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16. Rainhas são apenas bons adereços

- Vamos um fim-de-semana para Mafra, não passar o Inverno.- O papá resmungou enquanto os empregados carregavam os baús para o coche.

- É preferível estar preparada, papá.

- Oh Helena...- Suspirou mal-humorado.

Era ainda bastante cedo, o Sol estava longe de nascer. Porém se queríamos estar próximo de Mafra pela hora do dejejum teríamos de partir muito em breve.

- Entrai. Irei apenas buscar a minha pasta.- O papá disse ao passar-me a manta para me sentir um pouco mais confortável durante o longo e frio percurso.

Pouco depois chegou com a sua habitual pasta de documentos na mão.

- Iremos demorar...- Revirou os olhos.

- Não tenho pressa.

- Quanto mais depressa lá chegar, mais depressa posso regressar.

- Devias aproveitar o fim-de-semana para descansar e criares mais alguma intimidade com o rei.

Demorei um pouco para adormecer, no entanto acordei com um pequeno abanão do papá, que me sorria.

- Chegámos, Helena.

- Oh...- Esfreguei um pouco os olhos e bocejei.- E então?

- O rei espera-nos para o pequeno-almoço.

- Quereis assustar o rei com o meu apetite?- Brinquei.

- Veremos se consigo.- Piscou-me o olho.

Saímos da carruagem e subimos as poucas escadas do palacete. Os empregados já carregavam as nossas malas e baús para dentro enquanto a governanta nos esperava no salão de entrada.

Seguimo-la até ao salão onde se encontrava o rei e a família real a tomar o pequeno-almoço.

Todo o palacete era decorado de uma forma rústica e campestre, com astes e cabeças de veados, javalis e gamos. Mafra era conhecida por ser o local favorito do príncipe para caçar, agora rei. O cheiro a madeira inspirava a sensação de lar e acolhimento que qualquer convidado gosta de sentir e as janelas mostravam árvores de vários tipos lá fora.

- Bons dias, vossa majestade.- Cumprimentou o papá fazendo uma vénia, bem como eu.- Altezas.

- Eduardo, já pensava que não virias.- Sorriu e levantou-se da mesa para vir dar um aperto de mãos ao papá. Olha... nunca esperei!- Bons dias, Helena.

- Igualmente Majestade.- Mordi o lábio zangada. Ainda não esqueci o que me disse ontem.

- Vinde, esperávamos por vós.- Voltou a sentar-se no seu lugar, bem no centro da mesa, junto dos irmãos. Tudo tinha um aspeto maravilhoso e um cheiro divinal.

Eu aceitei o convite de bom grado! Bebi uma caneca de leite com duas fatias de pão com compota e outra com presunto espanhol e por fim, uma fatia de bolo de laranja com cobertura de chocolate.

Havia um silêncio respeitado à mesa.

- Vireis caçar connosco, Eduardo?

- Porque não?- Aceitou o papá.

- Podemos ir?- Perguntei referindo-me a mim e à princesa, que estava bastante calada para o costume. Parece que ainda não esqueceu o assunto.

- Não iremos caçar pardais. Porque é que vossa mercê não fica aqui no palacete a bordar à lareira?- Sua alteza real, D. Francisco gargalhou enquanto limpava as beiças.

Encarei o rei, ignorando completamente o irmão.

- Claro que sim, Helena. Só tenham cuidado quando fizermos mira, não viemos aqui para magoar ninguém.

- Não vos preocupais.- Sorri um pouco forçada.

- Sois muito idiota sabeis?- D. Francisca perguntou a Francisco.

- Ham... onde posso trocar-me?- Interrompi a maçada da discussão familiar.

- A governanta levar-vos-á aos vossos aposentos. Espero que vos sintas confortável.

- Agradeço.- Fiz uma vénia antes de sair.

- Tenho de concordar com ela.- Manuel apontou para Francisca.

- Quem diz a verdade não merece castigo.- Bebericou o cálice de vinho do Porto.

- Fazei um favor a todos e calai essa boca pelos próximos dois dias.- O rei saiu aborrecido.

⭐👑⭐

- Foi uma atitude pouco elegante por parte do duque.- Bianca comentou quando resmunguei o comentário deselegante de há pouco.- Estais maravilhosa.- Entregou-me as luvas de montaria.

O pequeno e elegante chapéu estava bem preso ao meu penteado trabalhado, e o vestido de montada era um pouco mais confortável que os restantes.

- Vamos lá, não é de bom tom fazer o rei esperar.- Sorri ao sair do quarto enquanto ainda calçava as luvas.

Já estavam no terreno frente às vastas cavalariças. Havia uns bancos de pedra por ali e algumas árvores também. Deveria ser um lugar maravilhoso para passar uma tarde. Um pouco distantes, soavam as ferraduras dos cavalos. Cada príncipe segurava o seu, excetuando D. Manuel, que ajudava D. Francisca a montar. 

- O mano demora muito?- Perguntou aborrecida.

- Deve estar aí a chegar.

⭐👑⭐

- Majestade, há uma carta que me chegou às mãos momentos antes de vir para cá e...

- Eduardo, aproveitai um pouco do fim-de-semana. Pensais só em trabalho. Qualquer dia acusam-me de vos escravizar.- O rei riu divertido enquanto lhe vestiam a casaca.

- Mas é um assunto de extrema importância, excelência.

- O que quer se seja pode esperar uma manhã, Eduar...

- Leopoldo respondeu.

O silêncio foi imediato e o sorriso morreu no mesmo instante.

- Saiam.- Ordenou aos criados.

Tirei a carta de dentro da pasta e entreguei-lhe.

- Ele aceita, com os seus termos, mas aceita.

- Quem impõe termos aqui sou eu, Lencastre!- Resmungou lendo a missiva às pressas, certificando-se que a assinatura do imperador era autêntica e que o selo era o verdadeiro.- Então... o casamento está de pé?- Engoliu em seco.

- Precisamos de acertar um acordo, porém sim, está de pé.

- Oras isso é maravilhoso. Ótimas noticias!- As suas palavras contrastavam com a sua nítida falta de entusiasmo.

- Vamos, estão todos à nossa espera.

Saiu de cabeça erguida e com alguma rispidez. Eu entendo a sua frustração.

- Sim, os javalis não esperam.- Dei-lhe duas pancadas amigáveis nas costas, tentando animá-lo, contudo não surtiu efeito.

- Não estou a ficar mais nova!- D. Francisca resmungou quando aparecemos.

O rei subiu na sua montada sem proferir uma palavra, os cães foram soltos e cavalgou para fora do palacete seguido por nós e pelos criados.

- D. João não me parece muito bem.- Helena comentou comigo.

- Oh ele está... a discussão ao dejejum afetou-o um pouco.- Desculpei.

Helena não tocou mais no assunto, mas entendeu que não tinha a ver com isso.

- E então, qual é vosso histórico com a caça, Helena?

⭐👑⭐

- Nunca disparei, foi sempre meu irmão.- Respondi a D. António.- Os cães perseguiam os animais, porém escondiam-se na mata e era dificil de os achar. Eu encontrava-os sempre.

- Entendo.

A barulheira feita pelos cães era ensurdecedora.

- Sentiram alguma coisa!- D. João cavalgou entusiasmado atrás da matilha.

- É um javali, e grande!- D. Manuel seguia a seu lado, olhando para as pegadas no chão.

- Já o ouço!- Festejou Francisco superando os irmãos.

- Que jeitinho fantástico têm vocês. Ria-se o Francisco de Helena.- Francisca revirou os olhos quando os três perderam o almoço. Os cães tentavam procurar o rasto, cada um por si.

Oras! Um bicho tão grande não desaparece por magia!

Observei com atenção a vegetação e vi algo mexer-se.

- Ali está ele!- Galopei despertando a atenção de todos.

O papá veio atrás de mim e assim que viu o animal de grande porte, disparou.

- Abatido.- Gabou-se e entregou a espingarda ao empregado para a recarregar.

- Nada mal.- D. João desmontou e avaliou o animal.- Nada mal mesmo.

- Ótimo, já podemos voltar?

- Ainda agora começamos.- Respondeu D. Manuel a Francisca.

- Bolas!

⭐👑⭐

- Não comeste quase nada. Está tudo bem?- O Manuel perguntou-me enquanto comia uma sandes qualquer.

- Porque não estaria?

- Sei lá. És rei, tens sempre problemas.

Sorri. Era verdade o que dizia.

- Está tudo bem.

Francisca apanhava flores campestres. Não muitas, que por ser inverno não havia abundância, parecia feliz enfim. Não suporto mais a cara feia que me faz.

Helena está junto dela, sentada no meio das ervas rasteiras, a rir de algo que minha irmã disse que teve graça.

Tão natural e harmoniosa como a própria natureza que nos envolvia.

- Avanços?

Dei-lhe uma cotovelada. O marquês está aqui e é homem para me capar!

- Parace que vai chover.- António anunciou ao sentir um vento gélido e notar as nuvens negras aproximarem-se.

- Vamos antes que chova.

Levantei-me e endireitei as minhas vestes. Os empregados teriam de arrumar o piquenique rapidamente.

- Temos de voltar.- Aproximei-me delas.

Sabia que ambas estavam ainda furiosas comigo.

- Vamos já.- Helena respondeu levantando-se e sacudindo o pouco de erva que o seu vestido tinha.

- Para quem são essas flores, Francisca?- Perguntei receando a hostilidade da resposta.

- Para o Manuel.

- Pensava que era eu o irmão favorito.- Brinquei com um sorriso.

- Seres rei não faz de ti o melhor irmão.

A seriedade com que falou quebrou algo aqui dentro. Aquelas palavras doeram.

- Francisca, essas coisas não se dizem! Principalmente à família, vocês amam-se todos de igual maneira.- Helena corrigiu-a estupefacta. 

- Só disse que o todos pensam.- Saiu zangada deixando as flores ali mesmo, na cama verde do campo.

- Ela está só chateada ainda, esquecei o que vos disse.- Helena desculpou-a e caminhou em direção aos cavalos.

- E vós? Estais zangada comigo também?

Parou ali no meio do prado verde.

- Sim, estou sim. Vossa delicadeza e educação são semelhantes ao coice de um cavalo.

- Delicadeza e educação?! Eu sou o mais educado de todo este reino! O mais sábio, o mais...

- Com vossa licença, majestade.- Prosseguiu caminho, enquanto eu ficava ali, a falar sozinho.

As coisas vão de mal a pior!

...

- Eu não gosto de trovões.- Francisca murmurou baixinho, junto a Helena que lia perto da lareira. Foi o suficiente para nos fazer sorrir.

- É só barulho, alteza.- Sorriu.

- Ganhei!- Francisco recolheu as cartas, após exibirmos o jogo.

- Batoteiro.

- Eu não preciso de vossos métodos para vencer, irmão.- Respondeu à acusação de Manuel.

- Eu não quero jogar mais. Divirtam-se.

- Queres alguma coisa. Um chá ou...

- Eu só quero ficar sozinho. Mais tarde voltarei.

- Que mau perder!

Ignorei por completo a provocação de Francisco. Sei que como bom anfitrião devia ficar, porém não consegui. O casamento, o ódio de Francisca e de Helena e a continua provocação de Francisco... é insuportável!

Ao chegar aos meus aposentos, mandei o mordomo sair e despi a casaca. Continuava a chover torrencialmente e a trovejar. Francisca devia estar muito assustada.

Sentei-me à secretária, molhei a pena e aproximei-a da folha. Que responderia a Leopoldo? Deveria pedir o que quero ou pensar o que queria se tivesse uma filha?

⭐👑⭐

- Acho que o mano está triste por minha causa.- Começou Francisca.

- Eduardo, não sabeis o que se passa com o rei? Ele hoje tem andado muito estranho.- Manuel perguntou ao papá e Francisca esperou uma resposta.

- Está tudo bem. Todos temos os nossos dias. Quando sua majestade achar que é altura, contará o que se passa.- O papá distribuiu as cartas.

- Ele está a morrer? Está doente?- Francisco perguntou com um estranho entusiasmo.

- Não. O rei está com uma saúde de ferro, mas obrigada pela preocupação.- Respondeu o papá.

- Acho que lhe devia ir pedir desculpas.- D. Francisca levantou-se decidida e enrolada na manta dirigiu-se para o longo corredor.

Contudo, bastou trovejar uma vez mais que recuou:

- Alguém quer vir comigo?

- Nem penses! Da ultima vez que o incomodei andou de trombas comigo uma semana inteira!- António jogou.

- Eu gosto de ter a minha cabeça agarrada ao corpo. Obrigada pelo convite, mas não obrigada.- Respondeu o Manuel.

- Vamos lá então.- Levantei-me e peguei numa vela também. Embora fosse de tarde estava muito escuro devido às nuvens carregadas de chuva. De vez em quando raios brilhantes rasgavam o céu e faziam um som que parecia deitar o palacete abaixo.

- O corredor é muito estranho.- Aproximou-se mais de mim ao ouvir trovejar.

- Isso é verdade.

As hastes e cabeças de animais pareciam realmente medonhas com este tempo lá fora.

- Achas que vai ralhar comigo?

- Não sei. Não faço a menor ideia.- Fui sincera.- Às vezes temos de respeitar o espaço dos outros.

- E eu respeito o dele, só não quero que se sinta mal.

- Ser rei deve ser uma tarefa complicada.- Pensei alto.

- É... ser rainha parece ser bastante mais fácil. Adoraria ser uma rainha francesa ou inglesa!- Vagueou pela imaginação.- Não gostavas de ser uma rainha, Helena?

- Não sei. Nunca tinha pensado sobre isso.- Sorri envergonhada.- Talvez sim, talvez não... Ser rainha parece ser uma posição um pouco ingrata. Acho que gostaria mais de ser princesa ou duquesa.

- Porquê?

- Porque reis não se casam com rainhas que amam. Rainhas são como adereços preciosos que são bons de se exibir.

- Nunca tinha pensado assim.- Torceu o nariz.

Ao chegarmos ao corredor dos aposentos do rei, altamente iluminado, dois guardas protegiam a porta.

- Exijo falar com o rei.- D. Francisca cruzou os braços.

Um dos guardas deu duas batidas na porta:

- Entre! 

Olhou para mim e então entrou.

Fiquei ali à espera dela, neste corredor era bastante  bonito.

⭐👑⭐

- Francisca, eu pedi para ficar sozinho.- Continuei a escrever.

- Parecias triste, cansando...

- Não estou.- Pousei a pena e suspirei.

- Estás doente?

- O quê? Não!- Sorri.

- Foi pelo que disse hoje de manhã?

- Não.

- Eu guardei esta flor.- Tirou uma margarida dentre os folhos do vestido e veio entregar-ma. Voltei a folha para baixo rapidamente.

- É muito bonita. Obrigada.- Sorri-lhe e sentei-a no meu joelho.

- Desculpa. A verdade é que eu gosto de todos vocês. Eu não tenho um favorito. Eu adoro-te mano.- Abraçou-me.

- Eu também te adoro.- Devolvi o abraço apertado. Parecia que uma tonelada me tinha saído de cima.- E não é justo manter-te trancada na Ribeira. Vamos passar a sair juntos.

- A sério?! Obrigada João!- Deu-me um grande e entusiasmado beijo na bochecha.- O Francisco acha que tens mau perder.

- Deixa-o achar. Vozes de burro não chegam ao céu.

- Helena parece estar triste contigo, mas não lhe digas nada. Não quero dar-lhe problemas.

Suspirei.

- A verdade é que andamos os dois às turras.

- O pai dizia que quando um príncipe andava sempre a implicar com uma princesa era porque gostava dela.- Observou-me com atenção e um sorriso entusiasmado.- Tu gostas da Helena?

- Deus me livre!- Mas quem me dera...- Eu respeito muito o Eduardo. Seria incapaz de fazer isso com o pobre homem. Helena é... uma boa amiga, eu acho.

- Porque é que não vais falar com ela? Está lá fora.

- Não me parece.

- Não sejas orgulhoso, seu casmurro!

- Ei, então?!- Ralhei.

- Ela está lá fora!- Levantou-se e puxou-me até à porta.- Não sejas mariquinhas e vai falar com ela.

Francisca tinha razão.

- Fica aqui e não mexas em nada!

- Prometo.- Sorriu.

Eu não acredito que ia ceder. Bati com os sapatos de forma seca no chão e os guardas abriram a porta.

Não encontrei Helena de plantão, estava mais ao fundo do corredor a ver os meus pais, avós, bisavós, tetravós... Parecia atenta.

- Gostais?

- Sim.- Fez uma vénia e encarou-me por fim.

- Peço-vos... perdão.- Mordi a língua para não recuar. Era muito embaraçoso.- Não vos devia ter dito aquilo ontem. Sei que vos magoei e não tínheis o direito de ouvir tais atrocidades vindas de mim. Pensar é o que destinge humanos de animais e mulheres devem pensar sim, não ser apenas... bonitos adereços.

- Obrigada... eu acho.- Estreitou os olhos com estranheza.

Não fui claro o suficiente parece-me.

- Creio que também vos deva um pedido de desculpas. Não vos devia ter ofendido esta manhã, nem vos devia ter deixado a falar sozinho.

- Oh tudo bem. Eu estava a ser arrogante.- Brinquei.- Estás desculpada.

- Isso quer dizer que não vou ser enforcada?- Gargalhamos os dois.

- Irei cavalgar amanhã de manhã, vindes comigo?

- Sozinhos? Não me parece.- Andou até à janela.

- Porque não? Não tentaria nada contra vós, sou um homem de respeito!

- Dizeis que me queres perto por ser uma boa amiga, tudo bem. O meu nome pode ficar manchado, trarei desonra à família e serei gozada na corte.

- É apenas um passeio a cavalo, creio eu.- Sorri.- Sei o que pensais de mim e tendes razões para isso, porém não quero de forma alguma prejudicar-vos.

- E o que é que eu penso acerca de vós?- Sorriu toda cheia de si e encostou-se à parede.

- Bem... Lara tinha uma fama irrevogável na corte. Tens medo que aconteça o mesmo convosco.

- É mais ou menos isso, sim.

- Não temas, sois totalmente o contrário dela.- Encostei-me à parede também. A janela estava entre nós.

Olhei o retrato de meu avô e prossegui.

- Ela era toda cheia de si. Achava que valia mais do que realmente era. Andava pelos corredores como se fosse rainha. Não era feia realmente, por vezes sabia escutar-me. Aquela cumplicidade era saborosa.

- Foi-vos difícil mandá-la para longe.

- Disse-vos que sim, porém um rei tem de ser justo. Já estava farto dela, na verdade e então vós aparecestes...

⭐👑⭐

- Como assim, eu apareci?

- Sois a dama mais bonita e inteligente naquela corte. É fácil falar convosco.

- Obrigada.- Tentei dizer com firmeza. Nunca me tinham dito nada assim. Só espero que esteja escuro o suficiente para não ver o quão corada estou.

- É bom estar na vossa companhia.

- Se não fosse, não me terias convidado para um passeio amanhã.

- Preciso de espairecer.- Suspirei e fechei os olhos.- E vós? Tudo vos corre bem?

- Não tenho do que me queixar.- Encolheu os ombros.

- Precisarei de vossa ajuda em breve.

- Farei tudo o que puder para vos auxiliar.

Deixamo-nos ficar em silêncio por algum tempo. Sabia vem ouvir a chuva lá fora.

- A conversa correu bem?

- Eu não te disse para ficares no quarto, Francisca?- Abri um olho e desenhei um sorriso porém, não me movi.

- É mas... estava frio.- Desculpou-se depressa.

Helena tirou o seu xaile e pousou-o sobre os ombros de minha irmã.

- Obrigada.- Aconchegou-se.

- Vamos, Helena vai disputar uma partida de xadrez comigo.- D. João deu a mão à irmã.

- Vou?

- Claro!

- Ainda bem que me convidastes.- Revirei os olhos ao responder.

⭐👑⭐

- Força Helena! Sei que conseguis vencer-lhe. Vá lá!

- Alteza, ainda agora pusemos as peças no tabuleiro. Não me pressionai.- Sorri amedrontada.

- Porque quereis tanto que Helena vença?- O rei perguntou.

- Porque és tu que ganhas sempre.- Francisco meteu-se na conversa, do outro lado do salão enquanto baralhava as cartas.

- Honrais-me com vossas palavras, irmão.- Respondi descontraído e Francisca sorriu.- Tendes as peças peças brancas, jogai primeiro.

- Ora...- Comecei pelo cavalo. O jogo seria duro.

...

- Ela consegue fazer xeque-mate em menos de 10 jogadas.- Manuel comentou ao analizar o jogo.

Estavam todos em redor de nós. Atentos a cada jogada como se fosse a derradeira. As minhas mãos hesitavam pelas peças do tabuleiro. O rei continuava descontraído na cadeira, com um sorriso presunçoso.

Ah a rainha estava no caminho do meu cavalo!

Com o coração aos pulos, recolhi-lhe a rainha e posicionei o cavalo.

- Ainda esperei que vos escapasse.- Sorriu nervoso.

- Não sou assim tão desatenta.- Respondi a tremer de emoção. Queria ganhar o jogo!

Jogou a torre e comeu a minha homónima.

Restavam apenas cinco peças no tabuleiro: O rei e torre pretas e a rainha, o rei e a torre brancas.

- Tudo bem.- Passou a mão pela testa e sorriu envergonhado.

Em três jogadas fiz-lhe xeque-mate.

- Foi renhido.- Admiti estendo a minha mão.

- E um resultado justo.- Apertou-a num movimento de bom deportivismo.

- Não vos podeis dar ao luxo de perder a rainha.- Aconselhei.

- É sobrevalorizada, a peça mais importante do tabuleiro é o rei.- Desvalorizou.

- A rainha é a peça com maior movimento no jogo, precisais da rainha para conseguir proteger o rei!- Atirei o óbvio.

- Ela tem razão.- Murmurou Manuel e os irmãos concordaram.

- Podia ter acontecido a qualquer um, distracções acontecem.- Terminei o assunto ao ver o desconforto do rei.

- Tragam o chá.- Ordenou e o assunto morreu ali.

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