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18. Nobre de espada

13 de Dezembro de 1707

Querido irmão;

Escrevo-te dos meus aposentos no palácio de caça de Sua majestade, em Mafra. O rei convidou-nos para um fim-de-semana aqui com ele e o papá fez um cena. Tem sido assim desde que cheguei a Portugal, acho que exagera muito.

Bom, como sabes estou aqui há pouco tempo, porém já consegui ser alvo dos ódios desta corte odiosa. Pois lê: fui envenenada pela amantezita do rei e a infanta também!

A dita cuja achava que eu me estava a fazer a el-rei! Eu! Queria que todos pensassem que eu trazia doenças esquisitas daí para me afastar da corte. Idiota!

Desde aí a minha confiança com o rei tem aumentado. É um bom amigo, culto, tem bom gosto para livros e até me encarregou de uma tarefa! Não é fantástico?! Vou poder ajudar o reino!

Mas e vocês como estão? Catarina deve estar maravilhosa! Como tem sido? Dizem que as mulheres de esperanças têm humores complicados e instáveis. Já sabem se é uma menina?

Escrevam-nos o mais depressa possível, queremos saber os pormenores todos.

Com o amor da tua querida irmã;

Helena Brotas Lencastre.

- Helena!

- Papá.- Fechei a carta e selei-a.- Eu não quero discutir.- Pedi.

- Que queres que eu faça?!- Ralhou.- Foges com o rei em trajes masculinos e...

- Papá, nada aconteceu.- Peguei-lhe na mão.

- Helena, eu confio no rei e eu confio em ti, mas é perigoso. As pessoas falam... esta aproximação vai arruinar a tua reputação e não vais conseguir encontrar um bom marido, e o rei... o está está pra ficar noivo. Se este assunto chega aos ouvidos de Leopoldo...

- Papá, o rei é um bom amigo e encarregou-me de uma tarefa. É uma companhia agradável.

- Tem cuidado com as más línguas, Helena!- Advertiu uma vez mais.

- Terei papá.- Sorri abraçando-o. Aquele abraço reconfortante e protetor do pai.

- Que fazias?- Mudou de assunto ao ver o selo da família na carta.

- Escrevia a Lucas. Achas que alguma vez nos visitará?

- Não sei.- Sorriu-me.- Eu quero conhecer o meu neto.

⭐👑⭐

As negociações do rei têm andado de vento em popa e o casamento já está até definido.

O rei tinha organizado uma embaixada à Áustria e encomendado os coches mais belos na Holanda, portanto Helena já se sentia à vontade para começar a pesquisa que há meses tinha prometido ao rei.

Após procurar os concelhos de seu pai, achou que a melhor fonte seria Carlos VI, arquiduque austríaco e irmão da futura rainha. A verdadeira dificuldade seria encontrar a oportunidade de conseguir uma audiência com sua alteza, já andava nessas andanças há mês e meio.

- Que deseja hoje, senhorita?- Os guardas sorriram divertidos a mais uma presença minha às portas do palácio.

- Quero falar com Sua Alteza, o arquiduque D. Carlos.- Sorri.- Em nome do rei de Portugal.

- Volte amanhã talvez.

- Oh... Tudo bem.- Fingi-me tristonha.- Terei de comunicar ao rei que dois guardas se interpuseram entre a política internacional. Oh bem... com certeza a pena não será pesada. Até amanhã!

Voltei-me e caminhei lentamente até ao coche.

- Espere!

Mordeu o isco.- Sorri comigo mesma.

- Com certeza que o arquiduque lhe entregaria uns 5 minutos do seu tempo.

- Seria ótimo.- Sorri triunfante e entrei pelo palácio dentro, revendo as perguntas nas folhas, enquanto era guiada pelo mordomo pelos corredores de mármore bem iluminados e reluzentes.

- Espere aqui.- E saindo fechou a porta.

Era uma belíssima sala de estar. Com vários sofás e cadeirões em amarelo claro, uma tapeçaria nórdica e as janelas grandes, que refletiam a luz em espelhos na parede oposta. Nas paredes e no teto havia frescos sobre a natureza, anjos e santos.

- Ora ora... se não é a portuguesa que não larga o meu palácio há semanas!

O seu tom era firme e zangado.

D. Carlos vinha acompanhado de dois guardas.

- Peço perdão pelo incómodo, prometo não tirar muito do vosso tempo alteza.- Fiz uma vénia.

O arquiduque tinha todas as características de um homem de leste, cabelos muitos loiros e olhos azuis cristal. Tinha a barba bem feita e todo vestido com as roupas mais caras que o dinheiro pode comprar, tal como a maldita peruca francesa.

- Quem sois?

- Helena Brotas Lencastre, alteza. Filha...

- Sim, eu sei. Vosso pai tem negociado comigo e com vosso rei os termos do casamento de minha irmã.

- É sobre isso mesmo que lhe venho falar.

- O rei nomeou-a ministra?- Gargalhou.

- Não alteza.- Esforcei-me para manter a calma, embora me apetecesse arrancar-lhe a cabeça à dentada.- O rei encarregou-me da tarefa mais nobre do seu casamento.

- Amante?- Riu e sentou-se no caldeirão.

- O rei pediu-me para saber sobre os gostos da futura rainha de forma a agradá-la.- Ignorei a sua ofensa.

- O rei? A si? Poupe-me!- Abriu a caixinha de rapé e inalou um pouco.

- Porque é que parece assim tão inacreditável?- Tentei entender toda esta fonte de superioridade. Ele pode ser arquiduque, mas eu não sou propriamente camponesa. Sou nobre de espada!

- Mulheres não sabem nada de politica!- Cuspiu.

- Não é uma questão de politica é uma questão de bom entendimento entre noivos.- Sorri-lhe como se não tivesse dito algo que me ofendesse.

- Manias portuguesas.- Revirou o olhar.- O que quer vosso rei saber então?

- As flores favoritas da rainha.- Comecei e fui tomando nota das suas respostas rápidas.

⭐👑⭐

- Helena, tens estado ausente.- Murmurou D. Francisca.

- Peço-vos perdão. Fiquei a cargo de uma tarefa que vosso irmão me deu.

- Foi o quê?- Sorriu entusiasmada.

- Creio que se vos contar, o rei não voltará a confiar em mim. Lamento.- Sorri e beberiquei o chá novamente.- Já terminei, passaremos mais tempo juntas, prometo.

- Aconteceu alguma coisa naquele fim-de-semana em Mafra?- Perguntou mais baixo.

- Mas claro que não.- Olhei a pequena em descrença.

- Desde aí que te tens afastado.

- E agora voltei.- Tranquilizei-a.

- Ah sabeis?!- Levantou-se a saltitar e pulou para cima do sofá. O que é que a podia deixar assim tão animada?

- Creio que não, contudo algo me diz que estais prestes a contar-me.- Ri e ajudei-a a descer do sofá.

- O mano disse que o embaixador inglês estava para chegar daqui a pouco mais de uma semana.

- Sim, e?- Não fazia ideia do que tinha de mais? Estão sempre a chegar e a partir embaixadores do palácio.

- É de Inglaterra, Helena!

- Oh...- Recordei.- Esse fascínio por ingleses ainda há de ser a desgraça de vosso irmão, Francisca.- Brinquei.

- Não lhe podes contar, Helena!- Advertiu.

- Jamais contaria vossos segredos ao rei, alteza.- Falei a verdade.

- Maria ensinou-me a fazer rosas em ponto cruz. Ficam lindas!

- Gosto mais de ver o bordado em redor dos lenços. Ponto cruz faz-me lembrar a minha avó.- Bufei entediada. Eu amava a avó, Deus a tenha, mas ponto cruz é muito aborrecido e complicado para mim.- Bom, tenho de ir andando.- Olhei para o céu, e vi que o Sol já se tinha posto.

- Nem vos contei acerca de ontem...- Entristeceu-se.

- Acho que posso ficar mais 5 minutinhos.- Sorri.

O rei tinha passado a sair regularmente com a infanta e os restantes irmãos. Uma ou duas vezes por semana. Davam uma volta por Lisboa, faziam um passeio de barco pelo Tejo e outras vezes iam até Cascais, a infanta estava cada vez mais entusiasmada com estas saídas e a sua intimidade com o irmão tinha voltado a aumentar.

- Parece que tem sido bastante divertido.

- Sim.- O seu sorriso era enorme e os seus pequenos grandes olhos castanhos brilhavam com o entusiasmo e felicidade.- O mano diz que depois de amanhã vamos fazer uma visita ao estaleiro. Vai inaugurar uma caravela com o meu nome!!! Não é fantástico!

- É uma grande honra!- Festejei com ela e acabámos por nos atirar as duas para cima da cama a rir. Eu sou sem duvida uma criança grande!

- Maria está de esperanças.- Comentou baixinho.

- Eu sei. Contou-me.- Olhei para os frescos no teto onde ninfas brincavam no bosque.

- Achas que vai deixar de ser minha aia? Eu gosto muito dela.

- Não sei.- Admiti.- Talvez quando der à luz o bebé tenha de ficar um tempo afastada da corte, mas voltará com certeza. É com ela, Francisca.

- Podia trazê-lo para aqui, eu tenho muito jeito com bebés.- Sorriu.

- Não duvido, porém um bebé não é um brinquedo e exige muito cuidado e atenção.

- Perdão donzelas, posso entrar?

- Francisco.- A pequena cobriu o rosto com a almofada, bem aborrecida.- Entra.- Deixou.

- Vim convidar-te para um jantar.- Sorriu.

- Eu não preciso de convite, caso não te lembres sou infanta também.

O seu tom era ácido, pelos vistos a relação com Francisco estava cada vez mais complicada.

- Francisca, só nós. Sem toda esta corte superficial, esta semana ainda não tivemos nenhum jantar em família.

- O Natal foi à pouco mais de duas semanas. Tudo isso são saudades minhas?- Sorriu encostando-se ao batente da porta.

- Alteza, ide jantar, também terei de voltar para casa.- Incentivei-a, embora não concordasse.- A família é o que temos de mais importante.

- O meu pai roubou o trono ao meu tio.- Mirou o irmão zangada.- A minha família não possui as mesma crenças que a vossa, Helena, infelizmente.- Levantou-se e pus-lhe o agasalho sobre os ombros.- Não fiques para trás.- Avisou o irmão e saiu.

Aproveitei para sair também, o meu dia ali tinha acabado.

- Quem anda a pôr estas ideias na cabecinha da minha irmã?- Segurou-me firmemente no pulso.

- A infanta não é cega numa corte corrompida como esta. Este sitio não é lugar para ela. Esquecem-se que é apenas uma menina.- Soltei-me e saí daquele paço impuro.

Quando cheguei a casa e a governanta abriu a porta senti quase que de imediato o aroma do jantar.

- Boa noite papá!- Entrei pela grande porta do salão.

- É tarde.- Lembrou carrancudo.

- Já cá estou, isso é o importante.- Beijei a sua bochecha e sentei-e. O jantar foi servido.- Papá ouvi falar que vem aí um embaixador inglês.

- Sabes que não gosto de falar de negócios ao jantar.- Cortou o assunto.

- Mas... eu não quero saber de negócios. Só quero saber o que pretende de nós.

- Isso são negócios.- Lembrou e eu ri com ele.- Hum, pelo que sei é sobrinho da rainha, do seu irmão do meio. As coisas entre a Inglaterra e a França não estão bem há muito tempo, ainda antes de D. Catarina de Bragança as coisas já estavam numa paz podre... deve vir pedir ajuda ao abrigo da aliança luso-britânica.

- Claro.

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