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11. A infanta e a filha do marquês?

- Helena, sentis-vos bem?- Maria perguntou quando me levantei a meio da partida de cartas.

Estava muito calor ali dentro, estava indisposta desde a hora de almoço e doía-me muito a cabeça.

- Sim, é só um mal-estar.- Levei as mãos ao peito e tentei afastar um pouco o espartilho para conseguir respirar mais facilmente.

Apoiei-me no parapeito da janela mais próxima, pareceu ouro! Aquela réstia de ar fresco elucidou-me um pouco.

Sentia um suor frio, uma sensação de indisposição... iria vomitar a qualquer momento.

- Senhora?- Ouvi um cavalheiro ao fundo e caí no chão. Estava tudo muito desfocado e confuso. Ouvi burburinho por todo o lado.

- Helena? Helena, ouvis-me? Helena?

Não ouvi nada mais, na verdade.

⭐👑⭐

- Francisca?

- Mano?

- Sentis-vos melhor?- Beijei a sua mão preocupado.

- Dói-me muito a barriga.- Queixou-se e tapou os olhos com a mão.

- Pronto, então...- Tentei aconchegá-la um pouco mais nos cobertores.

- Eu disse! Aquela Lencastre estava imunda! Coberta de doenças daquele fim do Mundo! Que nojo!- Lara bateu o pé.

- Aconselho-vos a manter o silêncio. O médico ainda não descobriu do que se trata, até lá pode ser uma virose qualquer.

- Pois claro majestade, como explicais a coincidência da infanta possuir os mesmos sintomas da brasileira?!

- Guardas, levem-na daqui.- Ordenei aos dois que guardavam a porta.

- Eu tenho pés para ir sozinha.- Saiu de nariz empinado, quando lhe tentaram pegar pelos braços.

O silêncio voltou a estar presente.

- Helena está doente?

- Sim.- Respondi com pesar.

- Está bem?

- Não, ainda não acordou.

- Leva-lhe a minha boneca. Vai ficar melhor mais depressa.- Entregou-me uma das bonecas de pano que mais gostava.

- És uma boa menina, Francisca.- Beijei-lhe a testa com carinho.

⭐👑⭐

- E que por puro acaso só afetou a infanta?! Lamento muito majestade, isto não se trata de doença mas sim de veneno.- Ouvi resmungar baixinho.

- Eu compreendo vossa revolta, só que tendes de encarar os factos Eduardo.

- Eu estou a encará-los, vossa majestade é que não está. Helena já conviveu com mais de uma centena de pessoas desde que chegou do Brasil e só agora é que contamina apenas D. Francisca? Há aqui uma história muito mal contada.

- Hum...- Tentei mexer-me mas doía muito.- Papá?

- Helena.- Aproximou-se depressa.- Como te sentes?

- Dói muito.- Contorci-me na cama.- Estou muito enjoada.- Apertei a barriga.- O que é que eu tenho?- Perguntei.

- Eu não sei.- Olhou algures para o fundo da cama.- O médico ainda não descobriu.- Apertou a minha mão.

Olhei na mesma direção que ele e vi D. João.

- Ham... porque é que sua majestade está aqui?- Tentei perguntar baixinho e subtilmente ao papá.

Estava muito desconfortável, com muita dor e muito pouco elegante no momento. Seria péssimo e humilhante passar a impressão errada.

- Nós é que estamos a ocupar o espaço de sua majestade. O rei foi muito prestável ao emprestar-nos o seu quarto para te recuperares.

QUÊ?! NEM.PENSAR! MINHA NOSSA SENHORA!!!

- O quão despenteada, borrada e mal-cheirosa estou?- Refugiei-me mais debaixo das cobertas e ouvi rir.

Que vergonha.

- Eu vou morrer?- Perguntei ao sentir uma pontada forte na barriga.

- Não, meu amor. Claro que não.- Afagou o meu cabelo e beijou a minha testa.- Vais ficar bem. Amanhã vais acordar como nova.

- Se chegar a adormecer.

Lembrei-me do desmaio na sala de jogos.

- Quanta vergonha eu passei hoje... meu Deus...

- Já passaste por pior.- Riu baixinho.

- Papá!- Resmunguei ao recordar o incidente quando era mais nova.- Já faz muito tempo.

- Bom, não quero apressar ou interromper-vos, no entanto creio que podeis ir para casa marquês. Helena precisa de descansar e vós também. Amanhã é outro dia e logo estará melhor.

O papá pareceu reticente.

- Ela não pode mesmo vir comigo?

- Ouvistes o médico, amanhã já estará melhor e já pode ir dormir a casa.- O rei tentou acalmar o papá.- Nada de mal lhe acontecerá, dou-vos a minha palavra.

Com um suspiro profundo, o papá aceitou ir descansar.

- Até amanhã, raio de sol. Melhora depressa.

- Dorme bem, papá.- Sorri ao sentir um beijo na minha testa e então saiu.- ESTAS DORES ESTÃO A MATAR-ME!- Choraminguei debaixo dos cobertores.

Doía mesmo muito.

- Dizei-me, que sentis?- O rei sentou-se a meu lado, na cama.

- Não sei explicar. São dores de barriga muito fortes, nas pernas... dores musculares, eu não sei...

- O médico disse que um chá seria bom.

- Estou enjoada demais.- Apertei o estômago.

- Minha irmã está um pouco melhor que vós.

- D. Francisca está doente, também?- Então era disso que falavam...

- Sim.

- Lamento muito. Desejo as suas melhoras.

- Mandou-vos um presente.- O rei passou-me uma das bonecas preferidas da infanta.

- Obrigada.- Peguei na boneca e sorri.

- Pedirei um chá. Fazer-vos-ei companhia.- Sorriu ao levantar-se e chamar o mordomo.

Aproveitei para apreciar o quarto. Coisa requintadissima!

Paredes e colunas trabalhadas com folha de parra cobertas de folha de ouro, frescos lindíssimos no testo e nas paredes, sobre algumas partes da bíblia e do paganismo grego.

Haviam dois ou três espelhos e um corrimão de madeira coberta de ouro que abria uma cancela para a cama, onde eu estava.

Eu estava no leito do rei!

A cama? A cama parecia maravilhosa! Em ouro maciço com anjos e folhas de parra, as cortinas estavam abertas e eram num tom bordeux com efeitos a ouro. 

 Este sitio era pelo menos duas vezes maior que o meu quarto.

- A apreciar o espaço?- Brincou.

- E que espaço. Tendes aqui um belo quarto.- Olhei em redor. Se Deus dormisse, seria num lugar como este!

- É... eu também gosto.- Deitou-se a meu lado a olhar para o teto escuro do dossel.- Transmite-nos poder, não transmite?

- Sim, passa essa sensação com toda a certeza.- Sorri, mas logo senti outra pontada de dor.

- Queres que chame o médico?

- Não é preciso.

Tentou alcançar a minha mão, porém recuei.

- Eu não... vos quero passar isto. Já basta D. Francisca. Não quero prejudicar o rei também.

- É realmente muito estranho que só tenha acontecido convosco.- Pensou.

- Acheis que... fui envenenada com vossa irmã?

- Sim, eu acho, já meti gente a investigar. Tanto vós como D. Francisca começaram a sentir desconforto pela mesma altura, após o almoço e... Lara não parece nem um pouco surpresa.

- Cobra.- Murmurei.

- A Távora não é assim tão má.- Tentou defender.

- Com todo o respeito, mas eu já ouvi aves exóticas com um chilrear menos irritante. Aquela mulher dá vontade de tirar o sapato e atirar-lhe à cabeça para ver se aquieta!

O rei riu-se muito divertido.

- Tenho de concordar.

Tem de concordar, mas leva-a para cama?!

- Nós crescemos juntos.- Admitiu ao deitar-se por cima das cobertas, de forma muito respeitosa, a uma distancia grande e de mãos cruzadas em cima do peito a olhar para o teto do dossel. Esta cama era mais comprida que um navio mercante, só pode!- Sempre nos demos bem, ela era uma boa confidente e amiga. Partilhámos muitos momentos e confesso que durante um tempo tive uma paixoneta por ela, contudo depois voltou para o marquesado dos pais.

- Entendo.- Mordi o lábio.- Lamento ter falado assim dela.

- Oh tudo bem, ela também vos odeia.- Sorriu.

- Sabia! Au...- Só respirar magoava.

- A coitada só usa termos menos educados para vos descrever.

- O que é que essa onça diz de mim?! Estou de cama, mas ainda sou uma lady para lhe partir um dente!- Apertei a barriga. Doía demasiado...

- Eu mesmo a punirei.- Deixou claro.

- Majestade?- Bateram à porta.

- Parece que o chá chegou.- Levantou-se e foi receber o chá.- Chá verde.

Sorri ao sentir o aroma no ar. Tentei sentar-me na cama, porém era doloroso demais.

Sua majestade chegou um cadeirão confortável para perto da cama, enquanto isso servi duas chávenas de chá, já que puxou o carrinho para perto da cama.

- Agradeço.- Pegou na chávena e provou um pouco.- Está mesmo quente.- Pousou a chávena depressa, porém com delicadeza, no pires.

Pus um pouco de açúcar no meu e não me apressei em provar. Já estava com dores de barriga e enjoos, não precisava de queimaduras.

- Sempre crescestes aqui, no palácio?- Perguntei curiosa.

- Sim, embora adorasse ir a Mafra caçar com meu pai.- Sorriu.- No outono e inverno íamos para Sintra. Adorava cavalgar à chuva.

- Eu também.- Suspirei.- Embora recebesse umas boas reprimendas depois.- Sorri ao lembrar o feitio do Lucas.- Mas era tão bom...- Lembrei a chuva fria na pela.- Uma plena sensação de liberdade.

- A sensação de sermos donos de nós mesmos.- Completou.

Provei o chá.

- Porque é que me escolhestes?- Perguntei curiosa, o chá quente sabia bem no estômago.

- Escolhi?

- Para dama de companhia de vossa irmã, já tem tantas damas que fazem tão bem a sua função... Já eu não sei quando é para ir ou ficar.- Levei a mão à testa.

- Sois culta, tendes princípios morais fortes, não tendes a cabeça baixa, contudo ainda possuis a educação e graça de uma verdadeira dama, para além do mais satisfazeis muito bem a curiosidade da minha irmã e dizeis-lhe o que ela precisa de ouvir, tanto para o bem como para o mal e esse tipo de pessoas é mais importante do que aquelas que nos dizem apenas o que queremos ouvir.

Corei.

- D. Francisca é uma menina maravilhosa.

- Sois sua serva.- Sorriu divertido.

- É... mas alguma vez vistes uma menina a dar a sua boneca favorita à sua serva?- Abracei a boneca feliz.

- Não.- Admitiu e bebeu mais chá; tombou a cabeça para trás cansado.- Qual é o seu tipo de homem ideal, Helena?

- Perdão?!- Eu sabia que toda esta simpatia trazia água no bico! Eu estou na cama dele caramba, pode fazer comigo o que bem quiser!

- Não. Nada disso, sei que o seu sonho era possuir o rei, mas infelizmente...

- Majestade, o meu sábio conselho é a permanência do silêncio ou haverá um ego no chão não tarda nada.- Bebi o meu chá.

- É justo. Eu conto-lhe o meu tipo de mulher, a Helena conta-me o seu tipo de homem.

- Algo me diz que me vou divertir muito.- Pousei a chávena e o pires na mesa de cabeceira, pronta a ouvir o rei.

- Zoais de mim?

- Cruzes não.- Mordi a língua.- Porquê esse assunto agora?

- Curiosidade, desespero, falta de liberdade futura.

- Bem, começai então.- Primeiro o rei!

- Bom, eu creio gostar de uma mulher que me apoie, seja culta, inteligente e carinhosa. Tem de ter sempre algo importante a dizer-me e tem de conseguir acalmar-me. Tem de ter graça e tem de ser tal qual como anjo, quanto às suas atitudes. Um sorriso bonito e uns olhos de cor fora do comum. Tem de ter curvas que me elevem a um outro nível... Tem de ser o meu sonho de consumo entre quatro paredes, aceitar qualquer coisa com vista ao prazer.

Porquê os aposentos do rei? Não havia outro apartamento? Eu ficava até no da criada!

- Perdão, acho que... me entusiasmei um pouco demais.- Corou e bebeu mais chá.

Ainda estava um pouco incrédula com as suas palavras, mas não tão surpreendida com os seus desejos. Todos os homens são iguais.

- E vós?

- E eu...- Refleti.- Creio que me daria muito bem com alguém que tivesse a cultura e o gosto de um italiano, o aspecto de um norueguês, a educação e respeito de um inglês, a ousadia de um espanhol e a riqueza de um português.

- Complicado.- Riu e sorri com ele.- Vosso pai já tem alguém em vista para vós?

- Vire essa boca para lá!- Ofendi-me.

- Certo.- Sorriu divertido.

- E vós? Teremos uma rainha em breve?

- Sim, creio que sim.- Sorriu contudo não parecia verdadeiramente feliz com isso.

- Espanhola?

- Deus nos livre! Portugal já teve espanhóis mais que suficientes!- Cuspiu.- Quando estiver tudo acordado, sabereis de quem se trata.

- Fiquei curiosa agora.- Brinquei e beberiquei mais do chá.

- Bom, já está tarde.- Sua majestade levantou-se do cadeirão.- Tende uma boa noite, Helena.

Pegou num dos castiçais de velas para iluminar o caminho. Usou uma porta perto da cama para sair, bem discreta.

- Boa noite, majestade.- Sorri e tentei aconchegar-me sem doer muito.

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