49. Madre de Deus
- Eu gostava de ter uma governanta só para mim, bem como um confessor.
Pousou a chávena de chá de camomila.
- Não vejo porque não atender a um pedido desses.- D. João não se importou.- Tendes alguém em mente ou quereis que vos providencie...
- Eu mesma procurarei, obrigada.- Fechei o livro e fiquei ali, sorrindo, à espera que propusesse um outro qualquer assunto de conversa.
- Vossa comitiva está está confortável?
Arght!!
- Sim, está sim.- Mantive o sorriso por um pouco mais. Ele não teria nada a perguntar-me?
- Amanhã tenho um tempo livre entre a reunião do conselho e o almoço, pensei que pudéssemos ler um pouco juntos.
Isso era tão romântico!!!
- Ham... creio não ter nada combinado ainda para esse hora.
- Estamos combinado então.- Sorriu e bebeu o restante do chá.
De seguida ficou ali a encarar-me com um pequeno sorriso, como se ponderasse algo.
- Quereis conhecer Lisboa, senhora?
- Gostava muito, sim.- Admiti.
- Ótimo, irei ver de minha irmã e encontrar-vos-ei em vossos aposentos. Levai algo confortável e discreto.- Levantou-se e caminhou até à porta.
Espera, agora?!
- É noite!
- Eu sei.- Encolheu os ombros.- E há dezenas de festejos em vossa honra.
- Nem pensar que sairei por aí a uma hora destas!- Choquei-me.
- Vós lá sabeis, tende uma boa noite.
Diria até que estava satisfeito com a minha recusa.
Iria em busca de companhia?
⭐👑⭐
- Não vieste lanchar comigo.- Resmungou Francisca sem me dar atenção, prosseguindo os exercícios de francês.
- Eu sei. A partir de agora é mais complicado, além disso tenho uma rainha para cuidar, Francisca e em breve terei filhos e...
- Sim, já sei que és um pai de família exemplar, gabarolas.
Ela tinha ficado realmente ressentida.
- E se amanhã almoçarmos juntos?
- Ainda te esqueces.
- Eu nunca me esqueço de ti, Josefa.- Impliquei com ela e fechei os seus livros.
Por hoje era mais do que suficiente.
Ajudei-a a deitar e aconcheguei-a bem, terminando com um beijo na testa.
- Dorme bem, Francisca.
- Tu também João.- Desejou quando soprei a última vela.
⭐👑⭐
- Ele foi enrolar-se com ela, tenho a certeza!
- Alteza, o meu sábio conselho é que se mantenha de cabeça fria. Vossa posição ainda não é firme aqui, tendes de vos casar primeiro.- Vivien replicava enquanto eu estava a momentos de partir tudo o que havia no quarto.
- De qualquer modo não é uma decisão sensata confrontar a favorita do rei.- Eliza murmurou com receio.
- Eu! Eu sou a favorita do rei!! Eu casei com ele!- Brami furiosa.
Aquela maldita rameira brasileira!
- Souberam mais algum coisa?
- Está noiva do embaixador inglês. Aquele ruivo de ontem.- Cora confidenciou.
- Eu achei-os adoráveis, são um casal muito bonito.- Vivien ousou abrir a boca, e reparei que Eliza lhe lançou um olhar fulminante.
- Onde os vistes? Não estavas no baile.- Apontei.
- Vi-os no jardim hoje, a lerem juntos.
Então era isso que lhe chamavam agora?!
- Não, de verdade, liam à sobra de uma árvore, de fronte à fonte principal, aquela com os cavalos e ninfas.
- Sozinhos?- Escandalizei-me.
- Bem, não estavam sozinhos, há sempre gente a passear por ali.
- É tão suja que o namora à luz do dia e com plateia.- Choquei-me.- Que bordel é este?!
- Alteza... estão noivos, não fizeram nada de errado.- Tentou explicar-se.
- Minha cara, apenas uma mulher casada tem a direito de se aproximar assim de um homem. Aquele... concubina ri para atrair as atenções, dança com ele para desfrutar e acender os seus desejos, sorri para o seduzir e acaricia-o para lhe pedir mais. Deve ser um poço de doenças... Pobre embaixador.
Era lamentável que existissem mulheres assim, que não respeitavam o seu corpo, que não protegiam as suas virtudes até ao casamento. O que teriam de tão especial assim para oferecer ao marido sem a castidade?!
- Como é que D. João permite que aquela mulher se aproxima de uma menina tão doce e inocente?
⭐👑⭐
- Não devias estar no palácio, João?! Agora és lindo, recatado e do lar.- O António riu quando chegaram as nossas canecas de cerveja.
- E tu não devias manter esse pau quieto? Bispos cumprem celibato!- Ri e o desavergonhado do meu irmão não se deixou abater. Riu mais alto e bebeu.
- Eu irei dedicar a minha vida a Deus, mas não abdicarei da obra mais formosa que criou.- Olhou para a morena sorridente que distribuía a bebida.- Quem te disse?
- Vocês continuam a achar que conseguem ter segredos no meu Palácio. Eu sei tudo, maninho.- Gabei-me.
- Não vais... tentar impedir-me?
- Já tens idade para saber o que fazes da vida, além do mais sempre deixaste claro que gostavas pouco de Lisboa. Preciso de alguém que reze por mim, ninguém melhor para o fazer que o meu irmão.
- As alentejanas são bonitas, trabalhadoras e pacatas.- Suspirou, provavelmente imaginando as suas noites daqui a uns meses.
Dançamos, bebemos e fornicamos pela noite dentro. Já sentia falta de uma noite destas...
- A tua mulher vai capar-te.- O meu irmão suspirou com a cabeça encostada à cabeceira da cama desarrumada.
- Ela não é Helena. Além disso precisa das minhas bolas para gerar uma criança.- Acendi um charuto, enquanto a negra sorria para a amiga, ambas encostadas a mim.- Não sou cachorro para andar de trela, António.
- Devias comportar-te agora, nos primeiros tempos...
- Luísa está na cidade, o marido estava no baile. Lara veio dar em cima de mim. As austríacas são autênticas ninfas... eu tento. Juro que tento! Mas andei por semanas à espera de alguém decente e nada se arranjou, Maria Ana aporta em Lisboa e aparecem mulheres até debaixo das pedras da calçada!
O idiota do meu irmão só fazia rir, enquanto fumava o meu charuto.
- Temos de voltar ao Paço.- Declarou depois de procurar as horas no relógio de bolso perdido algures no colete.
- Acho que ainda temos tempo, não acham senhoras?- Sorri para as duas donzelas que me acarinhavam.
Os seus sorrisos e acenares não demoraram muito a tornar-se ações.
- Eu vou chamar a carruagem.- O meu irmão vestiu-se às pressas.
- Vais ficar à espera!- Ri quando fechou a porta e me deixou ali, indefeso perante os prazeres mundanos.
⭐👑⭐
- Bons dias, altezas!- A imunda do costume apareceu na sala de música.
- Olá Helena!- A infanta sorriu animada finalmente.
Esta princesa tem sérias dificuldades com o cravo. Duvido muito que algum dia toque decentemente.
Sentou-se entre as damas de companhia da infanta, como era esperado.
Eliza tentava acompanhar a melodia com a flauta, Cora e Vivien bordavam, e duas das aias da princesa ouviam atentas e curiosas, enquanto uma outra bordava e cochichava com Helena.
- Sim, ficará adorável.
- Bordarei o nome a ponto cruz. Não sei se azul, se beje.
- Sem dúvidas azul.- Sorriram.
- Podem fazer menos barulho, por favor?- Perguntei, escondendo toda a fúria.- A infanta não consegue concentrar-se assim.
- Perdão.- Aquietaram-se de imediato.
Helena decidiu ler um livro também.
- Menina, não vos vi na missa desta manhã.- Parei de tocar com a minha cunhada. Podia ser uma mulher conspurcada, contudo uma mulher conspurcada que não comparece à hora dedicada ao Senhor, não merece lugar na minha corte, de todo!
Atarantada olhou ao redor até perceber que era com ela que eu falava.
- Eu não estava presente, é normal que não me tenhais visto.- Sorriu dócil.- Eu rezo em casa. É para isso que tenho uma capela.
Ela não me convencia.
- Com licença. Não demoro nada.- A pequena Francisca saiu.
Eu sou uma dama! Como dama, não me rebaixaria ao nível dela, porém teria-a debaixo de olho.
- A infanta não nasceu com talento para o cravo.
- Ela está a tentar. O trabalho árduo faz mais que o talento.- Ousou contrapor-me.
- Que outros talentos tem?- Sorri. Com certeza saberia pintar, ou bordar...
Todas as suas aias permaneceram em silêncio.
- D. Francisca é muito inteligente.- Helena sorriu confiante.
- Esse é um termo relativo.
- Não. A infanta é muito inteligente.- Reforçou.- E é gentil, educada, preocupada com o próximo. Talentos que nem todos têm.
- Qualquer um pode aprender isso. São valores ensinados na igreja!
- Não pode, não. Quantas pessoas vão à missa e não aprendem os ensinamentos de Cristo?
- Dizei-me vós, menina.- O tom dela não me agradava. Como se atrevia a falar assim comigo? A rainha!!
- Com licença, senhoras. O rei deseja vê-la, alteza.- Sebastião interrompeu aquela conversa amigável.
Simplesmente sorri em resposta. O rei podia usá-la o quanto quisesse, iria fartar-se um dia. Eu não, ele procurará sempre por mim.
- Com licença.- Levantei-me do cravo.- Ah e Helena, espero que não leve a peito esta conversa, eu preocupo-me com a minha cunhada só isso.
- Eu entendo perfeitamente as vossas preocupações, alteza. O bem-estar da infanta é o que todos desejamos.
- Claro.- Toquei no seu ombro antes de sair seguida pelas minhas amigas.
Longe o suficiente, estendi a minha mão e Vivien depositou um pouco de perfume para depois passar um lenço. Todo o cuidado era pouco ao tocar nestas rameiras.
- Uma boa recuperação, porém seria aconselhável evitar mais uma cena do género.- Cora lembrou.
- Eu sei.- Aborreci-me.- Estou cheirosa? Bonita?
- Sim, alteza.
- Vão buscar a Mila.- Sorri com saudades.
Caminhamos pelo jardim e senti os meus sapatos afundar ligeiramente na relva fofa. Estava um tempo agradável com uma brisa mais fresca a anunciar o Outono.
D. João estava sentado num banco de pedra corrido, debaixo de uma árvore. Era um cantinho muito bonito do jardim.
- Obrigado Sebastião.- Sorriu sem se mover.
A casaca estava esticada ao seu lado, ocupando pouco espaço.
O mordomo retirou-se após uma vénia rápida, deixando-nos ali, sem saber muito bem o que fazer.
- Nós vamos dar um passeio.- Cora e Vivien sorriram-me, sugerindo indecências.
Tolas!
D. João tinha os primeiros botões da camisa imaculada desapertados, e o nó da gravata solto.
Ele estava bonito...
- Sentai-vos.- Apontou o espaço vazio a seu lado.
- Como correu vossa noite?
- Bem.- Encostou a cabeça na árvore e suspirou. Tinha o pé apoiado no banco e o joelho elevado era um suporte para o seu braço.- E a vossa?
- Também.
- Escolhi alguns livros, podemos ler o que mais vos agradar.
- Podeis escolher vós.- Não me importei.
O rei, com simples sorriso apontou a pilha de vários livros, autores, temas e cores diferentes.
Era um teste, tenho a certeza. Havia filosofia, politica, teologia, matemática, romance, poesia... qual seria a escolha certa? O que quereria que escolhesse?
Também não poderia demorar muito mais, ou achar-me-ia burra.
- Pode ser este.- Acabei por escolher a filosofia. Sempre podia render uma longa conversa e troca de ideias. D. João é tão calado...
- Tudo bem.- Encolheu os ombros e não soube dizer se a escolha o agradou ou não.
- Perdão, vossa majestade.- Eliza sorriu-me e entregou-me a Mila.- Com licença.
⭐👑⭐
- Alteza?- Comecei a estranhar a demora de Francisca e pois de procurar com as outras, Maria acabou por encontrar a infanta no quarto a chorar.
- Que aconteceu?- Preocupei-me.
- Dores de crescimento.- Dionísia encolheu os ombros como se o assunto tivesse pouca importância.
- Eu não consigo tocar. Eu já tentei, a sério que tentei mas não consigo.- Francisca chorou agarrada à Diamante.
- Tudo bem, podeis...
- "Tudo bem"?! Não está nada tudo bem, Helena!- Enfureceu-se.- Todos na família tocam e tocam bem, e eu não!
- Alteza, todos em vossa família tocam porque gostam. Se não vos divertis a tocar cravo, tendes de mudar de instrumento.- Sorri e sentei-me a seu lado.- Não tem mal não ser boa em alguma coisa, com certeza que tendes imensos talentos escondidos.
A menina tentou secar as lágrimas, no entanto os soluços estavam praticamente a sufocá-la.
- Flauta, violino, violoncelo, pandeireta...
- Só os falhados tocam pandeireta!
- Pronto, sem pandeireta.- Ri.
- O violoncelo tem um som bonito.- Tentou sorrir ao secar o resto das lágrimas.
- Problema resolvido.- Carolina sorriu.
- Obrigada Helena.
⭐👑⭐
- Espero que esteja um dia bonito assim no nosso dia.- Henry sorriu enquanto caminhava, observando a relva sob os nossos pés.
- O importante é estares lá.- Brinquei com ele.
- Não perderia o meu casamento por nada no mundo.- Deu-me a mão e aposto que só não me beijou porque passaram por nós dois cavalheiros.
- Henry, ontem o meu irmão foi a um clube inglês.- Mordi o lábio.- Ele ouviu conversas.
- Conversas? Que conversas?- Parou e perguntou baixo, verificando se alguém nos ouvia.
- Sobre ti.
- Mim?- Estranhou e então desviou os olhos dos meus.- São só as más línguas, não tens com que te preocupar.
- Chamam-te chockhold e riem-se.
Para além de ser grave um embaixador ser alvo de chacota dos seus próprios conterrâneos, Henry não merecia ser falado assim, principalmente por culpa minha.
- Não é novo. Deixa-os falar.- Vi no seu olhar que a situação o incomodava.
- O que significa ao certo?
Ele hesitou antes de murmurar:
- Cornudo.
Era assim que as pessoas viam Henry? Era assim que as pessoas me viam? Como ousavam fazer chacota de Henry?!
- Eu prometo, eu vou resolver a situação. Prometo não ver mais o rei. Perdoa-me, não sabia o que se andava a passar.
- Helena...
- Henry, ambos sabemos que é mentira, todavia é o teu nome que fica manchado.
Ele deve estar a sentir-se horrível e com razão. Não admira que tenha pedido uma certa distância de João, no seu lugar eu teria proibido o total contacto.
Agora não tinha com que se preocupar, João desrespeitou-me e de qualquer maneira, Henry é a minha prioridade, não ele.
- Já algo que possa fazer por ti?
- Basta que esqueças esse assunto.- Pediu.
- Não, eu vou resolvê-lo.- Como? Não sei ainda, mas vou.- Eu amo-te Henry, tens de acreditar em mim.
- Helena, eu sei que sim.- Suspirou acarinhando a minha mão.- Não fiques assim, por favor.
Eu esqueço-me que a partir de agora não estou só eu em jogo, ele também está. Tenho de aprender a ser mais ponderada.
- Para a mais bela flor.- Escolheu o amor-perfeito mais colorido do canteiro, beijou-o e entregou-me.- Um amor-perfeito, como o que sinto por ti.
Se já estava vermelha, então agora devia começar a ficar roxa.
- És sempre tão gentil...- Deleitei-me prendendo a flor no penteado apesar da cor não combinar com o vestido.
- Para ti serei sempre assim.- Garantiu sorrindo orgulhoso.- Vou amar-te, cuidar-te, proteger-te, acarinhar-te, beijar-te...
- Henry, estamos no meio do caminho.- Cantarolei afastando-me novamente.- Dois meses. Só mais dois meses e poderás fazer tudo isso.
- Vou morrer até lá.
- És adorável.- Derreti por completo.- Amanhã a tua irmã tem coisas combinadas?
- Ham... acho que não, porquê?
- Nada, nada. Pede-lhe para vir para o Palácio e trazer o violoncelo.
- E depois, eu podia convidar-te para um passeio a cavalo? Ao fim da tarde?
- Não sei, a infanta é muito ocupada.
- Ao por do sol... os dois... sozinhos... os dois... junto ao rio... os dois...
- Estarei lá. Encontramo-nos em Xabregas, junto ao rio.
- Esperarei ansioso.
- Não mais que eu.
Eu adorava estes momentos melosos com ele...
- Ai Helena, ainda bem que vos encontro.- João parecia alterado.
- Porquê?
- Preciso... de falar.- Olhou para Henry.
- Podeis dizê-lo na frente de Henry. Não há segredos entre nós.
Surgiu um sorriso jocoso no rosto do rei.
- Ele não deixa de ser um embaixador inglês. É privado.
Afastei-me apenas alguns passos e puxei João com força.
- Eu fui muito clara ontem!- Rosnei baixinho.- Não respeitais Henry, e pior, não me respeitais a mim! Eu vou casar! Eu não quero saber das obscenidades que dizem por aí acerca de mim, no entanto, quando essas mentiras mancham a honra e o nome de Henry, eu estou fora. Bem podes pedir a uma das tuas amantes de fim de semana para de ajudar, ou melhor: conversa com a tua mulher! Não há nada que a faça mais feliz!
- Eu beijei aquela velhaca austríaca e ela empurrou-me do banco abaixo!- Rosnou no mesmo tom furioso que eu.- Isso não estava nos teus apontamentos. Era para ela ser quieta e obediente!
- Eu não tenho a culpa!
- Eu ouço daqui...- Henry sorriu presunçoso de braços cruzados.
- Ótimo!- João rosnou fora de si.
- Ela precisa de tempo, chegou ontem, não te conhece assim tão bem. É normal que não se sinta logo confortável a beijar-te, seu safado!
- Ela é minha mulher, é casada comigo!
- É mulher acima de tudo! E como mulher tem direito a tempo e respeito! É normal que não vos queira ver tão cedo.
- E na noite de núpcias, como é?! Eu tenho de fazer um filho.
- Então faz! Não me venhas é perguntar a mim como é!
Henry tinha razão, estávamos praticamente a gritar.
- Agora, com a vossa licença.- Afastei-me devagar, como se me despedisse.
Uma despedida praticamente definitiva, eu creio.
- Vais abandonar-me agora?
- Não te estou a abandonar. Estou a proteger-nos. Se precisares de mim, escreve-me, pede ao papá... eu não volto a prejudicar Henry por vós.
- Eu... eu estava aqui.- Murmurou.- Antes dele!
- Sim, e continuarás.
- Sozinho.
- Não sabeis ser discreto, é por isso.- Respondi sabendo a sua próxima pergunta.- Depois envio o convite de casamento.
Estava a doer-me a alma. E doía muito.
- És o meu melhor amigo, sempre serás.- Amoleci e abracei-o.
- Vai lá...- Dispensou-me pouco depois.- Vai.
Anui e peguei na mão de Henry, que me encarava estupefacto, interrogando-me se era mesmo o que eu queria.
Afirmei não muito convicta. Desta vez tinha de ser.
- Obrigada.- Agradeci o lencinho que me tinha dado para enxugar as lágrimas, bem longe do jardim.- Eu sou uma pessoa horrível.
- Não, não és nada.
⭐👑⭐
Esperava Helena em Xabregas como combinado ontem.
Insistiu que estava bem para voltar para a infanta, e inconformado deixei-a ir.
Entendi em parte a sua dor. João sempre a tratou bem, divertiam-se juntos, confiavam segredos um ao outro... agora eu temia não ser suficiente. Eu amo Helena, e sei que me ama, mas sei lá... será que sentirá a falta do rei depois de nos casarmos?
O que fez foi uma grande prova de amor para mim.
- Olá. Espero não estar atrasada.
- Chegaste mesmo a tempo.- Sorri lascando-lhe um beijo, tinha cara de quem bem precisava e o seu sorriso e ar mais aliviado foram a certeza.
- Lord Hyde!! Isso é desrespeitoso, indecente...
- Ah Bianca, não me fales tu de indecências!- Helena resmungou para a dama que a acompanhava.
- Já não bastava vir de calças...- Bufou.
Helena montava um bonito cavalo preto com o fato que João lhe ofereceu pelo aniversário.
Começamos a andar calmamente e fui reparando, não só pela sua postura, mas pelo modo como a casaca e o colete assentavam no corpo que talvez usasse espartilho.
- É de ossos de baleia?
- Oras Henry...- Ficou vermelha.- Perguntar pela minha roupa interior já é indecente, sim.- Corou.
Hum... tendo em conta como me falou na noite do baile, estou a ver que o champanhe a deixa realmente desinibida.
- É?- Insisti curioso.
- É.
Foi pago pelo rei. Óbvio que seria!
- Não é desconfortável, apertado demais?
- E deixa marcas? Sim, porém não há outra opção.- Sorriu conformada com a realidade dura da moda feminina.
Decidi mudar de assunto. Algo mais leviano:
- Como foi com a minha irmã?
- Muito bem. A infanta está a experimentar outros instrumentos.
- Isso é bom, e gostou do violoncelo?
- Sim, muito.
- E pareceu ter algum jeito?- Sorri de lado.
- Claro que sim!- Garantiu.- Fica mais feliz do que com o cravo. Sempre sabes se os teus pais vêm?
- A carta ainda não deve de ter chegado lá sequer.
- Talvez Catarina tenha razão, talvez devêssemos adiar para Maio.
Ela queria adiar o casamento?! Por mais tempo ainda?!
- Faltam três meses. Aposto que estarão presentes, a menos que... te sintas pressionada e queiras adiar a cerimónia.
Parou o cavalo e olhou-me incrédula:
- Eu não me sinto pressionada coisa nenhuma. Tenho tanta pressa quanto tu em ver-nos casados.
- Fico feliz em saber.- De verdade era um peso tirado de cima!
- Eu também queria casar o quanto antes, no entanto... sabes que não dá.
- Sim.- Sorri.
Olhou-me de lado, como se me analisasse com aquele sorriso travesso.
- Está tudo bem?
- Anda daí!- Puxou as rédeas e pôs o cavalo a trote.
- Onde é que vais?- Sorri enquanto a seguia.
- Oras, eu sei que ficava para aqui...- Olhou para as ruas por um instante e prosseguiu.- Ali mesmo.
- Helena?- Estranhei quando desmontou.
- Queres casar comigo, Henry? Aqui e agora?- Perguntou sorridente, com um brilho especial no olhar.
- Tu estás louca!- Ri e desmontei depressa para a beijar.- Nada me faria mais feliz!
- Enlouqueceram?!- Bianca interrompeu os nossos devaneios.
- Sim!- Garantimos ao mesmo tempo.
- Há uma longa lista de convidados e o protocolo e... se o marquês sabe, Helena!!!- Bianca estava prestes a ter um esgotamento.- Não pode ser. Não dá. Lamento imenso, têm de esperar mais uns meses, temos pena!!!
- Oh, esse casamento vai acontecer também.- Desvalorizei.- Aqui e agora somos nós dois, sozinhos.
- Unidos aos olhos de Deus, a nossa principal testemunha.- Segurei e beijei as suas mãos. Eu estava louco de amor por ela!!
- Minha nossa... eu vou avisar Eduardo, ou o menino Lucas. Alguém tem de vir impedir isto!
- Não podes, precisamos de uma testemunha, Bianca!- Helena impediu que a dama de companhia recuasse.
- Helena...
- Nós não estamos a fazer nada de errado. Estamos a antecipar o inevitável.- Expliquei.
A morena levou as mãos à testa e suspirou.
- Vá, vamos lá antes que mude de ideias.- Helena abraçou a amiga com força e então amarrou o cavalo.
Dei-lhe a mão, muito feliz e entrámos juntos no convento.
- Que sitio é este?- Apreciei o altar forrado a ouro e as paredes com bonitos e tradicionais azulejos.
- Convento da Madre de Deus, é de carmelitas eu acho. Devem ter um padre aqui algures, espero.
Umas freiras cantavam, enquanto outras oravam. Estranhei o facto de umas usarem o hábito e outras vistosos vestidos, como na corte. Isso não era muito humilde, ou cristão.
- Perdão madre.- Helena aproximou-se daquela que parecia supervisionar tudo.
- Boas tardes, filha. Posso auxiliar-vos?
- Sim.- Sorriu.- Precisamos de um padre.
O eco da música tornava a igreja mais acolhedora e quente, no entanto a hesitação da freira gelou-me as veias.
- Eu vou ver se o encontro.
- Ainda não é tarde, podemos sair e galopar para bem longe daqui.- Bianca murmurou enquanto esfregava os braços protegidos por um tecido mais fino, creio que como eu, não esperava acabar aqui. A diferença é que eu não cabia em mim de tão feliz.
- Não. Afinal de contas, temos de fazer uma coisa bem louca uma vez na vida!- Os olhos da minha noiva brilharam e lembrei-me vagamente de lhe ter dito algo semelhante.
- Quero ver como é que vais contar isto aos teus filhos, Helena Brotas Lencastre!- Provoquei-a.
- Eles não têm de saber tudo.- Apertei um pouco mais a sua mão quando vi um velho muito velhinho abrir o missal.
- Por aqui.- A madre encaminhou-nos até à nave lateral para não interrompermos as orações diárias.
- Muito obrigada!
O senhor aproximou-se com muita dificuldade e todo vergado.
- Bem vindos à casa do senhor, irmãos.
- Padre, queremos casar.- Apressei o processo.
- Eu não posso casar dois homens! Isso é herege, seus safados! Queimem no inferno!
- Padre, ponha os óculos.- Bianca coçou a testa, já que eu e Helena estávamos mais ocupados a rir.
- Não... não os encontro...- Apalpou os bolsos da batina atrapalhado e eu pus os óculos que tinha pendurados ao pescoço encaixados no nariz enrugado do velho senhor.- Obrigada, meu jovem. Oh...- Notou que Helena, era afinal uma mulher.- Peço-vos imensa desculpa pelas minhas palavras, jamais ofenderia uma dama. Onde é que íamos?- Desfolhou o missal na página certa com as mãos defeituosas pela idade.
- Irmãos! Estamos aqui hoje reunidos para celebrar o santo matrimónio entre...
- Helena Brotas Lencastre.- Respondeu entusiasmada.
- E....
- Henry Hyde.- Sorri estonteado pela sua beleza. Virados um para o outro, de mãos dadas, numa igreja tão bela, sozinhos, eu apreciava cada traço seu, cada brilho nos olhos, cada detalhe do seu sorriso.
- De joelhos, por favor.- O padre começou então a cerimónia, fez um solene e sábio sermão que eu terei em conta todos os dias da nossa vida.
De vez em quando, ouvia Bianca fungar e assoar-se, emocionada com o momento e até Helena estava de olhos molhados, virada para a frente, captando com atenção as palavras do idoso para não esquecer o menor detalhe.
Eu não iria esquecer nunca o cheiro, a cor, a sonoridade, as palavras, os sentimentos, a euforia e a paixão deste dia; desta tarde, para ser preciso.
- As alianças, por favor.
Espera, o quê?!
- Esquecemo-nos.- Helena ficou muito preocupada, tentando encontrar uma solução no mesmo instante.
- Está aqui.- Entreguei o meu anel de ouro, que já foi do meu pai, do meu avô e do meu bisavô.
Mais tranquila, não hesitou em retirar o anel de noivado que lhe dei há uns dias para entregar ao padre que lá as abençoou.
⭐👑⭐
- Pode...
O pobre homem nem acabou de falar e Henry já tinha colado aos meus lábios.
- Irmãos, isto é a casa do Senhor, por favor.- Pediu constrangido enquanto fechava o missal e escrevia o contrato.
- Deixe lá. Nós iremos assiná-lo em breve.- Henry poupou-o de trabalhos.
- Afinal de contas o que Deus uniu, o Homem jamais poderá separar.- Suspirei plena, como nunca me senti antes.
- Parabéns!- Bianca abraçou-nos aos dois em prantos. O nariz e os olhos estavam vermelhos de tanto choro.- Estou tão feliz por vocês...
Após o momento, o meu marido interrogou o padre:
- Mais alguma coisa?
- Não, sejam felizes.- Desejou-nos enxugando uma lágrima ou outra com o lenço.
De qualquer maneira estendi-lhe umas quantas moedas pela rapidez, simpatia e palavras inspiradoras.
- Pronta para a sua nova vida, lady Hyde?
- Sempre, lord Hyde e vós?
- Não podia estar mais preparado.- Beijou os meus lábios uma vez mais, para então caminharmos rumo à saída de mãos dadas, a olhar um para o outro de sorriso no rosto. Não havia pétalas de flores ou arroz, aqui havia amor.
Eu estava tão feliz que mal cabia em mim!
Na rua, enquanto tentava desatar o nó das rédeas e sentia o vento frio do inicio da noite, Henry puxou-me pela cintura e beijou como nunca antes tinha beijado.
Era de tirar o fôlego, intenso, esfomeado e apaixonado.
- Oh poupem-me!
Sorrimos com os protestos de Bianca e apenas continuamos.
- Eu amo-te, Helena. Eu amo-te como... Oh!- Voltou a beijar-me.
- Eu também te amo infinitos, isto é... se quiseres mesmo saber.- Ri do seu desespero igual ao meu.
- Estamos na rua. Já não há decência alguma!
Bianca!!
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