2. De regresso a casa...
- Toma cuidado Helena, peço-te.
- Eu tomarei. Descansa Lucas.- Abracei-o com força uma última vez antes de partir.
- Parece que a minha irmã cresceu.- Afagou os meus cabelos.- E vai deixar o irmão desamparado por aqui.
Lucas tinha vindo para o Brasil primeiro que eu. O avô José, do lado do pai era o governador da capitania. O pai sempre deixou claro que não queria herdá-la, porém não se opôs ao facto de Lucas partir para vir aprender os ofícios de um governador. Depois da morte da mamã decidi vir também. O avô morreu há já quatro anos.
- Não sejas lamechas.- Sorri.- Tens Catarina a teu lado. Espero que sejas abençoado com um filho em breve, quero ser tia o mais rápido possível.- Brinquei.
- E eu pai.- Beijou a minha testa.- Não hesites em escrever-me. Se precisares de algo estou aqui. Não penses duas vezes antes de enviar um pedido de ajuda.
- Sim.- Sorri.
- Desejo-vos uma boa e confortável viagem, Helena.
- Obrigada, Catarina. Espero que ambos fiquem bem.- Subi para o navio.
- Bianca e Guilherme irão contigo. Guilherme só irá voltar quando encontrares o pai.
- Tudo bem.- Aceitei.
Bianca era a minha camareira, uma grande conselheira e amiga e Guilherme tratava de cuidar da fazenda de açúcar que tínhamos em nosso poder, era um amigo fiel com os seus 30 anos.
Navegamos por vários semanas, através de algumas não tão graves tempestades e aportámos em Haia, na Holanda.
Visitamos também Amesterdão e pude ver que eram bastante organizados, vestiam tecidos simples, não pobres, porém também não eram carregados de ouro e pedras preciosas, nem de cores chamativas, respeitando a sua doutrina calvinista.
Tinham uma frota naval forte e numerosa com navios bem preparados para grandes cargas e prontos a atravessar qualquer tempestade.
Eram dedicados à sua tarefa, não haja dúvidas.
Não nos demoramos, apenas uma semana e tomamos rumo para a França. A corte de Luís XIV era a mais copiada da Europa.
Todos os reis ambicionavam ser tão poderosos quanto o "rei-Sol" que tinha um poder absoluto sobre todos, e não apenas aos que estavam em seu redor.
Assim que entrámos em França logo demos conta que o povo vivia na pior miséria. Na Holanda a maioria levava uma vida feliz, dos frutos do seu trabalho e os mais pobres, não vestiam farrapos como estes franceses.
Acho que este rei se foca mais em si que nos outros.
Por onde passávamos as pessoas olhavam para o nosso coche de madeira tratada, forrado a veludo vermelho e com pormenores a dourado por fora não em muitos lugares.
O papá adoraria saber como era esta França imunda!
⚜👑⚜
Lisboa! Finalmente em casa depois de mais de 8 anos, já sentia tantas saudades...
As pessoas, a comida, os aromas... facilmente dispensáveis (diga-se de passagem), o cheiro a fezes, urina e suor, não era o mais agradável, embora acontecesse tanto aqui, como em Paris, como em Sevilha.
Está um bonito dia de Sol, com uma agradável aragem fresca. Rapazes brincavam nas bermas à nossa passagem, as meninas brincavam umas com as outras com as suas bonecas de trapos, perto da protecção das mães ou avós que trabalhavam nas padarias ou em algum comércio.
À passagem do coche todos se afastavam, tentando não impedir o caminho, o que era difícil, já que se tratavam de centenas e centenas de pessoas.
Saímos do porto, onde se viam grandes navios atracados vindos de todo o mundo com as mais valiosas cargas. Homens de negócios assinavam documentos e pegavam nas suas bolsas de dinheiro prontos a fechar negócio. Senti o cheiro a canela e previ que aquele monstruoso castanho tivesse vindo das Índias Orientais. Mais à frente havia um outro que pelo brasão percebi que se tratava de uma frota britânica.
Tudo seguia o ritmo quotidiano.
O Terreiro do Paço, um verdadeiro império de burgueses, onde se ouviam várias línguas estrangeiras, viam-se pessoas de várias idades, da criança mais nova ao ancião mais velho, pessoas de cores, vestuário e culturas diferentes.
Os armazéns estavam abertos, enquanto o seu interior era descarregado para grandes navios mercantes de forma a seguirem para todo o Mundo carregados de açúcar, tabaco e café.
- Mal me lembrava de como era bela.- Bianca comentou.
- Sim.- Concordei com um sorriso.- Para casa de meu pai, cocheiro.
Eu mal podia esperar para abraçar o papá!
Meia hora de caminho depois, chegámos. A grande fonte frente à escadaria e a cor rosa habitual inspiraram em mim um enorme sentimento de ansiedade. O muro alto cor-de-rosa também, protegia o palácio de estranhos, o portão verde escuro continuava igual. Nada mudou por aqui.
- Papá?- Entrei assim que uma empregada abriu a porta principal. O coche deu a volta à fonte redonda e larga, deixou-me aí, frente à porta principal e deu a volta até às traseiras.
- Perdão senhora, quem sois e o que quereis?- Perguntou a senhora preocupada.
- Sou Helena, Helena Brotas Lencastre, filha do senhor desta casa.- Sorri.
- D. Eduardo não está. Saiu de manhã cedo para o palácio real. Podeis esperar um pouco, daqui a umas horas deverá voltar para o almoço.
- Não, eu vou até lá. Obrigada.- Saí entusiasmada.
Mandei chamar o coche novamente, entrei e um criado veio fechar a portinhola.
- Para o palácio de sua majestade.
- E nós?- Bianca perguntou em relação a Guilherme e a ela mesma.
- Verdade.- Avermelhei.- Ficai aqui. Merecem descansar depois de todos os meus devaneios.
- Obrigada menina.
- Tende cuidado, Helena!- Guilherme gritou.
- Terei!- Respondi.
O cocheiro continuou caminho. Estava tão nervosa... Conheceria o rei? Seria simpático e gentil ou um total arrogante como Luís de França? O papá estaria com ele agora? Devia de ter trocado os meus trajes! Pareço uma plebeia com este vestido beje e rendas.
Deveria ter-me trocado pelo amarelo bordado a ouro! Vou envergonhar o papá... mas já está tarde para voltar atrás.
O coche parou e momentos depois o cocheiro veio abrir a portinhola e ajudar-me a descer com um pequeno sorriso de boas-vindas no rosto.
Subi as escadas de mármore, insegura acerca das pessoas que encontraria.
- O Marquês Brotas Lencastre está?- Interrompi um homem que por ali passava.
Perdão se estou há anos sem ver o meu papá!!
- Está numa reunião com sua majestade.- A sua casaca e postura como que de vigia denunciava o seu estatuto de mordomo.- Não pode ser interrompido.
- É um assunto urgente.- Pensando bem, agora parece egoísta.
- Segui-me então.- Pediu endireitando as costas.
Segui-o como me pediu.
Tudo reluzia e brilhava; retratos e pinturas de damas e reis anteriores observavam criteriosamente a minha passagem; nas paredes, o ouro ornamentava, tal como nas colunas de estilo grego, o movimento rococó e barroco eram evidentes por todo o lado para onde se olhasse. Quanta sumptuosidade!
- Esperai um momento, por favor.- Depois de quase rastejar com dores nos pés de tanto andar naquele palácio fantástico, o senhor falou, deixando-me numa sala com um tapete de arraiolos enorme no chão, uma mesa com 2 metros de comprimento e três cadeirões forrados a veludo vermelho e cobertos de ouro. Eram lindos! O do meio era o maior e mais ornamentado, dava até vontade de sentar ali.
Um enorme quadro da coroação mostrava o longo manto vermelho nas costas de D. João enquanto estava ajoelhado e era coroado. Sentia-me um mosquito aqui, ao observar a imponência desta obra de arte e ainda nem sequer tinha visto o próprio rei.
- Quem deseja ver-me com tanta urgência?
A voz de um homem suou pela sala decorada o que me fez voltar depressa ao ouvi-la.
- Papá?- Sorri ao aproximar-me.
Ele estava igual! Mais umas rugas aqui e ali mas continuava com a mesma expressão calma, sábia e feliz. A ultima vez que o tinha visto foi no casamento de Lucas e Catarina, faz uns dois anos portanto. Parece que foi ontem, porém quando o olho parece que se passaram centenas de milénios. Tinha tantas saudades!
- Helena? Estás tal e qual a tua mãe quando tinha a tua idade.- Passou a mão pelo meu rosto, acariciando-o.- Pensei que tinhas naufragado... tanto tempo...
- Fiz uns desvios.- Abracei-o com força.- Eu tinha tantas saudades, papá!- Senti os meus olhos humedecerem.
- A minha menina.- Senti a emoção nas suas palavras e ajoelhamo-nos os dois abraçados, matando todas estas saudades.- Oito anos... estás uma autêntica mulher! E tão bela...- Abraçamo-nos mais e com mais força. Eu não queria voltar a separar-me do papá.
- D. Eduardo, notei vossa demora...
- Ham...- O papá levantou-se às pressas e eu também. Era uma vergonha fazer estas figuras em casa de outras pessoas, ainda para mais na do rei.- Perdão majestade.
Pronto. Adivinhem quem é a primeira a estrear a lista negra de sua majestade?! Quanta honra!
Ele devia ter a minha idade e o que vestia, a sua presença... só um cego não o notaria como rei. Não era o rapaz mais belo, mas Deus que cuide desses problemas. Apesar de parecer... acima de mim, não parecia tão poderoso quanto no retrato.
- Não era de todo minha intenção fazer-vos esperar.- O papá sorriu ao olhar para mim e deu-me a mão.- Vou voltar imediatamente.
- Um momento. Quem é esta bela dama?- Perguntou com um leve sorriso.
Olhei em volta e não vi ninguém. Ah!! Era eu!!
- É minha filha mais nova, Helena.- O papá sorriu orgulhoso.
- A do Brasil?
- Sim, majestade.
Estou a sentir-me à parte neste momento.
- Deve de ter sido uma viagem cansativa e longa. Podeis ir Eduardo, amanhã reunimos aqui à mesma hora, se Deus quiser.- Declarou.
- Mas majestade...
- Presumo que quereis matar todas essas saudades de vossa filha. Ide. Os assuntos de estado poderão esperar por amanhã.
- Sendo assim agradeço-vos, sois muito gentil em deixar-me ir.
- Só não vos atraseis.- Sorriu e tomou caminho para sair da sala donde estávamos.
- Majestade?- Tomei a palavra pela primeira vez, perante ele.
- Sim?
- Viajei pela Europa, visitei a corte de Luís XIV e este deixou ao meu encargo um presente para vós.- Falei com vergonha.
- E o que seria esse presente?
- Eu... desconheço, majestade, era para vós, não abri.- Corei sem saber que dizer.- E tem um outro, meu... nosso. Da família Brotas Lencastre. Espero que seja de vosso agrado.
- Com certeza, será.- Sorriu e sentou-se numa das 3 cadeiras, a que estava ao centro, aquela que eu estava mortinha para sentar o rabiosque.
Dois empregados colocaram as prendas em cima da mesa de madeira rústica, primeiro o de Luís e de seguida o meu.
- Quereis ver?- Perguntou e fiquei surpreendida com a sua pergunta.- Afinal de contas fostes vós que a trouxeste.
- Ham...- Encarei o papá, procurando a melhor respostas, notei um leve aceno de "sim".- Seria uma honra.- Sorri ao aproximar-me.
O rei abriu a enorme caixa e pude ver a mais bela casaca de seda.
Era branca, com bordados a ouro e tinha imensa renda. Aqui e ali viam-se brilhar vários rubis, esmeraldas, diamantes e safiras.
- Uma bonita casaca, sem dúvidas.- Sorriu mas não parecia surpreendido.- Acho que não me serve...
Como não?! Era a casaca de seda mais bonita que eu já alguma vez vi! Parece que foi feita para o próprio Deus! Como assim ele não achou nada de especial?! Sendo assim o meu presente vai a direito para a ala dos empregados.
Engoli em seco quando se preparou para abrir o meu presente. Olhei para o papá em busca de apoio, mas estava de olhos postos no rei com tanta ânsia quanto eu.
Estamos feitos!
⭐👑⭐
Abro a caixa sem muitas expectativas. Afinal de contas, quando o rei mais poderoso de toda a Europa me envia uma mísera casaca, um marquês não me entregaria algo acima disso.
Luís XIV. Presunçoso e convencido. Deve de se achar tão acima, que acha que um rei com um país mais pequeno não tem casacas de seu estatuto para vestir.
Perda de tempo.
Vi um tecido de veludo vermelho com esmeraldas custuradas.
- Brincais com o meu tempo? Ou será minha paciência?!- Vociferei furioso.
Não esperava muito, porém apenas veludo e esmeraldas era presente de plebeu.
- Majestade?- Perguntou assustada.
- Isto é um presente indigno para um rei como eu!- Afastei a caixa de volta para ela.
O marquês estava com a maior cara de pânico.
- Mas... nem o desembrulhastes.- Falou baixo, notava-se a sua desilusão e tristeza.
Como assim não o desembrulhei?!
Vi-a tirar o tecido de dentro da caixa e desembrulhá-lo. Havia uma valiosa bainha com a respetiva espada. Uma bainha totalmente em ouro, coberta de diamantes, esmeraldas, safiras e rubis com pormenores a prata. Isto sim é digno de rei. Mais rica que Joiosa e tão funcional quanto Excalibur. Maravilha!
- Pensei... que fosse de vosso agrado. Peço-vos perdão.- Voltou a embrulhar o valioso presente.
- Talvez eu tenha sido... grosseiro e arrogante.- Admiti.- Devo-vos um pedido de desculpas, Helena. É um belo presente.- Sorri-lhe.
- De verdade?
O marquês respirou de alívio.
- De verdade.- Olhei nos seus olhos com extrema atenção, não por muito tempo, porque os desviou de mim e com isso notei um leve rubor no seu rosto.
- Fico... genuinamente feliz com isso.- Admitiu com um sorriso mais calmo e voltou para o lado do pai.
- Até amanhã majestade.- D. Eduardo despediu-se.
- Foi uma honra conhecer-vos, majestade e lamento muito ter interrompido vossa reunião com meu pai.
- Não vos apoquentais com isso. Ide com Deus.- Despedi-me.
Esta rapariga tinha o sotaque bem evidente. Como irão as coisas por lá?
⚜👑⚜
- Quero saber tudo! Como correu a viagem? França, Holanda, Inglaterra... O teu irmão...
- Está tudo bem com ele pai. A capitania tem estado em boas mãos e é umas das mais prósperas do Brasil. Lucas está com o controle em tudo, mas Catarina ainda não deu notícias de uma gravidez.- Contei entristecida.
- O teu irmão ainda é jovem, não está sob pressão para conseguir uma criança.- Aliviou.- Mas diz-me como está Catarina?
- Muito bem. Vê-se que ama tanto o Lucas... quero que um dia alguém me olhe e trate como ela faz com meu irmão.
- Claro que sim. Daqui a uns anos acontecerá.- Beijou a minha testa.
O caminho até casa foi preenchido de conversas acerca do Brasil e sobre o novo cargo do papá também.
- Onde vamos?- Perguntei quando o papá mandou chamar o coche de passeio.
- Tenho a certeza que adorarás.- Sorriu-me e entrei com a sua ajuda.
Parámos a umas ruas do Terreiro do Paço. Uma meia hora de caminho. Confesso que estava extremamente curiosa para saber o nosso destino.
- Chegamos senhor.- O cocheiro veio abrir e ajudou-me a descer.
- Lembras-te?- O papá perguntou com um sorriso meigo.
- Não me é um lugar estranho.- Confessei e entrei na loja.
Era uma rua bastante movimentada. No entanto esta loja era a menos frequentada. Cheguei mesmo a achar que estava fechada.
Havia um pórtico ao inicio da rua, o pavimento era lamacento, pegajoso e o cheiro... nojento.
No entanto havia bonitas flores azuis, brancas e avermelhadas em canteiros feitos de chávenas, bules, e travessas de louça e metal antigos.
A fachada era em pedra, semelhante a todas as outras lojas da rua, numa pintura amarelo-pastel, onde acima se lia Livraria do Gomes.
- Não quereis entrar?- Sugeriu.
Estava tão absorta naquela nuvem que nem me lembrei.
Apenas tomei a atitude de subir o pequeno e defeituoso degrau e entrar.
Logo se ouviu a campainha, que devia de estar no topo da porta, para se ouvir quando alguém entrasse.
Fui incapaz de esconder um sorriso ao encarar as prateleiras apinhadas de livros; vermelhos, castanhos, dourados, beje... acerca do romance, das ciências, da filosofia, da religião. Havia de todos os géneros e tipos, bem como o cheiro prazeroso a livros.
Não havia muita luz. As janelas, na mesma parede da porta de entrada iluminavam o local onde predominavam as estantes em madeira castanha escura. Do meu lado esquerdo havia um balcão do mesmo tipo, mas nem sinal do livreiro.
Embrenhei-me ainda mais no espaço. Era bem maior do que me lembrava. Depois desta entrada, uns 6 metros em frente, havia um espaço largo e circular, onde seis castiçais com quatro velas cada, iluminavam o círculo.
Livros e mais livros. No chão, em pilha, nas prateleiras... só queria levar todos!!
Reparei então no silêncio. Aqui dentro o silêncio reinava, esquecendo os gritos, gargalhadas e o apregoar de populares e comerciantes lá fora.
Sem querer choquei contra uma pilha de livros, que fez um estrondo imenso.
- Quem está aí?- Ouvi uma voz rouca e envelhecida, parecia de um homem.
- Ham... sou Helena. Peço desculpa, não foi com intenção. Eu posso ajudar a arrumar.- Ofereci-me olhando, tentando achar o senhor.
- Não vos preocupai com isso, minha filha.- Escutei o barulho de madeira a ser pisada e olhei para cima.
O senhor descia uma escada de madeira móvel que o levava às prateleiras mais altas.
Devia de estar a organizar e arrumar novos volumes.
- Então, como posso ajudar-vos?- Perguntou recolocando as lunetas redondas. Era um senhor baixo, dava-me à direção dos ombros, tinha bigode e cabelos curtos totalmente brancos.
Usava uma camisa amarelada, com um colete castanho amarrotado, semelhante às calças.
Os seus sapatos já estavam um pouco gastos e o dourado da fivela, já estava ligeiramente ferrugento.
- Boas tardes, Gomes.- O papá estendeu a mão ao velhote.
- Como vai Sr. Lencastre?
- Muito bem e o senhor?- O papá retribuiu com um sorriso.
- A tosse só piora, as dores nas costas são aos montes, não devo passar desta semana.- Exagerou.
O papá riu muito divertido.
- Há anos que te oiço dizer isso.
- Pois muito bem, o que é que vai ser hoje? Chegaram uns romances no inicio da semana, são várias as senhoras que os têm levado.- Sugeriu.
- Não. Hoje é a minha filhs, na primeira pessoa que escolhe.- Fez sinal para mim.- Helena está de volta e como presente vim com ela, para ela mesma escolher os seus livros.- Interiormente entrei em êxtase!
- Helena?- O velho senhor aproximou-se e encarou-me intrigado.- A pequena? A traquina que nunca queria ir embora?- Sorriu recordando.- Está já uma mulher! Nem vos reconheci.- Beijou a minha mão e fiz uma reverência em sinal de respeito.
- Obrigada Sr. Gomes.
- Vinde, vinde então!- Puxou-me para umas prateleiras.- Por aqui são os romances. Tenho vendido estes 5 muito bem, vê o que mais te agrada. Ali por trás são os de ciências e filosofia... a maioria ainda está em inglês. Nesta prateleira aqui os de religião e medicina artesanal.- Pensou um pouco.- Diários. Exato. Tenho aqui vários diários de bordo, de viagens... Escolhei à vontade. Levai o tempo que precisares.
- Obrigada.- Sorri e comecei a bisbilhotar as prateleiras. Ia lendo partes de livros, os que achava mais interessantes. O papá então lembrava-me que a loja não estaria aberta a noite toda e apressava-me.
- Tens mesmo a certeza? Não são demais?
- Livros nunca são demais papá.- Sorri-lhe carinhosamente quando pousei os imensos livros em cima do balcão.
- Sendo assim...- Começou a apontar num papel.- Medicina mediterrânica e árabe; Epistemologia aristotélica; Diário de uma viagem pelas Índias orientais; Pelos mares do Japão; O amante da rainha; O príncipe e a plebeia... Oh e A Tempestade.
- São mesmo muitos livros.- O pai pegou na bolsa onde guardava o dinheiro.
- Ler é o alimento da alma, Sr. Lencastre.
- Bem sei, é por essa mesma razão que aprecio que Helena tenha esse gosto.- Sorriu-me.
- São 2.500 dobrões de ouro.- O senhor fez a soma.
O papá não hesitou e entregou a quantia.
- Obrigado.- O senhor guardou o dinheiro.
- Não ireis confirmar?- O papá perguntou.
- Devia desconfiar de vós?
- Não, mas...
- Tomai.- O senhor acrescentou ao meu monte.- É uma pequena oferta.- Sorriu.- Está em branco. É o teu próprio livro. Um diário, um romance, uma relato de uma experiência... o destino e o tema está nas tuas mãos.
- Obrigada, Sr. Gomes.- Sorri agradecida. A ideia de escrever um livro é entusiasmante.
- Vão com Deus.- Despediu-se e saímos da loja. O cocheiro carregou os livros com delicadeza para dentro do coche.
O Sol já se punha atrás das casas apinhadas e uma brisa mais fresca começava a percorrer Lisboa.
- Assim que chegarmos a casa, peço para fazer o teu jantar favorito.
- Obrigada papá.- Subi para o coche e só desejei chegar a casa o mais depressa possível.
⭐👑⭐
- Helena, a banheira está pronta.- Bianca bateu na porta, interrompendo a minha leitura.
- Estou a caminho.- Vesti o robe beje com padrões floridos a verde, rosa e azul e saí para o quarto de banho.
O silêncio era bom, por isso aproveitei para ir lendo o livro que comecei no quarto.
- É bom?
- Sim. É sobre uma rainha que numa visita à capital do seu país acaba por ser apaixonar por um mero e humilde plebeu.
- Era casada?
- Ainda não sei. Pelo que deu a entender não.- Admiti. Ainda estava nos primeiros 4 capítulos.
- Podeis... não vos importais de ler para mim?- Perguntou envergonhada.
- Seria um prazer.- Admiti e comecei a ler em voz alta.
Não sei quanto tempo passou ao certo, ainda assim foi o suficiente para chamarem para jantar.
- Então ela estava noiva?- Surpreendeu-se ajudando-me a vestir e secar.
- A rainha não amava o arquiduque, foi pressionada.
- Que vergonha!- Exclamou.
Não pensava assim. A rainha não teve opção. Ninguém a deixaria casar com o camponês, no entanto arranjou um pretendente e casou-se... embora não o amasse.
Só espero que o papá não me dê um destino destes.
- Boa noite, papá.- Beijei a sua testa antes de me sentar à mesa.
Não me incomodei em vestir um vestido novamente. Tinha apenas a camisa de dormir e um robe quente, grosso e confortável com uns chinelos e uma trança larga e despojada a cair-me pelo ombro.
- Boa noite Helena.- Sorriu e fez sinal para que o jantar fosse servido.
- Que cheirinho.- Senti até água na boca ao sentir o aroma a borrego e batatas no forno.- Já sentia saudades dos petiscos cá de casa.- Peguei nos talheres, e aí recebi um olhar repreensivo do papá.
Tenho fome!
- Oh sim!- Lembrei-me. Falta a bênção da refeição.
- Quereis ser tu a fazê-la?
- Sim.- Cruzei as mãos e fechei os olhos.- Agradeço-vos senhor, por esta refeição e que ajudeis e protegeis os que não a têm. Ámen.
Comida!!
- Bom apetite.- O papá riu ao ver todo o meu apetite. Eu passei anos a fio a ingerir comida estranha, não que soubesse mal, mas não era esta.
- Obrigada.- Respondi de boca cheia com o guardanapo de pano em frente do rosto.
- É tão mau comer por lá?- Perguntou sorrindo.
- Não, é só diferente.- Satisfiz a minha gula.
A sobremesa foi igualmente um manjar dos deuses.
- Helena, temos de falar sobre amanhã.- O papá introduziu, pelo tom de voz entendi que era algo sério e nada bom.
- Sim?- Escutei com atenção.
- Como sabes amanhã irei novamente conferenciar com o rei...
- Sim...?
- E queria que fosses também, não para falar com o rei, mas para te... adaptares à corte.
Nem.pensar!
- Não me faças essa cara.- Suspirou.
- Papá, sois marquês. Homem merecedor da maior confiança por parte do rei, não há necessidade de tal coisa.- Tentei fazê-lo ver.
- O rei é jovem, porém muito inteligente também Helena. Segue os passos de Luís de França.
- É preciso ser uma besta então!- Revirei o olhar.
- Não difamai assim o nome de sua majestade, o rei.- Ralhou.
Verdade. Era ele quem punha o pão nesta mesa.
- Perdão.
- Ireis amanhã.
- O que é que se faz na corte? É horrível. Só damas e cavalheiros emproados e falsos. Dizem uma coisa e fazem outra. Adoram-me, mas viro costas e dão-me uma facada.- Deixei claro.- São nojentos e conspurcados.
- Não. Podem fazer isso com outros, contudo nunca com a filha do Marquês Lencastre.- Bebericou o seu copo de vinho.- Não será aborrecido. Podeis falar com raparigas da tua idade, dançar, passear pelos jardins...
Isto parecia tal e qual a corte do rei-Sol, em Portugal.
- Só amanhã.- Pediu.
- Amanhã e nem mais um dia.- Impedi.
- Ainda bem que chegamos a acordo.- Sorriu.
Fiquei em silêncio por momentos.
- Papá, como é o rei?
- Como assim?- Perguntou estranho.
- Como é que ele é? Arrogante? Inteligente? Gentil? Meio que... estúpido?- Murmurei.
Paredes tinham ouvidos. Uma ofensa ao rei e iríamos parar à fogueira.
- O rei de estúpido não tem nada Helena. D. João é extremamente inteligente e planeia cada jogada sua com o máximo cuidado. Sabe com o que lida. Sabe o que o rodeia. Manipula a nobreza e o clero de uma maneira tão hábil, que nem eles sabem que lhe estão a prestar indirecta obediência.
Isso é assustador.
- Tem conhecimento de línguas, bem ensinado na política, ambições grandes, embora alcançáveis. Dá primazia à ciência e ao conhecimento. É um curioso nato.
Não parecia tão mau assim.
- Digamos... se estivéssemos no seu lugar, agiríamos da mesma maneira. Sua majestade tem um império a seus pés.- O papá encolheu os ombros.
- E o melhor dos homens como braço direito.- Comentei a brincar.
- Quem sabe...- Riu comigo.- Com D. João nenhum cargo é definitivo nem garantido. É uma honra servir o rei.
- Acredito que sim.- Sorri e bebi um copo de água.
- Vou para o meu gabinete.- Beijou a minha testa e desejou-me um sono descansado.
Finalmente em casa.
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