31. Jardim do Éden
- Papá.- Sorri contente por vê-lo de volta.
Não tive coragem de ir hoje para a corte.
- Sim.
- E... quem é o nosso convidado?- Estranhei o homem que se sentava à sua frente.
Não gostei nada da maneira como me olhou.
- Sou Bartolomeu Mendonça, duque de Loulé.- Apresentou-se. O papá pareceu desconfortável ainda assim.
O que raios é que um duque fazia aqui? Esta casa só abriu portas para um duque, e esse mesmo é o rei de Portugal.
- Posso saber de que assunto falavam?- Sorri para aliviar o clima.
- É curiosa, ela.
Ele tinha falado com o meu pai, como se eu não ouvisse? Como se fosse um boneco?
- É pois, e Helena é dotada de muitas outras qualidades, contudo entendei duque, que só começarei a aceitar propostas de casamento assim que a minha filha completar 18 anos, e ainda faltam umas largas semanas.
- Mas claro!- Sorriu e levantou-se.- Queria apenas ter a certeza de que seria o primeiro.
- A ser rejeitado? Mas claro!- Usei as suas próprias palavras, totalmente ofendida. Homens nojentos; não importa a idade serão sempre desrespeitosos!
- Veremos.- Sorriu certo de si.- Não sairei de Lisboa tão cedo, quando tiver uma resposta para mim, saberá onde me encontrar.- Fez-nos uma vénia aos dois e foi embora acompanhado pela governanta.
- Nem que fosse o ultimo homem no mundo!
- Também não gostei muito dele.- O papá confessou.- É muito velho para ti.
Respirei fundo aliviada.
- Começou cedo.- Preocupou-se ainda de olhos na porta da sala.
Senti um frio estranho pela espinha abaixo, o papá teria coragem de me entregar a homens destes?
- Bom, terei de ir a Montemor por uns dias. Há problemas com as colheitas. Ficas bem?
- Beatriz vai convosco?
- Creio que sim.
- Então ficarei ótima!
- Helena...- Suspirou.- Irei amanhã pela hora de almoço, não armes confusão.
- Papá, eu sou uma dama.- Garanti-lhe.
...
- Bianca, irei escrever-te convites e preciso que os entregues.
- Que convites Helena?- Estranhou.
- Para a festa, oras!- Peguei em folhas, tinta e lacre, mas primeiro ocupei-me da lista de convidados.
- Festa?
- Amanhã à noite. Preciso de tudo pronto. Não é necessário referir que o papá não pode saber, parece-me.- Fui enumerando os nomes, tendo o cuidado de não esquecer ninguém, e manter do lado se fora os desagradáveis.
Vai ser a festa do ano!
- Mas Helena, não é comportamento adequado a uma dama, ainda para mais solteira.
- Exatamente! Isso afastará pretendentes como o de hoje.- Sorri triunfal.
- Ai Helena, isto tem tudo para falhar...
⭐👑⭐
- Que engraçado, nunca sou convidado para nada.- O Manuel entusiasmou-se.
- Repete lá.- Pedi ao António estranhando o convite, ainda para mais com o lacre do marquês.
É com todo o gosto que eu, Helena Brotas Lencastre, o convido para a a festa que ocorrerá amanhã à noite no jardim dos Brotas Lencastre. Conto com a melhor máscara e discrição de vossa parte.
P.S.: Traga quem vos aprouver. Todos são bem vindos.
Ass: Helena Brotas Lencastre.
- E isto chegou à poucas horas, dizem vocês?- Algo de muito errado se passava. Provavelmente uma brincadeira de mau gosto.
Helena nem saía sozinha para um jardim, quanto mais planear uma festa.
- Helena não parece o tipo de dama que arranja festas devassas.- António analisou.- Embora a assinatura pareça autêntica.
Eu mesmo vi a assinatura e era a dela.
- Que aconteceu?
- Eu vou lá para descobrir.- O Manuel garantiu.- Com licença meus senhores, irei em busca da minha máscara.
- E eu quero tirar esta situação a limpo.
E ver Helena uma vez mais, claro.
⭐👑⭐
- Eu quero chá preto, CHÁ VERDE NÃO É PRETO!!- Atirei a chávena ao chão.
- Sim, madame.- A criada saiu depressa com o bule e a outra limpou os cacos.
- Arght! Soltem-me!- Afastei os cabeleireiros.- Pareço uma galinha despenteada.
- Mal se nota que estás nervosa, maninha.
- Para ti é rainha de Portugal, Carlos.- Ralhei acarinhando a Mila.
- Só depois do casamento, arqui-duquesa.- Respondeu sem se afetar.
- O meu colar?- Indaguei olhando para a empregada que me maquilhava.
- Foram buscá-lo, senhora.- Gaguejou.
- Se não o tiver em mãos em cinco minutos, ireis para a fogueira.- Adverti furiosa.
- Com certeza, madame.- Correu em busca do mesmo.
- Sabes que não podes andar por aí a declarar pena de morte a toda a gente, certo? O papá já teve essa conversa contigo.
- Questão de tempo até o fazer sem prestar explicações a ninguém.
- Ana, serás rainha consorte de Portugal. Com-sorte, entendes? Deves cumprir o teu dever como esposa e procriar uma linhagem de infantes saudáveis, não insinuares-te quando não te é devido.
- Eu sei dos meus deveres como esposa, Carlos. Não te esqueças dos teus como irmão, manter a boca calada quando eu estou fora de mim. E EU ESTOU FORA DE MIM AGORA!!
- Dizem que o casamento costuma fazer bem às mulheres.- Riu.
- Senhora, o chá.- A criada pousou a salva com o bule e as chávenas na mesa do centro.
- Eu quero o serviço de ouro.
- Mas ainda à pouco pediu o...- Tentou explicar.
Tadinha. Vê-se que começou a trabalhar aqui faz pouco tempo.
- Eu quero o serviço de chá em ouro, sua burra incompetente!- Ladrou atirando as chávenas uma a uma ao chão.
Que o rei de Portugal tenha paciência.
- O MEU COLAR DE DIAMANTES ONDE ESTÁ AFINAL?!
⭐👑⭐
- Está casado senhor.- O mordomo olhou para o relógio de pêndulo quando bateram as 13 horas.
Engoli em seco e senti um amargo no fundo da garganta.
- Ela está. Eu não. Só casarei em outubro.
Só espero que naufrague.
- Sois casado, Sebastião?
- Sou majestade.- Demorou a responder, estranhando a pergunta.
Parei de assinar os papeis.
- E sois feliz? Tendes uma esposa que vos estima?
- Sim.- Sorriu.- Tenho uma esposa que me ama.- O orgulho e felicidade na sua voz eram lembretes do que eu nunca teria, e isso magoava.
Não sei quando me tornei tão fraco e melancólico.
- Fico feliz por vós.- Sorri.
- Obrigado, majestade.- Fez uma reverência e sorriu de volta.
Decidi que iria à festa de Helena, aconteça o que acontecer!
⭐👑⭐
- Os bolos estão prontos?- Revi a lista se tarefas.
- Estão quase.
- Decoração?- Fui para o jardim e estava tudo pronto. Só faltava os empregados acenderem as velas.
- Música?
- Estão a chegar.- A governanta informou.
- Bebida?
- Nos jarros.
- Ótimo. Vou preparar-me.- Subi para os meus aposentos, onde o banho já me esperava.
Tomei o cuidado de trancar as portas das salas mais importantes; não queria que algum espertinho entrasse onde não devia e divulgasse por aí documentação secreta do país.
- É lindo.- Suspirei deleitada com o meu bom gosto assim que vi o vestido verde e dourado.
- Helena, continuo a achar que não é uma boa ideia.- Bianca insistiu enquanto me banhava.
- Eu sei, e é por isso que tem de acontecer.- Sorri certa de mim. A esta hora o papá já estaria bem longe de Lisboa, e os meus possíveis pretendentes bem perto para me recusarem.
- Irei para a capela acender uma vela a Nossa Senhora da Conceição para vos proteger.
Sorri com a sua preocupação.
- Obrigada.
Depois de me vestir, pentear e aperaltar, tendo a certeza que seria a mais bonita da noite, ainda fui para o jardim bem decorado ler um pouco.
Fui sendo informada que uma fila de coches estava a ser formada ao portão e já chegava mesmo ao fundo da rua.
Como dama que sou, abri as portas apenas às 19:25H e não às 19H, como no convite.
- Tudo pronto?- Perguntei a todos enquanto endireitava a máscara e o chapéu.
- Tudo menina.- Certificaram.
- Abram os portões!- Declarei de queixo erguido e um nervoso miúdinho.
Para salvaguardar o anonimato de todos, apenas seria pedido o convite, sem anuncio do nome ou titularia.
Visconde ou duque todos são bem vindos.
- Sejam bem-vindos ao Éden.- Fui recebendo os convidados que estavam à altura do evento.
Todos bem vestidos, arranjados... Parece que quanto mais mistério se faz, mais pessoas aparecem.
O jardim parecia um mundo paralelo de fadas e duendes, com todas as velas e fitas e pormenores cuidadosamente pensados; muitos deles, a clamar pelo pecado e todas as suas referências.
- Obrigada por virem, espero que se divirtam.- Muitas destas pessoas, apenas ouvi falar. Seria também uma ótima ocasião para fazer novas amizades e espalhar influências.
- Obrigada pelo convite, milady.- Um dos convidados falou e estremeci.
Tomei mais atenção nos olhos atrás da máscara e vi que eram castanhos. Falso alarme desta vez. Talvez numa próxima ocasião Henry venha.
Casais, amigas, amigos... todos vinham entusiasmados para explorar este cantinho de Lisboa.
Tomei conversa com umas quantas raparigas que se mostraram muito engraçadas, e não se fizeram de rogadas quanto a escolher uns quantos cavalheiros do outro lado do jardim.
Com mais bebida e um pouco de música, incentivei à sua vontade. Afinal, mais vale arrepender-se depois do que passar vontade, certo?!
Pelo menos esse seria o mote desta noite. Que melhor altura para namoriscar e saciar os desejos, do que uma festa onde ninguém sabe quem é o outro?!
- Ah! Ganhei, meus senhores!- Recolhi os sacos de moedas enquanto bebia uma taça de champanhe.
- Senhora, chegou um coche, devo recebê-lo?
- Mas claro.- Incentivei o criado com um sorriso.- A noite de hoje não requer horários.
Apesar de terem passado duas horas do fecho dos portões, quem se importa?
⭐👑⭐
- João, já estamos atrasados.- O António resmungou pela quarta vez.
- E eu já disse que estou a acabar!- Rosnei de volta enquanto acabava de assinar uns papeis importantes.- O dever vem antes da diversão.
***
- Aposto que já nem nos deixam entrar.- O Manuel bufou por detrás da máscara.
- Eu sou rei, claro que deixam.- Sorri certo de mim ao atravessar os portões.
- A festa é anónima, majestade.- O António lembrou comento uns petiscos que os empregados nos trouxeram ainda no palácio.
- Achas que com o ouro, o brasão dos Bragança e a cruz ao pescoço, é anónima?! O teu irmão mais velho não sabe o que é ser discreto, António!- O Manuel riu com a outra peste.
- Ah calem-se lá!- Revirei os olhos e pus a máscara quando um empregado nos abriu a porta do coche.
Endireitei bem as costas enquanto um criado com uma casaca azul-céu nos guiava até ao jardim.
- Olha, está muito giro.- O Manuel sorriu para um grupo de raparigas que conversavam juntas.
- Será que Helena tem uma irmã com o mesmo nome ou assim?- O António estranhou tanto quanto eu a... aura sexual da festa.
- Não parece mesmo nada dela.- Analisei a decoração e o conforto que a luz nos trazia, sem faltar o luxo, claro.
- Meus senhores, ainda bem que puderam vir.- Veio receber-nos, enquanto pedia para uma mesa de jogo esperar um por ela.- Bem vindos ao jardim do Éden, espero que se de divirtam muito.- Sorriu olhando para os meus irmãos, porém sem conseguir encarar-me de frente.
- Com certeza que vamos.- O Manuel quis fazer-se aos prazeres mundanos, no entanto o António segurou-o firmemente pela gravata.
- O ambiente está deveras... tentador, Helena.- O António olhou para mim enquanto tentava encontrar uma palavra subtil para descrever o ambiente.
Eu digo-vos o que acho: o tema desta festa dava para cravar num bordel!
- Sem identidade, sem julgamentos.- Olhou para a mesa de jogo com a certeza da vitória.- Sem provas.
- Dizei-me, vosso pai sabe desta festa?
- Mas claro.- Sorriu.- Não se vê de caras que o marquês sabe?!- Cruzou os braços com aborrecimento.
- Olha tostinhas, com licença.- Aquelas duas bestas foram divertir-se.
- Helena, com todo o respeito, achais que é sensato uma festa destas? Em vossa casa? Se souberem que fostes a anfitriã estais...
- Arruinada?- Sorriu.- Seria uma pena, realmente.
- Porquê?- Quis saber das suas razões.
- Oras majestade, diverti-vos um pouco.- Aconselhou prestes a dar-me as costas.- Um rei também precisa de se divertir.
Não tive tempo de jantar antes de vir e afinal não ouve banquete. Apenas mesas cheias de comida. Uma para a carne: leitões, pato, borrego... outra para o marisco e uma outra para os doces. Empregados andavam sempre cá e lá, divagando pelo jardim, enchendo os copos com vinho, champanhe e licores.
Era estranho ser eu mesmo a pôr a comida no prato. Havia de ser empregados a fazer isso.
- Ah Manuel, ainda agora chegaste!- Arreliei-me. Fui dar uma volta pelo jardim inteiro, com labirintos de arbustos e estátuas altas, lugares ideais para a luxuria e encontrei o maldito do meu irmão entre dois pares de peitos.
- Eu não preciso de jantar.- Sorriu safado.
- E dizem que sou eu o pior.- Desandei dali sem querer saber minimamente como acabaria aquela conversa a três.
Esta festa não era mesmo a cara de Helena. Já passei por três casais no ato, um deles entre dois homens, e outros tantos em vias de começar.
O que será que lhe deu?
- Podemos falar?- Indaguei no seu ouvido enquanto aguardava o resultado do jogo.
- Um momento!- Pediu entusiasmada sem olhar para mim.- Ah! Mas estou numa maré de sorte!- Pegou nos 6 sacos de moedas.
- Helena...
- Que foi?- Aborreceu-se.- Não encontrais nenhuma Eva que vos satisfaça?- Rosnou baixinho e encarei-a em completa descrença.- Tentai um Adão, então.- Encolheu os ombros e olhou-me de cima abaixo.- Não seria uma surpresa para mim.
Abri a boca em completo choque perante as suas palavras.
- Uma conversa. Agora.- Puxei a sua cadeira para trás e rosnou uma atrocidade qualquer.
- Continuem sem mim.- Virou costas aborrecida.- Vamos ver uma coisa: nos vossos bailes eu não vos arrasto de vosso trono, nas minhas festas não me arrastais da minha cadeira!
- Para além de devassa, também estás para resmungar?!
- Eu sou devassa?! Pois ainda há duas noites estavas muito feliz com duas mulheres na vossa cama!
- Como... não importa!- Resmunguei apanhado de surpresa. Sei que nada é secreto na corte, só não sabia que se espalhava tão rápido.- Manda todos para casa e termina com esta palhaçada!
- Uma palhaçada a que o rei veio assistir.- Apontou.
- Fiz a vontade aos meus irmãos, não significa que eu compactue com a tua... - Gesticulei para todo o lado.- Helena, há dezenas de casais a fornicar nos teus jardins!- Explodi.
- Mas eu não estou, e não estarei.- Olhou-me com um olhar cortante.
- O que é que te deu?- Caminhei para mais longe com ela, num lugar mais reservado.
Deu meia volta e pegou em duas garrafas de champanhe, estendendo-me uma.
- Prefiro vinho.- Encolhi os ombros.
- Então fala isso de uma vez!- Rosnou trocando as garrafas com o empregado, dispensando-o depois.
Deu largos goles na garrafa, com maneiras que nenhuma dama teria.
- Ontem esteve aqui um velho. Um maldito duque qualquer.- Bebeu mais.
- Helena, não estás acostumada a beber, vai...
- Também não estou costumada a receber propostas de casamento de velhos imundos, no entanto ninguém quer saber!- Gritou-me.
- Oh, entendi.- Falei com calma, num tom baixo, diferente daquele que usou comigo.- Destes esta festa para a noticia se espalhar e mais ninguém indesejável te aparecer à porta.
- Sois perspicaz majestade, dou-vos o crédito.- Sorriu provando mais do gargalo.- Se eu não aceitei a declaração do duque de Bragança, não aceitarei de nenhum outro.- Encolheu os ombros.
- Obrigado por relembrares.- Corei indevidamente.
- Vais encontrar alguém que te mereça, a sério que vais.- Garantiu segurando a minha mão e senti-a formigar.
Decidi sentar-me atrás de uma estátua, o mais longe que pude de olhares curiosos.
- Ainda me estás a dever uma dança.
- Bebi demais para espalhar a minha graça.- Encolheu os ombros e pousou a cabeça no meu ombro.
Bebi a garrafa de vinho até ficar meia.
- Hum... este é dos bons.
- Esperavas menos na casa do marquês de Montemor?- Riu e bebi mais com ela.
⭐👑⭐
- Quão mal estamos?- Murmurei abraçada à garrafa.
- Respiras?- João suspirou com um braço sobre os meus ombros olhando o céu.
- Acho que sim.
- Estamos ótimos então.
- Posso fazer uma pergunta estúpida?- Sentei-me sobre as suas pernas.
- E negar-vos uma pergunta quando estais tão próxima?- Riu.
- Respeito, João. Respeito!- Bebi.- Porque é que gostais de mim?
- Precisaria do resto da semana para vos explicar.- Suspirou e pegou da minha garrafa para beber.- Está vazia.
- Que vergonha!- Fiz sinal a um empregado que nos entregou outra garrafa e foi embora.
- É a minha vez de perguntar uma coisa estúpida.- Murmurou.
- Que é exatamente...?
- Posso beijar-te Helena?
O meu rosto deve ter corado ainda mais do que já estava pela bebida.
- Não parece sensato.- Endireitei o seu colete, pensando na possibilidade.
- Só um beijo.- Suspirou, tocando nos meus lábios com cuidado, como se fossem veludo.- Fica só entre nós. Será o nosso segredo.- Sorriu, mordendo os lábios.
Eu nunca beijei ninguém antes, queria que fosse com alguém especial. Embora fosse embaraçoso demais Henry beijar-me e eu não saber o que fazer ou como agir.
Além disso, quem melhor que o rei para isso? Somos amigos, tem experiência e tal como eu... não lhe convém andar por aí a espalhar estas coisas.
Olhei para a estátua e para o muro verde atrás de nós, depois as estrelas e por fim para o lado esquerdo e direito, para ter a certeza que ninguém nos espiada.
Nervosa, levantei a sua máscara e tomei um surto de coragem:
- Beija-me João.- Pedi no seu ouvido e fui atendida.
Os seus braços enroscaram-se na minha cintura e os seus lábios tomaram os meus. Tinham o gosto doce do vinho e eram macios.
Agarrei-me ao seu colete e puxei-o para mais perto.
Abri os olhos chocada e voltei a fechar, entorpecida com a sensação... ou com a bebida. O que importa é que era bom, intimo, gostoso.
- Porque paramos?- Estranhei sem abrir os olhos, no entanto ainda próxima o suficiente.
Apenas negou com a cabeça.
- O teu beijo é... Oh Helena, não tenho palavras!- Suspirou e sorri envergonhada. Iria agradar Henry com certeza.- Eu daria tudo para casar contigo, para te ter a ti a meu lado.
Tapei a sua boca, sem conseguir ouvir tais palavras.
- Por favor. Entende que não sinto o mesmo que tu e lembra-te do teu dever.- Suspirei de coração pesado. Não queria ser dura com ele.
- Eu nunca esqueço.- Desabafou antes de me beijar outra vez.
Comecei a sentir as suas mãos aventureiras demais e afastei-me dele, reprovando o seu comportamento.
- Solta-me, ou eu grito.- Sorri certa de mim.
- Tu não queres que te solte.- Beijou o meu pescoço e encolhi-me com a sensação gostosa enquanto me abraçava.
Talvez ele tenha razão. Eu não quero mesmo soltar-me.
Bebi um pouco mais, que já sentia a garganta seca.
- Eu quero saber se é tão bom quanto dizem.- Declarei.
- Helena, não sabeis pelo que pedis.
- Sei sim. Há maneira de manter a castidade?
- Há umas quantas formas, sim.- Lambeu os lábios e senti algo estranho em mim quando voltei a beijá-lo.
As suas mãos vaguearam lentas e curiosas debaixo das minhas saias, enquanto eu olhava bem nos seus olhos castanhos escuros com a expectativa do seu toque, o que faria em mim.
Os seus olhos não soltaram os meus por um segundo sequer, e quanto tocou nas minhas pernas, um pouco acima dos meus joelhos segurei a sua casaca com força. Nunca ninguém foi tão longe, nunca ninguém foi sequer!
- João...- Suspirei quando tocou no interior das minhas coxas e depois no...- Oh!
- Helena, ainda vais dar comigo em louco.- Beijou-me faminto.
⭐👑⭐
Despertei devagar, sentindo frio e então senti a luz da madrugada.
- Hum...- Sorri aconchegando-me mais em Helena.
Senti um baque no coração e um susto de morte ao vê-la nos meus braços, estendida, ainda a dormir.
Casaca, sim. Colete, sim. Camisa, sim. Culotes, sim!
- Uff...- Suspirei aliviado. O pior não aconteceu.
Já podia ver a minha vida a andar para trás e deixar a coroa para uma vida de castrati pela Europa fora às mãos de Eduardo.
- Helena.- Chamei no seu ouvido.
- Mais 5 minutos, Bianca.- Voltou-se e tentou achar o cobertor.
- Helena, tenho de voltar ao palácio.- Abanei-a e levantei-me.
- Hum...?- Esfregou os olhos e ajudei-a a levantar-se.- O espartilho está a matar-me.- Levou as mãos ao ventre.- Que dor de cabeça.
Verdade.
Bocejei e parei imediatamente sentindo... um aroma diferente na mão.
Não era de Luísa, não era de ninguém que eu me lembrasse.
De repente fui tendo lembranças da noite anterior e congelei com a nossa ousadia.
- Está tudo bem?- Estranhou a minha cara de aflição.
- Está, claro que está. Eu estou sempre bem.- Garanti assustado. Será que se lembrava de algo?- E vós? Tudo bem?- Analisei o seu rosto em busca de surpresa ou algo assim.
- Caramba, bebi imenso.- Suspirou cambaleando com os sapatos na mão até à entrada do palacete. Por todo o lado casais adormecidos ainda permaneciam agarrados, outros repetiam a dose da noite anterior.
- Helena...- Uma criada entregou-lhe um agasalho.
- Bons dias, Bianca.- Bocejou.
- Que é isso?- Apontou para o vermelho perto do seu ombro.
Uma marca. Uma marca minha.
Helena tocou sem saber bem do que se trava e quando sentiu abriu muito olhos e correu para um espelho.
- É...- Tentou encontrar uma desculpa.- Fiz alergia a um colar de prata.
- Desde quando sois alérgica a prata?
- Desde sempre.- Fez-lhe sinal para ir embora.- Que aconteceu?- Preocupou-se.
- Bom... para ser honesto só me lembro de coisas vagas.
- Nós beijámo-nos.- Afirmou andando de um lado para o outro.
- Foi e depois...- Como é que havia de explicar sem ser indelicado ou demasiado ousado.- Nós... meio que...
- Não nos envolvemos, pois não?!- Desesperou.
- Como ei de explicar. Pediste-me para te mostrar se... o que acontece entre dois... amantes é realmente bom.
- Eu pedi?! Ou aproveitastes-vos de mim?!- Escandalizou-se.
- Helena, eu não sou esse tipo de homem! Podia ir embora sem vos relembrar nada!- Indignei-me com o que disse.
- Eu devia ter estar muito alterada. Que horror.- Levou as mãos ao rosto.- Que desculpa encontrarei agora para... a perda da minha castidade?
- Oh, vós não a perdestes.- Encolhi os ombros.
- Não?! Como não?
Olhei ao redor, achando que aquele lugar não era o ideal para uma conversa de cariz tão intimo.
- Meu bem, é bom que vos lembreis, ou então podereis vir ter comigo mais logo ao palácio. Agora tenho mesmo de ir.- Os meus irmãos já aí vinham.
- Espera, foi... especial?- Murmurou a pergunta corada.
Doía-me que não se lembrasse de nada.
- Foi sim.- Beijei os seus lábios e apressei-me até ao coche. Tinha de chegar antes do conselho começar.
- Helena tem de organizar mais festas destas.- O Manuel dormitou até ao palácio.
- Na verdade até gostei.- Admitiu o António.
- Sim. Foi melhor que as do palácio.- Admiti corando com as lembranças que iam surgindo da noite passada.
⭐👑⭐
- Falta muito?- O pôr do Sol só fazia o cabelo ruivo de Hetty ganhar uma cor ainda mais intensa.
- Amanhã pela hora do almoço estaremos em Lisboa, espero.- Admiti segurando a sua mão.
- Estou farta de água.
- Nem me fales.- O Edward voltou a vergar-se para a bordar e vomitou.
Ele não tem feito outra coisa nestes últimos dias, para ser honesto.
- Se calhar o pai não a deixou responder.- A Henrietta acarinhou o meu braço.
- Deves ter razão.- Suspirei.
Não valia a pena criar desculpas para o imperdoável.
- Essa dama tem muita sorte, por ter o teu amor.
- Eu acho... que ela não sabe, Hetty.- Senti uma dor no peito ao confessar.
- Não cries cenários na tua cabeça, Henry. Uma conversa civilizada resolve muitos mal-entendidos.
⭐👑⭐
Adivinhem onde estive ontem?!
Palácio Nacional de Mafra, caríssimas leitoras e deixem-me desabafar aqui o meu desagrado, em como foram nomeados 12 sinos. Um deles como João Batista, em honra de D. João V, outro como Santa Bárbara, em honra da Infanta, que por ela se ergueu tamanho monumento, porém nenhum em honra da rainha! E foram nomeados dois como Bento XVI e Francisco, nenhum desses papas é português ou fez algo ali!!!!
A senhora veio da Áustria para ser rainha, gerou e pariu a criança e em pleno século XXI continuamos a ignorá-la.
Mas tudo bem, sou eu que sou muito stressada. E talvez a meia-verdade do presidente do município, que disse que os sinos tinham sido todos recuperados em Braga... esquecendo-se só de mencionar que os maiores tiveram de ir até à Holanda para serem praticamente refundidos. No entanto os portugueses são muito grandes e fantásticos por erguerem tamanho convento que concentra o maior carrilhão do séc. XVIII do mundo, que tem as mais fantásticas coisas da Europa e tal... conseguidos à custa do ouro brasileiro.
Ah não! Ups... erro meu: graças à exploração da cana de açúcar, que rende mais que o ouro claramente.
Eu ouço com cada coisa realmente...
Os carrilhões não tocavam há vinte anos e até as Quatro Estações de Vivaldi foram tocadas! Adorei para ser honesta, fica muito melhor que em violino, principalmente a Primavera, que é a minha favorita.
Desculpem a maçada, já agora e não se ofendam com o capitulo. Afinal de contas... deixei apenas implícito.
Até depois!😘
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro