5. Leonor Albuquerque
- Bom dia!
- Arght! Mais um pouco Bianca!- Pedi para fechar as cortinas novamente.
- Não posso menina, ordens de seu pai.
Arght!
Banhei-me, vesti-me e perfumei-me antes de descer. Não me sentia corajosa o suficiente para enfrentar o papá... que já tomava o desjejum.
- Bom dia.
- Bons dias.- Respondeu sem emoção.
Servi-me de chá e bolachas.
- Acerca de ontem...- Olhou-me por cima do livro que lia, politica talvez.- Eu quero pedir-vos perdão. Por momentos esqueci o meu lugar.- Sorri com amargura.
Era humilhante proferir tais palavras. Nós, mulheres, somos apenas objetos de prazer e procriação para os homens.
Humilhante!
- Fico feliz que tenhas recuperado a sanidade.
- Não tendes com que vos preocupar com o rei. Escreveu-me e... deixou claro que não tinha valorizado a situação.
- O rei escreveu-vos?!- Quis garantir. Estava entusiasmado e contente em saber.- Quero ler!
- Bianca, trazei-me o bilhete que está na gaveta da cómoda do quarto.
- Sim, menina.
Em poucos momentos o papá já segurava o papel amarelado com o selo real, enquanto lia atentamente.
- Isto é muito bom.- Entusiasmou-se.- Deus olhou por nós! Obrigada Senhor!- Fez o sinal da cruz.
Que exagero!
- Já vi pacóvios serem expulsos da corte por bem menos, Helena.
Realmente o temperamento do rei... mostrava isso.
Sentia-me entusiasmada por nos podermos encontrar de novo sem desavenças, conseguirmos uma conversa civilizada sobre interesses comuns, pois sua majestade parecia bastante culto e com certeza seria uma conversa enriquecedora.
Balelas!
O que é que um rei quereria conversar comigo?
Rir-se-ia na minha cara.
- Estive a pensar... na sexta-feira podíamos ir até Sintra. Voltávamos no domingo. Não me parece que vá chover, embora Sintra seja imprevisível no que toca ao tempo.
- Parece-me bem.- Sorri. As árvores altas, a solidão melodiosa dos pássaros, a paz e comunhão com a natureza eram deliciosas em Sintra.
- Queres vir comigo?- Levantou-se, com certeza para se encontrar com o rei.
- Estou bem aqui, obrigada.- Não voltaria para aquele poço de pecados.- Tenho um livro para acabar de ler.
- Deverias de conviver mais com raparigas da tua idade, Helena. Também te trancavas assim por lá?
- Não papá. Gostava de passear pelos campos de tabaco, gostava de supervisionar as fazendas de açúcar. Nas noites de sábado existiam festas ao redor da fogueira e todos dançávamos até a manhã raiar novamente, bem... todos os outros, para mim batia a meia-noite e já estava ferrada a dormir na minha caminha.
- Sem nenhum rapaz insolente, espero.- Falou reticente.
- Só o meu irmão.- Sorri para o tranquilizar.- Os rapazes por lá são... desinteressantes, campónios.
- Ótimo, podes pensar assim até aos teus 35 ou 40 anos, de todos os rapazes!
- Pai!- Gargalhei e acompanhou-me.
- Volto pela hora de almoço, não arranjes problemas.
- Ide descansado.- Respondi no mesmo tom formal.
⭐👑⭐
- Caminhai comigo, marquês.- Sua majestade pediu e obedeci.
Tínhamos acabado de falar acerca do comércio oriental.
- Algum problema, Vossa Graça?- Indaguei enquanto o seguia. Já me tinha desculpado acerca de Helena, algo que o rei desvalorizou.
Talvez se tenha encantado por ela, o que não era difícil. Helena tem uma beleza que não podia ser ignorada. Preocupa-me o facto de o rei ter reparado nela em demasia.
- Dizei-me, por que é que Helena não vos acompanhou hoje?
Engoli em seco e sorri para levar as minhas palavras de ânimo leve.
- Helena preferiu ficar em casa, vossa majestade. Passou muito tempo fora e quer matar saudades do lugar que a viu nascer e crescer. A corte assusta-a um pouco também.
- Que há a temer na corte?- Gargalhou.
- Helena cresceu no Brasil. Onde cresceu não tinha de lidar com esquemas e artimanhas, a minha filha gosta de ter pessoas de confiança por perto e não sabe jogar baixo. Talvez lhe falte esse dom.- Admiti.- Helena, venera-o e respeita-o. A partir de ontem pareceu entusiasmada com a ideia de poder falar novamente com vossa senhoria, no entanto não irá expor-se à vida pecaminosa deste lugar.
- Entendo... se fosse pai de uma criatura tão formosa assim, também não permitiria que algum nobre gatuno se aproximasse.- Comentou com um sorriso presunçoso.
A minha vida acabou de virar um Inferno.
- Parece-me que D. Francisca seja suficiente para vos ocupardes por agora.- Lancei para aliviar o clima tenso.
- De facto.- Respondeu sem emoção.- Contudo um casamento poderia trazer vantagens para Portugal... algo como a Inglaterra ou a Áustria.
- Admiro vossa preocupação para com o país, no entanto aconselho-vos a esperar pelo momento oportuno, majestade. Ainda nem um ano faz que vos tornastes rei. Deixai as águas acalmarem e por fim encontraremos um casamento que vos convenha a vós e a Portugal. Embora... possa relembrá-lo de que Portugal e as colónias vão muito bem. Vossa majestade talvez possa procurar... um casamento de verdade.
- Nenhum casamento é a brincar, Eduardo.- Parou abruptamente.- Que quereis dizer-me?
- Sois jovem. Com certeza já vos ocorreu casar não apenas por... conveniência.- Não pareceu algo inteligente de dizer.- Deixai, eu...
- Não vos repreendeis por dizer o que vos vai na alma, Brotas Lencastre. Foi por isso que vos chamei para o Conselho.- Pareceu pensativo.- Admiro vossas palavras e vossa fé, no entanto Portugal precisa de mais do que estabilidade. Portugal precisa de avançar. Não posso ser egoísta. Estou aqui para servir o povo e não os meus próprios interesses.
- O mundo seria um lugar melhor se todos os reis pensassem como vós.- Sorri.
- Aconteceu convosco, Eduardo, um casamento puro?
Refleti.
- De início não.- Sorri.- Leonor Albuquerque.- O seu nome bailou pelos meus lábios.- Ouvi o seu nome apenas uma semana antes de subir ao altar. O meu pai temia tanto que corresse desse casamento, que nem me permitiu fazer qualquer cortejo. Porque havia de fazê-lo? Com toda a certeza que se tratava de uma solteirona endinheirada... mas não.
Suspirei feliz, aproximando-me de uma das grandes janelas com vista para os jardins.
- Era a rapariga mais bonita que eu já alguma vez tinha visto. Cabelos claros e olhos castanhos. Um sorriso amoroso e assustado e duas covinhas adoráveis no rosto... era a criatura mais bondosa, pura e assanhada que já tive a honra de conhecer. Começamos com uma amizade complicada: Qualquer tentativa minha de a agradar era apenas um pretexto para me atirar o seu feitio peculiar, porém bastava um beijo para a domar... ou quase isso. Éramos dois jovens idiotas que se amavam e amavam liberdade também.
- Parecia ser uma dama maravilhosa, Eduardo.- O rei não parecia ter um tom jocoso.
- E era. Fez de mim uma pessoa melhor.- Olhei o chão de mármore.- Era uma vida de sonho. Desse amor nasceu Lucas. O meu maior orgulho, a luz dos meus olhos. O miúdo imitava tudo o que eu fazia, dizia que queria ser como eu. Anos depois, de surpresa veio Helena. Não podiam dar-me presente mais valioso que aquele. Uma pequena princesa que adorava perseguir borboletas pelo jardim enquanto ouvia as histórias que Leonor lhe contava. Eram bons tempos... Até a febre a levar de mim.
- Tivestes muita sorte.- D. João sorriu-me amistoso.- Herdeiros ao trono não são muito afortunados no que toca ao amor.- O sorriso foi-se desfazendo.- Mulheres como vossa Leonor são raras. Mulheres querem dinheiro, títulos, conveniências. Se dizem que te amam esperam um colar de diamantes de volta.
- Posso ser franco, Majestade?
- Sim.- Encolheu os ombros.
- És um miúdo, João.- Falei de forma tão despojada que o próprio rei se assustou.- Aprende, ama e faz amor com quem te apetece. Sai por aí, para bem longe daqui de vez em quando! Reina a tua própria vida, a tua liberdade antes de reinares um reino. Sê feliz, e todos serão.
- É... um conselho muito bom, Eduardo.- Riu de verdade.- Vou segui-lo piamente.
- Perdão pela informalidade- Recuperei a postura com um sorriso.- Embora as minhas palavras não mudem.
- Uma vez ou outra não há mal.- Segredou.
- Dar-me-íeis a honra de almoçar em minha casa hoje?- Refleti nas minhas palavras.- É um sítio humilde, longe da magnificência do palácio...
- Não costumo almoçar com os meus ministros, apesar de que com certeza uma vez não fará mal.- Aceitou o convite.
- De modo algum.- Sorri.
Ao chegar a casa fui recebido com a habitual forma atenciosa e formal dos empregados. Estava radiante!
- Maria, ponha o melhor serviço de mesa!- Anunciei para a governanta.
- Com certeza, senhor Lencastre. Não o esperávamos tão cedo, o almoço ficará pronto em meia-hora no máximo.
Não era bom fazer o rei esperar.
- Espero que valha a pena.- Ameacei-a num murmúrio.- Ide chamar Helena.
- Sim, senhor.
- Majestade, vinde.- Convidei-o para a sala de visitas.- Aceitais um café, chá talvez?
- Um bom copo de vinho.- Sorriu-me.- Manuel Albuquerque é conhecido por ter as melhores reservas do reino. Meu pai costumava aconselhar-se com vosso sogro a respeito disso.- Gargalhou.
- Mas claro.- Chamei um dos criados de maior confiança.- Trazei-me um dos tintos da Reserva Dourada.- Pedi.
- Reserva Dourada?- Sorriu inspeccionando o lugar do cadeirão donde estava.
- O único lugar da cidade com os 5 melhores vinhos do mundo, pois claro. Ando a guardá-los para alturas especiais. A última vez que lhe mexi foi no dia do casamento do meu filho.
- Aqui está, senhor.- O empregado voltou com o vinho e dois copos.
O olhar de desagrado do rei ao ver tamanha camada de pó na garrafa foi hilariante.
- Não façai cara feia. O tempo é a essência do vinho.- Ensinei.- Provai. Este é de uma reserva de 150 anos.
- Disseram-me que estavas de volta papá!- Helena bateu à porta e entrou.
- Verdade, e hoje temos convidado de honra.- Anunciou.
- Estão uns quatro guardas à porta, já desconfiava.- Resmungou no seu tom altivo, porém com um sorriso.
Não gostava que a tomassem pela parva que não era.
- É uma honra tê-lo por cá, majestade.- Sorriu cordial.- Como ides?- Fez uma ligeira vénia.
- Bem, obrigado, e vós Helena?
- A acomodar-me finalmente. Foi demasiado tempo no outro lado do Atlântico.- Olhou para o mapa afixado na parede.- Talvez para o ano vá para Inglaterra, é um sitio simpático.
- Embora fique mais perto de casa, não voltas a sair nos próximos 100 anos.- Sentei-a no meu cadeirão, atrás da secretária de mogno escuro com detalhes a dourado.
Reparei que o rei conteve uma gargalhada.
- Já adquiriste conhecimento intercultural que chegue para uma vida longe do teu pai.
- Papá...- Resmungou envergonhada. Sim, talvez não fosse forma de agir frente ao rei.- Conhecimento é poder.
- Verdade, absolutamente verdade.- Recebeu um apoio extra do rei.- Ótima colheita, Lencastre.
- Disse-vos.- Respondi com um sorriso orgulhoso.- O próximo será para vós.- Encarei Helena sorrindo.
- Não sou grande apreciadora de vinho.- Desviou-se do assunto, sabendo que falava de casamento.- Nem insisti papá.
- Vai acontecer mais cedo ou mais tarde.- D. João ficou do meu lado.
- Que lindo, um casamento que não vai acontecer a ser pronunciado pelo rei de Portugal e pelo marquês Brotas Lencastre!- Sorriu-nos de forma intrépida.
- Zoas de mim?- Sua majestade interrogou enfurecido.
- Jamais.- Sorriu de lado.
Ambos trocavam olhares de desafio e profundo ódio.
- Escapou-me algo?- Interrompi a tensão.
- O quê?- Helena levantou-se.
Bateram à porta:
- Entre.- Ordenei.
- Senhor Lencastre, o almoço será servido em breve.- A governanta anunciou antes de sair.
Uma boa noticia!
Helena saiu, seguida do rei e de mim por fim. Espero que Helena não transforme o almoço numa ocasião hostil. As coisas parecem ir bem até agora.
Devia de a ter avisado com antecedência sobre a vinda de sua majestade para se arranjar melhor... não que esteja mal, porém o vestido não é grande e poderoso o suficiente para a ocasião.
A mesa estava posta com as melhores pratas e ouros. Espero que o almoço tenha merecido a espera!
Os empregados puseram várias travessas de marisco na mesa. Bom e grande marisco. A governanta merece um aumento por me salvar a pele!
- Bom apetite.- Desejei aos dois. Um dia sem oração antes da refeição não fará de nós pecadores maiores.
- Igualmente.- Responderam em coro.
A refeição foi silenciosa e tensa. Helena sabia a responsabilidade que acarretávamos. Depois de nos deliciarmos com a entrada, os empregados trouxeram faisão assado no forno, estava uma maravilha.
- Hum... Cheira divinamente.- Helena comentou.
- Posso propor-vos algo, Helena?
- Sois livre disso pelo que sei.- Sorriu divertida à pergunta do rei, que lhe sorriu.
Que não seja a proposta de amante! Por Deus, isso não!
- Apreciaríeis o facto de ser dama de companhia de D. Francisca, minha irmã?
Helena parou de beber a água do seu copo.
- Majestade, é uma grande honra...- Começou.
- Compreendo o facto de quereres matar saudades de casa, e entendo também que precisais de um tempo para pensar. Só não demorai, sou impaciente.
- Isso implicaria mudar-me para a corte?- Indagou.
- Sim.
- Claro...- Suspirou insegura.- Irei pensar na vossa proposta.
- Ótimo, amanhã espero uma resposta.- Sorriu triunfal.
Depois do faisão foi servida a sobremesa. O delicioso bolo de cenoura com cobertura de chocolate que Helena tanto gostava. Confesso que também aprecio.
É uma grande honra ser dama de companhia da família real, no entanto as intenções do rei não me deixam tranquilo.
- Há anos que não vejo uma dama comer com tanto apetite.- O rei comentou entre risos.
- Quantas dessas damas não tinham o espartilho apertado ao máximo?- Helena respondeu no mesmo tom brincalhão.
- Lamento desapontá-la D. Helena, não ando a confirmar o vestuário das damas da corte.- Aquilo era um sorriso sujo?
Ah não! Filha minha não põe os pés na corte!
- Porque é que haveria de me desapontar?- Sorriu-lhe.
- Majestade, aceita café?- Interrompi o que quer que estivesse a acontecer entre estes dois.
- Claro.
Fiz sinal ao empregado para trazer três chávenas. Que tema cortaria esta tensão... sexual?
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