12. Era uma vez uma Távora...
- Majestade, vosso desjejum.- O mordomo trouxe-me o pequeno-almoço à saleta.
- Hum!- Resmunguei puxando o cobertor para cima.
Sentia as costas doridas de dormir sobre as almofadas que formaram uma cama de improviso.
- Majestade, dentro de uma hora o concelho espera-o.
- Eu sei.- Suspirei com pesar e, sentando-me ouvi as costas estalar.
Sem duvidas que esta noite voltarei a dormir no meu leito, um bom dia só se consegue com uma boa noite de sono.
O mordomo saiu e tomei o pequeno almoço no banco da janela. O jardim ainda estava adormecido e as plantas à sombra ainda tinham vestígios da geada leve.
Só mais tarde os nobre saíriam para ali.
Chamei Sebastião novamente para me ajudar a vestir.
- Como está Helena?
- O médico diz que piorou. Voltará em breve para a sangrar.
A coisa estava assim tão séria?
- E minha irmã?
- A princesa parece estar melhor. As suas aias dizem que hoje já não sentiu tantas dores embora ainda tenha um aspeto doente.
- Agora é tempo de recuperar.- Olhei através da janela. Teria de encostar Lara à parede.
Depois de pronto saí, atravessei o quarto e fui até à sala de reunião do conselho. No quarto ainda fiquei a observar Helena, a pensar.
Arfava e gemia com dores, não conseguia encontrar uma posição que lhe fosse confortável. O médico disse que estava com febre, e que no entanto não era nada contagioso. Cada vez mais desconfiava de veneno.
- Já enviei a carta para a Áustria. Procurei saber um pouco mais acerca da senhora e parece ser verdadeiramente culta. Os seus passatempos preferidos são a música, dizem que fica refém de uma boa Ópera. O imperador Leopoldo leva até à sua corte os melhores tenores.
Parece que Eduardo teve uma noite atarefada.
- Cor favorita, o violeta e azul-céu. Aprecia o ar livre embora não goste de caminhar. Lê romances e a bíblia, organiza serões com sábios de várias matérias, prefere...
- Eduardo, agradeço vossa pesquisa, porém neste momento só quero saber da resposta do Imperador. Terei tempo mais que suficiente para saber o que agrada a essa mulher.
- Ham... claro, não pretendia aborrecer-vos. Creio que não precisemos de mais um mês para saber da resposta.
- Ótimo. Relatório matinal?
- Para a semana será a coleta de impostos, a exportação de vinho do Porto aumentou. Recebemos também uma proposta de Inglaterra. A rainha quer enviar a sua embaixada para negociações.
- Que negociações?- Estranhei.- Não me lembro de termos deixado conversas pendentes.
- Talvez queiram um aliado, um parceiro comercial mais próximo, quem sabe estreitar relações. Talvez queira aproveitar o novo rei e tentar algo novo.
Suspirei pensativo. Que quereriam os ingleses agora?
- Devemos recebê-los?- Perguntei ao Conselho.
- Majestade, se me permitis, é preferível deixá-los vir. Podem dizer algo que nos seja favorável. Sempre podemos negar se não nos agradar.
- Um não é sempre garantido. Vamos ver que novas trazem.- Outro encolheu os ombros.
É. Pelo menos dá para matar a curiosidade.
- Aceitai, duque.- Permiti.- Contudo dizei-lhes que só me encontro disponível daqui a mês e meio.
- Com certeza, majestade.- Apontou.- Irei tratar disso imediatamente.
🌟👑🌟
- Helena?
- Papá?
- Temos de ir. O médico do que vos encontrais melhor, ireis recuperar-vos em casa.
Anui com alguma dificuldade.
- D. Francisca está melhor?
- Sim. Está no jardim.
- Vou ficar bem?- Quis ter a certeza que não morreria.
- Com certeza que sim. O pior já passou, meu doce.
Sorri de forma frágil. O enorme e decorado quarto estava vazio. Apenas nós dois estávamos ali.
- Eu fui um grande incómodo, não fui?
- Não, Helena.- Sorriu.- Irei chamar alguém que te ajude a vestir.
O papá saiu e eu voltei a ficar ali sozinha.
Ainda me doía um pouco a barriga. Sentia-me desconfortável e ao olhar pelas janelas percebi que anoitecia. Estava tão cansada de estar neste lugar que não me pertence...
- Boas tardes, menina.
- Boas tardes.- Devolvi e a empregada ajudou-me a levantar e a vestir.
- Menos... menos apertado.- Choraminguei ao sentir facas serem-me espetadas no estômago.
- Perdão.- Pediu alargando o corpete.
Olhei-me no espelho e não gostei do reflexo. Eu teria de evitar qualquer ser vivo a todo o custo ou iriam confundir-me com um monstro.
- Helena?
Arght!
- Sentis-vos melhor?
- Um pouco.- Sorri para o rei muito desconfortável com as dores.- Agradeço-vos todos os cuidados que tivestes comigo, mas já me sinto melhor para ir para casa. Rezarei para que D. Francisca recupere rapidamente.
- Agradeço-vos. Não fiz nada de mais.- Sorriu.
- Ainda assim.- Olhei para o fundo do corredor e vi o papá a fazer-me sinal para despachar.- Desejo-vos uma boa noite, majestade.- Fiz a vénia e fui saindo.
- Igualmente Lencastre!- Elevou a voz e sorri com divertimento.
🌟👑🌟
- Já pedi para fazerem um chá.- Bianca deu um jeito na minha almofada.- Ficareis bem em breve.- Sorriu pondo mais lenha na lareira do quarto.
- Espero bem que sim. Não quero perder o baile de máscaras que o rei dará.
- Adoraria ir a um baile. Parece ser tão divertido...- Suspirou pensativa.
- Eu depois conto-te se é assim mesmo.- Sorri aconchegando-me.
- Vosso pai estava muito apreensivo ontem. Disse que... tínheis dormido na cama com o rei.
- O quê?! Mas claro que não! Sou uma dama de respeito!- Enfureci-me com os mexericos.- O rei nem dormiu naquele quarto!
- Perdão, menina.- Desculpou-se envergonhada.
Se uma criada pensa assim, então a corte está já muito pior. Terei a fama sem o proveito...
🌟👑🌟
- Então... ouvi dizer que a Lencastre ficou melhor.
- Apenas um pouco.- Pus as cartas na mesa e peguei nas moedas que tinha ganho nesta rodada.
- Curiosidade alheia: onde é que sua majestade se deitou aquando a ocupação do leito pela bela dama.
Parei de distribuir as cartas e lancei o meu pior olhar para ele:
- Não partilhámos a cama, se é isso que quereis saber.
- Calma, não estou a atacar-vos.- Sorriu pegando nas suas cartas.- Mas a corte está.
- Que aborrecimento!- Resmunguei caminhando até à janela.
- Acho que o velho Eduardo não vai gostar de ouvir as más línguas acerca da imaculada filha.
- Que pai gostaria?- Pensei nalguma forma de poder ajudar a limpar o nome de Helena. Seria uma humilhação se se tratasse de minha irmã.
Não era de todo minha intenção manchar a reputação de Helena.
- E se se afastasse um pouco da corte?
- Apenas levantaria mais suspeitas.- Reprovei a ideia.
- Não deve de ser agradável para uma dama ouvir mentiras a seu respeito sem poder defender-se.
- Sim.
- O baile de máscaras está próximo, achas que aparece?
- Algo me diz que Helena não perderá o seu primeiro baile real.- Sorri-lhe, devolvendo-lhe a minha atenção.
- E o embaixador inglês? Novidades?
- Esperamos uma resposta deles.
- E da Áustria?
- Esperamos uma resposta também.- Suspirei.- É tanta coisa ao mesmo tempo, tantas frentes de guerra onde combater... Como é que o pai conseguia?!- Desabafei frustrado, esmurrando uma parede.- E nunca, jamais, mostrar o que realmente nos vai na alma.
- É por isso que quis quer o último a nascer: assim tenho plena certeza de que nunca usarei uma coroa.
- Por essa devia casar-vos com uma herdeira ao trono da Prússia.- Provoquei-o.
- Por Deus, nem tentai! Parecem homens de peruca!
- Achais?! A minha proposta de casamento é uma mulher que já passou a idade de casar!
- A coitada tem 24 anos, João, não é como se tivesse os pés prá cova.
Baboseiras!
- Eu já disse que quero o vestido violeta! Púrpura não é violeta!!
A porta foi aberta com violência:
- Elas querem que eu use o vestido púrpura, irmão!- Francisca entrou pelo aposento a dentro furiosa.
- Primeiramente, boa noite, de seguida já adveti para pedires autorização antes de entrar.- Respondi com toda a calma e compreensão do Mundo.
- Querem que use púrpura, mano.- Os seus olhos molharam-se.- Eu quero o violeta.- A voz estava rouca e triste.
- É apenas um vestido, Francisca de certeza que podes usar outro que gostes, não é?
- Não, não é.- Caiu no choro.
Todas as damas de companhia se retiraram excepto Maria.
- Majestade, amanhã faz um ano que D. Pedro, Deus o tenha, se... juntou a Deus e...- Tentou explicar com subtileza para não ferir Francisca.- A infanta quer usar o vestido por ter sido o último que o seu pai lhe deu.
Encarei Francisca lavada em lágrimas ao colo de Manuel.
- Porque se recusam a vesti-la?
- Dizem que violeta é uma cor demasiado alegre para o dia.
- Amanhã usará o vestido que desejar.- Declarei.- Podeis retirar-vos, boas noites.
- Majestade.- Fez uma vénia semelhante à de antes e saiu, as portas fecharam-se atrás de si.
Com tudo isto, nem me lembrava do dia da morte do pai, não que fôssemos chegados, nada disso. Para ele eu era um bom herdeiro de negócios e pouco mais, só que ainda assim era meu pai.
- Tenho saudades do pai.- Secou as lágrimas.
- Eu não!- O Manuel respondeu depressa e dei-lhe uma pancada na cabeça, quase que lhe deitando a peruca ao chão. Estávamos a falar com uma menina!
E raios também a esta moda de perucas fatelas!
- Todos temos saudades do pai.- Sorri-lhe.- Porém olhar para trás não é uma opção. A vida continua e temos de continuar de olhos postos no futuro.
🌟👑🌟
- Não apertai muito, ou ainda vomito o estômago.- Queixei-me a Bianca, enquanto atava o espartilho.
- Perdão.- Sorriu e começou a colocar-me as jóias.
Depois de vestida, enrolei-me no xaile a condizer com o vestido castanho claro e desci para tomar o pequeno-almoço com o papá.
- Bom dia, sentes-te melhor?- Foi rápido a perguntar mal me sentei à mesa.
O salão tinha a lareira acesa e o papá barrava calmamente compota no pão de cereais com a chávena de chá de camomila à frente.
- Um pouco.- Suspirei e olhei pela mesa, procurando o que mais me agradava.
- Que penseis fazer hoje?
- Iria passar o dia à lareira. Tenho um livro para acabar de ler e vi um desenho que quero bordar, além do mais há missa mais logo, e vós?
- Tenho de ver uns papeis, porém antes de almoço tenho de me encontrar com o Conselho, só devo voltar ao anoitecer.
- Mandai os meus cumprimentos ao rei.- Sorri ao provar o chá.
- Certo... lembrais-vos do baile.
- Sim, vindes comigo?- Olhei para o papá com expectativa.
- Mas claro que sim! Eu iria entregar a minha filha aos lobos, não?!- Resmungou num tom brincalhão.
- Tenho a certeza que já estarei recuperada.- Suspirei.- Tenho vestido, contudo não sei que máscara usar.
- Tentai na loja de fitas. Umas ruas após a Praça do Comércio há uma loja de acessórios, com toda a certeza encontrarás algo.
- Sim. Vou tentar ir lá hoje.
- Levai a carruagem, parece que vai chover.- Olhou pela janela.- E trovejar...
- Tomarei cuidado papá.- Garanti-lhe.
- Bom, tenho de ir andando.- Levantou-se da mesa após o pequeno-almoço, pôs o livro de contratos e tarefas debaixo do braço e deu-me um beijo na testa.- Até logo à noite.
- Diverti-vos!- Gritei antes de ouvir a grande porta de casa bater umas salas ao lado.
🌟👑🌟
- Mandastes chamar-me?
- Sim.- Sorri, desviando o olhar do jardim para Lara.
- Aconteceu algo?- Aproximou-se, pegando-me no braço e entrançado os dedos nos meus.
- Não, porém tinha um tempo livre antes da reunião com conselho.- Aproximei os lábios aos dela. Já sentia o cheiro perfume francês caro. Ao pousar a mão no seu pescoço, desci-a para o colo e senti a maciez de veludo da sua pele alva.
- Que é isto, Lara?- Observei o minúsculo frasco que tirei rapidamente do seu decote.
Observei-o à luz do sol, enquanto a ouvia engendrar uma desculpa.
- Perfume.- Respondeu depressa.- Podeis devolvê-lo agora.
Abri o frasquinho, sabendo que não era perfume.
- Hum... não se parece nada com vossa fragrância.- Voltei a fechar.- Deve valer imenso para o teres sempre convosco.
- Sabeis que sim. Perfume barato é de plebeu, o meu é francês.- Ajeitou o decote que eu amarrotei.
- Verdade, verdade...- Analisei-a lentamente.- Podeis contar a bem, ou a mal, Lara!
- A que vos referis?- Andou ao meu redor.
- Foi este o veneno que usastes em Francisca e em Helena?
- Jamais tentaria algo contra a Infanta.- Sussurrou-me no ouvido.
- Quando e porquê?
- Enganaste-vos na pessoa, meu rei.- Alcançou-me os lábios.
Lara merecia um castigo de verdade. Ninguém magoa a minha irmã e sai impune, mas abdicar das minhas noites...? Porque é que tinha de ser ela?
- Não sei o que vos passou pela cabeça para me afastares desta maneira.- Rompi com aquilo e um par de guardas levou-a do aposento.
- Porquê?
- Que é que aconteceu?- Francisca vinha acompanhada de duas das suas damas de companhia. Confesso que só sei o nome de Maria, Helena e as outras... são as outras.
- Nada, porque haveria?- Escondi o veneno atrás das costas, ponto-o dentro do bolso de trás dos culotes.
- Estás estranho e Lara passou por mim acompanhada de dois guardas.- Atirou.- Não me digas que te roubou alguma coisa?- Perguntou baixo, como se fosse um segredo.
Todos nós ouvimos e era claro que foi essa a intenção, deu até para uma das damas se esforçar para não rir.
- Nada disso, a duquesa de Távora é uma dama de respeito que jamais tentaria algo do género.
- Dama de respeito!- Atirou aos risos.
- Francisca!- Repreendi firmemente.
- Tudo bem. Queres vir comigo para a biblioteca?
- Tenho coisas combinadas, ficará para outra ocasião. Diverte-te.
- Mal-humorado!- Resmungou atrás de mim e fiz de conta que não ouvi.
Tudo o que dissesse agora, seria movido pela raiva e ódio que sinto pela Távora.
🌟👑🌟
- Está a ficar bonito? Gostais?- Perguntei a Bianca, analizando o desenho pela milésima vez.
- Está a ficar maravilhoso, Helena.- Sorriu-me com simpatia.
Este ramo de flores mais parece um nó verde, azul, rosa e amarelo sobre pano branco.
- De verdade?- Insisti.- Não está bem como na ilustração.
- Só precisa de um jeito deste lado, na minha opinião. Acho que uma flor amarela ficaria aqui bem, ao invés de outra cor-de-rosa.
- Sim, concordo.- Suspirei aborrecida.
Bordar requer o tempo e paciência que não tenho, porém tenho de começar a organizar o enxoval. Querendo ou não, é uma questão de tempo até o papá me achar alguém para marido.
- Quereis ir comprar a máscara agora?- Olhou pela janela.
- Está muito chato ficar, não é?- Suspirei ao perceber que até Bianca estava tão animada quanto eu.
- Não, é só que... Vós decidis.- Terminou depressa.
- Mandai preparar a carruagem, irei buscar a minha bolsa.
- Com certeza, Helena.- Saiu rapidamente, enquanto eu me preparava para subir as escadas e pegar a bolsa com as moedas de ouro.
- Está tudo pronto?- Desci, vendo que me esperava à porta.
- Sim. Desejais que vá contigo?
- Mas claro. Preciso da opinião de uma profissional.- Sorri e enlacei o meu braço no dela, entrando para a carruagem, que depressa saiu do palacete.
- O tempo não está mesmo com boa cara hoje.- Olhei as nuvens tempestuosas.- É aqui?- Perguntei ao observar a rua movimentada através da janela da carruagem.
- Sim.- O cocheiro veio abrir a porta. Saí à frente de Bianca.
Diferente da livraria, aqui estávamos numa das ruas frequentadas pela alta sociedade. Apesar de só nós, digo, alguns dos nobres e clérigos terem posses para ler e comprar livros, o livreiro vive no andar de cima. A livraria é parte de sua casa e não teria posses de ter a livraria num lugar como este.
- Ali, ao fundo da rua. Pelo que ouvi é a melhor loja de fitas e tecidos da capital.
Senti as mãos formigarem em expectativa.
- Vinde! Não percamos tempo!- Apressei-a.
Percorremos a rua movimentada. Casais riam e conversavam baixinho. Cavalheiros fumavam o seu cachimbo enquanto jogavam às cartas. Tudo gente de bolso recheado.
Parei frente à loja e entrei. Grossos rolos de tecido estavam em prateleiras. Com padrões vindos de África, das mais variadas cores em seda da China e Índia...
- Este vem do Brasil.- Sorri entusiasmada ao ver um rolo de tecido vermelho sangue.
O Brasil era o melhor produtor de pau-Brasil. A árvore parece que quando cortada sangra e ótima para tintura de tecidos. Vendo bem... quase que parece macabro.
A loja tinha várias senhoras a conversar enquanto pediam a opinião às amigas. Algumas meninas e meninos pareciam muito rabugentos de mão dada à mãe.
- Boas tardes, não tem máscaras de Veneza?- Perguntei quando vi finalmente uma empregada livre.
- Não, esta semana ficaram esgotadas. Apenas daqui a duas semanas teremos mais.
Como assim?! Não posso ir a um baile de máscaras sem máscara.
- Tem de ter alguma perdida ou... eu preciso mesmo de uma máscara.
- A única coisa que temos é a base.- Abriu uma gaveta atrás do balcão.- É a única, se quiser levar.
Era branca, apenas branca.
- Sim, eu levo.- Paguei a máscara e Bianca guardou-a no saco.
Teria de ter criatividade para a mudar. Que cor? Azul!
Não, azul é a cor do rei. Pode considerar ofensivo.
Rosa! Preto? Roxo! Não sei...
- Helena, vejo que estais melhor.- Ouvi atrás de mim.
- Maria.- Sorri ao reconhecê-la.- Sim, já me sinto melhor. E vós?
- Estou bem.
- Querida?- Um homem aproximou-se. Era claramente mais velho que ela. Talvez um primo ou tio mais chegado.
- Helena, este é o meu marido: Guilherme, duque de Alorna; querido D. Helena, filha do Marquês Brotas Lencastre.
- Encantado, senhora.- Pegou na minha mão e beijou-a.
Constrangedor.
- Igualmente, duque.
- Bom, não desejo ocupar mais do vosso tempo.- Despediu-se.- Agora que me lembro...- Olhou ao redor e falou baixo.- Creio que Lara a tenha arranjado bonita.
- Porque dizeis isso?- Desvalorizei. Não gostava de mexericos.
- O rei expulsou Lara do cargo de dama de companhia de D. Francisca pouco tempo após o almoço.
Ora, isto sim são notícias de valor...
- Que aconteceu?
- Não sei. Ninguém sabe.- Sorriu, despediu-se e foi embora.
Optei por branco. Seria essa mesma a cor, porém usaria rosas pequenas e claras, brilhos dourados ou prateados para lhe dar um ar requintado e usaria pedras preciosas, fitas, laços, renda... Ainda não sei, mas para prevenir levo tudo.
- Hum...- Um cheiro maravilhoso inundou-me quando passávamos perto da pastelaria.
Deliciosos bolos e doces brilhavam na montra. Não sabia dizer qual deles o mais apetitoso.
- Bianca, entrai e... comprai este, por favor.- Apontei um enorme bolo coberto de glacê branco e frutas cristalizadas.
- Sim, Helena.- Entreguei-lhe as moedas e enquanto esperava cá fora fui pensando o que podia fazer para melhorar aquela máscara.
Queria que toda a corte parasse quando eu atravessasse a porta do salão. A música pararia, arrancaria suspiros das damas e lamentações dos cavalheiros e o rei chamar-me-ia para uma dança enquanto riamos de piadas alheias que apenas nós entendiamos.
- Aqui está.- Carregava uma caixa com o bolo lá dentro.
- Vamos andando.- Caminhamos até à carruagem que nos esperava ali perto. - O papá vai adorar o bolo.- Sorri imaginando a sua cara de satisfação ao prová-lo.
- Tenho a certeza que sim.
Rebentou a chover. Um peso de água brutal mal Bianca terminou de falar. Jesus Cristo!
- Meu Deus que temporal.- Admirou-se.
- Chegaremos depressa.
Aconcheguei-me mais no xaile para não sentir frio. Estava um tempo medonho.
- Casa.- Suspirei quando a carruagem parou nas traseiras, onde havia um abrigo sobre a porta e assim não nos molharíamos tanto.- Foi uma bela tarde.
- Diverti-me muito, Helena.
- Eu também.- Sorri ao lembrar-me das compras.- Podeis mandar fazer um chá?
- E qual desejas?
- Ham... Camomila. Está a anoitecer, chá preto não seria bom.
- Muito bem.- Saiu e eu aproveitei para me pôr mais à vontade.
Fui guardar a bolsa, deixei o xaile no quarto e troquei-me por uns sapatos mais confortáveis.
Quando voltava para a sala de estar, ouvi baterem à porta. Que estranho. O papá não bate apenas duas vezes...
Como era a mais próxima, não me importei de ir abrir.
- Boas tardes, sua majestade, o rei deseja falar com D. Helena Brotas Lencastre, filha do Marquês Lencastre e neta de...
- Por Deus, saí!- Uma criatura impaciente afastou o guarda.- Posso?- O rei entrou e entregou o casaco de peles a uma empregada.
Não estava molhado porque os guardas lhe seguravam um abrigo.
- Claro.- Eu nunca tinha recebido alguém tão importante em casa, principalmente estando sozinha e por pouco ia-me esquecendo da vénia.
Onde é que se meteu o papá?
- Olá!- Francisca sorriu atrás do irmão enquanto a empregada cuidava do seu agasalho.
- Olá.- Respondi-lhe com um sorriso.- Venham.- Fiz sinal para me seguirem.
A sala de estar para onde ia estava tal e qual como a deixei e estava agradável devido à lareira acesa.
- Ponham-se confortáveis, por favor.- Brinquei ao ver a inquietação da Infanta.
O rei não precisou de outra autorização e já se tinha sentando confortavelmente no cadeirão junto à lareira.
Eu sentei-me a seu lado, no cadeirão alto do papá e Francisca pareceu confortável e feliz no sofá um pouco mais atrás, tirando bombons do pote da mesinha central.
Dois guardas guardavam a porta.
- Aconteceu algo? Onde está o meu pai?
- Não sei.- Estranhou minha pergunta.
Bom, devia de estar nos seus compromissos no palácio, com os ministros quem sabe.
- Mandei fazer um chá. Que biscoitos mais gostais?
- Gengibre.- Respondeu.
- Canela.- Francisca disse.
Chamei Bianca e pedi-lhe que trouxesse ambos.
- Eu vim aqui, porque já encontrei o responsável do sucedido convosco.- Começou pouco depois.
- Foi Lara!
- Francisca...- Repreendeu aborrecido.
Lara? Isso explica o que Maria me disse esta tarde.
- O quê?
- Lara espalhou veneno na vossa comida e na de minha irmã, na vossa numa quantidade superior.
- Uau! Afinal eu não tinha nenhuma doença fatal que chegou a D. Francisca!- Respondi com sarcasmo.
- Vosso tom incomoda-me, Helena.
- Majestade, desde que cheguei àquela corte que todos me olham de lado. Tenho milhares de mexericos a sujarem-me o nome e este... foi o pior de todos eles.
- Compreendo vossa indignação, mas mexericos não são assunto meu.
- Pois deveriam ser!- Exaltei-me, porém não podia voltar a fazê-lo.
- Menina, o chá.- Uma empregada veio entregar o pedido.
- Obrigada.- Furiosa, enchi as três chávenas.
- Lara não nos incomodará mais.- Prosseguiu.
- Posso saber a que pena foi condenada?
- Não.
- Porque viestes aqui então?
- Contar-vos o que aconteceu.- Estranhou.
- Não, ainda não me contastes o que aconteceu. Não me dissestes porque o fez, e qual o seu castigo.- Fui fria.
- Não faço ideia do porquê.
Oh ele sabia! O rei estava nervoso e sabia a razão de ter sido envenenada.
- Majestade, deixei-vos entrar em minha casa. A única coisa que peço em troca é vossa sinceridade para comigo.
- Lara tinha muitas paranóias. Uma delas era o ciume de vós.
Perdão?
- Lara achava que havia algo entre nós. Loucuras dela.
- Minha nossa senhora.- Sorri para não rir. Ia-me afogando em chá para não gargalhar.
- Voltará para marquesado e não voltará a Lisboa, nunca mais.
Pesado.
- Bom, que seja muito feliz por lá.- Petisquei mais um bolinho.- O ar do campo faz bem à saúde.
- Hum... vosso pai ainda não regressou?
- Parece que não.- Comi mais um biscoito. Começava a ficar preocupada.
- Estranho...
-– Deve de estar no gabinete, no palácio.- Desvalorizei, contudo permanecia em mim um mau pressentimento.- E vós?
– Eu?- Estranhou e encarou a irmã, em busca de alguma ajuda para responder.
– Sim. Como estais em relação a tudo isto?
– Oh... eu... normal acho. Quer dizer... claro que tive de punir Lara, pôs a vossa saúde e a de minha irmã em risco, contudo como vos disse... é complicado.
– Entendo.- Sorri.
– Além do mais, ter uma rapariga bonita com ciúmes de nós é intrigante.- Desviou o olhar como uma criança travessa.- O ego cresce um pouco.
– Sim.- Refleti divertida.- Namoriscar com o rei? Isso é meio que infundado.
– Claramente!- Apoiou aos risos, e depressa bebeu um pouco mais de chá.
– Voltareis amanhã, Helena?- Francisca perguntou.
– Não sei ao certo, alteza. Se me sentir como hoje, sim.- Sorri.
– Francisca, temos de voltar ao palácio.- O rei declarou ao levantar-se.
– Já? Fiquem para jantar.
– Agradeço vosso convite, Helena, porém prometi não me ausentar por muito tempo. Tenho compromissos marcados.
- Certamente, não desejo ocupar-vos mais do que o necessário.- Levantei-me e ambos se levantaram também.
Duas empregadas vieram trazer os agasalhos do rei e da infanta, após isso, despedi-me com um modesto sorriso.
- Até amanhã, se Deus quiser.
- Boas noites, Helena.
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