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14. O convidado de Honra

Teria de sair daqui não era?

Continuo sem vontade de encarar o papá. Com alguma sorte saiu para ir ter com o rei.

- Bem-vinda de volta, menina.- Bianca sorriu ao abrir a porta e segurar o meu agasalho.

- Boa tarde, Bianca.- Praticamente corri para o quarto. Praticamente...

- Temos uma conversa pendente, minha menina!

Au.

- Papá! Eu estava mesmo... eu tenho que... Arght, tudo bem.- Segui-o até ao salão de estar.

O ambiente estava de cortar à faca, não sabia o que dizer em minha defesa.

- Ontem fizeste acusações graves sobre mim Helena, simplesmente por sentires um cheiro diferente em mim? Mas eu tenho uma filha ou um cão de caça?

- Sou desconfiada, só isso.- Cruzei os braços e amuei.- Chegastes tarde e não informastes ninguém. Se fosse ao contrário já terias mandado homens procurar-me até mais longínquas Índias Orientais.

- Verdade.- Constatou.- O caso é que eu sou teu pai e de mim cuido eu.

- Aham, estou a ver que sim.- Aborreci-me.- Embora, se não aconteceu nada de estranho ou fora do comum, porque é que estamos a ter esta conversa, papá?

- Porque eu quero.- Sentou-se a meu lado, por fim.- Agradeço vossa preocupação em relação a mim, de verdade, porém tendes de entender que não chegarei sempre a tempo de...

- O problema não foi chegar tarde, papá. O problema foi não avisar ninguém. Por mim podeis chegar aqui todas as manhãs, mas avisai-me. Fiquei com o coração nas mãos ontem à noite.

- Prometo-vos que se voltar a chegar àquela hora, vos aviso.

- Pronto, assim fico mais tranquila.- Admiti.

- Hoje chegastes mais cedo, que aconteceu?

- D. Francisca passou o dia sozinha, faz um ano que D. João se tornou rei.

- Um ano que sou conselheiro do rei, bem sei.- Sorriu.- Os dias dela hão de melhorar. Os nossos melhoraram.

- Sim, agora tenho de ir acabar a máscara para o baile de amanhã.- Beijei a sua bochecha e saí do salão.

- Só não deixes ficar bem demais.- Pediu.- Não me apetece socar ninguém.

Papá!

⭐👑⭐

- E então que achais?!- Pulei entusiasmada quando terminei.- Nunca esperei que ficasse tão bem!!

- Está maravilhosa, Helena!- Bianca olhou com atenção.

Tapava os olhos e o nariz, mas não cobria todo o rosto. Tinha o fundo branco, com renda no mesmo tom e alguns brilhos, com pequenas rosas que pintei de dourado, violeta e cor de rosa. Teria mais iguais no cabelo. Também colei pequenos brilhos dourados e roxos que cintilavam à luz.

- É simplesmente maravilhosa, Helena.

Pus a máscara e olhei-me no espelho.

- Fico tão bem quanto pareço ficar?- Perguntei ao reflexo.

- Com toda a certeza.- Bianca respondeu pelo espelho.

- Tenho de ir mostrar ao papá!

Acho que está no gabinete.

- Papá, olhai o que...- Recuei ao ouvir vozes do outro lado da porta.

Fica para outra altura. Vamos lá arrasar no baile de amanhã!

⭐👑⭐

Hoje não se fala de outra coisa se não do dito baile.

Senhoras e belas damas gabam-se às amigas de encomendarem o vestido a italianos, franceses e chineses. Veremos o que sairá mais logo.

O meu vestido veio do Brasil, contudo ainda nunca o usei, esperando a altura perfeita para o fazer. Hoje seria essa altura.

- Também tendes um vestido exótico caro?- D. Francisca perguntou aborrecida. Não suportava ouvir as conversas das suas damas enquanto não podia participar do mesmo.

Tentei não partilhar muito, aliás o que contei foi a Maria e sem muitos pormenores.

- É.- Admiti.- Sim, eu tenho. O que diriam se a filha do marquês de Montemor-o-Novo que esteve anos a fio no Brasil não usasse algo à sua altura?!

- Verdade. É bonito?- Sorriu.

- Pois claro que sim.- Alinhei.

- De que cor?

- Só vos conto se prometeres não contar a ninguém.

- Tendes minha palavra, Helena.

- É roxo claro, mais claro ainda que violeta e dourado também.

- Devereis ficar um espanto nele.- Comentou entusiasmada.- Ireis dançar com muitos cavalheiros? A quantos bailes já fostes? Quereis dançar com alguém em especial?

- Bem... quando fui a Versalhes fui a um baile, no entanto não gostei nada, portanto vou considerar o baile de hoje o meu primeiro. Não estou à espera de muitos convites para dançar, afinal... eu sou a brasileira.- Suspirei.

- Ireis ser a mais bonita de todas, garanto-vos, além disso... se estiveres em muito maus lençóis, peço ao mano para dançar contigo. Não deve ser divertido ir a um baile e não se poder dançar. Sabeis dançar, certo?

- Sim, o meu irmão ensinou-me, porém não sou tão boa quanto ele. Nem de longe!- Rimos as duas.- Sei o suficiente para não magoar ninguém.

- Ainda não tive aulas de dança. Deve ser muito divertido.

- Mas claro que sim!- Dei-lhe a mão e levantamo-nos do banco de jardim para dançar.- É feita uma educada vénia.- Verguei-me um pouco e a infanta imitou frente a mim, muito divertida.

- E depois?

- Depois é tocada uma linda música e os pares vão todos para o centro do salão dançar. Ultimamente tenho adorado Bach, mas bem...- Pensei numa dança simples.- Damas e cavalheiros aproximam-se e dançam lado a lado e vão rodando.- Dancei com ela.- Depois viram-se outra vez e juntam as mãos muito levemente. Algumas danças juntam apenas os pulsos e até é giro dançar assim, adquire uma certa... magia.

- Deve ser tão giro.- Suspirou.

- Porque não tentar com música?- Sugeri.

- Mas onde? O cravo está nos aposentos do meu irmão e o outro... algures por aí.

- Deve de haver algo que possamos usar no salão de baile, certo?

- Sim, embora os empregados devam de estar lá a preparar tudo para hoje há noite.

- Nós não vamos atrapalhar, não é?- Sorri.

Fiz sinal a Maria. Sabia que tocava. As restantes era melhor permanecerem na ignorância da situação.

- Onde vão?- Dionisia perguntou.

- Ao lavabo.- Sorri sem dar muita importância.- Onde é o salão de baile?

- Por aqui!- Correu entusiasmada.

Depois de andarmos quilómetros naquele palácio (é literal!) chegámos ao salão de baile. As portas enormes estavam abertas, pois os empregadas passavam para cá e para lá com grandes arranjos de flores, tecidos, materiais de limpeza... O baile de hoje iria ser de arromba!

- Está ali.- Apontou e Maria sentou-se frente ao cravo estalando os dedos e aquecendo um pouco as mãos.

- Que quereis que vos toque?- Perguntou-nos.

- Ham... sabeis algo de cor?

- Uma coisa ou outra.- Sorri.

- Servirá com certeza.- Sorri-lhe e caminhei para junto de D. Francisca.- Eu serei o cavalheiro desta vez.

Puxei a única madeixa de cabelo encaracolado que pendia no meu ombro para debaixo do nariz.

Aquelas duas riram-se.

- Pronto, um bigode improvisado.

Fiz sinal a Maria e começou a tocar:

- Bela dama, dar-me-íeis a honra de me conceder a primeira dança da noite?

- Com todo o gosto, milorde.- Gargalhou e logo fizemos a vénia inicial.

Fizemos a tal volta juntas, voltamos o sentido novamente, recuamos e voltámos a aproximar-nos.

- Podeis ir mais lentamente, ireis parecer mais graciosa e confiante, porém muito lenta também não ou pensarão que sois uma dançarina de terceira categoria.- Adverti.

- Tudo bem.- Tentou o que confidenciei.

Rodei-a uma vez mais, via-se que estava muito divertida... até Maria terminar a sua música.

- Foi uma honra, princesa.

- Igualmente, cavalheiro.- Retribuiu aos risos.- Ireis ser a mais bonita e graciosa dama hoje à noite, Helena. Sei que sim.

- Agradeço-vos.- Fiz uma vénia exagerada e rimos as duas.

- Helena...

- Hum?- Voltei-me para Maria e dei de caras com o rei.- Oh... bolas.

Todos os empregados fizeram a vénia, muito antes de mim. Demorei um pouco a ligar o cérebro desta vez.

- Vossa majestade.

- Um tempo bastante longo, apenas para uma ida à retrete, não vos parece, Helena?

Ri para aliviar o clima embaraçoso instalado.

- Não fizemos nada de errado, majestade.- Corei.

- Helena, estava apenas a mostrar um pouco como é um baile à nossa adorada infanta.- Maria veio para junto de mim.

- Hum, e que passos vos ensinou Helena?

- Oh, não muitos... fui abençoada com dois pés esquerdos.- Gargalhei nervosa.

- Nada disso, foi muito giro, mano. Helena, dança muito bem.

- Tenho a certeza que sim.- Sorriu-me.- Helena, vosso pai passou a manhã inteira bastante tenso. Creio que tem receio que vossa mercê atraia atenções que lhe sejam indesejadas.- Sorriu.

- Não faço ideia se as atrairei ou não, majestade. Sei que hoje à noite desejo apenas divertir-me um pouco.

- E fazeis muito bem. Afinal é para tal efeito que serve um baile de máscaras, verdade?

- Não vos esqueceis de dispensar mais cedo vossas damas de companhia, irmã.- Manuel, o irmão varão mais novo da família real, falou para Francisca.

- Sim.

- Quem vos irá deitar?- Estranhei.

- Oh Luísa não irá ao baile, poderá ajudar-me a deitar.

- Depois do sucedido das última vez, não admira.- Comentou o rapaz divertido.

D. João foi rápido a dar-lhe uma leve pancada com o cotovelo.

- Não tomamos mais vosso tempo, senhoras.- Despediu-se ao sair, tal como nós.

⭐👑⭐

- Helena?!

- Estou quase, papá!- Respondi pela milésima vez na noite.

Coloquei os brincos e Bianca pôs-me o colar de diamantes a condizer.

- Vamos chegar tarde, Helena!- Resmungou.

- Estou quase!- Gritei stressada.- Que tal estou Bianca?

- Uma maravilha, como sempre, menina.- Sorriu e retocou a cor dos meus lábios.- E lembrai-vos: nunca tirai a máscara. Tiraria a magia da noite.

- Tendes razão.- Sorri.

- Vou contar até 10 e depois irei buscar-vos pela orelha! 1, 2, 3...

- Ide-vos que o marquês está impaciente.- Sorriu entregando-me o leque e o agasalho.- Depois quero saber todos os pormenores.

- Mas claro.- Sorri piscando o olho por trás das máscara.

- ...8, 9...

- Estou pronta, podemos ir!- Desci as escadas. O papá esperava impaciente com o relógio na mão andando de um lado para o outro do hall.

- Oh Helena...- Sorriu ao observar-me com atenção.- Estais magnifica, filha.

- Obrigada papá, estais muito elegante também.

Esticou-me o cotovelo e ao entender o sinal, enlacei-me até chegarmos ao coche.

- Ora, conselhos de última hora: tende cuidado com vosso par, não hesiteis em dar um estalo a qualquer um que vos desrespeite e em situação alguma vás para os jardins sozinha.

- Eu sei papá.- Sorri entusiasmada.

Estava muito nervosa: uma parte de mim garantia-me que não seria convidada para dança alguma, seria apenas mais um adereço naquela sala junto a um jarrão de flores, contudo... desejava também parar o baile por completo, deixar todos os cavalheiros estupefactos e todas as damas ruídas de inveja. Qual a mulher que não gosta de se sentir desejada e poderosa?

- Oh é verdade, hoje o rei fez-nos um convite.

- Convite?- Mafra!

- Sim, deseja que vá caçar com ele para Mafra. Não sei donde vem este desejo repentino pela minha companhia, quando diz que só lhe mouo o juízo.- Resmungou.

- Se calhar quer emendar isso que vos disse, mostrar a sua gratidão ou assim, não sei. Papá, é uma grande honra sermos convidados pelo rei em pessoa.

- Verdade, porém há algo que me inquieta, sabeis?

- O quê?

- As intenções dele contigo. Toda aquela simpatia para convosco não é só amizade. Tem algo mais, Helena, sei que sim! Já tive a idade dele... Além disso agora Lara está longe e não tem ninguém para se entreter.

- Papá!- Olhei-o surpreendida. Pelas suas palavras principalmente, mas por saber que minhas desconfiancas, não eram só minhas afinal.

- É um fim-de-semana. Dois dias não hão de fazer mal, não é?

Ainda o encarava incrédula:

- Fazei o que achardes melhor.- Recostei-me no banco.

Algum tempo depois, esperávamos na fila de coches formada no portão principal do palácio.

- É muita gente...- Suspirei entusiasmada, pondo a cabeça de fora da pequena janela do coche.

- É o primeiro baile de máscaras do rei. Virão pessoas de todo o reino e dos reinos em redor.

Espero que França fique de fora.

- Tendes os convites?- Perguntei ao papá enquanto entrávamos pela grande porta do palácio. Vários guardas empunhavam as suas armas com uma máscara negra e os castiçais pareciam mais brilhantes e luminosos que o habitual.

- Pela centésima vez, sim tenho.- Sorriu.

- Que quereis, é o meu primeiro baile. Estou nervosa!- Apertei as minhas mãos transpiradas. Sentia-me tremer.

- Acalmai-vos, Helena.- Aconselhou com um sorriso meigo.

- Como devo de vos anunciar, senhor?- O senhor perguntou pegando no convite com as suas luvas imaculadamente brancas.

- Marquês Brotas Lencastre e a filha Helena.

- Brotas Lencastre.- Completei aborrecida.

- Tendes razão.- O papá sorriu envergonhado.

- O marquês Brotas Lencastre e a filha!- Anunciou a plenos pulmões.

O papá fez a vénia ao ver o rei e eu fiz o mesmo, então descemos a escadaria. O rei e a restante família real, estavam a seu lado no estrado onde de encontrava o trono. Que pouca vergonha, o meu nome não é "filha"!!

- Aquele senhor está na minha lista negra.- Resmunguei baixinho.

- Não vos apoquentais, existem coisas mais graves com que vos deveis de preocupar.- Olhou em redor, nervoso.

- O quê?- Indaguei preocupada. Haveria algum espião perigoso aqui?

- Homens.

- Papá!- Cruzei os braços, começando a aborrecer-me a sério com esta conversa.

- Vinde, vamos cumprimentar a família real.

Ajeitei o vestido, não estivesse amarrotado ou algo assim; seria uma vergonha.

- Majestade.- Fizemos a vénia, eu atrás do papá.

- Eduardo.- Sorriu.- Espero que estejais a gostar do baile.

- Sim. Não via uma festa tão animada à meses.- Sorriu.- Refleti sobre o vosso convite.

- Foi rápido.- O rei sorriu matreiro.- Sabeis que aprecio rapidez e eficiência. Qual é vossa resposta?

- Porque não aceitar? Muito tempo em Lisboa começa a ser prejudicial.

- Uma ótima escolha, Lencastre. Aproveito para vos apresentar o nosso convidado de honra: Luís, delfim de França.

Oh não, mas é que nem pensar! Abri o leque e abanei-o freneticamente frente ao rosto em pequenos gestos. Com sorte não me reconheceria.

- Alteza.- O papá fez uma vénia ao francês.- Sou Eduardo Brotas Lencastre, marquês de Montemor-o-Novo e esta é Helena, a minha filha.

Fiz uma silenciosa vénia.

- Perdão, não nos conhecemos?

- Ham...- Atrapalhada, olhei o papá.- Não, não... duvido muito, com toda a certeza lembrar-me-ia de vós.

- Tendes a certeza, Helena. Quando fostes a França, talvez...

- Sim, papá. Eu tenho a certeza!- Cortei de repente. Espero não ter sido muito brusca.- Com vossa licença.- Retirei-me e pouco depois fechei o leque.

Foi por pouco!

- Helena!

Dei um pulo e quase entornei o champanhe.

- Maria...- Suspirei.

- Perdão, não pretendia assustar-vos.- Sorriu.

- Tudo bem.

- Estais uma graça.

- Obrigada, vós também.

- Já recebestes algum convite para uma dança?- Olhou ao redor.

O salão estava decorado com bonitos arranjos de flores. Estava tão brilhante que parecia que o próprio sol tinha entrado ali. Empregados certificavam-se que as mesas de comida e bebida permaneciam cheias. Damas e cavalheiros bebiam, riam, conversavam e dançavam.

- Não.- Sorri.- E vós?

- Cavalheiros não costumam pedir danças a mulheres casadas.- Sorriu tristemente dispersando o olhar pela sala.- Não olhai agora, mas o delfim e o rei estão a olhar para aqui.

- Que ideia!- Ri e observei subtilmente o estrado da família real, porém logo desviei: eles estavam mesmo de olhos postos em mim!

Que é que faria agora?

- Ali vem ele...- Gargalhou olhando na direção oposta.

- Boas noites!- O duque de Cadaval, mesmo a tempo.

- Boas noites.- Retribuímos, eu mais feliz que nunca.

- Ficaria honrado se me concedesses a primeira dança da noite, D. Helena.

- A honra seria minha, duque.- Aceitei a sua mão e desviei o olhar levemente para o delfim, que estancou a meio do caminho.

- Parece que não atrais as atenções nacionais apenas, senhora.- Brincou.

- Longa história... farei de tudo para não dançar com o delfim.- Recordei o que aconteceu em Versalhes.- Nem que seja a ultima coisa que faça esta noite.- Comentei enquanto dançávamos.

- Esquecei-o.- Aconselhou sorrindo.- A noite hoje é de festa. Diverti-vos. Pusestes o queixo de mais de metade dos homens desta sala no chão.

- Sois exagerado, duque.- Sorri envergonhada.

- Apenas sincero.- Fez uma vénia ao terminar a dança. Vénia que eu retribui.- Espero que possamos jogar um dia destes, desta vez a sério.

- Terei todo o gosto em derrotar-vos.- Entrei na brincadeira.

- Não se eu o fizer primeiro.- Rimos os dois.

- Podeis dançar comigo agora?

Voltei-me depressa.

- Alteza... adoraria, porém... doem-me os pés.- Foi a primeira desculpa que me lembrei.- Sapatos bonitos, mas desconfortáveis.- Ri para descontrair o clima.

- Oh... de certeza que vos aguentareis.- Segurou o meu pulso firmemente, obrigando-me a ficar no centro do salão quando a música seguinte começou. Encarei Maria assustada e a sua feição mudou também.- Desta vez minha irmã não virá atrapalhar-nos.

E... ele lembrava-se mesmo de mim... Raios!

- Estais em Portugal agora, delfim. Algo contra mim, é algo contra o rei.- Soltei-me bruscamente e aproveitou a minha mão solta, para se enlaçar e poder dançar comigo.

- Claro que não pretendo ofender D. João V, rei de Portugal e dos... qualquer coisa importante.

- Rei de Portugal e dos Algarves, príncipe do...

- Não importa.- O seu olhar era perverso.

- Descei essa mão mais um milímetro e ficareis sem dedo.- Ameacei ofendida.

- Não vos fazeis de rogada, não precisais comigo.- Aproximou-se mais e cravei o tacão do sapato com força no seu pé.

- Apf!- Gemeu.

- Realmente franceses fazem ótimos sapatos.- Sorriu triunfante.

- Sua...

- Pelos vistos já se conheciam.- Deus abençoe o rei!

- Uma noite que jamais esquecerei.- O delfim saiu com aquele sorriso sujo após uma vénia.

Descarado!

- Arght!- Peguei no leque, pronta a dar-lhe uma surra, quando o rei me impediu.

- Seria um pouco deselegante.- Advertiu com um sorriso amável no rosto, voltei a guardar o leque.- Estais estonteante esta noite, Helena, não deixai que um estrangeiro ridículo a destrua.

- Conselho valioso.- Sorri levemente corada.

- Dar-me-eis a honra de uma dança, Helena?- Perguntou suavemente.

- A honra é toda minha, majestade.- Sorri mais tranquila e aceitei a mão que me foi estendida.

Ainda bem que a máscara me cobre parte das bochechas, porque se assim não fosse, este momento seria muito embaraçoso. Todo o salão estava de olhos vidrados em nós, observando com atenção qualquer falha ou deslize de minha parte.

- Ignorai.

- Falais como se fosse fácil.- Sussurrei.

- E é, só tens de vos focar no que realmente importa.- Sorriu confiante. A máscara dourada que usava condizia com a casaca ricamente adornada.

- Estais... vós já sabeis.- Ri com divertimento e o rei acompanhou-me.

- Verdade, mas obrigada ainda assim.- Sorriu magnificamente.- Posso perguntar o que aconteceu entre vós e o delfim?

- Nada.- Deixei bem claro.- Quando estive em Versalhes achei por bem ir a um baile dado por Luís XIV, contudo o delfim obrigou-me a dançar com ele, como fez ainda agora e as coisas só não pioraram porque a irmã apareceu e o impediu de algo mais. A única coisa inesquecível naquela noite, foi a paz que consegui quando finalmente me largou.

- Não há duvida que levanteis poeira por onde passais.- Olhou ao redor procurando-o.- Devia enviar um galão para o Brasil, para me certificar que ainda está inteiro?

Gargalhei divertida.

- Sois bastante exagerado, majestade.

- Exagerado é o meu nome do meio, senhora.- Levantou a sobrancelha, brincando.

- Bom...- A música terminou.- Parece que o nosso tempo se esgotou.- Pegou na minha mão e fiz uma vénia ao mesmo tempo que sua majestade.- Quem sabe possamos dançar numa outra altura.

- Ficarei à espera, majestade.

Afastou-se com um sorriso misterioso nos lábios.

Saí do centro do salão e peguei numa taça de champanhe. Ainda tremia com a adrenalina: eu acabei de dançar com o rei no meio de um salão esgotado!

- A noite corre-vos bem.- Maria brincou.

- Nem falai!- Suspirai.

O papá aproximou-me, não parecia nada satisfeito. O seu olhar ardia em fúria.

- Marquês Brotas Lencastre.- Uma senhora aproximou-se com o leque na mão e cumprimentou o papá.

- Oh, condessa, boas noites.- Respondeu com um sorriso.- Permita-me apresentar-lhe a minha filha, Helena.

- Boas noites.- Fiz uma pequena vénia, mais próxima à senhora e... o perfume. Era o mesmo cheiro que o papá tinha trazido para casa!!!

- Helena, esta é a condessa Beatriz Mendonça. Ficou viúva à 3 anos.

- Lamento vossa perda.- Respondi enraivecida.

- Agradeço-vos, embora nada traga o meu esposo de volta.

Imagino...

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