4. Deus salve o Rei
Quanta... Quanta... Quanta ousadia! Como se atreveu a... Pirralha infantil!
- Ham... eu... ham... vou falar com ela.- O marquês saiu apressado e a porta foi fechada.
- Insolente!- Parti o copo de cristal atirando-o à parte. A fúria corria pelas minhas veias.
- Oh não...
Inspirei fundo e tentei acalmar-me.
- Que foi, Francisca?
- Nada, deixa.- Continuou a comer.
- Vamos, quero ouvir!
- Queres mesmo?- Perguntou receosa.
Voltei-me para ela.
- Não foste muito simpático com Helena. Ela é muito querida, sabes? Também é simpática, mas foste muito chato com ela. Se fosse a primeira vez que nos vissemos, também não quereria ser tua amiga. Foste insuportável.
- Eu só fiz perguntas!
- Não mano. Fizeste perguntas, as quais sabias a resposta. Riste-te na cara dela. Ninguém gosta disso.
- Não quero saber. Se eu pergunto, ela responde. É simples.
- Não é por teres poder que podes fazer os outros ficarem tristes. O pai sempre disse que o poder era para fazer todos felizes, principalmente o povo.
Verdade.
- Ela é inteligente. É divertido implicar com pessoas inteligentes.
- Deve de ser por isso que agora estás a rir e a saltar de animação.
- Que direta, Josefa.- Provoquei.
- Iue! Não me chames isso. Sabes que não suporto.- Amuou.
Olhei para cima da mesa e vi as delicadas luvas de Helena próximas ao prato. Tinha-se esquecido delas...
⭐👑⭐
- Helena!
Ouvi o papá gritar, no entanto não parei. Atravessei corredores e mais corredores. Onde é a saída deste inferno?!
- Helena!- Alcançou o meu braço, agarrando-o com tanta força que me magoou.
- Papá estais a...
- Sabes a vergonha que me fizeste passar?! Vamos acabar a mendigar pela tua insolência! Adverti-te sobre o comportamento a tomar e ainda assim...
- A culpa foi do rei! Porque lhe contaste que viajei? Ele estava a zoar de mim.- Senti os meus olhos humedecerem.- Lamento, mas não serei chupista, submetendo-me às humilhações daquele pirralho como vós.
Ardor. Muito ardor. Levei a mão ao rosto, que ardia como o fogo.
- Não voltai a proferir tais palavras! Sou teu pai e exijo respeito, o mesmo que deves ao rei!
Mordi o lábio impedindo a saída de todas as minhas palavras furiosas.
- Pois então ide! Eu vou para casa, não aturo mais o papel de fantoche!- Chorei e corri até à carruagem.- Para o palacete o mais depressa possível!- Ordenei ao cocheiro.
- Sim, senhora.
Eu quero voltar para o Brasil! Nunca devia de ter vindo.
⭐👑⭐
- Majestade, peço perdão pela minha filha.- O marquês baixou a cabeça perante mim, depois de pedir permissão para entrar.
Este incompetente nem consegue controlar a filha, quanto mais ajudar-me a cuidar de um país.
- Não tem importância. Espero sinceramente que Helena tenha aprendido com o seu erro. Não darei nem mais uma chance.
- Eu... compreendo majestade.- Balbuciou.
- Ide. Quando precisar de vós, ireis saber.- Virei-me novamente para a janela.
Qual seria a maneira mais acertada a enviar a Helena os seus pertences?- Sorri para mim mesmo.
*
- AGHRT!- Tranquei-me no quarto com o maior estrondo. Arranquei os brincos e tirei os ganchos, deixando o cabelo cair livremente.- QUE SITIO DOS INFERNOS!
- Menina precisa de...
- SAI BIANCA!- Gritei furiosa.
O pirralho do rei brinca comigo e a culpa ainda é minha?! Quem se quiser submeter e ser humilhado, muito bem então, mas não me leve consigo!
- FANTÁSTICO!
Na minha fúria atirei uma jarra de flores à parede, que se desfez em pedaços e tirou um pouco da tinta no gesso.
- Eu odeio este país!
- Helena!- Ouvi gritar. Parabéns! O Sr. Marquês teve permissão do dono para se ausentar. Será que está proibido de sair à rua por uma semana?!
*
- Onde está Helena?- Perguntei para a governanta.
- Sr. Lencastre, Helena está muito alterada. Conversar agora é o mesmo que dizer apenas disparates. Deixai-a acalmar-se. Mais tarde falarão.- Aconselhou.
- Não. Nós iremos falar agora!- Insisti e subi as escadas de madeira alemã.- Helena, abre a porta!- Bati com fúria.
- Ide embora! Quero ficar sozinha!- Ouvi do lado de dentro.
- Se não abrires, arrombarei a porta.- Deixei claro.
Pouco depois a porta foi aberta, mostrando uma pequena Helena afogada em lágrimas. Creio que foi realmente horrendo para ela. A culpa foi toda minha, nunca lhe devia ter pedido para ir para a corte contra a sua vontade.
Estou em risco de perder a estima do rei, a minha filha está furiosa e a corte deve de estar a arranjar forma de se ver livre de mim.
Apesar de tudo sou um Lencastre, e um Lencastre é o ultimo a perecer!
- Dizei.- Insistiu voltada para a janela do jardim.
- Admito que tive um pouco de culpa.- Suspirei.- E que não te devia ter batido em pleno palácio, por isso devo-te um pedido de desculpas.
Esperei, porém nem uma resposta.
- Não dizes nada?
- Que havia de dizer?- Respondeu rispída.
- O tom, Helena!- Adverti zangado.
- Pois muito bem!- Sorriu numa tentativa de esconder toda a ira.- Eu não suporto o palácio, a corte e muitos parabéns: agora nem o rei!- Exaltou-se.
- Então é bom que mudes essa opinião dentro de muito em breve, porque é para vos submeterdes!- Deixei claro.
- Eu não tenho de me submeter a ninguém com aquele carácter!- Resmungou.
- Tendes sim.- Esclareci.- Jamais alguém se opôs ou oporá ao poder do rei, e muito menos será uma mulher!
A sua cara de confusão era a mais dolorosa de todas.
- Sabeis que sou um pai benevolente ao deixar-vos ler e aprender. Muitos outros tinham-te negado essa dádiva, mas entende o teu lugar como mulher, Helena.
Se a minha filha não desposasse dentro de em breve acabaria arruinada, só herdará parte dos meus bens quando casada e não vou para novo.
- Entendi.- Sorriu amargurada, contudo via-se que estava furiosa.- Compreendo mais que bem o facto de ter de me casar em breve, de preferência com um senhor de grande importância na corte do rei, engravidar, e cuidar dos meus filhos em casa. Fingindo a minha estupidez quando nobres falam de assuntos importantes de forma totalmente ignorante.
- Verdade um pouco crua mas...
- Agora que entendi, podeis sair finalmente. Não descerei para jantar.- Voltou-se novamente para o jardim.
- Boa noite Helena.- Murmurei entristecido e zangado com a sua atitude de menina mimada.
*
- Menina, o jantar.- Uma das empregadas bateu à porta mais tarde; bem, bem mais tarde.
Eu continuava sem fome, contudo permiti a sua entrada, ficando sozinha logo que saiu.
O aroma do jantar fez o meu estômago roncar e com isso cedi. Jantei o que me tinham trazido, permanecendo pensativa.
Não tinha sido correta com o papá, ele estava certo em obedecer ao rei. É a honra da família que está em jogo, e não quero ser eu a manchá-la.
- Perdão, Helena, um lacaio pediu que vos entregasse isto.- Bianca entrou com uma caixa de presente.
Abri de forma muito curiosa e dei com a minha sombrinha, as luvas e o livro que levei e me esqueci.
Havia um bilhete também:
Aqui estão os pertences de vossa excelência,
Peço perdão pelo meu comportamento, a verdade é que a menina me intriga. Solicito também uma nova oportunidade, não é de todo minha intenção que fique com uma ideia errada a meu respeito.
Espero uma resposta, o meu lacaio não deixará vossa porta sem a mesma. Tenha uma boa noite.
O mais atencioso possível;
D. João V , Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.
Meu Deus, o rapaz deve de ter tido uma dificuldade dos diabos para decorar toda a sua titularia régia. Isso não importa agora, precisava de conter a raiva isso sim. O rei pedia uma nova chance para os dois e seria uma idiotice não aceitar.
Peguei numa folha amarelada, procurei a pena e o pote de tinta. Veremos...
Vossa majestade fidelíssima;
Desde já agradeço o facto de me ter enviado os meus bens, não havia necessidade de tanta urgência.
Peço também que me perdoe. Exaltei-me um pouco hoje pela hora de almoço. Não queria que construísse uma imagem errada acerca de mim, porém, sejamos sinceros, vossa graça também não colaborou.
Terei todo o gosto em recomeçar do zero, seria uma honra.
Apelo, já que assim é, à vossa maturidade e que não prejudicais o meu pai ou seus trabalhos pelo meu comportamento um tanto ou quanto... infantil.
Dê os cumprimentos a D. Francisca por mim, por favor, é uma menina amorosa e adorável.
Aqui me despeço, da forma mais atenciosa de vossa senhoria, e que Deus salve o rei;
Helena Brotas Lencastre.
Li e reli a carta novamente. Parecia-me bem. Passei um pouco de perfume e derramei o lacre, cravando o brasão da família por cima.
- Bianca.- Chamei.
- Sim, menina?- Apareceu de imediato.
- Entregai esta carta ao lacaio do rei, por favor.
- Sim, Helena.
Começou de chover.
Ótimo! Mais uma coisa para melhorar o meu humor.
- Bianca?- Chamei pouco depois.
- Sim?
- Podeis ajudar-me?- Pedi em relação ao vestido.
- Claro.- Sorriu e ajudou-me a trocar pela camisola de dormir.
- Bons sonhos menina.- Aconchegou-me, beijando a minha testa.
Sabia tão bem quando ela fazia isso...
- Igualmente Bianca.- Sorri abraçando a almofada.- E desculpa por há bocado.
- Está tudo bem.- Sorriu antes de fechar a porta.
⭐👑⭐
- Majestade, o mensageiro chegou.
- Qual?
- O que enviou a casa dos Lencastre.
- Mande-o entrar.- Ordenei ao mordomo.
Nunca esperei mesmo que chegasse uma resposta. Estou sinceramente curioso pelo conteúdo da mensagem. Esta Lencastre é uma língua afiada.
- Majestade.- O mensageiro entregou-me a carta, estava encharcado. Aposto que se eu o torcesse escorreria água ao invés de sangue.
- Vistes Helena? O marquês?
- Não majestade. Disseram que o marquês estava no gabinete, e que Helena nem para o jantar saiu do quarto. Apenas uma empregada me entregou um copo de água, porque recusei vinho. Ofereceram-me abrigo, porém recusei.
- Cumpriste as ordens que te foram dadas, à risca.- Sorri.- Podeis ir descansar. Boas noites.
- Igualmente majestade.- Sorriu ao sair. Via-se que estava cansado.
É o único mensageiro em quem confio; pelo que lhe pago, nem esperaria outra coisa.
Bom, abriremos então o envelope... tem o perfume dela.
Uma doce e feminina fragrância de rosa, algo muito delicado. Gostei, sim senhora.
Tirei o papel de dentro.
- Hum...- Examinei com mais atenção.- Sem uma alfinetada, nem uma provocação... Ainda bem que chegamos a acordo. Parecem-me progressos.- Gargalhei.
Confesso que o seu "Deus salve o rei" e a sua submissão a isso me deixa bastante satisfeito.
Mais uma oportunidade, algo me diz que será interessante.
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