15. Não vos escolhi para pensar!
- Olha, eu gostei imenso.- O papá sorriu durante o caminho para casa.
Dançou comigo e com poucas outras senhoras.
- Eu também.- Admiti. Nunca esperei ter tantos pedidos para dançar.
Após dançar com D. João choveram pedidos. Recusei alguns, outros... fiquei a desejar ter recusado. Cavalheiros têm pés pesados.
- O rei foi muito prestável em livrar-te do delfim. Não precisava de ficar para dançar, mas foi prestável.
- Papá! Não há nada nem haverá algo entre mim e o rei. Se estais assim tão inseguro apressai-vos nesses assuntos de casamento real!
- Eu adoraria, porém assim que as cartas passam a fronteira deixam de ficar a meu encargo, ficam apenas para o tempo e Vilar Maior.
- Bem sei. E a condessa viúva?! Usa o mesmo perfume que trouxestes para casa no outro dia.
- Pensei que esse assunto estivesse arrumado, Helena!
Resmunguei furiosa.
- Quando um casamento evitar que um rei tenha uma relação extraconjugal dizei-me.- Mudou de assunto.
- Papá, se estás assim tão preocupado com o que o rei tentará contra mim, porque não lhe pergunteis cara a cara?!
- Porque não quero perder o pão que tenho na mesa caso ouça o que não queira.
- Papá, estou farta deste assunto.
- Oh, e ele ainda mal começou.- Revirou os olhos.
Quando chegamos, fui rápida em deitar-me. Estava muito cansada. Mal dormi ao recordar a noite inteira, mas principalmente a dança com o rei. Foi especial...
⭐👑⭐
- Bom dia.- Sorri ao ver a Infanta a ler no jardim.
- Bons dias, então? Como foi?!- Saltitou entusiasmada.
- Foi muito agradável.- Admiti.- Dancei e rodopiei no meu lindo vestido até me doerem os pés e havia chocolate, e champanhe...
- Que sonho! O meu irmão disse-me hoje ao desjejum que havia dançado convosco.
- É verdade. Vosso irmão, o rei, é um exímio dançarino.
- Espero ter puxado a ele.- Confidenciou baixinho e rimos as duas baixinho.- O mano disse-me que convidou vosso pai para caçarem em Mafra. Parece que não vos ireis livrar de mim este fim-de-semana.- Fomos caminhando para longe das outras.
Sorri com a sua piada.
- Tudo bem, sois rica, é o que vos vale.- Gargalhamos.
- Já começava a ficar farta deste palácio.- Suspirou.- É mais uma prisão.
- Talvez se pedires para sair, vosso irmão autorize, desde que seja com alguém da sua confiança.
- Hum... duvido.- Revirou os olhos.
- Onde gostavas de ir?- Perguntei com curiosidade.
A menina caminhou pensativa.
- A uma biblioteca ou livraria que não fosse a minha, adoraria fazer um passeio de caravela, conhecer Lisboa verdadeiramente, ver a vista do ponto mais alto da cidade.
- Podia ser mais difícil.- Sorri. Não sei se o rei aceitaria todos estes pedidos.
- Tendes razão!- Bateu o pé.- Não é como se lhe estivesse a pedir para ir para o Brasil ou para Macau! Terá de deixar-me ir!
Saiu furiosa em direção à porta, a minha única ideia foi segui-la apavorada. O rei ia prender-me: criei uma rebelião!
- Menina lembrei-vos de pedir com simpatia e educação. Raparigas rudes não costumam sair muito.- Tentei parecer confiante.
- Mas eu sou princesa infanta de Portugal!
Oh não! O teto ia explodir!
- Por aqui.- Ordenou e continuei a segui-la.
Se bem me lembro, íamos em direção à sala de recepções onde o rei me recebeu. A primeira vez que nos vimos e ele quase surtou.
As portas estavam abertas, porém permanecia sozinho. Apenas na companhia de um secretário enquanto assinava papelada.
D. Francisca entrou mais devagar e de cabeça erguida.
- Vou dar uma volta por Lisboa. Levo quatro guardas e duas damas de companhia, até logo.- Anunciou depressa e saiu.
- Sim, até logo e... Um momento!- O rei levantou-se furioso, percebendo o que tinha acabado de acontecer.- Francisca!- Chamou.
A menina estremeceu, já próximo ao fim do corredor.
- Não ireis sair os muros do palácio.
- Não podeis impedir-me.- Respondeu no mesmo tom baixo e calmo do irmão.
- Posso pois, e se insistires muito, proíbo-te até de saíres do teu quarto!- Rosnou.
- Não me podes prender aqui para sempre! Eu volto antes do lanche.
Que conversa civilizada aos berros.
- Não tendes idade para sair por aí, menina!
- E tu tens idade para mandares noutra coisa sem ser em mim, senhor!
Oh não... a coisa estava a aquecer, isto não vai ficar bonito. O que é que eu fiz?!
- Francisca, como teu rei ordeno-te que vás para os teus aposentos. Não falarás com ninguém, e só sairás quando o jantar for servido e eu mesmo te vá chamar.
Os gritos e a discussão deram lugar a um silêncio pesaroso e triste.
- João, como infanta ordeno-te que te lembres que não és meu pai. Se eu fico aqui por mais um segundo que seja, sufoco!- Saiu a correr enquanto chorava.
O que é que eu fiz? Não era para acabar assim, não era para ser assim!
- Criança petulante!- Resmungou dando um murro na mesa; inspirou fundo e continuou a sua tarefa.
Teria de assumir a responsabilidade do sucedido. Receosa, aproximei-me em silêncio.
- Dizei.- A sua voz era firme e ainda inundada de fúria contida.
- Majestade, eu...- Olhei para os guardas que pareciam ignorar-me e para o secretário, que parecia amedrontado e ao mesmo tempo de estar a adorar a cena.- Fui eu que incentivei a infanta a querer sair, peço perdão.
Parou lentamente, como que se o que eu disse fosse uma afronta.
- Com certeza ouvi mal, podeis repetir Helena?- O seu tom autoritário era de ameaça.
- Fui eu que incentivei D. Francisca a vir perguntar-vos se podia sair.- Dei as mãos atrás das costas, muito nervosa.- Peço perdão, não se voltará a repetir.
- Pois não, porque se algo do género volta a acontecer, abandonareis vosso cargo.
- Compreendo perfeitamente.- Fiz uma vénia e caminhei até à porta.- Se bem que... Não devíeis mantê-la aqui trancada.
- Helena, isso não vos diz respeito.
- É um conselho.- Fui mais clara.
- Se bons conselhos fossem grátis, então eu não teria de pagar a gente para me aconselhar.- Resmungou.
- Pensai, ela só quer saber o que a rodeia. Estais a ensiná-la sobre um mundo distante através de livros e a menina não sabe como é a própria cidade, pensei que a faria mais feliz e consciente.
- Então não pensai. Esse é vosso grande problema, pensais demais, D. Helena!- Pegou nos papeis pronto a sair.- Não vos escolhi para pensar!
Fiquei boqueaberta com as suas palavras, com a sua explosão de fúria.
- Tende um bom dia.- Saí furiosa. Se ele não fosse rei, tão bem que ficaria com uma mão minha marcada naquela cara feia!
E ainda ontem fora um cavalheiro... Uma ova!
- Como é que ela está?- Perguntei com cuidado.
As damas de companhia esperavam no corredor privado e vazio.
- Destroçada. Não quer ver nem falar com ninguém.- Disse Luísa com pesar.
O rei tem razão. Tenho de aprender a calar a boca.
Mesmo assim, entrei quarto a dentro determinada.
- Ide-vos, não quero falar com ninguém!- Resmungou ao meio do choro.
- Presumo que sim.- Baixei o olhar.- Perdoai-me por tudo isto, não sabia que ia ser assim.
Sentei-me no cadeirão encostado à parede. A pequena chorava abraçada à almofada de costas pra mim, enquanto olhava pela janela.
- Já dissestes tudo, podeis ir agora!
- Sou dama de companhia, vou ficar aqui e fazer isso mesmo: companhia.
Não trocámos mais uma palavra sequer. Horas depois ouvi bater à porta e fui abrir:
- O almoço da infanta.- A empregada fez uma pequena reverência.
- Obrigada.- Sorri e deixei-a entrar.
- Com licença.- Disse antes de sair, após deixar o carrinho com um aroma maravilhoso.
- Não tenho fome.- Declarou assim que fechei a porta.
- Tendes de comer algo. Cheira tão bem... Não quereis ver o que é?- Abri a terrina da sopa.- Hum... parece ser sopa de marisco e algo com muito bom aspeto.
Curiosa voltou-se para mim sem querer saber.
- É lasanha, Helena.
- Oh, e ao que é que sabe?- Nunca tinha ouvido falar em tal coisa, porém tinha um aroma que dava água na boca.
- A carne e queijo. É bom, mas não tenho fome.
- Vá vamos lá. Fazemos um acordo: 10 colheres de sopa e meia lasanha.
- Não quero almoçar!- Resmungou.
- Então, não podeis ficar sem comer.- Aproximei-me finalmente.- Tem tudo um ar tão delicioso.
- Podeis almoçar por mim, se quiseres.
- Eu depois almoço no salão.
- Arght!- Sentou-se aborrecida em cima da cama.
- É assim mesmo.- Tirei a sopa para o prato e peguei numa colher.- Aqui tendes.- Sentei-me frente a ela.
- Já está.- Aborreceu-se.
- Foram nove e estavam mal-cheias.- Peguei na colher e enchi mais duas colheradas, dando-lhe a sopa à boca.
- Eu não sou um bebé!- Resmungou.
- Duvido. Bebés, fazem birra para comer.- Sorri e a menina amuou.
Apesar de ter prometido que teria apenas de comer metade da dita lasanha, Francisca não se incomodou e devorou-a por inteiro.
- Estais dispensada, Helena. Quero ficar sozinha o resto da tarde.
- Muito bem.- Suspirei cabisbaixa antes de sair e fechar a porta do quarto. Maria e Luísa continuavam aqui fora.
- Talvez Mafra lhe faça bem...- Comentaram.
- Com certeza que sim.
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