26. Longa vida ao Rei!
- Deve de estar no gabinete do João.- O António correu até lá.
Procuramos nas prateleira que nunca usava, aquelas fechadas atrás de uma vitrina de vidro e pó.
- Acho que é este.- Fui o primeiro a alcança-lo e a procurar o pretendido às pressas.
- Temos de chamar o capitão da guarda e o Francisco para organizar as buscas.- Decidiu revistando a secretária do nosso irmão mais velho.
- Que procuras?
- Um bilhete, um recado... uma pista qualquer.
- Nós vamos achá-lo, António. Prometo.- Apertei o seu ombro e o livro com força.
⭐👑⭐
- Ratos!
- Vai dormir Helena, vai.
- Nunca vos contaram como se espalhou a peste negra?!
- Estás numa cela. Seria apenas o caminho mais próximo para a liberdade que apenas o Criador nos proporciona.- Deu uma volta na tábua.- Eu nunca dormi num leito tão duro e desconfortável.
- Acho que não tiveram tempo de encomendar um colchão de penas à França.
- Deviam. Afinal de contas o Francisco começou a armar contra mim desde que ganhou consciência.
Eu devia de continuar zangada com ele, mas o pobre coitado acabou de descobrir que andava a ser traído pelo próprio irmão...
- Para que conste, eu acho-te um ótimo rei.
- Obrigada, Helena.
- Não lhe mintas boneca. Esse aí é pior ralé que nós.
- Isso é mentira.- Defendi João.
- Matamo-nos a trabalhar, mal temos dinheiro para ter pão à mesa enquanto esse miúdo anda por aí a brincar aos castelos.- O homem da cela à nossa frente parecia nutrir um enorme rancor.
- A questão é que eu sei brincar sem perder. O único que o sabe fazer. Nenhum outro o faz porque falharia miseravelmente.
- Escusas de usar palavras estranhas comigo, miúdo. Afinal de contas, sou só um prisioneiro.
- Por roubo?- João sorriu na sua habitual postura arrogante.
- Homicídio.- A sua voz transbordava ódio. Um ódio sentido pelas masmorras geladas e frias.
- Que aconteceu?- Indaguei.
- Eu não tenho de contar a minha vida para uns fidalgos de merda, afinal de contas... ela acaba ainda esta semana.
- Bom, se foi essa a pena, é porque fizeste por merecê-la. Boa noite.- João voltou-se para a parede e tentou dormir.
- Foi para te defenderes ou pagaram-te?
- Foi pela minha menina.- Levou as mãos ao rosto e voltou-me as costas.
Esperei que desenvolvesse.
- Ela só tinha 10 anos, era um anjinho. Uma alma pura demais para este mundo.
Engoli em seco, pelas suas palavras... a criança deve ter morrido.
- Uma manhã foi até à padaria como de costume, mas não voltou. Fui à procura dela e encontrei-a encolhida no chão, enquanto chorava. Chorava tanto...
Que aconteceu?
- Tinha sido... corrompida, abusada... violada. Era só uma menina!- Conseguia ouvi-lo chorar. Eu nunca tinha visto um homem chorar.
Perder um filho deve ser uma dor enorme, muito pior nestas circunstâncias.
- Morreu nessa noite, não suportou os ferimentos. Então antes de morrer disse-me como eram, alguns costumavam ser meus... amigos. Matei-os e vim aqui parar.
- Eu lamento imenso a vossa perda.
- Isso não trará a minha filha de volta.
Olhei o rei, deitado de barriga para cima a apreciar os frescos do teto da cela: humidade, bolor e aranhas.
Ele podia conceder perdão a este homem, podia libertá-lo.
- Escusas de olhar assim para mim. Eu não consigo libertar-me a mim, quanto mais a um estranho.- Declarou sem se mover.
- Eu entendo as vossas razões. Ele costuma ser mais bem disposto...
- Quando tem as melhores rameiras de Portugal na cama. Sim, nós sabemos.- O homem do lado de lá falou e não tive qualquer tipo de resposta para lhe dar.
Depois da fita que João fez esta tarde por Luísa, não me admira que todos pensem assim.
Voltei a olhar pela janela de grades. Tive de me pôr em bicos de pés para conseguir ver as estrelas, porém o frio da noite só me intensificou a dor de cabeça.
- Boas noites, Helena.
- Dorme bem, João.- Suspirei sentando-me encolhida na tábua dura, abraçando-me para espantar o frio desagradável. Nem sequer sentia os pés.
⭐👑⭐
- A minha Helena...
- Eduardo, por favor, come qualquer coisa.- Beatriz insistia comigo.
Os guardas saíram e ainda não voltaram, ela não é vista desde ontem. Onde é que passou a noite? Que fizeram com a minha pequena menina?
- Ela é só uma rapariga, Beatriz. Uma rapariga que não sabe nada sobre o Mundo cruel onde vivemos. E se alguém a... ou então... eu não quero acreditar se...
As minhas possibilidades petrificavam-me.
- Más noticias sabem-se depressa. Come qualquer coisa, meu bem.
- Senhor, venha ver isto.- A governanta entrou a correr com um papel nas mãos.- Parece grave.
Li e reli, e voltei a ler em voz alta.
- Um pedido de resgate.- Beatriz levantou-se aliviada.
- Tenho 24 horas para conseguir...- Voltei a ler os valores. Pediam uma quantia de 200.000 reis. Iria ser um rombo nas minhas economias, mas pelo menos era por uma boa causa.
- Se pedem um resgate é porque está bem.- Beatriz tentou tranquilizar-me.
- Espero que tenhas razão.- A governanta entrou-me o meu agasalho e saí para o cofre.
⭐👑⭐
- La la la laaa, la la laaa...- Cantarolava baixinho para não acordar ninguém com o barulho do ferro e metal.
Acordei com uma dor horrível no pescoço e o nariz a escorrer.
Decidi soltar um ou outro gancho do meu cabelo para forçar a fechadura. Sentia as engrenagens rodarem... até o gancho partir.
Logo hoje não trouxe os ganchos de marfim!
- Que pensas que estás a fazer?!- Arrancou-me os ganchos e meteu-os na sua bolsa.
- Isso são modos de se tratar uma dama?
- Não, mas se a tratar com o devido respeito que merece, despedem-me porque dizem que perde o valor.
- Eu nunca perco o meu valor, vós sim. Sois um mero capataz, facilmente substituído.- Sorri certa de mim.
- Veremos princesinha.- Agarrou o meu rosto com força e forcei o seu braço contra a grade.
- Ai!
- Eu não sou princesinha alguma. Quando eu sair, serei o demónio!- Garanti num rosnado baixo.
Quando se afastou, desapertei a fita do meu pescoço e prendi o cabelo.
- Mais baixo, Helena.
- O quê?!- Gritei incrédula com o falhado ao meu lado.- É de mim, ou conformáste-vos de vez?!
- Está escrito. O meu pai tirou o trono a meu tio, assim como o meu irmão mo tirou de mim.
- Mas eu pago os impostos para isto?!
Acenei em concordância com o velho palito na cela a meu lado.
Eu podia gritar com ele. Podia obrigá-lo a erguer a cabeça, porém não é o necessário agora.
- João?- Apoiei os braços na sua cela.- Responde João, eu preciso de saber se estás bem.- Pedi com firmeza e doçura também.
Ele é apenas um rapaz traído pelo irmão mais novo.
Não obtive resposta.
- Eu não quero imaginar a dor que estás a sentir agora, mas se não lutares comigo ficaremos aqui para sempre. Tu queres ficar aqui para sempre?
O pentelho continuava de costas viradas para mim.
- Pensava que eras um lutador. Dizem que tens o sangue de uma rebelião em ti... não o vejo.- Resmunguei.- Reis não se deixam prender por correntes, são superiores a isso. Reis são enviados de Deus e se és o que mais próximo tenho Dele, então estamos tramados.
Suspirei magoada com o que via.
- O teu avô ficaria envergonhado se te visse agora. Olha para ti: o dragão dos Bragança mais fraco que uma vela... Portugal está mesmo destinado a fracassar.
- E o que quereis fazer então, hã?!- Levantou-se furioso.
Afinal de contas, o dragão sempre tinha ouvido...
- Não há como sair? Ireis tirar uma chave aí de dentro?!- Olhou para o meu decote e depois para mim.
- Olha aqui seu...
Ouvimos um assobio.
- Tu és muito gira.
Olhámos e vimos um rapaz no corredor de celas. Tinha uns 10 anos se tanto.
- Falta alguém aqui assediar-me?
- Eu não sei o que é isso, mas não quis ofender. Se eu te tirar daí, casas comigo?
- Ah... e se for o teu peso em ouro?
- Senhora, tu foste com certeza a mais bonita que já vi algum dia.- Saiu dali a correr.
- Homens!- Rosnei zangada.- A Montespan é que sabia.
- Fora daqui, gaiato de uma figa! A tentar roubar-me, é?!
- Gordo maldito!- Rosnei zangada.- Preciso dele bêbado.
- Isso é fácil, depois de almoço.- O velho palito riu.
- É de manhã.- Choraminguei apoiando a cabeça na cela.- E tu? Vocês homens são tão inteligentes, superiores, donos de si e do mundo e não nos consegues nem tirar daqui?
- Não.- Apoiou a cabeça na minha, porém afastou-se de repente.- Helena...
Despiu a casaca e estendeu-ma.
- Obrigada.- Suspirei satisfeita por sentir calor finalmente, até ter um ataque de espirros.
- Está no bolso esquerdo.- Sorriu.
Peguei no lenço e assoei-me.
- Precisas de um médico.- Murmurou.
- Eu preciso é de sair daqui.
- E nós vamos, dou-te a minha palavra.
⭐👑⭐
- Temos centenas de saídas, qual delas pode ser a tal?- Perguntei ao círculo de homens ao redor da mesa com o mapa da cidade e das galerias.
A Francisca olhava intrigada. Só a deixavamos estar aqui para se sentir útil, também não estorvava então...
- A oeste.- O general apontou para o mapa. O outro braço segurava o capacete.- Apanhavam facilmente um navio.
- Ninguém teria interesse em levá-lo de cá.- O confessor constatou.
- É util aqui. Se for para morrer, precisam de o comprovar, se for para enclausurar está perto o suficiente para ser vigiado.- Souto Maior lembrou.
- Ele está cativo.- Presumiu o António e todos concordamos.- Resta saber se dentro ou fora de Lisboa.
- Que masmorras e prisões há na cidade?- Francisca indagou.
- A da Santa Inquisição aqui.- O Francisco apontou nos mapas.- A dos Filipes aqui, e mais esta e esta.
Nenhuma delas fica perto de uma saída.
- Uma equipa pode ir para norte. Procurem fora da cidade. Qualquer indício serve.- O António comandou.- Tentem para leste também.
- O Castelo de S. Jorge tem masmorras?
- Que pergunta é essa? Claro que tem alteza, é uma fortaleza, feito para defender e enclausurar mouros hereges e...
- E são ruinas ou estão ativas?- Insistiu a minha irmã, encarando-me a mim e aos meus irmãos.
- Acho que estão. Os Filipes usaram-nas.- Respondi e o António concordou.
- Ele está lá.- Declarou fixa nos mapas.
- Mas alteza não tem nem uma saída...
- Porque tem uma aqui!- Apontei o mapa chocado, numa saída próxima.
- É dentro das muralhas, no extremo de Alfama, ainda sem tocar na Graça, fica próximo da Ribeira e tudo!- O capitão explicou.
- Vamos ver o que temos: sabemos que quem tramou contra o rei foram fidalgos, sabiam das saídas do Palácio e tiveram alguém que os ajudasse.- A Francisca contou os factos pelos dedos.- É claramente uma revolta de alguém. Essa pessoa quer mostrar que tem poder, obedecerá a tradições ancestrais.
- O castelo é uma opção. Mostraria que ao prender um rei, estaria a tornar-se num. O Castelo é o símbolo perfeito para isso.- O António acompanhou-lhe o raciocínio.
- Enviem guardas para lá! Sejam organizados e rápidos!
- Sim, alteza.
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- Helena?
- Hum?
- Eu lamento muito.- Murmurou.- Tendes razão quando dizeis que sou um conformado infeliz.
- Disse isso para vos chatear. Não sei se teria força para continuar se fosse traída pelo meu irmão.
- Helena?
- Hum?
Pareceu hesitar, porém lá prosseguiu:
- Ficas linda de cabelo solto.
Corei um pouco sem saber o que deveria responder:
- Obrigada.- Murmurei.- Fala-me da rainha.
- Oh...- Pareceu estranhar.- Só espero que não saiba de nada disto.
- Não essa, vossa mãe.
- Não gosto muito de falar sobre ela. Afastaram-nos mal nasci. Cresci rodeado de amas, professores e o meu pai.
- Lamento.
A minha barriga roncou e corei de total embaraço.
- Também estou faminto.- Suspirou.- Dei o jantar ao vizinho do lado, aquela pasta era nojenta.
- Não era?- Revirei os olhos.
- Ela tinha um sapo, uma ratazana e um ogre. Era linda mesmo assim. Manias estranhas, manias espanholas...
- Bêbado que nem um cacho!- O homem que ali estava de maneira injusta resmungou.
Levantei-me depressa, esquecendo o calor das costas de João. Até foi bom, as grades já doíam.
Tirei a casaca e soltei os cabelos da fita violeta.
- Como estou?- Perguntei ajeitando o decote.
- Ham... bem, quer dizer eu... sem ofensa mas... isto é...
- Que grande ajuda. Vê se acompanhas.- Revirei os olhos aborrecida e enojada com o que estava prestes a fazer.
- Princesinha? Minha bonequinha de porcelana? Onde estás paixão?
O gordo imundo indagava aos soluços.
- Diz-me que ele não está a referir-se a mim.- Implorei baixinho a João.
- É...
- Estás aqui, princesinha.
- ...ele está.- Rosnou zangado.
- Tenho sonhado contigo...
- Ora não me digas.- Cruzei os braços e aguentei firme para não recuar.
- Sim, sonhei que tu...
- E se podesses viver tudo isso?- Impedi-o de continuar. Ela nojento, repugnante saber que haviam homens assim a pensar em mim de tal forma.
- Helena!!- João chocou-se.- Não estamos assim tão desesperados! Eu prefiro começar a mastigar ferro!
- Com inveja, por eu poder estrear a menina primeiro?
Levei a mão à boca com a ânsia de vômito.
- Ah, mas tudo tem um preço, meu bem.- Sorri ao imbecil e caminhei para mais perto da jaula de João como os gatos fazem.
- Qualquer coisa, por ti!
O desespero na sua voz significava que o plano estava a ir bem.
- Oh Deus.- João deu meia volta pela cela antes de se aproximar outra vez.
- Tem de ser com ele por perto.- Apontei para o rei.- Manias reais.- Mordi o lábio.
- Helena...
- E eu decido.- Deixei claro. Reparei nalgo estranho nas suas calças e distanciei-me desse pensamento.- Quero que ponhas os braços ao alto, o mais que puderes, a agarrar as grades com força.
- Interessante...- Fechou os olhos deliciado com a imaginação e aproveitei para lhe roubar as chaves no cinto.- Ei!!
- Helena, sua gata matreira!- O rei suspirou aliviado.
- Não achavas mesmo que eu ia...
- Eu já vi as mais devotas senhoras fazerem de tudo pelo que querem. E tudo é tudo.
Arrepiei-me enojada.
- Dá-me isso, sua maldita bruxa.
- Típico dos homens: quando uma mulher os rejeita faz magia negra.- Ri e dei-lhe um chuto nas bolas.
- Ahhhhh
- Duro? Acredito nessa dor.- João riu socando-o.
- Mamã.- Caiu redondo no chão.
A minha canela ainda estava dorida de bater na cela. Iria ficar negro com certeza.
- Rápido Helena!- O rei pressionava enquanto tentava abrir a minha cela.
- Não me pressiones.- Fui tentando as várias chaves.
Os prisioneiros mais proximos começaram a fazer uma gritaria implorativa.
- Vamos!- Forçou as grades enquanto tentava abrir a cela dele.
- Livre!- Suspirou alto e correu até à porta.
Fiquei a tentar soltar o homem que tinha perdido a filha.
- Prometa-me que vai usar a sua liberdade para coisas boas.- Pedi-lhe enquanto tentava abrir a cela.
- Prometo!
- Helena, vamos!- João voltou atrás e tentou puxar-me porém só o segui depois de libertar aquele recluso.
Usei as chaves para abrir as portas pelo caminho. Prisioneiros e mais prisioneiros arranjavam desculpas e pedidos para serem libertos.
- Sim, temos de os levar daqui para outra clausura.- Ouvimos e decidimos optar por outra porta.
- Sol.- Suspirou afoito quando arremessou a porta seguinte.
- Não há tempo, majestade!- Peguei-o pela mão e corri esbaforida sem nem saber por onde ia.
- O pátio.- O recluso olhou ao redor.
- São eles! Agarrem que vão fugir!!
O portão tinha dezenas de guardas, atrás de nós mais uns quantos corriam.
- Por aqui.- Subi as estreitas escadas para as muralhas. Via-se toda a Lisboa.
- Estamos encurralados!- O homem advertiu enquanto corríamos.
Soldados corriam de encontro a nós de ambas as direções.
- Não estamos, não senhora.- João olhou para baixo. Havia uma carroça de feno.
- Não. Aham! Nem sonhando!- Firmei a voz.
- Tu vais primeiro.- Olhou-me.
- Não.
- Tudo bem.- Saltou e desviou-se fazendo-me sinal.
Os homens estavam cada vez mais perto.
- Que bom!- Saltei de olhos fechados para dezenas de metros.
- Agarrem-nos!
- Não pares de correr!- Puxou-me. Sentia-me confusa e ainda recuperava da queda.
- Eu destraiu-os.- O homem disse desviando caminho.
- Por aqui não.- Evitamos uma rua que tinha mais guardas.
- Alfama.
- Vem, estamos perto da livraria.
Corremos como loucos, empurrando pessoas, saltando alguns obstáculos, batendo noutros e recebendo ofensas pelo nosso comportamento grosseiro.
- Agarrem-nos!
- Apanhem-nos!
- Não os deixem fugir!
- Aqui!- Virei à direita e desci a rua aos tropeções, tão depressa que ia.
- Bom dia, em que...
- Não diga que estamos aqui, Gomes!- Ordenei ao pobre senhor, escondendo-me atrás do balcão com João.
O senhor arrumava uma estante sobre um escadote.
- Mas...
Ouvimos alguns guardas passarem a correr e suspiramos aliviados.
De repente, a porta bateu com força.
Tapei a boca do rei e ele tapou a minha. Estava sem pinga de sangue.
- Ora bom dia, meus senhores. Em que posso...
- Um rapaz e uma rapariga? Com roupas caras e sujas, estão aqui?
- Não. Só eu. A minha filha saiu para o trabalho, vende flores...
Ouvíamos livros serem arremessados, alguém subir as escadas e o senhor Gomes cá e lá a pedir consideração.
- Por favor, tenham cuidado. São volumes muito caros.
- Quieto!
- Cuidado! Encomendei-os de propósito para a infanta!
Sorri com os modos simpáticos do senhor... Até sentir alguém sobre nós.
- Está limpo.
- Aqui não está ninguém.
- Aqui também não.
Os soldados regressaram dos vários cantos da casa.
- Nós estamos de saída, lamento o ocorrido.- O capitão deve ter sido o ultimo a sair.
Esperamos um pouco até ter a certeza que tinham ido todos embora.
- Podem aparecer, está livre.- O Sr. Gomes tinha acabado de trancar a loja.
A loja estava de pantanas, haviam livros destruídos por todo o lado.
- Lamento muito, eu posso pagar por tudo, Sr. Gomes.
- Helena, se o teu pai sabe que te encobri porque fugiste com um rapaz...
- Não está a entender.- Corrigi o senhor com embaraço e olhei João a meu lado.- Estivemos presos, Sr. Gomes...
- Todos estamos não é verdade? Ah o amor, esse não sei quê, que nasce não sei onde;/ Vem não sei como; e dói não sei porquê.
- Camões disse tudo.- João concordou.
- Sr. Gomes, o rei.- Apresentei.
O senhor preocupado, limpou os oculos e colocou-os direitos.
- Perdão majestade.- Fez uma vénia. Não assustado, mas arrependido.- Não esperava te-lo aqui numa ocasião tão...- Olhou a loja.- Desarrumada.
- Ponha na minha conta.
- Os guardas estão atrás de vós.
- Querem matar-me.
- Precisareis disto então.- Tirou uma espada debaixo do balcão, perto donde estávamos.- Podia dar jeito.
- Obrigada, Gomes.- Saímos da livraria enquanto João atava a bainha à cintura.
- Por onde?- Olhei as ruas e becos apreensiva.
- Para a Ribeira fica impossível.
- O palacete ainda fica longe.- Lamentei.- Além disso é do lado da alta sociedade, está bem protegido.
- Logo nós tínhamos de ser ricos e importantes.- Lamentou com um sorriso.
- Não conheceis ninguém daqui?
- Eu não me dou com o povo.- Encolheu os ombros.
- Para a Ribeira então.- Decidi cheia de atitude.
- Estais com vontade de morrer hoje?- Exaltou-se.
- Morrer por Portugal é uma honra afinal de contas.
⭐👑⭐
Estão atrasados.
Deviam de ter chegado há já trinta minutos e nada.
- Um truque.- Suspirei desesperado.- Onde estás, Helena?
Mandei dar a volta à carruagem, porém parou metros à frente sem a minha ordem.
Desconfiado, preparei a arma que tinha debaixo do banco. Preciso de tudo menos de salteadores violentos.
- Chocheiro?- Chamei sem me mover.
- Lamento senhor, as peixeiras estão a passar.
Olhei pela janela e era verdade.
- Para o palacete.- Ordenei.
Algo de estranho aconteceu. Não deixariam para trás tanto ouro. Espero que seja bom sinal.
⭐👑⭐
- Não estão aqui!- Chutei uma das celas frustrado.
- Senhor.- O capitão aproximou-se com uma casaca em mãos.
- Não parece algo que um fora da lei usaria.- Analisei.
- Olha.- O António virou-a do avesso.- Tem a marca do alfaiate real.
Cheirei a casaca.
- É sem duvida alguma de João.- Constatamos.
- Vieram à procura do rei? Chegaram tarde...- Um prisioneiro apoiou-se nas grades da cela.
- Fala!- Ordenei.
O homem sorriu recuando.
Claro.
- Amenizo a tua pena.- Prometi.
- Quero ser ilibado.
- Se a informação for útil, talvez.- O António apertou-me o ombro.
- Estava nessa cela, na cela ao lado estava uma rapariga. Pelo que vestia era fidalga também, conheciam-se bem.
- Helena.- Prevemos juntos.
- Que aconteceu?- O capitão quis saber.
- Seduziu o carcereiro, conseguiu a chave, conseguiram fugir. Mal saíram vieram soldados atrás deles. Não os daqui, são autênticos tolos. Estes eram bem treinados, correram atrás deles como se a sua vida dependesse disso.
- Parece que temos uma fuga de informação.- Encarei o meu irmão e o capitão.
⭐👑⭐
- Temos de comer.- Queixou-se.
Tive de concordar. Não dá para lutar de barriga vazia.
- Aqui.- Suspirei cansada prestes a entrar numa padaria, mas recuei logo ao ver guardas dentro.
- Aquela taberna tem melhor aspeto.- João puxou-nos.
- Taberna?- Resmunguei.- Iue.
- Quero uma caneca de cerveja, uma sandes de presunto e uma sandes de queijo.- Pediu.
- Tem chá?- Sorri.
- É a brincar, certo?- Riu.- Ei, Joana, esta aqui quer chá!
Boa.
- Pão com queijo.- Pedi indo sentar-me ao lado de João.
- Claro.- Foi para as sombras assim que entraram soldados.
- Procuram alguma coisa, cavalheiros? Alguém?- O homem que secava uns copos perguntou com um sorriso de dentes podres.
- Companhia desta vez.- Um deles pegou numa prostituta esganiçada.
- Talvez tenhas razão quando dizes que o mundo gira à volta de... mulheres.
- É por isso que devíamos ser regidos por elas.- Mastiguei o pão.- Somos focadas.
- Arght!- O infante entrou.
- Francisco.- João ia a levantar-se porém impedi-o.
- Paciência.- Sorri.
- Como é que os perderam?! É uma miúda e um miúdo, desarmados e fracos!- Esmurrou a mesa.
Ele era o responsável sem dúvidas.
- Mantenham-no longe. Mais uns dias e pedem-me a mim para assumir o trono.
- E nós? Queremos o que nos foi prometido!
- Eu sou um homem de palavra!
- Eu não consigo ouvir isto.- Resmungou furioso.
- Vamos. Para ele estar aqui, o Paço está livre.- Levantei-me.
- Ups!- Estávamos prestes a sair a porta quando uma prostituta foi contra João.
- Jesus...- Virei a cara quando reparei que tinha um dos seios fora do espartilho.
- Sai da frente!- Ordenou zangado.
- Esta voz... Agarrem-no!
- Hora de ir.- Corremos desalmados.
- João Bento de Bragança, eu vou matar-te!
- Tens de me apanhar primeiro, covarde.- Riu.
- O Terreiro é por aqui.- Puxei-o.
Deslizamos por baixo de umas vigas e saltamos poças de lama.
- Ups!- Viramos quando encontramos guardas.
- Aqui não!- João puxou-me por outro lado, no entanto haviam guardas também.
- Não pode ser.- Parei e olhei à volta.
- Encurralados.- Murmurou desembainhando o sabre do Sr. Gomes.
Havia um círculo de guardas ao nosso redor.
Respirei fundo, endireitei as costas e ajeitei os ombros do vestido para não exibirem os meus, que estavam nus com a corrida.
- Últimas palavras, Helena?
- Entrarei no Paraíso de cabeça erguida.
- Ficarei a ver-vos lá de baixo.- O seu tom de voz parecia divertido.
- Pelo menos morro em Portugal.
- Não me faz sentir melhor.
- Últimas palavras, irmão?- Francisco apareceu montado no seu cavalo branco.
- Covarde!
- Anotado. Ataquem!- Comandou e os guardas hesitaram no seu lugar.
Ficaram a olhar uns para os outros, quietos e indecisos, até que um rapaz apontou a espada ao infante.
- Defendemos o rei, morremos por Portugal.
João baixou a espada atónito.
Não estavam todos a perseguir o rei?
- E se enfrentar o infante for necessário para salvar sua majestade, então é isso que farei.- Firmou-se.
- É.- Concordaram.
Aos poucos vimos os guardas soltarem as armas no chão e fazerem a vénia.
- Então poder é isto?- Murmurei deliciada.
- Yap.
Esqueci-me por completo que se referiam a João.
- Não, não, não! Matem-no! Acabem com ele!- Desmontou, contudo foi impedido de avançar pelos soldados.
- Longa vida ao rei!- Ouvi alguém gritar.
- João!
❤👑❤
Olá, princesas!
Tudo bem? Estão a gostar? Se sim, deixem uma estrelinha! Eu adoro quando comentam.
Acho que vou fazer uma playlist do livro no Spotify, que acham?
Um bom 2020 e até já!
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