21. A Viúva Negra
- Tendes a certeza. Porque precisa uma mulher de tantos livros, Helena?
- Para não ser um cepo, Bianca.- Respondi-lhe com simplicidade.- Vê o que eu passo, Sr. Gomes?- Brinquei.
- Não ceda, menina.- Respondeu de ânimo leve.
Após escolher dois novos livros e os da infanta paguei ao senhor e entreguei os livros a Bianca.
- Vá com Deus, menina Helena.
- Adeus, Sr. Gomes.
Na rua estava frio. O povo já andava para cá e para lá esbaforido, cumprindo a rotina do dia a dia.
A pouca chuva de ontem à tarde foi o suficiente para encher as ruas de lama e mais coisas que nem é bom saber o que é.
- Cuidado!- Fui empurrada para o passeio de forma bruta.
- Ei!- Abri os olhos e soltei-me daquele aperto inapropriado.
Hum... Tinha um cheiro agradável.
- Para a próxima deixar-vos-ei debaixo da carruagem.- Ralhou.
Que arrogante este embaixador!
- E devia agradecer-vos por me arremessares contra uma parede e por me tocares sem autorização?!- Indignei-me.- Não permiti essa aproximação, senhor!
Era ruivo. Um laranja escuro tomava os seus cabelos, em parte apanhados, como D. Francisco usava por vezes. Fica ainda mais bonito sem aquela peruca ridícula.
Desviei o rosto para não corar desnecessariamente e dei com uma carroça desalmada que lhe iria acertar.
Recuei e puxei-o mais para mim.
- A dívida está paga.- Respondi e arrepiei-me ao sentir a sua respiração quente.
Ele cheira bem. Nem o rei cheira assim tão bem! Será que cheiro mal? Que vergonha!
- Oh, então agora a aproximação foi permitida?- Sorriu presunçoso.
Senti as bochechas aquecerem e aquelas borboletas todas no estômago.
- Para a próxima ficareis debaixo da carroça.- Sussurrei. Faltou-me a voz quando colocou a mão na minha cintura e fui obrigada a pousar a mão sobre a sua casaca de cetim cor de marfim.
Uh! É durinho...
- Helena!
Afastei-me depressa com o grito chocado de Bianca.
Se estava vermelha então agora...
- Peço desculpa, eu não... Não voltará a acontecer.- Respirei fundo e passei as mãos pelo vestido, para enxugar todo aquele suor e frustração.
Estive tão perto daqueles lábios...
- Eu é que peço perdão, milady. Não era de todo minha intenção ofende-la.- O sorriso tornou-se sincero e um tanto ou quanto arrependido.
- Helena, vamos!- Bianca arrastou-me pela mão para a rua ao lado, onde tinha ficado a carruagem.
Olhei para trás de relance e vi Henry sorrir-me, fazendo-me sorrir também.
- Mas que pouca vergonha é esta?!
As coisas boas nunca duram muito...
- O quê?
- Não se agarra num homem assim no meio da rua, nem aqui, nem no Brasil. Principalmente quando é um completo estranho!
- Não é um completo estranho!- Rosnei.- É o embaixador de Inglaterra.- Voltei ao meu tom normal.- É o Sr. Hyde. Dançou comigo no último baile que o rei deu.
- Não importa! Só há dois tipos de mulheres que ficam tão próximas dos homens: as casadas e as cortesãs.
- Bianca, cuidado com o que insinuais. Se o episódio de há pouco chega aos ouvidos de meu pai, vamos ter problemas.- Nunca pensei que pudesse ser capaz de ameaçar alguém tão importante pra mim como Bianca.- Vamos, que depois de almoço tenho de ir para o Paço.
⭐👑⭐
Após deixar os livros nos aposentos de Francisca, fui até ao salão de jogos ter com o duque de Cadaval. Por esta hora a princesa estaria a ter aula de História no Torreão Filipino
- Oh minha cara amiga, admira-me que a tenham deixado vir até cá.- Pôs as cartas na mesa e recolheu as apostas.
- Vim apenas distrair-me um pouco, não se entusiasme.- Respondi divertida.
- Pois então escolha o seu lugar.
- Talvez mais daqui a pouco.- Fui ter com Maria mal a vi.- Olá.
- Bom dia.- Beijamos as bochechas uma da outra.- E então? São bons os livros da infanta?
- Só ela nos poderá dizer.- Encolhi os ombros e ficamos as duas a olhar pela janela.- Será que o tempo é sempre assim em Inglaterra?
- O quê? Porque pergunta tal coisa?
- Curiosidade apenas.- Encolheu os ombros.- Gostava de poder ir lá um dia.
- Eu não! É um país cheio de mesquinhos, barrigudos, parlamentares...
- Sim?
Não pode ser boa rez!
- Oh, embaixador, como vai?
- Muito bem, obrigado e vós?
- Também.- Respondeu Maria com simplicidade.- Estava mesmo agora a falar com Helena sobre Inglaterra e como é o tempo por lá...
- Como agora aqui, a maioria do ano.- Respondeu com simpatia.
Estaria a seguir-me? De manhã, agora... Mal tive tempo de fazer a digestão.
- E quando pretendeis voltar?- Interrompi as conversas luso-britânicas.
- Quando estiver tudo tratado aqui. A minha presença incomoda-vos, milady, é isso?
- De forma alguma!- Cruzei os braços entediada.- Vou ver se a infanta já acabou os estudos.
- Mas ainda...
- Nunca se sabe, Maria.- Bloquei a quebra da minha desculpa.- Com vossa licença.
Maldito inglês!
- Boa tarde!
- Olá.- Sorri para a menina que afinal já estava nos seus aposentos.
- Obrigada pelos livros.- Entregou-me uma bolsinha com as moedas que prometeu.- Aconteceu alguma coisa?
- Não, porque haveria?- Desconversei.
- Não sei, estás estranha.- Abraçou a almofada.
- Eu estou normal. E vós que andais a aprender agora?
- Continuo no francês.- Encolheu os ombros.- Amanhã o mano vai dar outro baile e disse que me deixava ir!
- Disse?- Desconfiei.
- Sim, disse que podia ficar ao lado dele no trono e dançar com ele.
- Hum... parece importante.- Brinquei.
Mais um baile, mais uma oportunidade para poder dançar com o embaixador, ou com o rei?
- Quereis que vá chamar Luísa ou Maria?
- Não, estou bem assim.- Esparramou-se no sofá.- Nunca há nada para fazer aqui.
- Verdade.- Como é que uma corte consegue ser tão aborrecida? Já entendi donde veio a criatividade e o tempo dos franceses para fazerem o que não devem.
- Espera Helena!
- Sim?
- O embaixador falou de um desporto, acho que era... ténis. Jogam isso na Inglaterra.
- Nós não estamos em Inglaterra.- Lembrei pegando num livro.
- Eu quero experimentar... vai lá falar com ele, Helena.- Pediu.
- O embaixador está muito ocupado nos assuntos de Estado com vosso irmão. Não é propriamente um entretenimento para vós.
- São só 5 minutinhos.- Levantou-se.- Vai lá que eu fico à espera no jardim.
- Mas, mas, mas...
- Helena.- Bateu o pé.
Não me pagam o suficiente para isto!
Retornei para o salão de jogos. Era engolir muito orgulho, depois de o ter lá deixado, voltar para falar com ele. Infelizmente ainda falava com Maria e pareciam bem entretidos.
Ela está bem animada para uma mulher casada, oras!
- Helena, há algum problema?- Interrompeu a conversa de repente.
- Não. A infanta está apenas curiosa acerca desse desporto, ténis, não é verdade?- Voltei-me para Henri.
- É sim. Um dos meus desportos favoritos, por acaso.- Sorriu cordial.- Bom, não façamos a infanta esperar.- Despediu-se de Maria com um pequeno aceno.
- A infanta entende perfeitamente se estiver ocupado com os assuntos de Estado.- Tentei fazê-lo reconsiderar.
- Pareço-lhe ocupado, milady?
- Não precisa de responder dessa maneira, estava a tentar ser gentil.- Não gostei do tom irónico que usou comigo. De todo!
- Porquê toda essa acidez comigo?- Indagou o estrangeiro.
- Acidez?
- Sois assim no dia a dia?! Não admira que continue solteira!- Continuou o seu caminho tranquilo.
Que... que abusado!
- Não admira que aqui esteja, com esses modos com certeza que vossa mulher foi a primeira a arrumar-vos os baús!- Cuspi zangada.- Antes solteira, que casada e amargurada como aquelas todas no salão ali atrás!- Passei à frente dele.
Olha!
- Seria uma teoria plausível, porém sou solteiro. Lamento desapontá-la.
- Isso não é uma surpresa, porquê?- Sorri divertida.
- Não faço ideia, diga-me vossa mercê, por favor.- Desafiou-me.
Tragam a faca da carne!
- Vossos modos são iguais aos de um ogre e vossa educação...
- E vós já vistes os meus modos?- Divertiu-se.- Ainda hoje de manhã me puxaste para vossos braços. A educação é de quem agora? Quanto aqui não sei, mas em Inglaterra essa seria uma atitude muito mal vista.
- Tendes razão. Algo muito bem visto, seria ver-vos debaixo de uma carroça, coberto de lama e fezes!- Resmunguei.
Parecia um autêntico duelo. Não fazia ideia do que diria agora.
- Tome.
- Perdão?- Estranhei quando me estendeu o livro que o acompanhava.
- Reparei que gosta de ler. Quando entrei na livraria hoje, o senhor disse-me que gostaria deste livro.
Aceitei o livro com uma certa timidez. A Midsummer Night's Dream, Sonho de uma noite de Verão. William Shakespeare.
- Já ouvi falar. Gostei muito dos livros dele que li.- Admiti.
Folheei o exemplar e reparei que estava em inglês.
- Eu não me lembrei que... posso ajudar-vos a lê-lo se quiseres.
- Oh não precisais. Eu sei inglês.- Sorri.- Obrigada.- Tinha sido tão gentil da parte dele ter reparado nos meus gostos...
- Lembrei-me de vós quando lhe peguei.- Admitiu e corei um pouco.
- Porquê?
- Porque uma das personagens também se chama Helena, o seu amor não é correspondido.
- Oh...- Seria algum "recado"?
- Ireis divertir-vos. É uma comédia interessante.- Sorriu.
- Obrigada.- Agradeci sorrindo. Um presente, um presente vindo de Henri!
- Não tendes de quê.
Prosseguimos caminho até ao jardim, mas não achamos a infanta.
- Posso fazer-vos uma pergunta?
- Se estiver ao meu alcance responder...
- Porque gostais tanto dos jardins?
- Em Inglaterra chove a maior parte do ano, a maioria dos jardins são verdes e não têm tantas cores como os daqui. As flores não são iguais. Até mesmo as rosas são diferentes.
- Rosas são rosas aqui, como são rosas em Inglaterra.- Diverti-me.
- As rosas inglesas são... monótonas, aborrecidas. O seu aroma é quase imperceptível e parece que têm vergonha de desabrochar. São todas iguais. Aqui as rosas têm mais cores, embora as minha favoritas sejam as vermelhas. São únicas, as protagonistas do jardim inteiro, quando alguém passa não consegue descolar o olhar delas.- Encarou-me.- Têm um cheiro único e inesquecível, uma suavidade singular nas pétalas, como veludo, mas continuam a ter espinhos!- Sorriu divertido.- Só alguns tolos lhe conseguem tocar sem se picar, é preciso persistência, cuidado e atenção... em Inglaterra as rosas perderam os espinhos há muito.
Estamos mesmo a falar de rosas ou...?
- Peço desculpa pela demora.- A menina apareceu e tentei apagar o calor das bochechas.- Pode ensinar-me esse desporto, por favor?
- Com todo o gosto.- Sorriu.- Preciso de duas raquetas e de uma rede.
- Raquetas?- Estranhou.- O que é isso?
- Hum... pelos vistos vai demorar um pouco.- Brincou.- Também jogamos futebol.- Sugeriu.
- O que é isso?- Estranhamos as duas.
- Só precisamos de uma bola. Em Inglaterra usamos bexigas de ovelha ou de porco.
- Aham...- Encarei a infanta e ela encarou-me a mim. Estes ingleses eram loucos!
- Conseguem arranjar?- Insistiu o estrangeiro.
- Isso acho que sim.- Admitiu Francisca dando ordens a um empregado.
Enquanto esperávamos a infanta pediu para o lanche ser servido no coreto por cima do pequeno lago. Aproveitei para dar uma pequena vista de olhos pelo livro, quando achei um bilhete entre as páginas:
O quanto sabeis acerca de leques, milady?
Como assim? É um mero acessório. Abanamo-lo quando temos calor ou tédio.
Que quereria dizer o embaixador?
- Que é isso?- Francisca estranhou ao ver-me com o papel na mão, embora baixo.
- Oh que cabeça a minha! Ofereci o livro e esqueci-me da conta dentro. Por favor, prometa-me que vai esquecer a situação, milady.- Sorriu-me.
- Podia acontecer a qualquer um.- Sorri-lhe de volta, envergonhada.
Que quereria ele dizer?
⭐👑⭐
- Maria, o quanto sabeis sobre leques?- Indaguei quando encontrei alguma privacidade com ela.
- Oh Helena, tanta coisa!- Sorriu malandra.- Estivestes em França e não aprendestes sobre isso?
Continuava à nora.
- Bom, quero dizer... em França preferem usar os seus leques, leques importados só de Veneza e com muitas penas...
- Não acerca disso, sua tonta.- Riu.- A linguagem dos leques.
- Oh!!!- Não, ainda não me soa a nada.
- Não se pode falar abertamente sozinha com um homem, é indecoroso, apenas na presença de alguém e... conversas entre apaixonados não são para ter plateia.
Agora fiquei curiosa.
- Podeis ensinar-me?
- Mas claro que sim! Vinde.- Segui-a até à biblioteca, a divisão mais vazia do palácio, usada apenas pelo rei.- É preciso muita discrição e se olhares com atenção, verás que quase todos o fazem. Não podemos usar gestos muito complexos, os homens nunca os decorariam.- Sorriu.
- Se todos sabem, podem apanhar-nos!- Corei com a ideia de descobrirem a minha paixoneta.
- Não, são todos gestos muito discretos. Os guardas não deixam entrar homens armados portanto fica um pouco complicado de eles falarem connosco. O único gesto que o cavalheiro pode fazer é beijar o chapéu.
- Que é que significa?- Perguntei entusiasmada.
- É como se vos beijasse.
Henry...
- E como é que poderia dar uma resposta?
- Pega numa folha e tinta, Helena, teremos uma longa tarde...
⭐👑⭐
- Boa noite papá.- Entreguei a capa à empregada.
- Olá Helena.- Sorriu-me e assoou-se.
- Estás doente?- Preocupei-me.
- É só uma pequena constipação. Nada de grave. E tu? Como correu o dia?
- Bem. Durante a tarde estive a jogar futebol com o embaixador e mais umas aias de companhia a pedido da infanta. Ingleses têm desportos tão estranhos... Correr atrás de uma bola?
O papá gargalhou e tossiu em seguida.
- Estás mesmo bem papá?
- Sim, só preciso de uma boa noite de repouso.
- Se tu o dizes...
Antes de me deitar dei mais uma olhadela no vestido de baile e pratiquei todos aqueles sinais até os saber te cor.
Queria tanto que Henri beijasse o maldito chapéu!
⭐👑⭐
- Papá?- Estranhei quando se sentou à mesa. Tinha um ar cansado.- Sentes-te melhor?
- Sim.- Sorriu
- Tudo bem.- Engoli.- Voltarei depois de almoço. Até logo.- Beijei-lhe a testa que fervia.- Papá, tens de voltar para a cama.- Mandei.
- Helena, eu estou bem. Tenho hora marcada com o rei e...
- Só sereis útil para o rei de boa saúde. Ficareis em casa hoje, cuidarei de vós.- Sorri.
- Helena, eu não...
- Papá!- Resmunguei.- É para vosso bem.
- Tudo bem, sua teimosa. Às vezes pareces mesmo a tua mãe.- Subiu as escadas a resmungar.
- Isso é um elogio para mim.- Sorri.
Fui até ao seu escritório e escrevi um bilhete ao rei, avisando que o papá não estava em condições de ir hoje e que eu ficaria para o cuidar.
- Pronto.- Sorri quando o vi deitado e aconchegado.
- Eu não sei o que fiz de errado para ter uma filha tão teimosa.
- O chá está quase pronto. Tendes de beber quatro chávenas hoje e amanhã já estarás bem.- Fechei os cortinados para que pudesse descansar e acendi uma vela. Tinha um livro para pôr em dia, e orações a fazer.
⭐👑⭐
- Maria, sei que possuís uma certa intimidade com Helena...
- Que quereis dizer, embaixador?
- Helena, conta-vos... Sabeis se Helena é... Não me interpretai de forma errada, peço-vos, mas se...
- Dizei de uma vez, deixais-me preocupada.
- Se Helena, possui algum tipo de relação com o rei.- Apertei as mãos com força, dentro da casaca.
- Não parece algo sensato de ser perguntado...
- Eu sei.
- Porém, compreendo vossas inseguranças.- Maria sorriu compreensiva.- Helena, possui apenas uma relação de estreita amizade com o rei. Entendei: são da mesma idade, têm gostos em comum e o marquês é provavelmente o homem mais próximo ao rei. Gostam da companhia um do outro. Nada mais.
- Oh...- Corei. Como é que pude pensar sequer que Helena...
- Perdoe-me a indiscrição, embaixador, mas porque quereis saber?
- Não creio que seja de vossa conta, senhora.
- Porque não perguntaste a sua majestade, então? Ou até mesmo a Helena?- Levantou a sobrancelha, desgostosa com a resposta que lhe dei.
- Achais que algum deles me responderia com sinceridade?
- Quem vos garante que eu respondi com sinceridade?
Ora, aí está uma bela questão.
- Pareceu-me que seria a pessoa indicada para o fazer.- Admiti.
- Maria, vistes Helena?- A princesa perguntou mal chegou ao salão.
- Não, alteza. Soube que não virá hoje, o marquês adoeceu.
- Mas é grave?- Preocupou-se a pequena.
- Com certeza que não.- Sorriu Maria.
Isso significa que Helena ainda virá ao baile, certo?
⭐👑⭐
As toalhas frias na testa já não aliviavam a febre, o chá não surtia qualquer efeito...
- Bianca, vai chamar o médico, depressa!- Ordenei aflita.
- Sim, Helena.- Saiu a correr.
...
- E então doutor?- Interroguei ralada.
- Vosso pai terá de tomar isto. Entretanto abra uma janela que aqui está abafado demais. É preciso fresco, e a febre provavelmente irá aumentar nas próximas horas.
- Como é que posso baixá-la?- Isso não eram boas noticias.
- Não pode.- Admitiu simplesmente.- Tem de continuar a trocar as toalhas com regularidade e tente trocar o chá de camomila por limão.
Este médico é um incompetente!
- Assim farei doutor. Obrigada.- Sorri e pedi ao mordomo para que o acompanhasse à porta.- Bianca?- Chamei.
- Sim, Helena? É preciso mais água? Já mandei fazer o chá de limão.
- Preciso que vás procurar o melhor médico de Lisboa, com urgência.
- Mas o médico acabou de sair e...
- Bianca, eu preciso que vás agora.- Quase que implorei.
- Muito bem. Voltarei assim que puder.
Sentei-me novamente na cama, ao lado do papá e troquei-lhe a toalha húmida na testa.- Vais ficar bom, papá.- Disse-lhe e vi-o sorrir-me.
Prometo.
Eu perdi a minha mãe para uma maldita febre, não quero perder o meu pai também. Peguei no rosário e rezei com todas as minhas forças.
- Helena?
- Sim?- Sequei as gotas de suor na sua testa e temporas.
- Não é por ficares aqui a meu lado que melhorarei. Vai ao baile e diverte-te um pouco, filha.
- Papá, não me estás a pedir isso.- Lamentei.
- Helena, ainda vais a tempo. Estás na idade de te divertir um pouco e...
- Papá, quando melhorares, terei todo o gosto em ir a bailes enquanto ficas em casa a fumar cachimbo. Até lá, eu vou ficar aqui.
- Helena...- Deu-me a mão.- Tu és o meu maior tesouro.
- Oh papá...
- Perdão menina.- A governanta veio bater à porta e entregou o chá.- Está uma senhora lá em baixo para ver o senhor Eduardo. Diz tratar-se de Beatriz Mendonça.
Encarei o papá com uma careta e vi-o secar o rosto com a manga da camisa, tentando sentar-se um pouco na cama.
- Só podeis estar a brincar comigo.- Resmunguei para mim mesma.- Mandai-a embora, meu pai não está em condições de receber ninguém!
- Helena, são visitas.- Sorriu.- Mandai a condessa subir.
- Sim, senhor Eduardo.- Saiu apressada a senhora gordinha.
- Quando alguém me estiver a fazer a corte, e quando vós não gostares de meu pretendente, eu terei todo o prazer em mandar-lhe um bilhete para que venha todos os dias beber chá comigo.
- Meu amor, se chamais um homem todos os dias só para beber chá, acabareis por afastá-lo sem nem que eu tenha de me intrometer.
Arght!
- Veremos!- Resmunguei.
- Com licença.- A governanta entrou com a fidalga atrás.- Se precisar de alguma coisa diga, menina.
- Obrigada.- Sorri e tentei parecer simpática para a meretriz à minha frente. Tentava rever todo o discurso que o rei teve comigo, porém nada ajudava a tolerar a presença desta estranha.
- Eu vim ver se estava melhor, Eduardo.- Falou baixinho.- Trouxe-lhe bolinhos para se recuperar mais depressa.- Sorriu e estendeu a pequena cesta ao papá.
- Hum... alfarroba, os meus favoritos! Obrigada pela preocupação não era necessário.- Provou um.
Cá para mim têm veneno e desde quando é que o papá gosta de alfarroba?!
O maldito do Henri nunca me deu bolinhos... hoje ele ia beijar o chapéu, tenho a certeza que sim.
- Quereis um, Helena?- A senhora ofereceu-me com simpatia.
- Oh não, mas obrigada mesmo assim.- Tentei desenhar um sorriso. Víbora!
Ficaram os dois a encarar-me e vi o pai olhar para a porta repetidas vezes.
Ah não! Nem pensar! Quer dizer, cresci a ouvi-lo dizer que damas de respeito não se trancam em quartos com cavalheiros, porém está a pedir-me para fazer isso! Cá para mim a víbora veio para dar o golpe no baú. Assim que eu sair... Pá! Cobre-lhe o rosto com a almofada! Mas não... eu não vou permitir que façam isso com o meu papá!
- Helena, podeis... ir perguntar o que é o jantar, por favor?- Tentou então encontrar uma desculpa.
- Pedi para fazerem uma canja de galinha para recuperares melhor.- Respondi prontamente com um sorriso.
- E podes ir ver se está a correr bem?- Quase que implorou.
- Claro.- Resmunguei e fechei a porta do quarto com força.
Aposto que se fosse Henry no lugar daquela viúva negra, não arredava pé dali, mas como é o senhor marquês quem manda nesta casa, está tudo bem!
Eu devia era tê-lo ouvido! Devia ir ao baile, comer doces, dançar com o rei, dançar com Henry, comer uns bolinhos, dançar com Henry enquanto conversávamos e ríamos e depois íamos para o jardim e...
- Maldição...
Olhei assustada para uma pintura de Sintra, que o avô nos deu. Eu estava... confusa. Eu gosto muito de Henry, contudo João deixa-me confusa, intrigada. Ele é tão... ele e Henry é tão... Henry!
Henry sempre vai demonstrando algum apreço... João nunca me deu livros. Nunca me disse aquelas coisas. Com João são só poucas vergonhas e carnalidades. O rei não tem, nem precisa de uma veia romântica, poética! Despreza esse tipo de coisa.
Olhei para trás.
Não! Não deixaria o papá por homens!
Mas ele disse para eu ir ao baile...
Não! É errado deixá-lo com uma estranha! O papá sempre cuidou de mim, aguardou a minha vinda do Brasil por anos e eu não vou voltar-lhe as costas agora!
Nunca verei Henry beijar o chapéu...
⭐👑⭐
- Pareces inquieto.- O Manuel falou-me baixo.
- Impressão tua.
Olhei Francisca, parecia que a sua cadeira tinha espinhos no assento. Por qualquer coisa se levantava, sorria, batia palmas... Parece que alguém está entusiasmada hoje.
- Será pela dama Brotas Lencastre não estar presente hoje à noite?
- Cala essa boca.- Resmunguei.- Vireis dançar comigo?- Sorri a Francisca.
- Estava a ver que nunca mais perguntavas!- Levantou-se aos pulos e puxou-me pela mão, quase que me fazendo cair.
- Calma!- Ri preocupado. Com gentileza peguei nas suas mãos e comecei a dançar com a minha irmã.
- Estão todos a olhar, é embaraçoso.- Corou ao olhar em redor.
- Eu sou lindo, é normal.- Suspirei.
- Eu sou infanta. Essa sim é uma desculpa plausível.- Riu divertida.
- Oras! Que auto-estima de ouro, menina infanta!- Ri com ela.
⭐👑⭐
- Procurais alguém?
- Não, ninguém.- Aquietei-me ao ouvir Maria e bebi o resto do champanhe.- E vós? Em busca de um par?
- Não, doem-me os pés.- Sorriu de lado.
As portas fecharam-se... e ela não tinha vindo. Peguei em mais uma taça de champanhe que por ali passava.
Será que a assustei? Ou foi o pai, que embora doente, tenha sido egoísta e não a deixou vir?
- Agora estais abatido, embaixador.
- Nada disso, só está imenso calor aqui e eu tive um longo dia.- Não havia mais ninguém neste salão com que valesse a pena dançar.- Até amanhã, duquesa.
- A noite ainda agora começou. Um coração sobressaltado não deixa ninguém dormir.
- As apoplexias são coisa de família, não se apoquente.- Gracejei, contudo nem eu me consegui divertir com a minha própria piada, como era habitual.
Helena, sua maldita bruxa!
⭐👑⭐
Era impossível não sentir uma inquietação cá dentro. Era um desaforo, uma adrenalina que não conseguia acalmar.
Os portões já teriam fechado a esta hora, o baile estaria no seu auge e Henry nos braços de outra qualquer, a divertir-se como nunca antes, com alguém que dançasse melhor que eu, que fosse mais graciosa que eu... enquanto João olhava as danças como uma águia.
- Helena vai deitar-te, amor, já está tarde.- O papá pediu ao olhar para o relógio de parede.
- Eu estou bem papá.
- Pareces triste...
- Estou só preocupada papá. Quero que melhores depressa.
Sentia-me péssima. O papá está a arder em febre e eu aqui, a pensar em leviandades!
- E eu vou, contudo tu tens de descansar ou adoecerás também.
- Acho que tens razão.- Mudei uma última vez o pano húmido da sua testa antes de me ir deitar.- Ficas bem?
- Sim, tem uma boa noite.- Sorriu e aconchegou-se nos cobertores.
- Boa noite papá.- Soprei a ultima vela acesa.
Eu sou uma péssima filha!
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