19. Henry Hyde, conde de Clarendon
- Henry Hyde!
- Eu não quero nem ouvir, nem saber pai!- Peguei no chapéu de penas que o escudeiro me segurava e segui para a cavalariça.
- Henry! Tens uma carta da tua tia, sua majestade!- O pai veio atrás de mim.
Que maçada!
- Papá, quando regressar do meu passeio, terei tempo para ler pacientemente o que me quer a minha adorada tia. Até lá, não me importune!
- Henry, é importante querido.- A mamã acalmou a fúria do papá e sorriu-me, segurando-me a mão enluvada com firmeza.- Leia e vá.
- Quando poderei ser eu mesmo a abrir a minha própria correspondência?- Recebi a carta, agora já aberta, escrita pela mão da rainha.
- Quando tiver idade ou juízo para tal.- O papá rosnou.
- Querido.- A mãe apaziguou a sua cólera.
Li e reli a carta umas três vezes, incrédulo.
- Embaixador? Eu?!- Gargalhei em descrença.- Eu que deixei morrer uma lagartixa à fome, vão pôr nas minhas mãos a diplomacia do país. Inglaterra quer mesmo cair à força.
- Por mim já o teria feito, há muito.- Resmungou o papá.
- Meu amor, não é forma de se pensar assim.- A mamã corrigiu-me.- Se a rainha pediu que fosses embaixador, então embaixador sereis, não deixai que as desavenças entre vosso amado pai e vossa tia sejam um interpeço a esta tão grande responsabilidade.
- Não.- Recusei.- Não tenho nem responsabilidade suficiente, nem calo o bastante para defender Inglaterra no papel. Derramarei o meu sangue se for preciso, pelo meu país, porém embaixador não serei.
- Far-vos-ia tão bem, Henry.- A mamã sorriu.- Se vossa tia pediu por vós é porque confia em vós a 100%.
Eu não andei a aprender português para isto.
- Não.
- Pois então arranjaremos o casamento entre vós e lady Emily Cavendish.- O papá atirou.- Temos andando a planeá-lo há algum tempo; quando li essa carta foi um impedimento passageiro, porém agora...
- Isso é chantagem!- Rosnei.- Nem cadáver casaria com lady Emily!
- Irmão, mandastes emparelhar o cavalo para mim. Que amável!
Tinha de vir...
- Soube de uma carta real...
- Então é ou Emily ou Portugal, é?- Quis entender a direito.
- Sim.- O papá deu a mão à mamã.
- Logo à noite, dar-vos-ei uma resposta.- Montei e cavalguei para bem longe dali.
Não! Emily não seria minha esposa de todo! A melhor amiga de minha irmã tem uma obsessão doentia por mim. Não... viver com uma doida varrida não é opção.
Mas Portugal... Portugal não tem nada a oferecer-me. Quando voltar das negociações os meus pais irão obrigar-me a casar com Emily na mesma... O que vinha a calhar é que achasse uma noiva por lá. Edward disse-me que uma vez dormiu com uma espanhola e é como fogo! Portuguesas não hão de variar, pois não? Antes uma estrangeira desconhecida que a amiga de Henrietta.
- Ora viva, se não é sir Henry!
- Cala-te!- Rosnei ao Edward e fiz sinal ao taberneiro para que mandasse trazer a dose do costume.
- Diga o que o apoquenta, lord Henry.- Beijou a morena no seu colo e apertou-lhe um seio que escapava fora do corpete.- Se uma destas maravilhosas damas não o acalmar, não sei o que mais o fará.- Gargalhou alto, juntamente com a rapariga no colo.
Fiz sinal à morena para nos deixar a sós e falei mais baixo:
- A rainha quer que faça uma missão nacional.- Olhei em redor. O lugar mais conspurcado da cidade era aqui. Uma vez consegui contratar aqui um bom mercenário para um tolo que andava a tentar enamorar a minha irmã por dinheiro.
- Isso é bom. Normalmente vem com títulos e moedas de ouro à mistura.
- Eu não quero, porém se não o fizer obrigam-me a casar com a Emily Cavendish.
- A «Dentes de Cavalo»?
- Cala-te tolo!- Olhei ao redor.
- Palavras vossas, não minhas milorde.- Gargalhou.
- Acho que não tenho outro remédio se não...
- Milorde, estaremos em Lisboa daqui a umas horas, aconselho-o a preparar-se.
- Obrigado, primeiro imediato Bill.- Sorri ao amável homem.
Esfreguei os olhos e respirei fundo algumas vezes. Era a milésima vez que revia o problema que me tinha trazido aqui.
Lisboa. Está a deixar de ser a capital do Mundo. Espero pelo menos que tenham aquela seda vermelha a um preço mais baixo que o de França.
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- Nada melhor que um chá de limão com mel para aquecer num dia frio como o de hoje.- A infanta suspirou com um sorriso, sentada no sofá com uma manta sobre as pernas.
- Concordo plenamente.- Luísa sorriu-lhe.
- Pode ser o mais simples de todos, porém é o meu favorito.- Comentou Maria com Carolina.
- Verdade.
- Não quereis um pouco, Helena?
Tanto a infanta quanto as suas aias olharam umas para as outras.
- Helena, D. Francisca fez-vos uma pergunta!- A voz de Dionísia despertou a filha do marquês.
- Perdão...- Ergueu a cabeça do livro que lia.- Eu... Oh não, muito obrigada.- Recusou com educação quando reparou que se referiam ao chá.
- Que leis?- Francisca perguntou.
- Um diário de bordo de uma viagem às Índias.- Sorriu.
- A sério? Diz o quê?- A Infanta saltou do sofá e sentou-se ao lado de Helena.
- Foram intersectados por piratas perto de Madagáscar e sofreram uma tempestade no Índico.
- Deve ser um desespero enorme.- Comentou Carolina.
- Verdade, Deus nos livre de tal coisa.- Pediu Maria ao olhar pela janela.
- Perdão alteza.- A governanta entrou nos aposentos.- Sua majestade, o rei, pede que se prepare, bem como as suas damas para receber o embaixador inglês aqui no palácio.
- Obrigada!
A senhora saiu com uma vénia.
- Tanta coisa por um mero embaixador.- Carolina revirou os olhos ao falar.
- Não é um embaixador qualquer. É graças a Inglaterra que hoje não estamos sob poderío espanhol. A aliança com a Inglaterra fortalece a ambos e é provavelmente a aliança mais importante que Portugal já alguma vez fez.- Corrigi.
- Alianças com Espanha já foram frutíferas, Helena. Podemos não ter cá estado, mas...
- Espanha muda de ideias consoante o tempo. Os ingleses mantém-se fieis enquanto perceberem que temos o que precisam.- Sorri e fechei o livro.- Vamos?
Recompus o penteado de Francisca.
- Prefiro a azul.- Apontou quando lhe mostrei o agasalho branco.
- Muito bem.- Sorri e certifiquei-me que estava perfeita.
Quando chegámos ao salão de recepções principal já lá estavam todos os ministros, o rei e os infantes. O papá vestiu a sua melhor casaca para o dia de hoje! Encomendou-a a um alfaiate italiano muito conceituado.
- Comporta-te Francisca.- Advertiu D. João.
- Eu sou a mais educada de vocês todos!- Resmungou enfurecida com as palavras do rei que gargalhava com os irmãos.
Conhecendo D. João, qualquer outro embaixador teria de esperar vários dias ou meses para conseguir uma audiência, porém não se atreveria a fazer isso com os ingleses que tanto nos ajudaram no passado, no presente e quem sabe, no futuro.
- Estão no Terreiro do Paço, majestade.- Informou um dos nobres e o rei saiu acompanhado pelos ministros e pela corte.
- Será que é bonito?- A infanta perguntou-me baixinho entre sorrisos.
- É um diplomata. Tanto faz ser bonito ou feio.- Lembrei com firmeza.- Não ponha ideias nessa cabecinha, D. Francisca.
Quando a embaixada parou os coches frente ao Paço com toda a pompa e circunstância, saímos também.
Vários coches e escudeiros bem fardados à moda inglesa... Um pouco modestos para ser sincera.
- Vossa majestade!- Um homem saiu do maior dos choches com uma bengala na mão.
Tinha uma casaca roxa bordada a prata. Era linda! Estava bem arranjado e mantinha um sorriso amável. Aquela peruca, porém continuava ridícula na cabeça de qualquer um.
- Embaixador...- O rei aceitou-lhe a vénia com um sorriso superficial.
- Sou Henry Hyde, majestade. Vim a pedido de sua majestade, a rainha Ana. Com toda a certeza teremos tempo suficiente para o pôr a par da razão da minha vinda.
- Sim, hoje não é dia de falar sobre isso. Daremos uma festa esta noite.
- Fico honrado, majestade.- Sorriu o inglês.- Trouxe-lhe uns presentes da velha Inglaterra.- Fez sinal aos lacaios e deixaram duas caixas ali mesmos.- Abram!
Uma das caixas tinha várias jóias e pedras preciosas, outra tinha bonitos tecidos.
- Hum, levem para o meu escritório.- Ordenou aos empregados.
- Sir Henry, permita-me apresentar-lhe o meus irmãos, infantes de Portugal: Francisco, António, Miguel, e a minha irmã mais nova, Francisca.
Todos fizeram uma pequena vénia, por isso a nossa, a das damas de companhia tinha de ser ainda mais evidente.
- Milady.- O inglês foi educado o suficiente para fazer uma vénia apenas para a infanta.
A menina tinha acabado de ganhar o dia!
Ergui o olhar para o estranho que tinha uns bonitos olhos azuis. Diferentes dos portugueses. Eram mais azul-mar, menos azul-cristal. Uma cor belíssima que me intrigava.
Reparei que me olhava de igual forma com um divertido sorriso. Que idiota que sou! Não dei nada nas vistas realmente!
Os ingleses só não eram um pouco mais brancos? Pensava que tinham olhos castanhos ou pretos como nós...
- Deveis estar cansado da viagem. Tendes um apartamento à vossa espera.- O rei anunciou seguindo com o embaixador pelo palácio dentro.
- Agradeço, porém já me reservaram um palácio para o lado de... Cascais, será?
- Provavelmente.- O rei sorriu.- Amanhã há tarde tenho uma hora livre.
- Falarei com o secretário de Estado, durante a manhã.- Deixou claro.
- Pois bem. Estou curioso com vossa visita admito. Aparecei esta noite para o baile.
- Com todo o prazer, majestade.
⭐👑⭐
- Era o que me faltava agora! Tenho de receber o inglês como se não tivesse mais que fazer, não?!
- Majestade, pode trazer-nos benefícios o que este conde tem para nos dizer.- O confessor tentou apaziguar a ira do rei, que caminhava apressado em direção à sala do Pequeno Conselho.
- Não o recebei.- O marquês tomou a palavra, o que fez com que todos estancassem.
A sua expressão era serena apesar de todos os insultos por parte dos restantes.
- Que sugeris, então?
- Recebestes o embaixador como nenhum outro antes. Faz sentido, mas não tendes de o voltar a fazer. Deixai-o esperar. O rei sois vós, não ele. Quem precisa de ajuda é ele, o inglês que espere pela sua oportunidade.
- Isso é absurdo!
- A coisa mais descabida que já ouvi!
- Deixai-o esperar majestade, afinal de contas, o rei é uma pessoa muito ocupada...- Sorriu triunfal.
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- Hum... não me enganei pelos vistos.
- Majestade?- Levantei-me e fiz uma reverência.- Tínhamos combinado algo ou...- Tentei lembrar-me, um tanto ou quanto confusa.
- Não.- Sorriu.- Tinha um tempo livre agora e achei que pudesse passá-lo convosco, digo... sobre as informações de Maria Ana.
- Oh, claro!- Lembrei-me.- Eu não tenho a pesquisa aqui comigo, posso dizer-lhe o que sei.
- Muito bem.- Aceitou.- Vinde. Iremos para um lugar mais reservado.
Segui lado a lado com o rei, parecia que íamos em direção aos seus aposentos.
- Entrai.- Incitou.
Ok, eu estou no quarto do rei. Ainda não vamos ligar o alarme.
- Por aqui.- Abriu uma porta ao lado da cama. Lembro-me que passou por ali quando fui envenenada.
Tímida, segui-o pela porta que afinal dava para uma saleta privada.
Havia uma pequena mesa ao centro, em vidro, que tinha bolinhos e biscoitos, bem como chá e café acabados de fazer.
Sentei-me no parapeito da janela, e o rei deitou-se em cima de várias almofadas.
- Estou pronto! Venha a epidemia!
- Majestade...- Sorri compreensiva.- Tendes de estar de mente aberta.
- Sim, sim... prossegui.
- Flores. Tomai nota.
- Não é necessário.
- Majestade, eu fiquei mais de um mês à espera de uma audiência com o arquiduque Carlos, o mínimo que podeis fazer é apontar!
- Ah Helena, só me dás mais trabalho.- Brincou e pegou numa folha e pena.
- As flores favoritas da futura rainha são rosas e camélias. Tem um amor-perfeito na mesa de cabeceira e outro vaso junto da janela. Gosta de ver as camélias florescer no jardim do seu palácio, tem várias.
- Que lindo!- Suspirou apontando às pressas.
- Conselho meu: mandai plantar um jardim só com camélias de cores diferentes, misturai cores e criai novas. Com certeza agradará a vossa noiva.
- Uhum.
- D. Carlos advertiu que a rainha tem um génio forte. Pelas características que me deu parece-me que fará uma boa equipa com vossa majestade.
- Posso ser indiscreto, direto e porco?
- Ham...
- Disse-vos se tinha um bom desempenho na cama ou...
- Por amor de Deus, João!- Ralhei e atirei-lhe uma almofada.
As suas gargalhadas eram divertidas demais para se mostrar aborrecido comigo.
- É uma dama. Uma dama com valores, educação, influência... Não é uma rameira!
- Ferveis em pouca água, já vos disse?
- Já! Mais do que uma vez!- Aborreci-me.- A futura rainha é íntegra e possui muitas qualidades das quais não estás preparado para lidar.
- Como por exemplo...- Sorriu.
- Sensibilidade.
- Eu sou muito sensível!- Levou a mão ao peito.- Para além de ser um total cavalheiro.
- Não duvido, porém o vosso talento com as mulheres é... duvidável.
- Duvidável?!
- Sim, tratais as damas como meros objetos. Vossa esposa merece carinho e atenção, não apenas a honraria de uma noite.
- Não entendo.- Desviou o olhar.
- Não serei eu a fazer um desenho.- Resmunguei e voltei a sentar-me junto da janela.- Lembro-me que gosta imenso de azul e rosa, bem como daquele verde claro, verde-água. Ama safiras, sim. Safiras com diamantes. O arquiduque disse que as jóias de safiras e diamantes eram do seu agrado.
- Levarei o reino à falência com tal esposa.- Suspirou ao anotar.
- Mulheres não gostam de reis forretas, podeis assentar também à minha responsabilidade.
- Quanta ousadia!- Fingiu-se escandalizado.
- Aprecia muito as operas e a música em si, é uma apreciadora que exige a qualidade da música.
- Terei de trazer italianos aqui?!
- Vós gostais de livros, vossa noiva gosta de música.- Expliquei. Este casamento seria tudo menos harmonioso...- Sei que brincais com a situação, mas entendeis o quão importante é?
- Sim, Helena.- Sorriu.- Esta aliança entre a Áustria e Portugal...
- Não falo de alianças, majestade.- Entristeci-me.- Maria Ana tem 25 anos.
- Nem lembrai!
- Ouvi.- Pedi aproximando-me e sentando-me a seu lado.- Maria Ana tem 25 anos, é uma mulher que casa numa altura tardia, porém ainda vai a tempo de fazer grandes feitos pela nação, será com toda a certeza uma grande rainha. Não podeis esquecer-vos, contudo, que não é apenas uma de duas peças, apenas um bonito adorno para enfeitar corredores, soirées e quadros. Acima de tudo vossa noiva é uma mulher que tem apenas a pedir em troca de tudo isto o amor e respeito do marido. Acreditai em mim, sereis o homem mais infeliz do mundo se desafiares vossa mulher. É a vossa única aliada. O conselho, o país, a Europa, o Mundo... todos lá fora estarão contra vós, mas ela não. Vossa rainha, é o vosso refugio, entendeis o que quero dizer-vos?
- Agradeço vossa preocupação comigo.- Pegou na minha mão, pousada no seu rosto.- Porém existem coisas que nem um rei consegue controlar.
- Tais como?- Sorri.
- Por quem se apaixona.
Talvez tenha razão, afinal de contas João tem menos 6 anos que Maria Ana. É demasiado imaturo para ela.
- A minha tarefa é apenas comunicar-vos as minhas informações, e como amiga... aconselhar-vos o melhor que consigo.
- E eu agradeço-vos por isso.
Eu não sei por quem lamentar. Se lamento que uma completa estranha tenha um rei maravilhoso nas mãos e não lhe chegue ao coração, que se sinta uma forasteira entre estas paredes, ou se lamento pelo meu rei, que é um governante exímio, mas um homem ainda imaturo para certas atitudes e que está na altura de cometer erros e paixões alheias.
- Não me lembro de mais nada, amanhã trarei os meus apontamentos.
- Sim, também tenho que fazer.- Levantou-se depressa compondo a casaca.- Vindes à festa esta noite?
- Se o papá vier, eu venho.- Encolhi os ombros.
- Não haverão franceses desta vez, certifico-vos.
- Como se tivesse graça.- Resmunguei com a sua gargalhada e senti um beijo na testa.
- Até mais logo.
Um beijo na testa?
- Oh...- Voltou atrás e tirou um bolinho da travessa que aqui estava para nós e então sim, fez-se ao seu caminho de novo.
⭐👑⭐
- Outro baile! Estamos aqui, estamos a pedir esmolas à Europa com estes custos todos!- O papá resmungou já dentro da carruagem.
- Papá, sois conselheiro, não ministro das finanças.- Sorri para o tranquilizar.
- Oras!- Resmungou como uma criança pequena.- Devíamos usar este dinheiro para a indústria, não para esbanjar em vão!
- Papá é só uma noite... Diverti-vos um pouco.
Olhei pela janela do coche e vi as dezenas de outras carruagens à nossa frente. A noite hoje seria de arromba!
Olhei-me no espelho dentro da minha bolsinha: perfeita como de costume.
- Tendes os convites?- Perguntei nervosa.
- Helena...
- Desculpa.- Rendi-me.- E já falaram com o inglês?
- Eu não tenho de falar. O rei falará, quando o rei puder.- Parecia desviar-se do assunto.
Quando finalmente entrámos no salão de baile, fizemos a vénia ao rei, que retribuiu o gesto com um sorriso e um pequeno aceno de cabeça, estava sentado no trono com António ao lado, em pé. Pareciam apreciar os dançarinos, o ambiente, a animação, as conversas, as gargalhadas... e as damas.
- Boas noites.- Cumprimentei Maria.
- Boa noite.- Sorriu ao ver-me.
- Parabéns.- Aproveitei que vi o marido para o felicitar acerca da gravidez.
- Agradeço-vos, senhorita. Maria tem falado muito acerca de vós.- Sorriu ao dar a mão à esposa.
- Espero que coisas boas apenas.- Corei.
De repente as danças pararam, as conversas cessaram e um silêncio imenso tomou o salão de baile.
O embaixador tinha chegado. Aquele ar de pavão como se até o rei lhe tivesse de fazer a vénia. A musica parecia o entretenimento de fantasmas que toda a gente fingia não ouvir, mas maldição! As suas roupas são maravilhosas... O que continua a estragar o aspeto é aquela peruca ridícula.
- Não há duvidas que chama à atenção por onde passa.- Comentou Maria bem baixinho.
- Uma importância sobrevalorizada, é o que eu acho.- Respondi prontamente, abrindo o leque e abanando-o devagar.- É um embaixador e quer ser tratado como rei!
- Se dizeis...- Sorriu divertida.
- Prossegui!- O rei ordenou de mau humor ao levantar-se do trono. Toda a nobreza acorreu às suas posições de antes, dançando e rodopiando como se nada daquilo tivesse alguma vez parado.
- Concedeis-me esta dança, senhora?- O duque perguntou a Maria.
- Mas claro, estimado esposo.- Sorriu e despediu-se de mim com um rápido aceno.
- E vós, Helena? Tendes companhia?
- Duque de Cadaval... faz um tempo que não falamos.
- Verdade. Parece que vos acobardastes quanto às cartas.
- As minhas tarefas neste palácio não são apenas atividades de lazer e endividamento da família.- Esclareci-o.
- Nem as minhas! A minha tarefa aqui é ajudar os cofres do estado ao ganhar as melhores e mais preciosas relíquias de boas famílias.
- Isso não é uma tarefa honrada.- Olhei-o de lado.
- Boa noite, senhorita, concede-me esta dança?- O juiz Souto Maior aproximou-se com um sorriso.
O papá tinha falado sobre ele, eram bons amigos de idades próximas. Souto Maior tem apenas um humor mais sensível que o do papá pelo que me conta, às vezes consegue fazer o rei perdoar-lhe com cada coisa...
- Porque não?- Sorri. Esta noite ainda não tinha dançado.
A verdade é que era realmente irónico, como pude comprovar nestes minutos, a fama procede-o.
- Diverti-me imenso.- Confessei fazendo-lhe uma pequena vénia.
- Vossa companhia foi muito agradável, Helena.- Admitiu pondo as mãos atrás das costas.
- Agradeço.- Fui diretamente à mesa das sobremesas e doces. O que escolheria primeiro?
Quando estava prestes a agarrar numa trufa de chocolate vejo uma mão vir debaixo da toalha de mesa e pegar várias delas. Intrigada levantei um pouco a toalha e dei com uma princesa com a cara coberta de chocolate e as mãos todas sujas do doce.
- Não digas ao mano.- Comeu a ultima depressa e assustada com a possibilidade de receber o castigo do rei.
- Tendes de voltar para vosso quarto, Francisca!- Ordenei baixinho.- Não podeis estar aqui.
- Eu não estou no baile, estou a comer debaixo da mesa.- Desculpou-se com aqueles olhinhos astuciosos.
- Tendes de ir para vossos aposentos.- Repeti.
- Mas Helena...
- Milady?
Ora bolas!!
Voltei-me rapidamente para trás como se nada se tivesse passado. É completamente normal uma dama estar com a cabeça debaixo da toalha de mesa num baile real!
- Sim?
- Está... tudo bem? Não é comum em Inglaterra as damas mirarem debaixo das mesas...
- Oh aqui também não.- Sorri atrapalhada.- É só que... deixei cair uma colher.- Adorei a minha desculpa rápida.
- Entendo.- Sorriu muito divertido.- Podeis dançar comigo a próxima dança?
Quê?!
- Na verdade...
Empurraram-me as pernas e para não cair de cara no chão tive de me segurar no embaixador. Uau... os seus olhos são ainda mais bonitos de perto!
- Isso é um sim, presumo.- Sorriu corando.
- Ham...- Afastei-me rapidamente, tentando arrefecer as bochechas coradas.- Eu não posso de momento.- Juntei as mãos atrás das costas para não se ver o quanto tremiam de vergonha.
Francisca, sois uma infanta morta!
- Ela pode!- Murmurou debaixo da mesa.
Correção: Uma infanta morta e esfolada!
- Hum... a mesa parece ser de outra opinião.- Gargalhou.- Vinde, afinal de contas é apenas uma dança.
Eu devia receber um bom aumento depois disto!
Peguei na mão que me estendia e senti um arrepio por todo o corpo; as suas mãos estavam realmente frias, contudo eram macias e cuidadas.
- Bom, e qual é vosso nome?
- Porque quereis saber?- Estranhei. Era apenas uma dança, não um pedido de casamento, olha agora!
- Caístes-me nos braços, é o mínimo que posso saber, não vos parece? Não pareceis o tipo de dama com que isso acontece com regularidade.- Levantou a sobrancelha com um sorriso presunçoso.
Corei completamente envergonhada. Logo com o embaixador! Francisca!!!
- O meu nome é Helena.- Admiti com vergonha.
- Hum... lady Helena, soa bem em vós de facto.
Corei... desta vez surpresa e com um calor estranho cá dentro.
- Aham... e... bem... qual é vosso nome?
- Henry.
- Certo.- Mordi o lábio, envergonhada sem saber que mais dizer. Que tola!
- Porque olhavas para mim com tamanha atenção esta manhã?
- Tamanha atenção?!- O meu riso passou a gargalhada. Que bom! Um ataque de riso nervoso. Mereces o prémio de maluca do ano por esta Helena Brotas Lencastre!- Não, não... deveis estar equivocado.- Olhei para o chão.
Espero que o pó de arroz seja branco e opaco o suficiente para não se ver o quão vermelha estou. Está toda a gente a olhar para mim! Que vergonha...
- Então porque corais?
E acabou de melhorar! Eu estou a tremer como varas verdes!
- Corar? Aqui ninguém cora! E vós?! Porque estáveis a olhar para mim?!
- Para si?- Surpreendeu-se muito sério.
- Sim! Como podeis estar tão certo quanto a isso? Tivestes de me olhar.- Desenvolvi a desculpa rapidamente. O jogo tinha de virar, ora esta!
- Não é difícil quando sois a dama mais bela de qualquer salão onde entrais. Não é culpa minha se sois bonita!- Atirou em descrença.
- Oras mas...- Tentei arranjar qualquer coisa, mas era em vão. O meu cérebro não pensava a direito!- Tudo bem, agora corei.- Admiti cedendo.
Que raio de poção ou feitiço tinha este inglês esquisito?
- Helena, podeis vir comigo?
Despertei com um abanão de cabeça.
- Vou já.- Respondi a Francisca.- O dever chama.- Desculpei-me.
- E voltaremos a ver-nos?- Prendeu-me um pouco mais.
- Eu espero bem que não.- Suspirei depressa.
- Sou assim tão má companhia?- Divertiu-se.
- Ham...
- Anda lá, Helena.- Francisca puxou-me para longe antes de arranjar uma resposta decente.
- Eu devia...! Vós sois...! Arght!!! Sabeis o que fizeste?!- Gritei nervosa e desesperada no corredor vazio.
Sentia uma completa descarga de adrenalina agora.
- Não.- Admitiu com sinceridade.
- Empurrastes-me para cima do embaixador! Sabeis o quão embaraçoso isso é?! Pelas ruas da cidade, damas que se atiram para os braços dos homens têm um nome muito pouco elegante!- Ralhei.- Não vos atrevei a fazer o mesmo novamente!
- Tudo bem, Helena.- Suspirou.
- E não voltai a entrar no baile sem a permissão de vosso irmão. A minha cabeça rolaria se descobrisse tal coisa!
- Certo, Helena...
Oh pois! Agora faz carinha de cachorro mal-morto!
- Desculpa, Helena. Não sabia que ias ficar tão zangada, era uma brincadeira.- Falou quando lhe desapertei o vestido e a aconcheguei nos lençóis.
- Eu não estou zangada estou... envergonhada.- Admiti sentando-me ao seu lado, sobre os cobertores.
- Dança bem?
- O quê?
- O embaixador. Dança bem, ele?- Sorriu com os olhos a brilhar.
- Ham... eu acho que sim, quero dizer... não me pisou nem... bem... tem mãos frias.- Lembrei tocando na minha própria mão, na minha mão direita, aquela que primeiro lhe tocou.
- Hum!- Fez cara feia.- Isso é desagradável. Não gosto quando o Manuel tem as mãos frias e as esfrega nas minhas bochechas.
- Não, até...- Observei a vela na mesa de cabeceira com distração.- Não foi incómodo, foi... diferente.
- Sentis-vos bem? Pareceis estranha.- Sentou-se.
- Eu estou ótima.- Despertei daquela repentina confusão dentro de mim. Sentia-me cansada, com sono, porém com o coração acelerado ao mesmo tempo.- Acho que fui envenenada!
- Outra vez?! Que sentis?- Pegou na minha mão rapidamente.
- Não sei.- Olhei a infanta, assustada.
- Como não sabeis? O que vos dói?
- Eu não sei!- Admiti com medo de mim mesma.- Eu não sei o que tenho, só sei que não é normal.
- Hum, cá para mim bebestes champanhe demais.- Gargalhou.
- Talvez.- Tentei terminar o assunto. Só tinha bebido uma taça de champanhe. Não podia ter a ver com isso.- Não importa.- Sorri tentando esquecer esta noite.
- Boa noite, Helena.- Voltou a deitar-se e aconcheguei-a um pouco mais.
- Boa noite, Francisca.
Soprei a vela, embebendo todo o quarto na bruma da noite.
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