ouros e as pratas reluziam mais que estrelas, os pratos de porcelana chinesa tinham bonitos desenhos e os guardanapos de pano tinham um trabalhado bordado da mesma cor do vestido da rainha. A atenção ao detalhe era extrema.

Não nos sentamos propriamente perto dos noivos, no entanto Henry estava bem lá ao fundo da mesa, quase de franzindo o cenho para conseguir ver as majestades.

As aias da rainha, uma meia dúzia de lugares longe dela pareciam reprovar a minha presença. Qual era o problema delas?

Eu já imaginava que este seria um longo, demorado e espampanante almoço, porém nunca esperei que depois de D. João ter feito a bênção à refeição fossem servidos 17 pratos e 3 sobremesas.

Já todos se tinham levantado à vez para regurgitarem a refeição longe dos olhares alheios, prontos a engolir mais, até mesmo o papá e Lucas. Eu permanecia quieta e um tanto ou quanto desconfortável com a situação. Não havia ninguém interessante com quem conversar... entretia-me com o meu champanhe e brincava com uma batata que esperava a recolha do criado. O avô devorava o borrego de um modo pouco delicado, desfrutando mais da refeição do que da nossa companhia. Pelo menos não trouxe a rameira dele.

Quando o papá chegou, pela segunda vez desde que nos sentámos, procurei dentro do bolso da sua casaca que horas eram. Bufei quando reparei que já estávamos à mesa há umas quatro horas, entre gargalhadas, bebida e conversas alheias... ainda não tinha visto sombra de sobremesa sequer!

Lamento João, mas o teu casamento é um total aborrecimento. As minhas expectativas estavam bem lá em cima, seu convencido!

⭐👑⭐

Desculpem estar a demorar tanto, princesas!

Como têm estado? Espero que seguras e bem trancadas em casa.

Sigam-me no Instagram: Leitoracriativa01 como não podia deixar de ser.

Espero que tenham gostado do capitulo!!

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