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45. A mais bela flor do jardim

- Helena?

- Hum...

Ela ainda respirava!!

- Ainda aqui estás?- Pareceu estranhar, coçando os olhos.

- É uma surpresa para ambos.- Admiti. Pensei que Eduardo aparecesse aqui a meio da noite e me desse um tiro no cu.

- Sentes-te melhor?

- Um pouco.- Sorriu de um modo tão amável que me derreti.

- Bons dias...- Bianca, a empregada de Helena, pareceu assustada com a minha presença.

- Bom dia.- Calcei os sapatos e endireitei a casaca.- Volto amanhã, a minha irmã deve estar preocupada comigo.

- Sim. Toma conta dela.- Acenou-me antes de ir.

Desci as escadas de dois em dois e entrei no coche. Sentia-me um pouco mais confiante.

⭐👑⭐

- Majestade, peço-lhe que não se mova.- O alfaiate pediu pela centésima vez.

- Cuidaste de tudo?- Perguntei a António.

- Tentei.- Reviu as folha atento.

- Temos a confirmação de 2/3 dos convidados mais importantes. Tomei a liberdade de organizar já os seus lugares na igreja e à mesa.

- Fizeste muito bem.- Olhei-me no espelho mais atentamente.- Esta casaca faz-me parecer gordo?

- Eu diria avantajado.- Riu.

- Isso só é um elogio quando dirigido a algo em concreto.- Fiz uma careta.

- Não comesses tanto. Essa casaca fica-te bem sim!

- Eu depois mando-te a ordem dos acontecimentos.- Declarei quando o senhor me tirou a casaca já com os alfinetes.- Deixa os artistas bem colocados, quero que capturem os melhores momentos.

- Está feito, tomei a liberdade de elaborar uma lista com os melhores tenores e cantores, os melhores maestros e músicos...- Hesitou.- Isto não vai ficar um bocado caro João? Eu sei que só se casa uma vez mas...

- Deus deixou de convidar discípulos para a Ultima Ceia, por ser caro?- Sorri ao lembrar todo o dinheiro e poder que o Brasil me propunha.

- Foi uma cerimónia humilde, houve só pão e vinho.- Lembrou.

- Não sejas forreta, António. Não te fica bem.- Ignorei os seus queixumes.

- Teremos príncipes e duques de todo o lado.

- Encomenda mais fogo de artifício. E ordena que comecem a enfeitar as ruas. O povo precisa começar a entrar no espírito de festa.

- Os Santos foram há pouco tempo.- Riu apontando.

Sorri ajeitando a peruca. Afinal de contas não eram assim tão más, só precisava de uma que realmente me favorecesse.

- Vou ver de Helena. Volto mais logo.

- Perdão majestade, contudo o conselho requer a vossa presença, e depois as audiências, e após isso há um lanche com...

- Não pode ficar para amanhã?- Aborreci-me com Sebastião.

- Se vosso encontro desta noite puder ficar, então talvez.- Reprovou o meu comportamento.- Majestade, há um reino a vosso cuidado.

- Eu sei e nunca faltei às minhas responsabilidades!- Zanguei-me. Era a pior coisa que me podiam insinuar.

Tudo o que faço é por Portugal, pela honra e dignidade do meu povo!

Não admito que duvidem da minha dedicação e seriedade nas tarefas reais.

Helena terá de ficar para amanhã. Espero que isso não signifique muito.

⭐👑⭐

- Estás com melhor aspeto.- Sorri feliz em vê-la.

- Sempre me disseste isso.- Sorriu corando.

Há semanas que não corava! Helena estava a melhorar depressa.

Já nem via a embalagem de Láudano ali em cima.

- Desculpa não ter vindo antes. Todos se lembraram de vir para cá em cima da hora. O porto vai ficar apinhado de navios ingleses.

- Estais a gabar-vos?- Ergueu uma sobrancelha.

- Sim.- Diverti-me.

Eduardo também parecia melhor. Parece ter menos 10 anos que há uns dias, embora uma sombra de preocupação ainda tome o seu rosto.

Ele está de pé atrás com a pequena melhora de Helena. Não quer criar expectativas vãs.

- Como vai a cicatrização?

- Vou ficar com marcas muito feias.- Mastigou o lábio.- No entanto a febre desceu.

- Parecem-me boas notícias.- Quase dancei de contente.- Além disso, qualquer bom guerreiro tem umas cicatrizes para contar a sua história.

- Tens alguma?

- Sim.- Lembrei-me daquela recente, que tinha feito naquela noite por Helena, que limpei enquanto deixava Emily arrumar as suas coisas e ir embora.

- Posso entrar?

Estranhamos em ouvir aquela delicada e frágil vós.

- Alteza, mas claro. A que devo a honra da visita?

A menina parecia muito atrapalhada com duas de suas aias de companhia atrás.

- D. Francisca queria apenas saber se está tudo bem convosco.- A de rosto mais severo falou.

- Porque não haveria?

- Porque estás na cama, com imensos medicamentos ao lado e o meu irmão tem andado preocupado. Tu estás só constipada, não é Helena?

Sorri com a ingenuidade e preocupação da princesa.

- Ham... sim. É quase isso, vou demorar um pouco a recuperar.

- As melhoras.- Franziu a testa preocupada.

- Como tem ido o palácio?

- Não se moveu um milímetro.- Riram as duas.- Estou melhor no cravo, queres que te toque um pouco?

- Talvez numa outra altura.- Helena estreitou os olhos, temendo essa possibilidade.- Também estou melhor no francês.

- Fico contente em saber.

Duas semanas depois

- Santo Deus, Helena! Que pensais que estais a fazer?- Bianca pousou o balde às pressas e correu a acudir-me.

- Eu só estou sentada, Bianca.- Aborreci-me.- Já me sinto melhor e não tenho febre. Além disso dói-me o corpo todo por estar deitada há anos.

- Foram só umas semanas, menina teimosa!- Rosnou deitando-me de novo e tapando-me com cuidado.

- Só quero andar um pouco, Bianca.- Destapei-me e sentei-me uma vez mais.- Vá ajuda-me, irei cair com certeza.

- Ai Helena, isto é tão má ideia...- Segurou nas minhas mãos com o maior cuidado, como se me pudesse partir.

- 1, 2... 3!- Pus-me de pé e sorri por sentir o chão finalmente.

- Tudo bem.- Olhou para o chão e acenou para mim.

Não me doía a perna, sentia apenas a leve sensação de pernas dormentes por ter passado tanto tempo quieta.

Dei um passo em frente...

- Ai! Au...

- Helena!- Bianca não esperava que eu pesasse tanto e acabou por cair também, amorteceu-me a queda.

- Au...- Gememos ao mesmo tempo.

- Desculpa.- Contorci-me dorida.

- Ouvi um estrondo!- O meu irmão apareceu ainda a atar o robe.- Que é que estão aí a fazer?

Intrigado, ajudou-nos a levantar.

- Helena queria andar, eu tentei ajudá-la.- Sorriu atrapalhada enquanto sacudia as vestimentas.

- Helena...

- Ajuda-me Lucas. Ajuda-me lá... sim?- Tentei ensaiar as minhas melhores covinhas.

- Helena, eu não sei... talvez ainda não estejas pronta.

- Só uns minutinhos, por favooooorrrr!

- Está bem, mas não grites.- Tapou-me a boca.- A Catarina acabou de adormecer a Vitória.

Voltei a tentar e após longos minutos, talvez horas já andava como antes, ou quase. Eu coxeava imenso.

- Isto vai passar não vai?

- Sim.- Coçou a testa.

- Eu só tenho 18 anos! Eu não posso coxear!!- Agarrei-me desesperada à gola do robe do meu irmão.- O meu avô só pegou na bengala à um par de anos! O meu avô deve de ir fazer 100 anos, Lucas!!

- Que se passa?- O papá surgiu à porta do seu escritório com a pena na mão.

- A Helena está a entrar em pânico.

- Então resolve a situação.

- Eu não sei como tirar alguém do pânico!! Agora estás a fazer-me entrar em pânico!!

- Parem de gritar!- Catarina impôs com um tom firme.- Que aconteceu, Helena?- Pegou nas minhas mãos com delicadeza.- Conta-me.

- Eu estou a coxear.- Caí no choro, agarrada ao seu pescoço perfeito.- Eu estou a coxear!

- Tem calma. Respira fundo, vá.- Afagou os meus cabelos.- É temporário, vais ver. Quanto mais andares, quanto mais praticares... vais ficar boa, como antes.

- A sério?- Limpei as lágrimas.

- A sério.- Prometeu.- E vocês, meus senhores, têm de aprender bem mais do que a segurar uma espada!- Ralhou para o marido e para o sogro.- Vem, vamos beber um chá.

Sentei-me com a sua ajuda, nervosa demais para falar algo.

- Não penses mais nisso, Helena. Não sejas tão exigente contigo mesma, afinal não te moveste desde o que aconteceu. É completamente normal.

Queria tanto que tivesse razão...

- Eu deveria ir trocar-me.- Pousei a chávena.

- Estás em casa, e acabaste de te levantar. Além disso não me parece correto que te espremas no espartilho, pode correr mal com a ferida abaixo do peito.

- Sim.- Sorri aquecendo as mãos na chávena.

- Sua majestade, o rei, menina Helena.- O mordomo abriu a porta da sala de chá e engasguei-me.

Era ainda cedo para o horário de João.

- Ups.- Catarina sorriu, ajudando-me a agasalhar com um par de mantas.

- Bons dias.- Sorriu radiante.

- Bom dia.- Ia a levantar-me, porém João pousou a mão no meu ombro e sorriu gentilmente.

- Não sabes como fico feliz em encontrar-te aqui.- Cruzou as mãos atrás das costas, como sempre fazia, enaltecendo a sua figura real.

- É a minha casa...- Balbuciei com uma certa estranheza.

- Eu sei.- Revirou os olhos.- Só o facto de estares aqui, em vez de recuperares na cama só pode significar progressos, certo?

- Eu espero que sim.- Apontei o lugar a meu lado e então sentou-se, estalou os dedos e um lacaio entrou com um gigantesco ramo de flores.

O coitado teve dificuldades em atravessar a larga porta, o que lhe valeu um olhar terrível do rei.

- Para vós.- Sorriu enquanto Catarina olhava abismada para todo aquele jardim dentro de casa.

- Eu... eu agradeço-vos profundamente João, a sério que sim, no entanto não... não tendes de me trazer flores cada vez que vindes ver-me.

- Da última vez não vos trouxe nada. Esta semana tenho um pouco mais de tempo... ou quase.

- Já se nota Lisboa muito cheia?

- Não sei. Não tenho saído do Palácio. A minha vida tem sido Ribeira - Brotas Lencastre, Brotas Lencastre - Ribeira.

- Não tendes de vir ver-me se vos causa embaraço. Há todo um imenso plano de reuniões e administração antes de mim.

- Vosso pai tem ajudado esta última semana.- Sorriu.- Envia-me regularmente a documentação que necessito.

- E... já estudaste um pouco mais acerca de vossa esposa?

- A mesma poderá responder-me pessoalmente.- Estremeceu.

Tentei ignorar as longas semanas a pedir uma audiência com o arquiduque.

- E as camélias?

- Precisarão de mais uns dois ou três meses para florir. Não posso culpar o jardineiro pelo meu esquecimento, o pobre homem não controla a natureza.

- Sinto-vos firme e confiante. Fico feliz em ver-vos assim.

- É. Eu tenho de fazer isto. Pelo reino. Por Portugal.

Catarina bebericava o chá em silêncio, porém atenta.

- Como está a bebé?

- Chama-se Vitória.- Segredei ao rei.

- Perdão, Vitória. Como está Vitória?

- Muito bem, vossa majestade. Obrigada por perguntar.

O sorriso que João lançava a Catarina era-me familiar e perturbador.

- Ham... sei que vós e o meu marido têm uma reunião pendente. Creio que agora, com a notável melhora de Helena, possam concretizá-la.

- Mas claro.- Sorriu largamente.

- Senhora, a menina acordou.- A empregada veio chamar Catarina e fez uma vénia ao rei.

- Vou já!- Levantou-se prontamente.- Com a vossa licença.

- Sim.- Pousei a chávena na mesa do centro e quase esbofeteei o rei.- Para de olhar assim para a minha cunhada!!

- Oras Helena, assim como?- Questionou.

- Catarina é casada e mãe! Vira esses olhos para lá. Respeita esta casa!

- Tens razão, perdoa-me.

⭐👑⭐

- Eu estou a morrer de tédio.- Cantarolei relendo o livro de Henry pela terceira vez.

Já os meus e os novos deviam ter as paginas gastas.

- Já vivi umas dezenas de vidas.- Suspirei deleitada.

Tinha saudades de ir à livraria do Gomes.

- É com certeza o primeiro sítio onde te vou levar.- Garanti à Vitória dorminhoca no meu colo.- Vais adorar o cheiro dos livros.

Era tão aconchegante tê-la a dormir profundamente agarradinha a mim.

- Eu não quero que cresças.- Sorri cheirando o seu cabelo negro.

- Boas tardes, milady.- Henry tirou o chapéu ao ver-me e voltou a colocá-lo.

Apontei-lhe a cadeira do outro lado da mesa, mais à sombra do carvalho que a minha.

- Nem pareces a mesma da semana passada.- Suspirou com um sorriso tolo.- Estás radiante.

- Pelo menos sinto-me melhor.- Sorri.

- Estás linda.

- Em breve já estarei de novo mais...- Olhei para o robe e para a camisa de dormir.- Apresentável.

- Eu acho que ficas linda assim. O cabelo solto fica-te muito bem.- Suspirou.

- Henry...

- Ficas adorável quando coras.

- O que é que vieste cá fazer afinal de contas?

- Hoje permiti-me vir apenas para admirar a tua beleza.

- Tu és um grande bajulador, isso sim.

- Ah! Mas um bajulador que te ama.- Comeu uma fatia de bolo.- Eu pensei que assim que te sentisses melhor pudéssemos dar um passeio à beira rio.

- Eu adoraria.- A ideia parecia simplesmente maravilhosa.

- E depois, quem sabe, comecemos as aulas de cavalaria que prometi.

Eu nem sabia que dizer!!!

Senti a Vitória remexer-se no meu colo, e então caiu no choro.

- Pronto, pronto...- Tentei acalmá-la, porém não estava a resultar.- Lucas?- Indaguei num murmúrio.

- Eu vou lá.- Henry levantou-se e foi chamar Catarina provavelmente.

- Tu és mestra em quebrar o clima, meu amor.- Beijei a sua testa frágil.- Essa é uma das 50 razões para não te dar um primo para brincar.

- Pronto, pronto.- Catarina pegou em Vitória e a safada calou-se logo enquanto chuchava no dedo.- Continuem.- Piscou-nos o olhos.

- Podemos caminhar?- Henry olhou para o vasto jardim e estendeu-me o braço para que enlaçasse o meu.

- Ham... estou bem aqui, obrigada.- Recusei. Não queria coxear na frente dele.

- Tudo bem, talvez outro dia.- Puxou a cadeira dele para mais perto.- Lembro-me que já vos pedi para ler para mim, porém nunca pedistes o contrário.

Pensei um pouco. Tinha razão, nunca pedi a Henry para me ler apesar da vontade ser enorme.

- Bom, Sir Hyde, podeis abdicar de um pouco da vossa tarde ocupada para ler para mim?- Procurei um livro que gostasse dentro do cesto.

- Nada me deixaria mais honrado, milady.- Abriu o que lhe dei.- Isto está em inglês.- Encarou-me.

- Eu sei.- Mordi o lábio.- Ficais sexy quando falais vossa língua materna.

- Hum...- Aproximou-se um pouco mais, com um daqueles sorrisos sedutores que tanto me enfeitiçavam.- E quando falo português?- Ergueu uma sobrancelha.

- É fofo, e engraçado.

- Oras...

- Enrolais algumas consoantes, é divertido.

- Bem, eu não estava à espera dessa.- Corou, talvez por constrangimento.

- Desculpa.- Beijei a sua bochecha.- Não queria magoar-te. O meu sotaque inglês também deve ser muito fatela.

- E é, mas não sois embaixadora.

- João não vos daria ouvidos nem se fosses o seu anjo da guarda.- Brinquei prevendo o que pensava.

- Então sai uma leitura em inglês?- Desfolhou o livro.

- Sim, por favor. Devagar.

- Muito bem, como a milady desejar.- Sorriu e começou a ler.

De início ainda prestei atenção ao que dizia, contudo pouco depois já só tomava atenção ao seu tom melódico e ritmado. A sua língua fazia curvas e arranhava palavras, tornando-as cativantes e mais nobres. Havia um tom elevado e superior pelo modo como falava.

Era muitooooo quente!!

- Tudo bem até agora?

- Oh sim.- Despertei.

- A sério? Ótimo, eu adorei como a raposa usa a argumentação para convencer o pássaro a descer da árvore.

- Ah eu também, principalmente quando...- Sorri.- Espera, isto nem é uma fábula!- Emendei depressa, revendo a capa para ver se não me enganei no livro.

- Pois não Helena, só que tu nem estavas a ouvir-me.- Sorriu presunçoso.

- Claro que estava!

- Não, escutavas apenas, mas quem sou eu para te censurar?- Tombou um pouco a cabeça.

Ele era tão lindo.

- Não leves a mal.- Dei-lhe a mão.

- É impossível fazê-lo.- Voltou a olhar as páginas, pronto a retomar a leitura.- Eu... eu sinto-me amado a teu lado.

As suas palavras acalentaram o meu coração. Deve de ter sido um pouco difícil para ele admitir tal coisa tendo em conta o seu orgulho. Era um calor gentil e afável o que senti.

- Não sabes como me deixas feliz ao saber isso.

- Oh Helena...- Suspirou e de modo atencioso afagou os meus cabelos, quando encostei a cabeça no seu ombro, para ver as imagens.

- Eu amo-te.

- Não mais do que te amo a ti.

⭐👑⭐

- Helena, eu acho mesmo que devias de lhe contar.- Bianca aconselhava enquanto me atava o espartilho.

- Não há necessidade, é temporário.- Insisti, talvez enganando-me a mim mesma.

Passaram-se uns dias e eu ainda mancava.

- Não vale a pena preocupar Henry.- Arfei desconfortável.

Semanas sem vestidos apertados tinham-me habituado mal.

- Há algo que gostava de te dizer.- Introduziu um pouco mais baixo.

- Sim?- Voltei-me para ela, incentivando-a a continuar.

- Eu... ai meu Deus.- Corou e cobriu o rosto com as mãos. Havia um sorriso brilhante e lindo no seu rosto.

- Tu...?

- Eu vou casar-me.- Mordeu os lábios.- O Zé pediu-me em casamento há umas semanas.

- Oh Meu Deus!- Saltitei entusiasmada.- Muitos parabéns!- Abracei-a.- Não sabes como fico feliz por ti!!

- Obrigada.- Abraçou-me com alguma timidez.

- Eu agora vou à capela rezar por ti.- Prometi.- Desejo-vos as maiores felicidades. 

- Obrigada Helena, de verdade.- Limpou umas quantas lágrimas.

- Oh não... então?- Sorri abraçando-a novamente.- Não vale a pena chorar.- Enterneci-me.

- Sim.- Limpou o choro à manga do vestido.- Vá. Ide lá.

- Até depois.- Sorri-lhe uma ultima vez.

Bom, sempre podia começar a carreira como cupido. Está-se a ver que tenho jeito.

Entrei na capela em silêncio e com cuidado.

O meu irmão disse-me que na minha pior noite, quando todos tinham a certeza que iria desta para melhor, o papá não estava comigo, passou aqui a noite e pelas flores extras no jazigo da mamã as suas preces foram ouvidas.

Ela continua a olhar por mim. Pode não estar aqui numa forma terrena, porém estará sempre a proteger-me.

- Obrigada.- Sentei-me no chão, frente ao jazigo a rezar um pouco e a agradecer profundamente esta segunda oportunidade que me deu.

Rezei por ela, por Bianca e até mesmo por João. Rezei por força, para que a coragem nunca me faltasse.

No dia em que uma mulher perde a coragem e a força para lutar, a sua sina fica escrita.

- Disseram-me que estavas aqui.- Olhei para trás, encarando Henry.

Com um sorriso, estendeu-me uma mão e ajudou-me a levantar.

- Tudo bem?- Olhou para o túmulo da mamã.

- Melhor é impossível.- Puxei-o para o banco corrido e sentei-me, seguida por ele.

- É uma capela bonita.- Olhou para os azulejos, para as flores frescas, os santos e até mesmo os naprons debaixo dos santinhos.

- Sim. É o nosso santuário.- Sorri orgulhosa.

- O teu irmão disse-me que coxeavas.

Engoli em seco.

- Temporariamente.

- Tudo bem, mas podias ter-me dito.

- Não é nada de grave.- Desvalorizei.

- Helena, não há nada neste mundo que me faça parar de te amar. Sabes disso, certo?

Corei, muito feliz por saber.

- Sim.

- Ótimo.- Sorriu e roubou-me um beijo.

- Henry!- Afastei-o depressa, olhando de relance para a entrada da capela.

O seu sorriso era o mais traquina que se podia imaginar.

- Helena...- Levantou-se e imitei-o.- Eu juro que nunca senti tanto medo como neste mês. Se não morri de apoplexia até agora, sei que não será esse o meu destino.

- Ai Henry, nem agoires!- Fiz o sinal da cruz expulsando dali o que tinha dito.

- E isso também me fez notar...- Pegou nas minhas mãos.- Como és importante para mim, ainda mais do que eu já pensava que eras.

Own!!

- Eu não me vejo a viver a minha vida com mais ninguém, apenas contigo.- Olhou bem fundo nos meus olhos. Para ser honesta quase que o senti tocar-me na alma.- Tu. A mulher mais bonita, inteligente e corajosa que já tive a honra de conhecer.

- Henry...

- Ah olha, deixaste cair ali uma coisa.- Apontou com o queixo para trás de mim.

Constrangida, voltei-me de costas para ele, procurando o que me tinha esquecido desta vez.

- Não há... Henry!

Estava de joelho no chão, com um anel apontado para mim:

- Helena, aceitas fazer-me o homem mais feliz do mundo por muitos e longos anos sempre a teu lado?

- Eu... eu... eu...

Eu estava muito nervosa, não sentia as pernas. A minha garganta fechou-se e chorava por razão nenhuma.

- Sim! Mil vezes sim!!- Estendi a mão que tanto tremia e colocou o anel, para então me beijar em seguida.- Eu amo-te, Henry! Amo tanto...!!!

O seu abraço era apertado. O seu sorriso era tão largo e feliz que me deixava ainda mais apaixonada.

- Agora é para sempre, milady.- Advertiu divertido pegando-me ao colo para beijar os meus lábios.

- Estava a ver que tinha de ser eu a ajoelhar-me!!- Provoquei quando tomei consciência do que tinha acabado de acontecer.

Voltou a beijar-me intensamente e por momentos quase que me senti flutuar. Teria os seus olhos só para mim por uma vida inteira, os seus cabelos ruivos, o seu sotaque sexy, a sua voz melódica, o seu sorriso radiante, a sua astucia, o seu feitio...

- Oh...

Voltámo-nos assustados para a entrada da capela, vendo Catarina abraçada ao braço de Lucas, que se apoiava descontraidamente na ombreira da velha porta com um sorriso sábio e orgulhoso.

- Desculpem.- Catarina tapou a boca.- Continuem. É só que vocês ficam muito queridos juntos.

Encarámo-nos ao mesmo tempo e vi as suas bochechas corarem muito. Era dificil fazer Henry corar...

- Ham...- Pousou-me no chão e dei-lhe a mão. A minha vida não tem como melhorar.- Que parte é que ouviram?

- Tudo.- O Lucas foi bem direto.- Metam nessa cabeça que nunca estão sozinhos.

- Mas agora já podem ficar.- Catarina sorriu.

- Eles estão noivos, não casados.- O meu irmão lembrou.

- Não sejas desmancha prazeres.- Veio até nós muito sorridente.- Muitos parabéns!!- Catarina abraçou-nos de modo muito apertado.- Deixa ver.

Pegou na minha mão para analisar o anel de ouro com um diamante enorme de forma rectangular. Aproveitei para o ver também. Por mim, Henry podia entregar-me um aro de arame que eu ficaria feliz na mesma.

- Parabéns, Henry.- O meu irmão veio dar-lhe um aperto de mão e um abraço apertado.- Cuida bem da minha maninha.

- Lucas...- Barafustei embaraçada. Eu não era mais uma menina!

- Vamos, temos de começar a organizar a cerimónia!- Catarina puxou-me às pressas para fora da capela, pelo que só tive tempo de acenar a Henry, que me retribuiu com uma gargalhada mal disfarçada.

- Temos de ir contar ao teu pai.

- Espera!- Pedi contente.

Eu precisava de uns minutos para assimilar o que tinha acontecido. Eu estava noiva do homem que amava. Seria mesmo possível?

Afinal de contas, quem em seu perfeito juízo gostaria de passar dezenas e dezenas de anos a meu lado, acordar a meu lado, deitar-se a meu lado, sorrir comigo e dançar e discutir e pensar...

- É meio que inacreditável, não é?

- Sim, e estranho.- O que mudaria agora?

- Vais habituar-te depressa. O amor que Henry sente por ti é muito... forte e romântico.- Suspirou como se lesse o melhor dos romances.- Ele salvou-te Helena, e foi o primeiro a investigar os culpados.

- E é o único homem fora do meu sangue que me dá livros.- Derreti-me.- Ele não é lindo?

- Vem!- Puxou-me outra vez, achando-me graça.

Ouvimos a Vitória chorar e aí gelei.

Eu não podia casar com Henry. Ele precisava de um herdeiro e eu não queria tê-lo.

- Eu tenho de voltar.- Soltei a minha mão da minha cunhada e recuei.

- Tens uma vida para passar com ele.- Divertiu-se.

- Não, de verdade.

Catarina viu-me tão séria que me deixou ir.

Não encontrei Henry na capela, e tive de dar uma volta enorme pelo jardim até dar com eles dois.

- Com licença.- Sorri para o meu irmão e pedi uns minutos a sós com Henry.

- Sim?- O seu sorriso era enorme, Senhor! 

- Eu... eu não posso casar contigo.- Murmurei de cabeça baixa.

- O... mas porquê? Acabaste de dizer que sim!

- Não, por favor...- Tentei apaziguar o seu estado de espírito.- É um problema meu, nada contigo. Juro.

- O que pode ser assim tão grave?- Cruzou os braços aborrecido.

- É que eu... não quero ter filhos.- Admiti com cuidado. Não queria magoá-lo.

- Porquê?

- Eu simplesmente...

- Tu pareces gostar tanto de cuidar da Vitória.

- Pois, porque não tive o trabalho de a parir, lavar, amamentar, acalmar... eu só tenho de cuidar e brincar com ela.- Enumerei pelos dedos das mãos.

- O caso não é não gostares de crianças.- Refletiu.- Eu preciso de um varão, Helena.

- E é por isso que não posso ser eu a tua esposa.- Senti as lágrimas virem.

Não queria abdicar de Henry.

- E se... e se só tivermos um bebé daqui a alguns anos.

- Hum?

- Sabes, podemos ser casados e aproveitar o tempo que temos a dois por algum tempo. Não temos de ter logo uma criança às pressas, somos jovens.

Mas eu iria acabar por parir na mesma e o parto dói.

- Helena...

A minha mãe teve de sofrer um pouco para eu estar aqui agora. A Catarina sofreu também e parece radiante por ter a Vitória nos braços agora.

- Cinco anos?- Negociei com um sorriso.

- Dois anos.- Cruzou os braços.

Eu teria se usar bastante perícia para dar a volta a Henry, afinal de contas levou a melhor com o rei e restantes conselheiros.

- Cinco anos, e podes ficar com as minhas sobremesas.- Somei.

- Um ano e meio.

Arght!

- Quatro anos ou ireis dormir para o sofá.- Cruzei os braços, certa de que funcionaria.

- Não conseguirias passar tanto tempo sem mim. Um ano, e mais não subo.

- Quem vai gerar, parir, cuidar, amamentar, lavar, alimentar, educar, ensinar, ler e vestir a criança sou eu, por isso eu decido por quanto tempo a loja fica fechada. E eu digo que são quatro anos!- Comecei a perder a paciência.

Havia um sorriso jocoso muito irritante no seu rosto.

- E se eu prometer ajudar?

- Não farias mais que o teu dever.- Aborreci-me.

- Seis meses, e é só.

Então recuei e dei um passo atrás. A pressa dele era mais importante que a minha vontade, portanto não havia como solucionar o problema.

- Sendo assim lamento Henry.- Fui honesta.- Se seis meses é o teu tempo então... não dá para mim. Eu não serei pressionada para conceber uma criança, quando me sentir madura o suficiente fá-lo-ei, até lá jamais.

O sorriso idiota foi substituído por uma linha bem fina e arrependida.

- Se não podeis respeitar a minha vontade e o meu corpo, então talvez... não seja a hora.

Nem seja a pessoa certa afinal. Pensei que Henry entenderia. Não sou rainha para obedecer a tempos cronometrados ao dia por um que não me respeita. Eu pensava que me iria casar com Henry; tinha-me deixado tão feliz.

- Isso é mesmo a sério, não é?- Avançou um passo.

- É sim.- Confirmei, recuando outro.

- E definirá tudo.

- Sim.- Garanti quieta encarando-o com seriedade.

Eu não estava a brincar.

- Muito bem. Se queres cinco anos, esperarei cinco anos contigo, se desejares dez anos, dez anos ficarei paciente a teu lado.

- A sério?

- Eu não te vou perder por nada deste mundo. Mais vale passar cinco anos a teu lado e logo se vê, que dois anos longe.

- Oh Henry, não sabes como me deixas feliz.- Foi uma das coisas mais queridas que já fizeram por mim, porque era uma das que necessitava mais do sacrifício pessoal.

- Isso significa que casas comigo, milady?

- Absolutamente.- Beijei-o.

- Por falar em absoluto, sem mais encontros com o rei.- Exigiu.

- Hum?- Ele estava a pedir-me para abdicar de um dos meus melhores amigos?!

- Sem mais saídas à noite sozinhos, sem festas privadas com ele, sem eventos íntimos com ele. Só se eu for também.

- Se estivermos os dois na biblioteca? Na capela? Na sala do conselho?- Indignei-me.

- Por mim tudo bem, desde que não sejam os seus aposentos!- Advertiu.

- Certo, mas já que falamos de permissões...- Endireitei a sua casaca e cheguei-o um pouco mais para mim.- Não ireis ter uma amante, pois não Henry?

- Helena...- Sorriu.

- Sim ou não?

- Eu creio que...- Olhou meio absorto para os meus seios.-... que não será necessário.

- Isso não é resposta!- Afastei-o e riu.

- Helena, se eu só te amo a ti, se o meu corpo clama pelo teu, porque haveria eu de ter outra?

- Não sei. Não sou homem para saber.- Cruzei os braços chateada.

- Eu cumpro a minha palavra. Se me caso convosco, então a vós me entrego.- Murmurou já perto dos meus lábios.- De corpo, alma e coração.

Senti um arrepio gostoso quando afinal preferiu beijar-me o pescoço.

- Hummm... Henry!- Adverti baixinho, preocupada se alguém nos via.- O meu irmão, ele...

- Está ocupado.- Murmurou num tom bem baixo e rouco.

- Oh!- Surpreendi-me quando desceu as mãos pelas minhas costas lentamente e agarrou o meu rabo com força.

Foi tão de repente que me assustei, ele nunca tinha ido tão longe!

Ah... em poucos meses faria pior que isso, não é verdade?

Um sorriso pequenino embelezava o seu rosto, no entanto os seus olhos ficaram tão mais azuis e intensos. Havia malícia e desejo ali, eu conseguia ver.

Fiquei sem saber que fazer, porém soltar-me não parecia uma reação que ponderasse.

Aproximou o nariz no meu e hesitou por curtos instantes, como se refletisse algo de olhos fechados, para então o roçar no meu num convite silencioso.

Claro que sim! Ontem já era tarde!! Queria tanto que me beijasse...

⭐👑⭐

Não havia volta a dar. Eu estava louco por Helena! Eu queria-a só para mim, aqui, agora mesmo no chão.

Sim, no relvado, tão natural como as flores, tão alva quanto as pétalas das margaridas e de bochechas e lábios tão rubros quanto as rosas, precisava de sentir o seu corpo macio, pele na pele, roubando cada suspiro seu, cada sorriso de prazer, cada clemência em meu nome...

Os seus lábios eram o céu! Um convite ingénuo para bem mais do que uma dança de linguajar.

Puxei-a mais ainda para mim, não havia mais espaço no entanto. Queria que sentisse o meu corpo vigoroso uivando pelo dela, pela sua misericórdia.

Incontive-me e arfei, talvez tenha realmente gemido nos seus lábios puros.

Senti a sua boca afastar-se da minha, fazendo-me sentir a brisa da tarde. Como era fria a brisa de verão.

- Helena...- Suspirei, numa tentativa vã de recuperar a sanidade.

Talvez Lucas tenha razão, não podemos ficar totalmente sozinhos ainda... embora já tenhamos ficado antes.

Na noite do seu aniversário controlei-me, porque não conseguia fazer o mesmo agora?

Abraçou-se sem dizer uma única palavra. Um abraço forte e aconchegante.

- Eu amo-te. Amo-te, ouviste Helena?- Sussurrou no meu ouvido com uma voz estremecida.

- Não mais do que te amo a ti.- Suspirei, sentindo o cheiro a Primavera dos seus cabelos.

Subi as mãos para as suas costas e retribui o abraço com cuidado.

- Tens de te alimentar, os meus braços agora chegam de um lado ao outro.- Sorri-lhe com alguma estranheza.

- Eu ainda estou a recuperar-me. Ireis ser sempre assim desagradável acerca do meu corpo, Lord Hyde?

- Não, desculpa, só falei porque fiquei preocupado.- Atrapalhei-me e vi a cara dissimulada de Helena quando me deu um encontrão.

- Chegaram-me coisas aos ouvidos, espero que os pássaros andem loucos.- Quase que tropecei ao ouvir Eduardo perto de nós.

- Olá papá.- O sorriso de Helena alargou-se imenso. 

Isso só pode significar que está verdadeiramente feliz. Tão feliz quanto eu.

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