34. O bastardo
- Que foi?- Estranhei de enquanto atava o robe. Luísa sorria sempre enquanto me via vestir, às vezes até gracejava.
Estava quieta demais, passiva demais. Desconfio até que desta vez tenha fingido o seu momento.
- Nada.
- Estás estranha hoje.
Analisou o anel de diamantes no dedo anelar suspirando. O silêncio dela parecia desconfortável.
- Eu estou de esperanças.- Mordeu o lábio e começou a chorar.
- O quê?- Surpreendi-me.
Quer dizer... não é tão surpreendente assim, surpresa é só estar agora e não mais cedo tendo em conta há quanto tempo nos envolvemos, porém... é sempre estranho.
- Faz dois meses que as minhas regras não aparecem.- Apertou as mãos com força e chorou desalmadamente.
Pois vê meu bem, tenho de te pôr a andar! Se a rainha chega e vê a amante grávida seria um péssimo começo.
- Casamento ou cláusura?
- Perdão?- Secou minimamente as lágrimas.
- Quereis um casamento ou uma vida como noviça?- Nunca fui eu a tratar deste tipo de situações, também não é a primeira vez que acontece....
- Majestade...
- Parece-me que fui claro.- Impus sem elevar o tom.
- Depende do noivo.- Murmurou.
- Com certeza que o duque de Aveiro ficará deslumbrado com a sua noiva.
- Duque de Aveiro?
- Afinal de contas é uma família de bastardos reais já.- Sorri.- Não vale a pena sujar mais linhagens. Não faltará nada a vosso filho, afinal de contas é um Bragança.
- O duque de Aveiro é um ogro e um velho!- Chorou baba e ranho.
- Tendes muita sorte de eu não vos mandar executar a criança.- O seu instinto materno fê-la levar a mão à barriga.- Crianças são incomodas, bastardos são sujos.
- Não parecestes pensar assim enquanto o fazias.- Cruzou os braços e secou as lágrimas- Eu já fui ofendida o suficiente!- Saiu vestindo a camisa interior revoltada.
Ela não iria voltar atrás e escolher o convento. Iriam afastá-la da criança.
Suspirei quando me vi só.
- Primeiro Lara, depois Helena e agora Luísa. Mais alguém para se afastar?
Que ótima maneira de se começar o dia!
⭐👑⭐
Felizmente não encontrei Henry quando cheguei ao palácio. Não saberia que dizer-lhe, ou como reagir.
A infanta estava de volta do cravo, enquanto Dionísia a ajudava com as notas e partituras.
Sinceramente, o ambiente estava aborrecido.
- Que ledes?- Carolina sentou-se a meu lado, com um sorriso simpático.
- Sonho de uma noite de verão, Shakespeare.- Encolhi os ombros, folheando as folhas com um cuidado e sensibilidade extremos.
- Soa bem.
- O som engana.- Suspirei.- É horrível.
- Porquê?
- Traição e magia. Há uma personagem com o meu nome, só se casa com "abracadabras".- Aborreci-me.
- Mas casa.
- E com quem cama, porém não a ama.
A frase pareceu confundi-la um pouco, e no fim acabou por sorrir.
- Não podem ser os homens sempre a ter o gostinho da vitória, a acorrentarem raparigas. Tem de chegar a nossa vez algum dia.
- Duvido que chegue.- Suspirei.- Enquanto homens reinarem, comandarem exércitos, controlarem a igreja, e forem influentes... seremos sempre submissas às suas vontades.
- Chegará o dia em que seja uma rainha a sentar-se no trono de Portugal e a controlar o império. Uma rainha, com o seu consorte e não contrário.
Duvidava dela.
- Helena, costumas ser a mais positiva de todas nós.- Preocupou-se.
- Acho que prefiro ser realista agora.- Fechei o livro.
- Bons dias.- Luísa chegou enfim.
Havia algo de estranho nela.
- Bom dia.- Francisca sorriu enquanto tentava chegar a todas as notas. O tempo e a prática trariam a destreza e velocidade que precisa.
Dionísia bem tentava explicar-lhe, contudo os seus talentos para a música eram duvidáveis.
Luísa sentou-se e ficou a olhar fixamente para elas, como se estivesse distraída no mundo da sua cabeça, preocupada.
Num outro dia qualquer estranharia e perguntaria a mim mesma o que pode correr tão mal para alguém ficar assim antes mesmo das 10:30H da manhã. Depois da manhã de hoje... pouca coisa me surpreende mais.
- Não, já vos disse que tem de ser assim!- Dionísia ralhou já fora de si e fez outra vez.
- Saí daí sua tola! Tocais ainda pior que a infanta!- Rosnou do nada, caminhando furiosa até ao lado da princesa.
Dionísia estava chocada demais com a atitude de Luísa para se impor no momento. Sempre fora sorridente e contida.
Algo extremamente grave sucedeu.
- Tendes de chegar aqui, carregar com mais força e aqui mais devagar, estais demasiado perto para vos mexeres e tensa demais.- Tocou e depois pediu para a infanta repetir.
Nervosa e assustada, a menina tentou corrigir as suas falhas.
- Muito melhor!- Levantou-se e saiu disparada outra vez.
- Que falta de...
- Calai-vos, lambe botas.- A infanta rosnou furiosa.
Tinha razões para isso. A traição de Dionísia não foi esquecida, aliás ela só cá estava ainda porque João é um cabeça-dura.
Decidi seguir Luísa. Não tínhamos qualquer tipo de intimidade, além da solidariedade feminina eu creio.
Estamos todas no mesmo barco, somos todas aias, todas mulheres, todas com os seus problemas. Estaria com as suas regras?
Não... está nervosa demais até para esse nível de irritabilidade.
- Está tudo bem?- Encontrei-a encostada à porta, no corredor a chorar.
Ou tentar parar de o fazer. O seu choro não era de tristeza ou de um mau dia; os seus soluços eram de pura aflição e angústia.
Teria algum ente querido falecido?
- Quereis um chá? Água?- Acarinhei o seu cotovelo e negou veemente com a cabeça.
- Um abraço?- Murmurei com um pequeno sorriso.
Fiquei admirada com a sua rapidez em abraçar-me. Luísa não parecia ser desse tipo de coisa.
- Tudo bem.- Apertei-a com força.
⭐👑⭐
- Estou farta de água.- Suspirei vendo as bolas ir e vir.
Quem tinha sido o idiota a lembrar-se de pôr uma mesa de bilhar num navio?!
- Começámos a viagem há uma semana, majestade.
- E faz mais calor do que devia!
- Estamos no pico do verão.- Tentaram explicar.
Eu não era nenhuma burra que não soubesse, só precisava de resmungar as minhas frustrações.
- Oh Mila...- Acarinhei a minha cachorrinha.- Quando chegaremos a Portugal?
- Para inícios de Setembro, majestade.- Voltaram a responder.
- Isso é daqui a dois meses.- Deitei-me no sofá.- Tragam os meus bordados.- Aborreci-me.
⭐👑⭐
- Preciso de vos contar algo.- Preparei-me para o pior.
- Sim?- Henry sorriu.
Faltava apenas uma semana para o meu aniversário. A minha amizade com João... é feita de gelo e ainda nunca tive coragem de contar a Henry sobre o beijo.
Eu confiava nele.
Além disso, viamo-nos muito poucas vezes. Apenas nos bailes e mesmo João tem andando atarefado demais para os mandar preparar ou comparecer.
Sempre que podíamos dançávamos juntos, a isso o papá não se opunha.
- Tenho saudades vossas.- Murmurei.
- Eu também.- Confessou fechando o livro e abrindo um sorriso para mim, sem se aproximar.
Seria tentador demais.
- Apenas mais uma semana. Mais uma semana e poderemos ler juntos, tomar chá juntos, rir juntos das piadas um do outro...
A ideia disso acalentava o meu coração.
- Agora eu tenho de me mostrar um cavalheiro comportado ou vosso pai não me deixa nem respirar perto de vós.
Sorri com a sua preocupação.
- Mal me lembro da textura de vossa pele, do sabor dos vossos lábios, do calor das vossas mãos...
Corei com a sua sinceridade.
- Eu tenho mesmo de dizer-te isto, Henry.- Insisti. As suas palavras estavam a roubar-me a coragem.
- Sim?
- Eu...
Os seus olhos tinham um brilho fantástico, e o seu sorriso era curioso e encorajador. Eu vou arruinar tudo.
- Eu beijei uma pessoa enquanto estiveste fora.- Admiti depressa e num murmúrio.
- Oh...- O sorriso desfez-se e o livro na sua mão foi pousado em cima da longa mesa da biblioteca.
- Eu não amo essa pessoa, só o fiz porque... eu nunca tinha beijado ninguém, não queria que o nosso primeiro beijo fosse embaraçoso e horrível pela minha...
- Helena.- Aproximou-se devagar e pegou na minha mão com cuidado e carinho.
- Perdoa-me.- Pedi arrependida.
- Não há nada a perdoar. Não estávamos juntos nessa altura, nem as minhas cartas tinhas.- Suspirou.- Apesar de um pouco... estranho, as vossas intenções eram boas; uma vez mais, não estávamos num compromisso.
Beijou a minha mão.
- Todos temos de ter uma experiência maluca uma vez na vida.- Encolheu os ombros.
- Qual foi a vossa?- Indaguei curiosa.
O seu rosto enrubesceu e senti uma fisgada de ciúmes.
- Algumas coisas... devem ficar no passado, bem trancadas e esquecidas.- Riu.- Fico feliz que confies em mim para partilhar isso.
Sorri mais aliviada.
Nunca pensei que a conversa corresse tão bem.
- Com quem foi, já agora?
- Henry... isso são ciumes?- Tentei brincar para afastar no nervosismo. Se Henry soubesse que se tratava de João então com certeza haveria uma discussão muito séria e não havia razões para isso.
- Do desgraçado que pôs as mãos em vós? Sim.- Sorriu maligno antes de colar os seus lábios famintos aos meus.
O ar faltava-me enquanto tentava devolver na mesma intensidade. Tanto tempo longe um do outro era a pior das torturas: ver sem tocar, apenas imaginar.
- Beijou-vos assim, ele?- Arfou antes de voltar a devorar os meus lábios ávidos.
Eu apenas o segurava mais perto, pela casaca florida, implorando para que o momento não acabasse. A sensação de cumplicidade, do amor, da emoção era a melhor que já alguma vez tinha experimentado. Era viciante.
Os seus braços enrolaram-se ao redor de mim, apertando-me contra ele, como se me quisesse absorver, e não queria soltar-me desse aperto.
Com certeza parecíamos dois doidos esfaimados um pelo outro, enlouquecidos de amor, com fé de que um dia poderíamos passar os dias assim, agarrados, aos beijos, sortudos.
- Helena...- Afastou-se apenas um pouco, ofegante, com um sorriso satisfeito, enquanto tentávamos recuperar do acontecimento.
Com certeza que estes foram os melhores minutos da minha vida.
O seu peito subia e descia, o seu rosto estava vermelho de um modo adorável, o que só o deixava ainda mais apetecível (como se fosse possível, sequer). Tentei endireitar a casaca que tinha amarrotado e sorri.
- Helena...- Tentou recomeçar uma vez mais.- Não tens de te envergonhar da tua inocência, da tua candidez.- Suspirou no meu ouvido, ainda ofegante.- É normal e não tens de ter pressa ou preocupar-te com isso.- Beijou a minha testa e corei ainda mais. Parecia que me dava um raspanete.- Estamos aqui um para o outro, estou aqui para ti. Não deves de ter vergonha de mim, jamais me riria de ti ou da tua pureza, são esses traços que te fazem especial; não há... perversão em ti nem na maneira como vês o mundo, na maioria das vezes.
- Então... estamos bem?
- Claro que sim, meu amor.- Garantiu puxando-me para um beijo uma vez mais.- Hum... já te disse como estás bela hoje?
- Acho que não.- Fui tomada por um repentino ataque de amnésia.
- Pois estás estonteante, sem dúvida alguma.
Diverti-me com os seus modos.
- Tu também.- Endireitei a sua gravata de renda e aproveitei para sentir o calor do seu pescoço e um pouco da aspereza subtil da sua pele de barba feita.
- Não quero sair daqui.- Admitiu baixo, juntando as nossas testas.
- Nem eu.- Respirei fundo. Mais uma semana a tratá-lo como a qualquer outro cavalheiro... não tinha estômago para isso.- Mas tem de ser, falta pouco.- Enchi-me de coragem e afastei o seu corpo robusto do meu.
- Eu anseio com fervor o dia em que vos puder amar livremente.
Não mais que eu, tesouro.
Acho que Santo António deve de ter a lista de pedidos cheia das minhas orações. Já gastei centenas de velas, mais umas milhares de oferendas para conseguir um pouco de sorte, uma bênção.
- Já leste o diário de bordo de que te falei?- Impliquei com ele.
- Vou a meio, não me dês spoiler!- Indignou-se e sorri.
- O que é isso?- Estranhei.
- Spoiler? Bem é... deixa ver... é algo desagradável, é quando contas o fim de um livro, ou algo que sabes que vai acontecer e tira o interesse ou a diversão de fazer algo.
Interessante. Acho que vou adotar o termo!
- Soube que Luísa está grávida.- Começou a conversa.
- É.- Suspirei. Não era assunto meu. Se não queria um bebé real, bastava ter recusado João.
- Que fim é que o rei lhe deu?
- Não sei. Não falo com João há algum tempo. É problema deles, não meu.
- O duque de Cadaval está a lidar bem melhor que ela.- Riu.
- Não tem graça!- Rosnei e parou.- Ela foi forçada pelo pai a transformar-se na prostituta do rei em troca de títulos e riquezas que jamais comprarão a sua dignidade! Ela engravidou de um homem que mal suporta e que agora não quer saber dela, vai despachá-la para um convento, porque uma mulher grávida não dá para fornicar mais!
O seu silêncio era pesado, porque Henry sabia que as minhas palavras estavam mais que corretas.
- Não estou a dizer que ela é inocente, estou a dizer que a culpa não é só dela.- Declarei e olhei para os seus olhos.
Notava-se o seu embaraço.
- Eu tenho de ir. Até depois, Henry.- Caminhei para fora da biblioteca.
É sempre tão lindo ver homens julgar estas situações como se fossem santos livres de culpa...
⭐Alguns dias depois⭐
Cobri o rosto com o véu antes de entrar na capela real, no entanto mal entrei e dei dois passos atrás.
- Então andais mesmo a evitar-me.- Pressionou os lábios e cerrou o punho.
- Eu não ando a evitar-vos. Esqueci-me do meu livro de orações... e disseram-me que a infanta aqui estaria.
Esta era uma situação muito constrangedora.
- Não pretendo ocupar mais tempo que o necessário.- Sorri e tentei recuar uma vez mais.
- Eu entendi a vossa timidez, entendi que não quisésseis falar mais no assunto. Achei que fosse... sabeis, por causa da corte e do que diriam, não por arrependimento vosso.
Abri os olhos chocada. Como é que sabia?!
- Pelo menos, não achei que fosse completamente por isso.- Brincou com um botão de ouro da casaca.
- Não podeis apenas esquecer o assunto?- Bufei farta desta conversa.
- Como podeis pedir-me para esquecer vosso... beijo?!- Ele hesitou em falar demais e censurei-o com o olhar.
- Tendes uma rainha, um filho e um império para cuidar. Um maldito beijo é insignificante.
O rei abanou a cabeça negando o que eu falava e isso fez-me suspirar.
Não queria estragar a nossa amizade, pensei que ele entenderia.
- Eu... eu nunca quis estragar a nossa amizade.
- Nem eu.- Admitimos doridos.- Nunca quis... aborrecer-vos, ou perseguir-vos, ou cobrar-vos algo. Perdoai.
O rei de Portugal pedia desculpas?! E pareciam sinceras.
- Tudo bem.
Eu ficaria bem pior se fosse com Henry.
- Nunca quis magoar-vos.
- Podemos esquecer o que aconteceu e voltar ao de antes?
- Não sei, podemos?- Encarei-o com um sorriso.
Pareceu hesitar, porém acabou por admitir:
- Podemos sim.
Acabámos por selar a nossa amizade ali, na capela, com um abraço sincero e honesto.
- Olá João.- A infanta chegou com o seu sorriso travesso.
- Bom dia.- O rei respondeu e a menina ficou a encará-lo com um sorriso radiante, como se esperasse algo.
- Estás linda hoje. Esse vestido fica-te muito bem.- Beijou-lhe a testa e saiu.
Havia algo mais...
- O aniversário da infanta!- Exclamei de mãos no peito, envergonhada com o meu esquecimento.
João parou e voltou-se com um sorriso em pleno corredor.
- Não, Helena... é amanhã.- O sorriso foi desvanecendo.
- E dissestes isso ontem?- Cruzei os braços aborrecida.
A sua pele ficou como cal e os seus olhos iam saltando das órbitas.
- Eu...
- Sim, sois um péssimo irmão. Agora arranja forma de te redimires.- Diverti-me.
Eu não tinha visto Francisca hoje de manhã cedo, cheguei um pouco mais tarde.
O rei pareceu preocupado, contudo depressa se pôs a pensar em algo.
- Tudo bem.- Disse consigo mesmo.
- Não a deixes sair daí na próxima hora.
- Mas...
- Apenas pode ir para a sala de jogos.- Correu.
João correu! Estava um santo para cair do altar, meu Deus.
- Ai ai ai...- Esfreguei a testa.
Que distraído! Lucas nunca se esqueceu do meu aniversário!
⭐👑⭐
- Muitos parabéns!- Gritaram todos quando encaminhamos a infanta para o jardim.
A menina estava estupefacta. Contente demais para conseguir dizer alguma coisa, portanto gritava contentíssima.
- Boa recuperação, soldado.- Diverti-me quando vi João respirar fundo várias vezes.
- Foi um bom trabalho, Condestável.- Sorriu-me recuperando a postura ereta.
- Um unicórnio!!!- Correu para o pónei com um chifre de madeira pintada às pressas. Estaria já seco? Seria horrível estragar a magia do momento...- Vocês não se esqueceram afinal.- Correu a abraçar cada um dos irmãos.
- Como é que nos podíamos esquecer de ti, Francisca?- D. João perguntou com aquele sorriso gozão no rosto.
- Tens de abrir o meu presente primeiro.- António declarou.
- Já?- João estranhou.
- É!- Insistiu o irmão do meio.
A princesa sentou-se no chão pronta a abrir o seu presente.
- Espero que gostes.- Entregou a caixa.
- Oh...- Sorriu deslumbrada.
- É lindo, mano.- Abraçou o vestido cor de rosa repleto de laços e flores.
Manuel pousou o seu presente frente a ela também.
Toda a corte tentava ver, curiosa quais os presentes dos infantes. Na verdade, todos queriam ver qual seria o presente do rei.
- Ah!- Guinchou quando a caixa mexeu.
- Abre.- O mais traquina insistiu ansioso pela reação da irmã.
A medo, a menina afastou a tampa com o laço muito depressa e espreito temerosa o que vinha dentro.
- Miow.
- Um gatinho?- Sorriu pegando no bichano de um branco imaculado com uma fita cor de rosa com um guizo, que atava num laço farfalhudo atrás.
- Na verdade é uma ela.
- Como é que se chama?- Abraçou a gata com força.
- Tens de dar-lhe tu um nome, tal como a cuidá-la. É um ser à tua responsabilidade, Francisca: tens de alimentá-la, dar-lhe banho, acarinhá-la.
- Nós vamos tomar chá juntas todos os dias, Diamante!
- Diamante?
- É, eu gosto. Se me lembrar de outro nome, troco.- Fez festinhas na gata, que para dizer a verdade, parecia aterrorizada com o toque.
- Bem... minha vez.- João sorriu radiante e os irmãos reviraram os olhos.
Acho que foi por isso que decidiram ser os primeiros: afinal de contas, têm anos de experiência para saber que João consegue derrubar qualquer bom presente seu.
Lembro-me quando Lucas enviava bons e úteis presentes ao papá e eu enviava um livro, um vinho, ou desenhos... É horrível não saber o que dar a uma pessoa.
- Por aqui.- Pediu para o seguirem.
- Está-se mesmo a ver.- Murmuraram os infantes um com o outro.
Íamos em direcção às cavalariças e acabámos mesmo por lá entrar. Havia um coche, novinho em folha, forrado a ouro e pedras preciosas com um laço na porta.
- Achei que pudesses gostar, sabes... para quando saíres para passear, em vez de usar o meu.- Sorriu modesto.
- É a brincar, só pode!- O infante Manuel aborreceu-se.
- Como é que não previ isto?- António zangou-se também.
- Para mim?- Francisca ainda mal conseguia acreditar.
- É.- Certificou o rei.
- És o melhor irmão do mundo, João!- Beijou-lhe a bochecha e abriram-lhe a portinhola, para que pudesse explorar a sua noiva carruagem.
- É tão gira!- Entusiasmou-se, bisbilhotando tudo o que podias lá dentro.
Como é que ele conseguiu arranjar uma coisa destas numa hora?!
- Injusto. A minha gata é melhor.- Manuel resmungou baixinho e sorri divertida.
- Como...- Ia a começar.
- A maioria dos coches que encomendei para a recepção da rainha já chegaram, só tive de escolher o que mais me agradasse.- Encolheu os ombros, como se fosse apenas como escolher um par de sapatos.
- Parabéns, acabastes de atingir um novo nível de ostentação.
- Obrigada.- Riu.
- Podemos falar?- Henry tocou no meu cotovelo e segredou ao meu ouvido.
- Claro.- Sorri.
Aproveitei o entusiasmo de todos para me escapulir sem dar nas vistas.
- Sim?
- Aquele vosso beijo foi com o rei?- O seu tom era agressivo e a sua postura firme.
Como é que ele sabia?
Não adiantaria mentir agora mas...
- Creio que vossas cartas eram francas demais. Tereis de as rever numa próxima vez.
Entrei em choque quando me lembrei de uma das cartas que escrevi em Sintra.
- Ainda estais confusa? Eu sou uma piada para vós, milady?
- Não, nada disso Henry.- Senti um forte aperto no peito e hesitei em tocar na sua mão, visto ter recuado.
- Podia ter sido com qualquer um, menos com ele.- Rosnou sem nem me encarar.- E tendes a lata de me dizer que estás confusa?
- Não agora.- Tentei firmar, apesar das minhas pernas franquearem.
Ainda há uns dias nos tínhamos beijado de uma maneira tão intensa... como havia de lhe provar que o amo?
- Ireis dizer-me que não cometestes erros em Inglaterra?
- Não virai a conversa.
- Então é verdade, sim.- Cruzei os braços.- Eu não amo João, nunca amei e agora vejo isso com clareza. Porque não podemos deixar tudo para trás e continuar...
Juntos? Não tínhamos um compromisso.
Era vergonhoso pensar que eu beijava um cavalheiro sem ter nada oficial com ele.
- Eu vim para Portugal para não casar com Emily Cavendish, uma amiga de minha irmã, filha de um duque que decide quem se senta no parlamento ou não.
As suas palavras caíram-me a seco no estômago.
- Eu não esperava encontrar-vos. Juro.- Deu um passo na minha direção.
Então... eu era apenas a fuga de um casamento? Ele estava a usar-me?
- Helena, diz alguma coisa, peço-te.- Preocupou-se.
- Queres que te diga o quê?- Eu não sabia o que mais sentia: raiva, ódio, dor...
- Eu nunca te menti, eu amo-te milady.
Eu também o amava... agora não tenho a certeza se isso é o certo a se fazer.
- Eu tenho de ir.- Sequei uma lágrima que me escapou.
- Helena...
- Deixa-me, Henry.- Soltei-me do seu toque e fugi.
Porque é que sempre que algo parece que vai ficar bem, acaba por acabar numa catástrofe? Eu estou tão confusa. Devo confiar nele, ou não?
⭐👑⭐
Olá, princesas!!
Finalmente atualizei!
Culpem a faculdade, começou em força e aquele teste para o qual eu me tinha esforçado a semana toda para melhorar? Correu muito bem!!
Ah e o Carnaval está quase aí: comportem-se, ouviram? O álcool é muito giro com os seus limites, depois disso e a diversão acaba.
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